Sentença: novas luzes sobre o problema da fundamentação da sentença conforme o artigo 499, § 1º, do projeto do novo Código de Processo Civil

Resumo: Este trabalho busca elucidar as inovações trazidas pelo projeto do novo Código de Processo Civil no que concerne à fundamentação das sentenças e acórdãos, elencadas no parágrafo primeiro do artigo 499 do dispositivo projetado. Igualmente, serão apresentados alguns problemas que poderão surgir pela nova sistemática proposta. Será realizada uma análise da evolução do instituto no sistema pátrio, para, ao final, apresentar as possibilidades previstas pelo Projeto do Novo Código Processo Civil.[1]

Palavras-chave: Sentença – Acórdão – CPC – CPCP – requisitos – fundamentação – art. 499 – art. 458

Abstract: This article seeks to elucidate the innovations brought by the project of the new Code of Civil Procedure regarding the grounds for the sentences and judgments listed in the first paragraph of Article 499 of the designed device. Also, will be faced some problems that would become with the new systematic proposal. Will be done an analysis of the evolution of the institute in the parental system, for in the end, present the possibilities provided by the Project of the New Civil Procedure Code.

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Key Words: Sentence – Judgment – CPC – CPCP – requirements – reasons – art. 499 – art. 458

Sumário: 1. Introdução. 2. Breve escorço histórico – Origem da necessidade de fundamentação das decisões. 3. Da Evolução do Princípio da Fundamentação no Direito Pátrio. 4. Do requisito da fundamentação das decisões na sistemática atual e as inovações trazidas pelo novo sistema do Código de Processo Civil Projetado. 4.1. A Fundamentação ou Motivação das decisões. 4.2. Da Fundamentação das Decisões no Novo sistema do CPCP. 4.2.1. Artigo 499, § 1º, inciso I do CPCP. 4.2.2. Artigo 499, § 1º, inciso II do CPCP. 4.2.3. Artigo 499, § 1º, inciso III do CPCP. 4.2.4. Artigo 499, § 1º, inciso IV do CPCP. 4.2.5. Artigo 499, § 1º, inciso V do CPCP. 4.2.6. Artigo 499, § 1º, inciso VI do CPCP. 5. Conclusão.

1. Introdução

Muito se questiona hoje em dia acerca da liberdade do Magistrado em fundamentar sua decisão; se está o mesmo obrigado a fundamentá-la de forma inovadora, quer dizer, de maneira autêntica, sem reproduzir fundamentação pré-existente, ou se o mesmo possui a faculdade de reportar-se à outra decisão para fins de motivação da sentença ou do acórdão; se ele precisa rebater todas as teses aduzidas pelas partes ou se basta manifestar-se acerca daquela que foi decisiva para seu convencimento; se basta mencionar o ato normativo como forma de justificar seu convencimento ou se precisa reproduzir em que aspecto aquele ato fora fundamental para a decisão proferida.

Hoje existem decisões que se limitam à transcrição de outras decisões, ou simplesmente mencionam o dispositivo de lei que consideram útil ao deslinde da controvérsia, sem adentrar precisamente às razões que levaram ao convencimento do Magistrado.

Outras há em que, utilizando-se de conceitos jurídicos incertos, são dadas por fundamentadas, muito embora não expliquem a relevância de tais conceitos para o caso em si.

Da mesma forma, existem decisões que hoje são tidas por fundamentadas quando contêm motivos gerais, os quais fundamentariam quaisquer decisões e não possuem a extensão suficiente ao caso em que foram apresentados.

Há também aquelas que tão somente analisam um aspecto das matérias suscitadas pelas partes e, com isso, são consideradas fundamentadas, sem o enfrentamento das demais teses apresentadas.

Inclusive, talvez neste aspecto, seja mais notada a inovação apresentada pelo Projeto no sentido de que não serão consideradas fundamentadas aquelas decisões que não mencionem as razões pelas quais as teses vencidas não convenceram o Magistrado, já que a jurisprudência hodierna se manifesta de forma praticamente unânime acerca da desnecessidade de o Magistrado analisar todas as teses formuladas pelas partes para que sua fundamentação seja considerada válida, bastando tão somente manifestar-se acerca daquela tese que entendeu importante para seu convencimento – tal aspecto será detidamente analisado em item especifico.

Todavia, embora hoje não seja proibido que tais fundamentos acima exemplificados bastem para o preenchimento do requisito da sentença consistente na fundamentação/motivação, o Código de Processo Civil Projetado inovou tal sistemática no sentido de estabelecer parâmetros para que as sentenças e os acórdãos possam ser considerados válidos em suas fundamentações.

Assim, com espectro ao que determina o artigo 93, inciso IX da Constituição Federal e os artigos 162, 165, 458 e 459 do Código de Processo Civil em vigor, em confronto com a nova redação conferida pelo artigo 499 e ss. do Código de Processo Civil Projetado, terá o presente artigo por objeto a análise das inovações pretendidas acerca da fundamentação das decisões.

2. Breve escorço histórico – Origem da necessidade de fundamentação das decisões

Apenas para situar o tema, será aqui realizado um esboço acerca da origem da necessidade de fundamentação das decisões e da influência de tal posicionamento no direito brasileiro.

Até o início da formulação do Estado Moderno e a elaboração das primeiras Constituições (Estados Unidos e França), a Teoria Geral do Direito possuía um viés predominantemente jus naturalista, com escassa menção ao direito positivo, porquanto a sociedade primava pelas concepções do Divino e do natural, entendendo tais bastantes para proferir uma decisão.

