Resumo: Discute-se na doutrina se a inversão do ônus da prova em matéria consumerista é uma técnica de julgamento ou matéria de instrução processual e qual seria o momento adequado para se verifique a modalidade prevista no art. 6º, VIII do CDC. Bom seria se se invertesse ope judicis o ônus da prova na ocasião ou até o momento do saneamento do processo, pois, pelas “regras ordinárias de experiência”, será este o momento em que o magistrado terá analisado as alegações de ambas as partes e possuirá condições de verificar se estão presentes ou não os requisitos do art. 6º, VIII do CDC.
Palavras-chaves: ônus; prova; instrução; julgamento.
Sumário: 1 Introdução; 2 A inversão do ônus da prova e o seu momento processual adequado; 3 Conclusão; 4 Referências bibliográficas.
1 Introdução:
Ônus são encargos sem cujo desempenho o sujeito se põe em situações de desvantagem perante o direito, ou seja, seria ume encargo atribuído à parte do processo. A palavra vem do latim “ônus” que significa peso, fardo, gravame, carga.
Moacyr Amaral dos Santos[1] classifica o “onus probandi” como “dever de provar, no sentido de necessidade de provar. Trata-se apenas de dever no sentido de interesse, necessidade de fornecer a prova destinada à formação da convicção do juiz quanto aos alegados pelas partes”.
O ônus da prova divide-se em duas vertentes:
1ª: Ônus subjetivo: é uma regra de conduta dirigida às partes, indicando os fatos a serem provados por cada uma delas;
2ª: Ônus objetivo: é uma regra dirigida ao juiz e, portanto, de julgamento, indicando como este deverá decidir o conflito caso não sejam encontradas as provas dos fatos alegados.
As regras de ônus da prova são de estruturação do processo. As regras de distribuição desse ônus são regras de juízo, pois dizem a este como agir quando algo não está claro em sobre prova em matéria de fato, além de indicar às partes quanto à sua atividade probatória.
No ordenamento jurídico vigente no país (e em grande parcela dos países do globo), a regra que se observa é a de que cabe a cada uma das partes oferecer elementos de prova das alegações fáticas que fizer no decorrer do processo.
As exceções a essa regra encontram-se nas normas de inversão do ônus prova. Essa inversão vem de encontro ao princípio da isonomia, visto buscar tratar de forma desigual aqueles que se encontram em um estado de desigualdade.
As normas de inversão do ônus da prova possuem duas espécies:
1ª: Inversão ope legis: é aquela em que a lei determina quais as hipóteses em que se procederá à inversão do ônus da prova, independendo do caso concreto e da atuação do juiz;
2ª: Inversão ope judicis: é aquela em que o juiz analisando o caso concreto e presentes os requisitos decide pela inversão do ônus da prova.
O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º, VIII permite que se opere a inversão ope judicis do ônus da prova nos processos que versem sobre relações de consumo quando estiver presente ao menos um dos seguintes requisitos:
a) Verossímil a alegação do consumidor;
b) O consumidor se encontrar em situação de hipossuficiência probatória, ou seja, quando não possuir condições técnicas, materiais, sociais ou financeiras de produzir prova do quanto alegado.
Discute-se na doutrina se a inversão do ônus da prova em matéria consumerista é uma técnica de julgamento ou matéria de instrução processual e qual seria o momento adequado para se verifique a modalidade prevista no citado art. 6º, VIII do CDC, in verbis: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
2 A inversão do ônus da prova e o seu momento processual adequado:
Há duas importantes correntes contrárias dispondo sobre o momento de inversão do ônus da prova:
Uma primeira corrente defendida por Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe[2], Cândido Rangel Dinamarco[3], João Batista Lopes[4] prevê que deve ser invertido o ônus da prova quando da prolatação da sentença.
Seguindo essa corrente, o douto Nelson Nery[5] ensina que, in verbis:
“O juiz, ao receber os autos para proferir sentença, verificando que seria o caso de inverter o ônus da prova em favor do consumidor, não poderá baixar os autos em diligência e determinar que o fornecedor faça a prova, pois o momento processual para a produção dessa prova já terá sido ultrapassado. Portanto, caberá ao fornecedor agir no sentido de procurar demonstrar a inexistência de circunstâncias extintivas, impeditivas ou modificativas do direito do consumidor, caso pretenda vencer a demanda.”
Prossegue ainda o renomado mestre Nery Jr[6], in verbis:
“Não há momento para o juiz fixar o ônus da prova ou sua inversão (CDC 6º VIII), porque não se trata de regra de procedimento. O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso não se produza (…) A sentença, portanto, é o momento adequado para o juiz aplicar as regras sobre ônus da prova. Não antes.”
Já uma segunda corrente defendida por Antonio Gidi[7], Maristela da Silva Alves[8], Cambi[9], prevê que deve ser invertido o ônus da prova antes da sentença, no máximo até o saneamento ou término da fase probatória.
