Resumo: objetiva o presente artigo defender a tese não recepção pela Constituição da República Federativa do Brasil, com o advento da polêmica Emenda Constitucional n. 66, de toda a legislação infraconstitucional que isoladamente versava sobre o morto e sepultado instituto da separação de direito.
Sumário: 01. Introdução. 02. A Tese Majoritária: o desaparecimento do instituto da separação de direito. 03. A Tese Minoritária: a facultatividade do procedimento de separação judicial ou por escritura pública. 04. Conclusão.
1. Introdução:
A contemporaneidade do Direito Civil conduz seus pensadores a buscar um ponto de partida para melhor compreensão de sua evolução, que tem seu marco mais importante no estudo dos princípios que emanam do texto da Constituição da República de 1988. Fenômeno do qual não escapa o Direito de Família. E com um espírito inegavelmente renovador, no dia 13 de julho de 2010 foi promulgada a Emenda Constitucional n.º 66 (PEC 28 de 2009), sendo publicada no dia seguinte, a qual trouxe nova redação ao artigo 226, § 6º da Carta Maior. Sendo certo que o Projeto foi de iniciativa do Deputado Federal Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), atendendo pedido do Instituto Brasileiro de Direito de Família, feito desde abril de 2007 (Anteprojeto).
Alterando o art. 226, § 6º, da Constituição, para suprimir a cláusula final do dispositivo que se referia à prévia separação, de fato ou de direito, como requisito para o divórcio.
Confirmando o que há muito era defendido por grande parte da doutrina e da jurisprudência: o fim do casamento baseia-se, tão somente, no desamor. Afastando a interferência do Estado nas relações conjugais.
Proporcionando para todos que assim desejarem, sem a exigência de qualquer sombra de requisito, o direito de ser feliz, de continuar a vida, podendo se desvincular de casamento anterior a qualquer tempo. Rompendo, por assim dizer, com alguns paradigmas de forte cunho religioso.
Entretanto, pela sua injustificável redação lacunar, o texto da Emenda Constitucional 66 trouxe insegurança à comunidade jurídica.
Fazendo surgir, de forma preponderante, duas grandes correntes a respeito do que teria ocorrido com o instituto da separação de direito no sistema jurídico brasileiro.
2. A Tese Majoritária: o desaparecimento do instituto da separação de direito
Não sendo poucos os estudiosos que defendem a não recepção, pela vigente Constituição da República, de toda a legislação ordinária que regulava o procedimento da separação. E os adeptos da tese de que a separação judicial resta banida do sistema constituem a corrente majoritária.
Tese essa liderada pelo eminente LUIZ EDSON FACHIN, segundo o qual “não paira a menor dúvida quanto ao fim do instituto da separação, que foi, pela Emenda Constitucional, eliminado do texto constitucional. Somente uma exegese que vá de encontro à Constituição agora emendada poderá sustentar, numa hermenêutica reducionista e passadista, a necessidade de nova proclamação legislativa para tal fim. A separação, enfim, não é mais assunto do ordenamento jurídico brasileiro. Manter a separação é convidar para o presente um instituto do passado e tornar insepulta a figuração jurídica da separação” (“O Divórcio direto demorou a chegar”, www.arpenbrasil.org.br, acesso em 22/04/2011).
E por Sílvio de Salvo Venosa, que não vacila em escrever que “a singeleza do novo texto constitucional não permite outra conclusão que não a da exclusão da separação judicial do ordenamento. Essa foi a precípua finalidade da Emenda” (Artigo: “Emenda Constitucional 66/2010. Extinção da Separação Judicial”, in silviovenosa.com.br, acesso em 22/04/2011).
Igualmente, por ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, revestido da inegável autoridade de um professor Titular da Faculdade de Direito da USP (Artigo: “Emenda Constitucional do Divórcio, in www.professoramorim.com.br, acesso em 22/04/2011).
Também assim, os modernos mestres paulistas CARLOS ROBERTO GONÇALVES (Direito de Família, Sinopses Jurídicas, volume02, 15ª edição, 2011, fls. 71; e Direito Civil Brasileiro, volume VI, 8ª edição, 2011, fls. 204 a 211) e FÀBIO ULHOA COELHO (Curso de Direito Civil, volume 5, 4ª edição, 2011, Saraiva, fls.127).
Pensamento que também é abraçado, entre os processualistas, por ninguém menos do que HUMBERTO THEODORO JUNIOR, o qual não vacila em proclamar o desaparecimento do instituto da separação de direito (apud Curso de Direito Processual Civil, 43ª edição, 2011, Forense, fls. 363).
E com isso, sucumbiram, sem eficácia, os artigos 1572 a 1578 do Código Civil, perdendo sentido também a redação do artigo 1571 no que tange à referência feita ao instituto da separação (PABLO STOLZE GAGILIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, in O Novo Divórcio, Editora Saraiva, fls. 56, 2010).
O que nos parece ser a melhor corrente, seja pela interpretação literal do texto constitucional emendado, seja pelo conhecido propósito do constituinte em abolir o instituto da separação de direito.
