Resumo: O presente trabalho visa tratar acerca da separação e do divórcio após as alterações pela Emanda Constitucional nº 66/2010, quais modalidades de dissolução da sociedade conjugal foram preservadas, revogadas tacitamente ou entrarão em desuso decorrente da nova ordem constitucional.
Palavras chave: Emenda Constitucional; casamento; divórcio; separação.
Sumário: 1 – Introdução; 2 – A separação e o divórcio no código civil de 2002; 3 – A separação e o divórcio após a emenda constitucional nº 66/2010; 4 – Conclusão. Referências bibliográficas.
1 – INTRODUÇÃO
Concebido por valores morais, religiosos e sociais, o casamento pretende a união duradoura entre os cônjuges, ressalvada a possibilidade de dissolução nas hipóteses previstas na legislação.
Contudo o princípio da dignidade da pessoa humana, a autonomia de vontade, a facilidade e liberdade para constituição do matrimonio aponta para um Direito de Família sem interferência Estatal nas relações humanas, o que não ocorria na vigência da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) ou do Código Civil de 2002.
Desta forma, cabe aos legisladores e aos operadores do direito acompanharem a evolução social do indivíduo para que o Direito atenda aos anseios práticos e sociais, o que foi feito através a aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010.
Por este texto constitucional o legislador compreendeu que não mais é possível a interferência estatal na autonomia de vontade privada, principalmente no Direito de Família, proporcionando a dissolução do casamento pelo divórcio imediato, independente de culpa, motivação ou da prévia separação judicial.
Não é aceitável que em pleno século XXI os cônjuges se obriguem a permanecer casados por questões meramente morais, religiosos ou sociais, tampouco, que mantenham qualquer vínculo apenas para aguardar do transcurso de tempo necessário entre a separação judicial e a possibilidade de converter em divórcio, por exigência legal.
Considerando que o matrimonio tem como fim a vida em comum e afetiva e não mais havendo esse interesse pelos cônjuges, mais que recomendável a dissolução do casamento com intuito de preservar a integridade psicológica, moral e física dos mesmos.
Para demonstrar a evolução legislativa, analisaremos no presente os institutos da separação e do divórcio no Código Civil de 2002 e após a Emenda Constitucional nº 66/2010, demonstrando que o sistema binário foi banido pela ordem constitucional, incorrendo na revogação tácita da modalidade de separação das demais legislações infraconstitucionais por total incompatibilidade constitucional.
2 – A SEPARAÇÃO E O DIVÓRCIO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
O ordenamento jurídico prevê a separação e o divórcio como modalidades de dissolução da sociedade conjugal e como dissolução do casamento.
A separação pode ser consensual ou litigiosa (baseada na conduta desonrosa ou na grave violação aos deveres matrimoniais por um dos cônjuges), remédio, (decorrente de grave doença mental que tenha acometido um dos cônjuges), ou falência, (pela ruptura da vida em comum).
No Código Civil de 2002, art. 1574, caput[i], a separação consensual pode ocorrer desde que transcorrido prazo mínimo de vigência do casamento de 1 (um) ano, sem falar das alterações trazidas a modalidade remédio que reduziu o prazo da enfermidade para 2 (dois) anos e ainda excluiu a cláusula de dureza prevista na lei do divórcio de 1977.
Pelo artigo 1573, parágrafo único[ii], verifica-se que o próprio legislador optou por enfraquecer o instituto da separação no direito brasileiro possibilitando o seu requerimento independentemente de qualquer causa jurídica culposa ou objetiva, bastando a real manifestação de interesse do cônjuge.
Melhor não poderia ser o entendimento afinal não é necessário invocar qualquer motivo ou causa para realização do casamento, da mesma forma não se deve exigir motivo ou causa para se separar. Tal inovação não exige, também, que sejam invocadas causas, inclusive culposas, para conseguir a separação, salvo quando está me discussão a responsabilidade civil.
A Desembargadora Maria Berenice Dias, com seu avançado domínio sobre a matéria, considerou “retrógrada mantença da necessidade de identificação de um culpado para ser concedida a separação”. (DIAS, 2009)
Cumpre esclarecer que apesar da facilitação da separação imotivada, o Código Civil não extinguiu o instituto, continuando possível o ajuizamento de procedimento de separação litigiosa por culpa, seja para efeito de guarda dos filhos, uso de nome, alimentos e até responsabilização civil por dano moral ou material.