Até que se fizesse a Revolução Francesa e, assim, fosse elaborada uma constituição (1791), as decisões não necessitavam ser fundamentadas, de modo que, embora presente no ideal da sociedade, o princípio da motivação das decisões não era observado. Ademais, primava-se pela irretocabilidade das decisões proferidas pelos reis e imperadores, considerados perfeitos e insuscetíveis de cometerem erros.

Todavia, com a promulgação da Constituição Francesa em 1791, observando o anseio social pela busca de novos paradigmas diante da apresentação da Declaração do Homem e do Cidadão (1789), a França estabeleceu que todas as decisões proferidas pelos Juízes deveriam vir motivadas.

Ocorreu, porém, que, embora a expressa menção legal, não havia a estrita obrigatoriedade de sua observância, já que a própria sociedade francesa e os juristas da época, com fulcro na ideia do jus natural, entendiam coerente que a submissão à legalidade seria aos poucos inserida na sociedade, de modo que as decisões, somente gradativamente, começariam a ser fundamentadas.

Nos dias atuais, o Código de Processo Civil da França prevê que o julgamento deve expor de maneira sucinta os pedidos das partes, devendo, ademais, ser devidamente motivado:

“Art. 455 do Código de Processo Civil Francês, em tradução livre: “O julgamento deve indicar brevemente as respectivas alegações das partes e seus meios. Esta exposição pode assumir a forma de um resumo dos pedidos das partes com a indicação dos prazos. O julgamento deve ser motivado.”[2]

Tal demonstra a preocupação daquele Estado em possibilitar à sua sociedade a fiscalização do órgão jurisdicional mediante o conhecimento das razões que levaram o Juiz a proferir este ou aquele entendimento, permitindo amplo espectro de defesa e primando pelo ideal de justiça e igualdade.

E foi diante dessa tendência legalista, com o abandono do jus naturalismo para questões envolvendo o direito processual, que os países europeus seguiram esse posicionamento, de modo a perquirirem pela fundamentação de suas decisões como demonstração do Estado de Direito.

Muito embora tenha sido o Direito Francês o impulso inicial para que outros países adotassem a fundamentação das decisões, no Direito Brasileiro o tema foi inserido através das ordenações portuguesas, sofrendo grande influência, ademais, do Direito Italiano e do Direito Alemão neste aspecto.

O Direito Italiano contribuiu para o Direito Brasileiro na medida em que previu em sua Constituição o princípio da motivação das decisões, determinando que “todas as decisões judiciais devem ser motivadas” (tradução livre do artigo 111 da Constituição da Itália)[3].

Por sua vez, a legislação infraconstitucional italiana também fixou o princípio, dispondo, no artigo 132, item 4, do Código de Processo Italiano[4], que as decisões devem conter a concisa exposição do desenvolvimento do processo e dos motivos de fato e de direito da decisão.

Tudo isso demonstra a tendência de fundamentação das decisões para o fim de preservar os direitos do cidadão.

Em relação ao Direito Alemão, em contraponto ao quanto defendia o direito francês, fora inserida a noção de preenchimento das lacunas das leis por parte dos Juízes quando tais fossem verificadas, sendo necessário, inclusive, certa sensibilidade dos Magistrados para tanto.

Tal noção influenciou o direito brasileiro no que concerne à liberdade que o Juiz possui, assegurada por lei, para proferir sua decisão, o que importa em afirmar que também aos mesmos é conferida liberdade para decidirem sem a necessidade de fundamentarem suas decisões, conforme, inclusive, ainda consagrado pelo atual princípio do livre convencimento motivado, inserto no artigo 131 do CPC.

Por sua vez, as Ordenações portuguesas tiveram grande impacto e influência ao que hoje conhecemos pelo princípio da fundamentação das decisões, o que será mais bem delineado no tópico posterior.

3. Da Evolução do Princípio da Fundamentação no Direito Pátrio

Conforme ensinamentos de José Rogério Cruz e Tucci[5] foi justamente nas Ordenações Afonsinas (Livro III, Titulo L) do Direito Português que deu-se início ao entendimento atual que temos acerca do princípio da fundamentação das decisões, porquanto inovou ao tornar a motivação elemento das sentenças definitivas.

Adiante, com a elaboração das Ordenações Manuelinas, inseriu-se a necessidade de os Magistrados declararem de forma expressa em suas decisões as causas em que se fundaram os entendimentos ali manifestados acerca da solução da lide.

Seguindo referida determinação, as Ordenações Filipinas, editada posteriormente, teve vigência e aplicação no Brasil pelo período de 1603 a 1916, momento em que se inseriu no país a necessidade de as decisões serem fundamentadas pelos Magistrados.

Destaca-se que em 1784 (TUCCI, 1987. pp. 52-53) houve uma mitigação do princípio da fundamentação das decisões no Brasil por força de uma lei editada que regulamentava acerca da celebração dos esponsais. Esta lei previa que o pedido do pai de consentimento para celebrar os esponsais poderia ser concedido ou denegado pelo Magistrado sem que a decisão precisasse de qualquer fundamentação.

Todavia, somente com a promulgação do Decreto 763 de 1890, que o direito brasileiro iniciou de fato sua incursão no mundo da fundamentação das decisões proferidas pelos Magistrados[6].