03. A Tese Minoritária: a facultatividade dos procedimentos de separação judicial ou por escritura pública.
Entretanto, em sentido diametralmente oposto, a corrente minoritária, afirma persistir no nosso sistema a separação de direito, como procedimento opcional. Argumentando, em apoio, que o verbete “pode” presente na norma constitucional é fator suficiente para a sobrevivência do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. E que o texto constitucional pretérito apenas dizia respeito ao requisito da prévia separação e não ao instituto em si.
Assim, entende-se que foi abolido não o instituto da separação de direito, mas tão-somente a exigência de dois anos de separação de fato ou um ano de separação de direito para a obtenção do divórcio.
Tese essa liderada pelo sempre profundo YUSSEF SAID CAHALI, que considera uma falácia o argumento da tese contrária quando seus adeptos invocam o fundamento da interpretação segundo a mens legislatoris; e capciosa a invocação do direito comparado; concluindo que o instituto da separação legal se manteve incólume (Separações Conjugais e Divórcio, 12ª edição, RT, 2011, fls. 69 e seguintes).
E pela mestra MARIA HELENA DINIZ, a qual ressalta que a separação apenas deixou de ser conditio sine qua non para se pleitear o divórcio (Curso de Direito Civil Brasileiro, 26ª ed., 2011, Saraiva, fls. 266 a 268 e Manual de Direito Civil, 2011, Saraiva, fls. 475, e 477).
Também assim, ARNALDO RIZZARDO (Direito de Família, 8ª edição, Forense, 2011, fls. 212 e 213) e REGINA BEATRIZ TAVAREZ DA SILVA (A Emenda Constitucional do Divórcio e o Código Civil, Tribuna do Direito, outubro de 2010, fls. 08).
Igualmente, GUILHERME COUTO DE CASTRO (Direito Civil, Lições, 4ª edição, IMPTUS, 2011, fls. 339) e PAULO NADER (Curso de Direito Civil, volume 5, 4ª edição, 2011, Forense, fls. 205).
E, entre os processualistas atuais, por ANTONIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO, para o qual “ao eliminar o condicionamento da prévia separação judicial ou de fato, a Emenda Constitucional n. 66 apenas deixou livre o legislador infraconstitucional para construir uma nova regulamentação para o divórcio que não pressuponha a figura da separação judicial. O que não significa o desaparecimento da figura civil da separação que continua existindo enquanto outra lei infraconstitucional (que altere o Código Civil ou de caráter extravagante) não surja para regular as novas configurações do divórcio” (“O Novo Divórcio e a Emenda 66/2010”, in www.professorcostamachado.com, acesso em 22/04/2011).
04. Conclusão:
Buscou-se, nessa singela pesquisa, defender o desaparecimento do instituto da separação de direito, de nosso ordenamento jurídico, desde o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010.
Até mesmo porque, no expressivo magistério de Paulo Luiz Netto Lôbo, “no que respeita à interpretação sistemática, não se pode estender o que a norma restringiu. Nem se pode interpretar e aplicar a norma desligando-a de seu contexto normativo. Tampouco, podem prevalecer normas do Código Civil ou de outro diploma infraconstitucional, que regulamentavam o que previsto de modo expresso na Constituição e que esta excluiu posteriormente” (“Divórcio: Alteração constitucional e suas conseqüências“. Disponível em www.ibdfam.org.br, acesso em: 22/04/2011).
Ademais, como nos admoesta ZENO VELOSO, “quis o legislador constitucional – e deliberadamente, confessadamente quis – que a dissolução da sociedade conjugal e a extinção do vínculo matrimonial ocorram pelo divórcio, que passou a ser, então, o instituto jurídico único e bastante para resolver as questões matrimoniais que levam ao fim do relacionamento do casal” (Artigo: “O Novo Divórcio e o Que Restou do Passado”, disponível em www.ibdfam.org.br, acesso em 22/04/2011).
Seja como for, diante da robustez da polêmica, existe a real possibilidade de um dos cônjuges ingressarem com ação de separação judicial, hipótese em que “ao seu consorte bastaria reconvir com o pleito mais abrangente do divórcio” (ROLF MADALENO, Artigo: “O Divórcio da EC n. 66/2010”, disponível no sitio www.rolfmadaleno.com.br, acesso em 22/04/2011).
Finalizando, não há como não se render à festejada professora MARIA BERENICE DIAS, quando essa afirma que “as pessoas se atrapalham diante do novo! Afinal, o conhecido é um espaço de conforto, que, em regra, não oferece riscos. Daí a enorme dificuldade de muitos em aceitar mudanças. Soam como desafios. É o velho medo do desconhecido” (apud Divórcio Já, RT, 2010, Apresentação).
Quadro em que, mesmo respeitando as doutas opiniões em contrário, temos por morto e sepultado, em nosso ordenamento jurídico, o instituto da separação de direito.
Especialista em Direito do Consumidor e em Direito Processual Civil. Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Advogado, no Rio de Janeiro.
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