As modalidades de divórcio direto e o divórcio por conversão da separação judicial em divórcio (indireto) também continuam previstas no Código Civil de 2002. O divórcio por conversão dependendo do transcurso de 1(um) ano do trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial, ou da concessão da medida cautelar de separação de corpos.
A conversão poderá ser consensual ou litigiosa, onde, nesta ultima, o magistrado conhecerá do pedido e julgará em razão da revelia ou da falta de necessidade de prova oral, uma vez que a matéria a ser alegada na contestação é limitada a falta de decurso do prazo de 1 (um) ano de separação judicial ou pelo descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente no ato da separação.
Já o divórcio direto opera pelo simples transcurso do prazo de 2 (dois) anos da separação de fato dos cônjuges, sendo o único requisito obrigatório que o prazo seja ininterrupto, sem manifestação das partes de interesse em reconciliar.
Da mesma forma que nos casos de separação, o divórcio direto pode ser consensual ou litigioso, independentemente de motivação, bastando a simples prova dos requisitos legais.
Por questões puramente sociais, tanto a Lei do Divórcio de 1977, quanto o Código Civil de 2002, dotavam de meios para desestimular o fim do matrimônio, obrigando o cônjuge na manutenção de um casamento muitas vezes falido e infeliz.
Historicamente, os casamentos eram mantidos a qualquer custo em razão de uma indissolubilidade social, moral e principalmente religiosa. Atualmente os indivíduos são dotados de direitos e deveres, possuidores de autonomia privada, não mais sendo obrigados a sustentar um laço matrimonial desprovido de afeto, sob o risco de incorrer em eventual responsabilização civil por eventual dano moral ou material.
Por tais motivos, como prova de um reconhecimento da autonomia privada e da liberdade do indivíduo, foi aprovada pelo Congresso Nacional a nova redação ao art. 226, §6º da Constituição Federal, alterando consideravelmente os institutos da separação e do divórcio no Brasil.
3 – A SEPARAÇÃO E O DIVÓRCIO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010
O Congresso Nacional promulgou em 13 de julho de 2010 a Emenda Constitucional nº 66, com vigência imediata, possibilitando que qualquer dos cônjuges, independente de demonstração de culpa, separação prévia e a qualquer tempo, requeira o divórcio imediato.
A referida Emenda desaparece com o instituto da separação, elimina os prazos e a perquirição de culpa para dissolver a sociedade conjugal (com exceção para responsabilidade civil por dano moral ou material), senão vejamos:
“Art. 1º O §6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 226…
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, em 13 de julho de 2010.”
Observa-se que a nova redação suprimiu o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos, podendo-se concluir que a alteração revoga tacitamente tal instituto jurídico.
O sistema binário de dissolução do casamento possui raízes e justificativas em uma moral, religiosa e social da não facilitação da extinção do casamento e da preservação da família, o que não mais se justifica em um Estado laico.
A evolução legislativa do ordenamento pátrio baseia-se no princípio da interferência mínima do Estado na autonomia privada e na intimidade do indivíduo.
Em 1977, quando da promulgação da Lei do Divórcio, o argumento usado para o instituto da separação judicial era puramente religioso. Acreditava-se que a separação impediria os divórcios e, ainda, possibilitariam as reconciliações devido ao prazo de espera para conversão em divórcio.
Entretanto, a evolução social e do direito demonstrou que esta realidade não mais ocorria. A autonomia da vontade proporcionou ao indivíduo o direito de não mais sustentar um relacionamento afetivo com interesse apenas moral, religioso ou social, tendo em vista que geravam maiores despesas, desgastes emocionais, bem como contribuía para o abarrotamento do Judiciário com número excessivo de procedimentos desnecessários.
Existe uma resistência em compreender e aceitar que a separação judicial foi extinta de nosso ordenamento. Fazendo uma interpretação da norma constitucionalizada, concluiremos que o legislador baniu da Carta Magna a única referência à separação judicial, não havendo qualquer lógica para sua manutenção prática.
Juridicamente, a manutenção da separação judicial no ordenamento jurídico era, exclusivamente, para convertê-la em divórcio após o transcurso do prazo legal, o que não é mais possível de acordo com a nova redação trazida pela Emenda Constitucional nº 66/2010. Assim, teriam os mesmos que ajuizar ação de divórcio direto para assim poder divorciar uma vez que a conversão não mais recebe a tutela constitucional.