Porém, como acima já suscitado com a menção ao princípio do livre convencimento motivado, muito embora a tendência legal de se primar pela motivação das decisões, nos dias de hoje, nosso direito ainda mantém a liberdade conferida ao magistrado no sentido de “criar” o direito, apesar de a Constituição Federal alçar ao status de princípio constitucional, a necessidade de motivação das decisões judiciais. (art. 93, IX, da CF)

Assim, em vistas ao fiel cumprimento da Constituição Federal e em busca de consolidar no seio da sociedade o princípio lá insculpido, o CPCP[7] traz grande inovação neste sentido, de modo a compelir o Magistrado a proceder à fundamentação das decisões observando, inclusive, determinadas regras para que a mesma seja assim considerada e, portanto, não afronte a Constituição Federal.

Da mesma maneira, a intenção do CPCP é a de trazer à sociedade a consolidação dos ditames constitucionais, bem como possibilitar aos cidadãos a fiscalização das decisões mediante acompanhamento dos fundamentos de convencimento dos Magistrados.

4. Do requisito da fundamentação das decisões na sistemática atual e as inovações trazidas pelo novo sistema do Código de Processo Civil Projetado

4.1. A Fundamentação ou Motivação das decisões

A partir do presente tópico em diante, será esmiuçado o objetivo precípuo deste artigo, qual seja, a análise do que não será admitido como fundamento das decisões no sistema projetado do Novo Código de Processo Civil.

Inicialmente, importante tecer algumas considerações do que vem a ser a fundamentação ou motivação das decisões, conceitos estes que não se alteram com a redação do CPCP e o novo sistema traçado.

Fundamentação da decisão, então, “é o momento apropriado para que o juiz diga, à luz dos argumentos e provas carreadas aos autos, por que acolhe ou rejeita o pedido do autor (art. 459 do CPC), sendo, portanto, uma decorrência do princípio do livre convencimento motivado (art. 131 do CP) […] A fundamentação das decisões judiciais é garantia verdadeiramente inerente ao Estado Democrático de Direito, e verdadeiro pressuposto para que delas se possa recorrer aos Tribunais, utilmente. Com efeito, conquanto os recursos não sejam interpostos contra a fundamentação das decisões, as razões recursais voltam-se justa e precipuamente contra a fundamentação da decisão, pois ela é que dá sustentação lógica ao decisum.”[8]

A fundamentação da sentença ou acórdão encontra-se abalizada em princípio jurídico, cuja matéria se perfaz de ordem pública, de modo que deve ser observada e constar das decisões proferidas nas quais se exige sua presença – sentenças e acórdãos, conforme inserto nos artigos 165 e 458 do CPC.

As decisões devem espelhar o convencimento do Juiz acerca das questões suscitadas nos autos em consonância com o que decide, de modo a espelhar a verdade por ele encontrada da análise do processo.

A busca da verdade pelo Magistrado encontra-se calcada num juízo de verossimilhança, pois mostra-se impossível alcançar-se efetivamente a “verdade”.

Para atingir essa verossimilhança, é preciso que o Juiz dê legitimidade à sua decisão, o que se perfaz por meio da justificativa apresentada na decisão, a qual assegura o seu convencimento, ou seja, pela fundamentação.

Assim, fundamentar, ou motivar, a decisão, implica que o Juiz deve expor as razões, os motivos pelos quais se convenceu por este ou aquele entendimento, analisando as questões de fato e de direito apresentadas e que o levou a proferir a decisão.

Reforce-se, aqui, que o termo “questões” utilizado no inciso II do artigo 458 do CPC, e repetido pelo inciso II do artigo 499 do CPCP, tem o significado de item do pedido, diferentemente do significado empregado pelo inciso III dos mesmos dispositivos, o qual refere-se a ponto controvertido.

Assim, é nesta etapa da decisão que o Magistrado deve analisar os itens dos pedidos, ou seja, as questões de fato e de direito a ele submetidas no curso da demanda.

Desse modo, é na fundamentação que o Magistrado deverá analisar de maneira lógica as questões jurídicas apresentadas nos autos.

A importância da presença da fundamentação das decisões vem estampada na Carta da Constituição, em seu artigo 93, inciso IX, alçando-a ao status de princípio, in verbis:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (…)

IX. todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”

A fundamentação/motivação, diferentemente do que ocorre com o relatório, obrigatoriamente deve constar das decisões proferidas, sob pena de nulidade da decisão, conforme dispositivo supra.

Todavia, muito embora a redação constitucional, há forte corrente doutrinária que entende que a ausência de fundamentação nas decisões, importa em inexistência da decisão judicial e não na sua nulidade.[9]

Ora, se a fundamentação da decisão é elemento essencial para que a própria decisão exista, a sua ausência a torna inexistente.

Do estudo da fundamentação das decisões, conclui-se que ela possui duas funções:

I) Função endoprocessual: Permite às partes que tenham conhecimento dos motivos e razões que ensejaram o convencimento do Magistrado para proferir determinada decisão, podendo apurar se o mesmo analisou detidamente a causa, a fim de manejarem os recursos próprios cabíveis.

II) Função exoprocessual: a fundamentação torna viável o controle da democracia pela via difusa por parte da sociedade, na medida em que pode analisar se o Judiciário está agindo dentro dos seus limites ou de forma arbitrária.

Quanto ao conteúdo da fundamentação, é necessário que nela conste a resolução das questões incidentais por parte do Magistrado, que deve apreciar e resolver questões de fato e de direito (item do pedido) trazidas para sua análise.

Assim, a fundamentação deve conter a apreciação das questões processuais suscitadas pelas partes, ou aquelas conhecíveis de ofício pelo Magistrado e que ainda não tenham sido resolvidas anteriormente.