Assim também entende o professor Fredie Didier Jr[10], dizendo ser caso de matéria de instrução processual, tendo em vista a necessidade de se dar um tempo ao onerado de se desincumbir do ônus que lhe fora atribuído, in verbis:
“A regra de inversão do ônus da prova é regra de processo, que autoriza o desvio de rota; não se trata de regra de julgamento, como a que distribui o ônus da prova. Assim, deve o magistrado anunciar a inversão antes de sentenciar e em tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, não se justificando o posicionamento que defende a possibilidade de a inversão se dar no momento do julgamento, pois “se fosse lícito ao magistrado operar a inversão do ônus da prova no exato momento da sentença, ocorreria a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir um ônus ao réu, e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes inexistia”. Uma coisa é a regra que se inverte (a regra do ônus), outra é a regra que inverte (a da inversão do ônus).”
A discussão prosseguiu até o Superior Tribunal de Justiça, onde os Ministros Castro Filho e Nancy Andrighi divergiram no REsp. 422.778/SP acerca do momento processual adequado e qual a regra aplicável no que tange à inversão do ônus da prova.
O Min. Castro Filho[11], em seu relatório e voto, deu provimento ao referido Recurso Especial, entendendo que essa inversão é regra de instrução e determinou o retorno dos autos para que o juízo se pronunciasse a respeito do direito do recorrente de fazer a prova, in verbis:
“Assim, a meu sentir, a inversão do ônus da prova deve ser decretada pelo juiz antes da sentença, pois se configura regra de procedimento, cuja finalidade é de possibilitar que as partes passam melhor se conduzir no processo, especialmente para que saibam a qual delas toca o ônus de produzir a prova.
Na verdade, o que não pode ser admitido é que o magistrado, presentes os requisitos do dispositivo de regência, não defira a inversão no momento da dilação probatória, para fazê-lo em outro, após passada a fase probatória, haja vista caracterizar violação ao princípio do contraditório.
(…)Considerando, portanto, feita a inversão sem que dela tenha cuidado o juiz singular, não se manifestando sobre a necessidade de tal inversão diante das provas testemunhal, pericial e documental, entendo que ocorreu o cerceamento de defesa. Não se pode falar em inversão compulsória. É ao juiz, portanto, que toca verificar se estão presentes os pressupostos que o autorizam e, ao assim proceder, deve prevalecer o princípio do contraditório.”
Entretanto (e infelizmente), o Min. Castro Filho votou vencido nesse julgado. A Min. Nancy Andrighi[12], de forma contrária, entendeu que a regra da inversão do ônus da prova em consonância com o citado art. 6º, VIII do CDC é de julgamento, proferindo seu voto-vista no seguinte sentido, in verbis:
“(…) se o inc. VIII, do art. 6.°, do CDC, determina que o juiz inverta o ônus da prova a favor do consumidor quando entender verossímil a sua alegação ou quando considerá-lo hipossuficiente; isso só pode ser feito senão após o oferecimento e a valoração das provas produzidas na fase instrutória, se e quando, após analisar o conjunto probatório, ainda estiver em dúvida para julgar a demanda (sendo dispensável a inversão, caso forme sua convicção com as provas efetivamente produzidas no feito). Assim, se no momento do julgamento houver dúvida sobre algum ponto da demanda, essa dúvida deve ser decidida a favor do consumidor, nos termos do art. 6.°, VIII, do CDC.”
Conforme se verifica, o tema é controvertido e de grande importância, havendo posições doutrinárias e jurisprudenciais em ambos os sentidos.
3 Conclusão:
A segunda corrente que trata da inversão do ônus da prova como matéria de instrução processual mostra-se mais plausível, porque ela evita uma ruptura do devido processo legal, a qual ofenderia o contraditório.
Não seria justo onerar uma parte que não provou a veracidade ou não de fatos alegados sem que tenha sido a ela oferecida a oportunidade de fazê-lo.
Por conseguinte, um bom momento processual para se inverter ope judicis o ônus da prova seria o da ocasião ou até o saneamento do processo, pois, pelas “regras ordinárias de experiência”, será este o momento em que o magistrado terá analisado as alegações de ambas as partes e possuirá condições de verificar se estão presentes ou não os requisitos do art. 6º, VIII do CDC.
Cada uma das partes adquire desde o início do processo uma postura perante ele. Essa postura pode se referir tanto a aspectos processuais, como a escolha do procedimento adequado pelo o autor ou as espécies de defesas a serem utilizadas pelo réu, quanto no que tange a aspectos de direito material, que irão repercutir diretamente no julgamento do mérito.
Para tanto, é fundamental um posicionamento do juiz determinando que ônus, providências e obrigações deverão ser desempenhados no decorrer do processo por cada uma das partes. Inserem-se, sem dúvida, nesse posicionamento, as regras de inversão do ônus da prova.
Logo, deixar a análise da inversão do ônus da prova para o momento da sentença poderia soar como um elemento “surpresa” para quem deva carregar fardo tão pesado. Seriam mais bem exercidas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório se cada litigante soubesse, o quanto antes, o seu papel no processo.
O momento ideal para o juiz decidir acerca da inversão do ônus da prova seria a fase de saneamento do processo. Nesse momento, estaria proporcionando ao onerado a possibilidade de se desincumbir desse ônus ou de produzir as provas que sejam convenientes para defesa do seu direito, utilizando da melhor forma as garantias processuais supra citadas proporcionadas pelo legislador constituinte.
Advogado; Pós-graduando em Direito Processual Civil Lato Sensu pela UNIDERP/IBDP/LFG; Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; professor colaborador de Direito Processual Civil da UFMS campus de Três Lagoas
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