A incompatibilidade com a Constituição, se não pudermos falar em revogação tácita, faz com que entre em desuso qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal, conforme explicita Paulo Lôbo:
“(…) a Constituição deixou de tutelar a separação judicial. A conseqüência da extinção da separação judicial é que concomitantemente desapareceu a dissolução da sociedade conjugal, que era a única possível, sem dissolução do vínculo conjugal, até 1977.” (LOBO, 2008)
Mesmo uma interpretação sistemática não pode estender ao que o comando constitucional restringiu. A interpretação das leis infraconstitucionais deve ser feita de acordo com o comando constitucional, não podendo mais questões morais, sociais e religiosas impor limites ao direito.
Ademais, não existe razão de se manter o instituto da separação judicial visto que o texto constitucional permite que os cônjuges atinjam seu objetivo de forma mais simples, efetiva, com menor custo e tempo.
A necessidade de dois procedimentos distintos além de proporcionar maiores gastos obriga os cônjuges a conviver com o dissabor da separação durante determinado período de tempo, visto que o número de reconciliações é insignificante.
Sem contar que a extinção da separação da ordem jurídica proporcionou grande redução dos procedimentos em andamento e futuros ao Poder Judiciário. Aqueles procedimentos de separação que estavam em andamento foram convertidos mediante comunicação prévia e manifestação de interesse das partes. Não havendo concordância do autor com conversão, enseja a extinção do procedimento por impossibilidade jurídica do pedido de separação.
Nesse sentido são os ensinamentos da jurista Maria Berenice Dias:
“(…) É um instituto que traz em suas entranhas a marca de conservadorismo, atualmente injustificável. É quase um limbo: a pessoa não está mais casada, mas não pode casar de novo. Se, em um primeiro momento, para facilitar a aprovação da Lei do Divórcio, foi útil e, quiçá, necessária, hoje inexiste razão para mantê-la (…). Portanto, de todo o inútil, desgastante e oneroso, tanto para o casal, como para o próprio poder Judiciário, impor uma duplicidade de procedimentos para manter, durante o breve período de um ano, uma união que não mais existe, uma sociedade conjugal “finda”, mas não “extinta”.” (DIAS, 1999, p. 274)
Essa evolução legislativa demonstra, principalmente, a redução da interferência Estatal, social e religiosa na autonomia privada, proporcionando a possibilidade de um recomeço da vida afetiva aos cônjuges, independentemente do transcurso de qualquer prazo legal, não mais os obrigando na manutenção de um casamento desprovido de afeto e felicidade.
4 – CONCLUSÃO
A nova redação do artigo 226, §6º, da Constituição da República, introduzida pela Emenda Constitucional n. 66/2010, causou enorme controvérsia entre os operadores do direito dada a facilitação da dissolução do casamento pelo divórcio direto, bem como a supressão das exigências dos prazos da separação judicial e de fato.
Proporcionou o fim da sociedade conjugal pelo divórcio imediato, independente de culpa, motivação ou da separação prévia, bastando apenas a mera manifestação de vontade de qualquer dos cônjuges.
Não mais se falará em violação de deveres e obrigações conjugais, salvo para discussão da responsabilidade civil para reparação por algum dano material ou moral sem que esta afete o direito ao divorcio.
Ainda que existam pensamentos contrários, a dissolução do casamento não enfraquece a instituição familiar; mas a interferência social, moral e religiosa na vida privada desacreditam o direito perante a sociedade, face o desrespeito a autonomia de vontade, privacidade, bem-estar e o direito dos indivíduos
O que se defende é um ordenamento jurídico dentro dos paradigmas constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade individual, garantindo meios eficazes para atender aos anseios sociais.
As normas infraconstitucionais não podem sobrepor o texto constitucional. A interpretação legislativa deve ocorrer de forma constitucionalizada, livre de qualquer interesse social, moral ou religioso, principalmente diante do dissabor psíquico-emocional de um casamento falido e infeliz.
Além de tratar de norma constitucional imperativa, o divórcio imediato, facilitado e livre, torna inútil o instituto da separação judicial. Defender sua manutenção apenas para atender aqueles que preferem uma via menos drástica de dissolução da sociedade conjugal é a clara demonstração de uma interpretação enraizada na moral religiosa e social de um instituto retrógado.
Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE – Centro de estudos da área jurídica federal. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. Professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Faculdades Del Rey – UNIESP e Policia Militar de Minas Gerais.
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