Não havendo questões a serem decididas ou, caso existam, tenham sido rejeitadas, o Juiz deve passar à análise dos fundamentos de fato e de direito da demanda e da defesa apresentados, assim como de todas as provas produzidas no curso da lide.

Tal procedimento detido de análise e resolução das questões apresentadas nos autos deve ser realizado tanto no atual sistema processual quanto no sistema do projeto do novo Código de Processo Civil.

4.2. Da Fundamentação das Decisões no Novo sistema do CPCP

Observando os anseios e as tendências hodiernas, o legislador do CPCP buscou trazer a lume as questões controvertidas da atualidade para, com a redação dos dispositivos, permitir a adequação das medidas e observância dos princípios constitucionais.

No que pertine à fundamentação das decisões, inicialmente, o Capítulo I – Das Normas Fundamentais do Processo Civil -, no artigo 11, trata a matéria em análise, ao disciplinar que:

“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada somente a presença das partes, de seus advogados, defensores públicos ou do Ministério Público.”

 Por sua vez, o artigo 499 do CPCP trouxe redação inovadora, nos seguintes termos:

“Art. 499. São elementos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão que:

I – se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo;

II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§2º. No caso de colisão entre normas, o órgão jurisdicional deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada.” (grifei)

Conforme finalidade deste estudo, é precisamente no parágrafo primeiro do artigo 499 do CPCP que será detida a análise a partir de então.

4.2.1. Artigo 499, § 1º, inciso I do CPCP

O primeiro inciso que refuta fundamentada a decisão, determina que a indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo não é causa de decidir.

Ora, com acerto o legislador do Projeto entendeu por bem expurgar dos Tribunais a tendência em considerar-se suficiente à motivação da decisão a menção à norma que o Juiz entende cabível para o caso. Se o Juiz assim realiza sua motivação, não está de fato explicitando seu convencimento.

A finalidade da fundamentação não é alcançada quando assim realizada. A indicação do ato normativo não possibilita à parte insurgir-se utilmente quanto ao resultado da decisão, porquanto não saiba o que, daquele ato normativo mencionado, influenciou o Magistrado em seu convencimento.

É preciso, portanto, que o Magistrado, quando da indicação da norma aplicável ao deslinde da controvérsia, exponha de forma clara as razões pelas quais entende cabível aquele ato normativo, deixando evidente os motivos que o convenceram pela aplicação da norma.

Quer dizer, não bastará que o Juiz mencione a norma que solucione o caso. Será imprescindível que o mesmo manifeste as razões que lhe convencem a aplicar aquela norma ao caso, pormenorizando o quê daquela norma influencia a tomada de sua decisão.

4.2.2. Artigo 499, § 1º, inciso II do CPCP

O inciso seguinte do parágrafo primeiro do artigo 499 projetado determina que as decisões não serão consideradas fundamentadas quando o Juiz empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicitar o motivo concreto de sua incidência no caso.

Da mesma forma como pretendido pelo inciso I do parágrafo primeiro do artigo 499 do CPCP, o legislador busca dar efetividade à motivação das decisões, permitindo, outrossim, sejam observados os princípios constitucionais assegurados á partes, essencialmente a ampla defesa e o estado democrático de direito.

Muito embora a tendência atual de proferimento de decisões mediante fundamentos vagos ou indeterminados, uma vez que as particularidades de cada caso não podem ser previstas pelo Legislador, referido dispositivo inovou neste aspecto, impossibilitando o Juiz de criar o direito, como hoje se admite, devendo buscar as soluções dos casos no próprio sistema jurídico.

Igualmente, o mencionando artigo permitirá uma linguagem acessível ao cidadão, evitando que os Magistrados redijam suas decisões com linguagens e sinais por muitos desconhecidos, de forma a dificultar o entendimento da solução dada.

As normas que trazem conceitos jurídicos indeterminados permitem ao Magistrado amplitude em suas deliberações, de modo a exigirem-lhe fundamentações densas em suas decisões.  Tal necessidade veio reafirmada pelo dispositivo acima.

Evidenciado, portanto, a busca pela explanação, por parte do Juiz, daquilo que lhe foi certeiro no convencimento por esta ou aquela tese, porquanto o mesmo deverá exibir em suas razoes de decidir o sentido de compreensão desses conceitos, uma vez serem os mesmos vagos e demandarem subjetivismo para serem entendidos.

Assim, denota-se que o inciso II do parágrafo primeiro do artigo 499 do CPCP deverá ser utilizado de maneira cautelosa, porquanto poderá ocorrer de haver grande subjetivismo nas decisões, uma vez que o próprio inciso em questão torna subjetivo o que vem a ser conceitos jurídicos indeterminados.

Da mesma forma, embora repelido pelo sistema a procrastinação do feito, tendo em vista a subjetividade do inciso, poderá ocorrer manifestações das partes, com base neste artigo, tão somente para fins de protelar o feito, tornando o Tribunal engessado em verificar se de fato tratar-se-á de recurso coerente ou se tratar-se-á de abuso do direito de defesa, uma vez que restará dificultada a noção do que será um conceito jurídico indeterminado.

4.2.3. Artigo 499, § 1º, inciso III do CPCP

Por seu turno, o inciso III do parágrafo único do artigo 499 do CPCP determina que a decisão será considerada nula quando sua fundamentação invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão.

Aqui, precisamente, o legislador do Projeto primou pela individualização da causa e análise de suas particularidades.

Assim como realizado nos incisos anteriores, o intuito é de dar autenticidade às decisões e, especialmente, às fundamentações.

Todavia, da redação do dispositivo, não se apreende se os motivos que não podem ser invocados seriam aqueles que justificariam decisões nos próprios autos ou em autos diversos ou, independentemente, em qualquer demanda.

Da mesma maneira, ficou subjetiva a questão, de modo que permitirá ao Magistrado atuar da maneira que entender pertinente.

4.2.4. Artigo 499, § 1º, inciso IV do CPCP

Talvez o dispositivo do Projeto do Novo CPC que maior impacto trará à questão da fundamentação das decisões encontra-se inserto no inciso IV do parágrafo primeiro do artigo 499, CPCP, o qual determina, in verbis:

“Art. 499 (…) Parágrafo Primeiro. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (…) IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.”

Infere-se deste dispositivo que a tendência do legislador do Projeto é a de permitir às partes o efetivo esgotamento da prestação jurisdicional, uma vez que determina que o Magistrado deverá analisar todos os argumentos submetidos à sua apreciação, os quais possam infirmar o julgamento.

O CPCP traz, em seu bojo, a garantia constitucional do cidadão em ter uma decisão fundamentada precisamente, sendo expressamente manifestada em diversas oportunidades no corpo do CPCP, muito embora, por ser uma garantia constitucional, poderia, inclusive, ficar implícito, o que importa em reafirmar que o legislador primou pela ampla garantia constitucional e processual neste Projeto.

Assim como já manifestado anteriormente neste estudo quando das aduções acerca do próprio instituto da fundamentação, nos dias de hoje, a tendência dos Tribunais é a de considerar fundamentada aquela decisão que não analise precisamente todas as teses suscitadas pelas partes, de modo a ser suficiente apenas a menção acerca daquela que fora determinante para o convencimento do Juiz.

Hoje, o Magistrado não está obrigado a submeter-se à análise e pormenores de todas as teses e argumentos trazidos pelas partes, sendo bastante que se manifeste sobre o que lhe convenceu precipuamente. A ausência de apreciação, pelo Juiz, das demais teses não é causa de nulidade da decisão, porquanto, reiteradamente, os Tribunais de Instancia se manifestaram no sentido de que “o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão” (EDcl no AgRg no Ag 605.832/RJ, Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma, DJ de 21/11/05)

Todavia, com a redação conferida ao dispositivo em análise, é certo que o Juiz deverá manifestar-se acerca das teses suscitadas pelas partes sempre que tais influenciarem no julgamento da causa, devendo expor as razões pelas quais tais teses foram afastadas e em que aspecto a tese vencida fora convincente.

Talvez, de início, haverá certa dificuldade de adequação dos julgados ao quanto determinado pelo dispositivo, porquanto a práxis demonstra ser aceito, sem resistências, o fato de o Juiz manifestar-se somente sobre aquela matéria que lhe convencera para solução da lide e fundamentar sua decisão apenas com vistas a ela.

Importante deixar consignado que a busca pela efetividade das garantias constitucionais pretendida pelo CPCP é louvável; porém, a resistência à aplicação deste artigo será mais do que certa.

Nota-se que o legislador utilizou o termo “em tese”, ou seja, o Magistrado deverá fazer uma análise minudente do argumento apresentado pela parte vencida para situar se o mesmo influenciaria na decisão em sentido contrário à solução que fora dada.

Ora, mais uma vez o legislador tornou subjetiva a questão da fundamentação, porquanto dependerá, mais uma vez, do próprio julgador em pronunciar-se sobre a influência ou não daquela tese vencida na decisão emanada.

Com isso, poderá ocorrer de o Tribunal justificar a ausência de apreciação das teses e argumentos vencidos pelo simples fato de os mesmos não infirmarem o resultado do Julgamento.

Porém, justiça seja feita, toda tese aduzida pela parte vencida possui a finalidade precípua de anular o julgamento dado em seu desfavor.

Ao que parece, continuará sendo um jogo de gigantes, porquanto os Magistrados não se dobrarão facilmente às prováveis alegações recursais de ausência de análise de argumento capaz de alterar o resultado do julgamento.

Nos dias atuais, verifica-se evidente que os Tribunais se dispõem em sentido completamente oposto ao quanto pretendido pelo CPCP, por isso, talvez, que a resistência por parte dos mesmos será quase certa. Os seguintes julgados demonstram com objetividade a tendência atual dos Tribunais, a qual deverá ser abandona com a nova sistemática:

“EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. (…)

3. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 165, 458 e 535 do Código de Processo Civil porque, (i) ao adotar as razões do voto vencido para torná-lo vencedor, não houve motivação de parte do acórdão recorrido, não foram analisadas (ii) a eficácia erga omnes do registro, nem (iii) a questão da necessidade de processo administrativo com convocação pessoal dos interessados, (iv) a correta localização do imóvel, (v) a insuficiência de convocação genérica, (vi) a evidente nulidade do procedimento administrativo de Torres e (vii) a ocorrência de julgamento extra petita.

4. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa aos arts. 165, 458 e 535 do CPC. Precedentes.

5. Embora, na espécie, a instância ordinária não tenha analisado pormenorizadamente os argumentos que a parte alega, agora, serem imprescindíveis para a controvérsia, a verdade é que foi oferecida prestação jurisdicional clara, suficiente e adequada à controvérsia suscitada. Trechos do acórdão recorrido.

6. Recurso especial não provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator) (…) É de se destacar que os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa aos arts. 165, 458 e 535 do CPC. Neste sentido, existem diversos precedentes desta Corte. Vejam-se exemplos: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, II, DO CPC, NÃO CONFIGURADA. […] 1. Não há violação do art. 535, II, do CPC, uma vez que os acórdãos recorridos estão devidamente fundamentados. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que o julgador não está adstrito a responder a todos os argumentos das partes, desde que fundamente sua decisão. […] 7. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1.261.841/PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13.9.2010) PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ADMINISTRATIVO. […] VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. […] 43. A decisão que pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos não enseja recurso especial pela violação do art. 535, I e II, do CPC. […] 46. Recurso Especial interposto pela empresa BRASIL TELECOM S/A parcialmente conhecido, pela alínea "a", e, nesta parte, provido. 47. Recurso Especial interposto por CLÁUDIO PETRINI BELMONTE desprovido. (REsp 976.836/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 5.10.2010)

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPCNÃO OCORRENTE. […] 1. Inexistem quaisquer resquícios de negativa de prestação jurisdicional cometida pelo acórdão recorrido que examinou de modo sólido e integral a controvérsia. […] 4. Recursos especiais não providos”. (REsp 1.181.300/PA, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 24.9.2010)

“Embora, na espécie, a instância ordinária não tenha analisado pormenorizadamente os argumentos que a parte alega, agora, serem imprescindíveis para a controvérsia, a verdade é que foi oferecida prestação jurisdicional clara, suficiente e adequada à controvérsia suscitada. A ver: “(…)”

Como se vê, correta ou incorretamente, a origem julgou o feito, e isto afasta a ofensa aos arts. 165, 458 e 535 do CPC. Com essas considerações, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso especial”. (Recurso Especial nº 1.099.302 – RS (2008/0228554-6) Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça. Julgado 22/11/2011 – grifei)

Inclusive, a questão fora decidida pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 847.887 – MG, a seguir:

“Ementa. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. COBRANÇA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL. VALOR DO ICMS INCORPORADO NO VALOR DO FRETE. MANUTENÇÃO DO PREÇO COM A ISENÇÃO DA TRIBUTAÇÃO. ANUÊNCIA TÁCITA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS ARTS. 5º, CAPUT, LIV E LV, E 133, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. OFENSA REFLEXA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 279/STF. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE FATO SUPERVENIENTE. PARTE AGRAVADA PERDEU A CAPACIDADE PROCESSUAL NO CURSO DA AÇÃO. (…)

5. Os princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação das decisões judiciais, bem como os limites da coisa julgada, quando a verificação de sua ofensa dependa do reexame prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a abertura da instância extraordinária. Precedentes. (…)

8. In casu, o acórdão recorrido assentou: APELAÇÃO CÍVEL – PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – FUNDAMENTAÇÃO CONCISA – LEGALIDADE – NULIDADE AFASTADA – COBRANÇA – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL – VALOR DO FRETE – MANUTENÇÃO DO PREÇO COM A ISENÇÃO DE TRIBUTAÇÃO – ANUÊNCIA TÁCITA – CONTINUIDADE NA EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS – POSSIBILIDADE.

Consoante jurisprudência dominante, só se considera nula a decisão desprovida de fundamentação, não aquela que, embora concisa, contenha motivação. Logo, os fundamentos, nos quais se suporta a r. sentença de primeiro grau, apresentam-se claros e nítidos e, por conseguinte, não dão lugar a omissões, obscuridades ou contradições, pois o não-acatamento de todas as teses arguidas pelas partes não implica cerceamento de defesa, uma vez que ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que ele entender atinente à lide. Não está o magistrado obrigado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinente ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso. (…) Agravo regimental a que se nega provimento. Decisão A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 13.12.2011”. (STF. Ag Reg. no Agravo de Instrumento n.º 847887 – MG. Relator Ministro Luiz Fux. Órgão Julgador: Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Julgamento: 13/12/2011. DJe 16/02/2012 – grifei)

4.2.5. Artigo 499, § 1º, inciso V do CPCP

Seguindo, pois, a inovação trazida pelo dispositivo em análise, o relator do CPCP consignou expressamente que uma decisão não será considerada fundamentada se tão somente invocar precedentes de Cortes ou Enunciados de Súmulas editadas, sem identificar com maior vagar os fundamentos que levaram o Magistrado a entender daquela forma ou se o caso se ajusta àqueles fundamentos.

A análise desse dispositivo desperta o exame de uma importante questão de fundo: muito embora o instituto do precedente judicial encontra-se presente em todos os sistemas jurídicos, a distinção a ser analisada está na importância que os países que adotam o sistema da common law dão ao precedente judicial, bem como as hipóteses em que lhe é atribuído o caráter vinculante e as hipóteses em que o caso julgado é tratado apenas como um mero elemento de persuasão, que atue tão somente de maneira subjetiva no convencimento do Magistrado.

Assim, no sistema adotado no Direito Brasileiro – civil law – há a predominância da busca pela segurança jurídica, e, em contrapartida, na common law, os países que o adotam, disciplinam seu direito por meio de um Direito costumeiro, aplicado pela jurisprudência, no qual predomina a visão de pacificação e reconciliação dos litigantes.

Tal diferenciação se denota importante porque, no caso da common law, não importa se essa pacificação dos litigantes seja realizada à luz da lei ou de outro critério; basta que seja adequado ao caso concreto, pois sua finalidade é harmonizar as partes em litígio. Prevalece, portanto, a justiça dos costumes da sociedade, os precedentes.

E é nesse seio dos costumes sociais que a figura dos precedentes aparece. Os precedentes judiciais são decisões tomadas à luz de um caso concreto e que poderá servir como parâmetro, diretriz, para casos análogos futuros.

Quer dizer, os precedentes são tirados de uma situação concreta, na qual o Magistrado cria uma norma jurídica para aquela situação analisada, consubstanciando a tese jurídica adotada ao caso.

De acordo com os ensinamentos de Cruz e Tucci[10], “todo precedente é composto de duas partes

distintas: a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório”.

Referida ratio decidendi (“razão de decidir” ou “razão para que se decida”) é uma norma geral, construída doutrinariamente mediante raciocínio indutivo, representativa dos dados reputados relevantes no julgamento, a qual deve ser exposta na fundamentação das decisões proferidas pelos Magistrados, porquanto será ela a base da conclusão do Juiz acerca da questão sub judice.

Tudo isso demonstra que o órgão jurisdicional deve ter cuidado ao fundamentar um decisium, uma vez que sua fundamentação poderá ser utilizada em outras situações, primando, ademais, pelo princípio da isonomia.

Neste ponto que o CPCP atua de forma a encarar essa realidade verificada atualmente, no sentido de que, dada a perda de credibilidade da sociedade na justiça e nos juízes em decorrência do aumento da consciência jurídica da sociedade e do grau de exigência da mesma quanto ao desempenho do Poder Judiciário, os países que adotam a civil law têm utilizado alguns parâmetros da commom law e vice-versa, aproximando-os em razão da expansão das cláusulas gerais processuais, como ocorre com o novel Diploma.

Importante anotar, ainda, que tal aproximação de sistemas atribui maior poder ao Juiz, na medida em que lhe permite adotar súmulas extraídas de julgamentos por amostragem, reconhecendo, assim, a tendência de uniformização das decisões judiciais e valorização dos precedentes, tendência esta que vem estampada ao longo do CPCP.

Todavia, em adequação ao quanto determinado pelo dispositivo em comento, de se notar que o Magistrado deverá, sob pena de nulidade da decisão, identificar todos os fundamentos determinantes daquele precedente utilizado que se ajustem ao caso em debate, bem assim demonstrar de forma clara que a lide sub judice ajusta-se àqueles fundamentos.

Nesse sentido, poderá o Juiz atuar de duas maneiras: 1. criar a norma jurídica do caso concreto, inovando seus fundamentos, ou 2. utilizar ao caso concreto a norma geral, devendo aqui demonstrar seus fundamentos, interpretando-a e aplicando-a caso a caso.

É o que já ocorre quando da aplicação de súmulas, vinculantes ou não, a outras inúmeras situações semelhantes ou idênticas.

A determinação de um julgado antecedente como precedente para um caso superveniente deve conter a razão pela qual uma decisão fora proferida, demonstrando, igualmente, quais elementos da demanda analisada foram considerados relevantes para o julgamento, delimitando o alcance da decisão e permitindo sua comparação ao caso superveniente.

4.2.6. Artigo 499, § 1º, inciso VI do CPCP

Por fim, consta da redação do dispositivo em análise, em seu inciso VI, que a decisão não será considerada fundamentada quando não seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a diferença para o caso em julgamento ou a superação do entendimento invocado.

Nota-se que este dispositivo vem em complementação ao antecedência, de modo a prevalecer a uniformização de entendimentos, e, assim, a isonomia de tratamentos.

Verifica-se, portanto, que o CPCP prima pela igualdade de condições e de julgamentos, a fim de, ao menos em tese, buscar o que se considera justiça em seu mais íntimo entender.

5. CONCLUSÃO

Nos dias de hoje, a fundamentação das sentenças e acórdãos possui amplo espectro, de modo que toda e qualquer manifestação do Magistrado acerca daquilo que lhe convenceu é suficiente a fundamentá-la.

Todavia, pelo estudo ora apresentado, conclui-se que o Legislador do Projeto do Novo Código de Processo Civil, ao expor em quais hipóteses não serão consideradas fundamentadas as decisões, busca trazer à lume os direitos e garantias constitucionais, assegurando sua aplicação em todas as decisões, especialmente permitindo ao jurisdicionado o conhecimento dos motivos pelos quais seus argumentos foram suficiente ou não bastaram ao convencimento do Magistrado.

Também, verifica-se que, primando pela segurança das relações e expurgando a arbitrariedade de Magistrados, o CPCP inovou nos comandos, de modo a sujeitar os Juízes a seguirem estritamente o princípio da fundamentação constitucionalmente garantido, sem escusarem-se à análise da demanda e de todas as consequências nela ocorridas, primando pela democracia e assegurando a ampla defesa.

Porém, ao buscar restringir, de certo modo, a liberdade do Juiz ao praticar seus atos decisórios, o CPCP acaba por ampliar o leque do Magistrado, dando-lhe maior liberdade, na medida em que torna subjetiva a questão dos limites da fundamentação, o que importa em afirmar que aos Magistrados caberá a análise precípua do que poderá ser incluído em sua fundamentação.

 

Referências
ALVIM, Arruda. ASSIS, Araken. ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao código de processo civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012.
DIDIER JUNIOR, Fredie. CUNHA, BRAGA, Paulo Sarna. OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. V. 2. 6. Ed. Salvador: Editora Jus Podium, 2011.
MAGALHÃES, Joseli Lima. Artigo: O princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais como direito fundamental à concretização da democracia e suas conexões com o princípio do contraditório. Trabalho publicado no XIX Encontro Nacional do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – realizado em Fortaleza – CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Fonte: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3522.pdf. Acesso em 17/07/2012.
MARQUES, Luiz Guilherme. Artigo: O processo civil francês. Fonte: http://jus.com.br/revista/texto/929/o-processo-civil-frances. Acesso em 17/07/2012.
MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao projeto do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
MEDINA, José Miguel Garcia. Artigo: Fundamentação da decisão judicial no projeto do novo CPC. Publicado em 05/04/2011 por RT2.0 Fonte: http://editorart.wordpress.com/2011/04/05/fundamentacao-da-decisao-judicial-no­projeto-do-novo-cpc/. Acesso em 11/07/2012.
NEGRÃO, Theotonio. GOUVÊA, José Roberto F. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 39. Ed. atual até 16.01.2007. São Paulo: Saraiva, 2007.
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. ampl. e atual. até 1.10.2007 de acordo com a reforma do CPC 2006/2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
PEREIRA FILHO, Benedito Cerezzo. Artigo: Poder do juiz. Novo CPC não cria ‘ditadura do Judiciário’. Publicado em 12/01/2012 por ‘Consultor Jurídico’. Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-jan-12/nao-dizer-cpc-cria-ditadura-judiciario. Acesso em 11/07/2012.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. 1. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a reforma processual 2006/2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Artigo: O projeto do novo CPC e a entrevista na revista Veja. Publicado em 02/12/2012 por ‘Migalhas’. Fonte: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI146103,31047­O+projeto+de+novo+CPC+e+a+entrevista+na+revista+Veja. Acesso em 11/07/2012.
IBDP -Instituto Brasileiro de Direito Processual. Fonte: http://direitoprocessual.org.br/content/blocos/91/1. Acesso em 11/07/2012.
Code de procédure civile. Fonte: http://www.legifrance.gouv.fr/telecharger_pdf.do?cidTexte=LEGITEXT000006070716. Acesso em 17/07/2012.
La Costituzione della Repubblica Italiana. Fonte: http://www.governo.it/Governo/Costituzione/2_titolo4.html. Acesso em 18/07/2012.
Codice di Procedura Civile. Fonte: http://www.studiocelentano.it/codici/cpc/codicedpc001_2.htm. Acesso em 19/07/2012.
Parecer da Comissão instituída pela Associação Nacional de Defensores Públicos Para Análise do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010). Presidente da Comissão: Alexandre Gianni Dutra Ribeiro. Fonte:
Notas:
[1] Para fins do presente artigo, será levado em consideração o teor do Projeto de Lei n.º 8.046, DE 2010 de relatoria do Deputado Sergio Barradas Carneiro, com as alterações apresentadas pelo Parecer ao Projeto de Lei, de relatoria do Deputado Paulo Teixeira, apresentado em 09/05/2013. Aqui, CPCP indicará Código de Processo Civil Projetado.
[2] Tradução livre do Article 455 Code de procédure civile:Le jugement doit exposer succinctement les prétentions respectives des parties et leurs moyens. Cet exposé peut revêtir la forme d'un visa des conclusions des parties avec l'indication de leur date. Le jugement doit être motivé”.
[3] Tradução livre do art. 111 da Constituição da Itália: “Tutti i provvedimenti giurisdizionali devono essere motivati.”
[4] Tradução livre do art. 132, Codice di Procedura Civile: “(Contenuto della sentenza) La sentenza e' pronunciata in nome del popolo italiano e reca l'intestazione: Repubblica italiana. Essa deve contenere: 1) l'indicazione del giudice che l'ha pronunciata; 2) l'indicazione delle parti e dei loro difensori; 3) le conclusioni del pubblico ministero e quelle delle parti; 4) la concisa esposizione dello svolgimento del processo e dei motivi in fatto e in diritto della decisione; 5) il dispositivo, la data dela deliberazione e la sottoscrizione del giudice. La sentenza emessa dal giudice collegiale e' sottoscritta soltanto dal presidente e dal giudice estensore. Se il presidente non puo' sottoscrivere per morte o per altro impedimento, la sentenza viene sottoscritta dal componente piu' anziano del collegio, purche' prima dela sottoscrizione sia menzionato l'impedimento; se l'estensore non puo' sottoscrivere la sentenza per morte o altro impedimento e' sufficiente la sottoscrizione del solo presidente, purche' prima della sottoscrizione sia menzionato l'impedimento.
[5] CRUZ e TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 50-51. in MAGALHÃES, Joseli Lima. Artigo: O princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais como direito fundamental à concretização da democracia e suas conexões com o princípio do contraditório. Trabalho publicado no XIX Encontro Nacional do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – realizado em Fortaleza – CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Fonte: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3522.pdf. Acesso em 17/07/2012.
[6] Decreto n.º 763/1890. Art. 232: A sentença deve ser clara, sumariando o juiz o pedido e a contestação os fundamentos respectivos, motivando com precisão o seu julgado, e declarando sob sua responsabilidade a lei, uso ou estilo em que se funda.
[7] Neste artigo, Código de Processo Civil Projetado será abreviado por CPCP e refere-se ao PL 8046/2010.
[8] ALVIM, Arruda. ASSIS, Araken. ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao código de processo civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2012. P. 632.
[9] MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao projeto do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 392
[10] TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, cit., p. 12

Informações Sobre o Autor

Regiane Martins dos Santos

Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Advogada


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Equipe Âmbito Jurídico

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