Sigilo das comunicações e interceptação telefônica

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Introdução


O presente estudo tem por finalidade analisar os aspectos da inviolabilidade do sigilo das comunicações, assim como os princípios fundamentais e as garantias constitucionais, onde será apresentado entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o dispositivo constitucional inserto no artigo 5º, inciso XII, assim como a Lei 9.296/96.


A questão da interceptação telefônica, trouxe divergências doutrinarias, assim como nos tribunais, referindo-se aos princípios constitucionais, onde alguns juristas entendem e defendem a inviolabilidade absoluta, no tocante ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, sendo admissível apenas a violabilidade nas comunicações telefônicas, portanto estas garantias não são absolutas, e sim relativa esse direito fundamental, sob o argumento de que não há garantias individuais de forma absoluta, a exemplo disso, o direito a vida não é absoluto (guerra declarada).


O objetivo deste trabalho tem como base o estudo doutrinário, jurisprudencial, para buscar um posicionamento em relação ao assunto aqui descrito, com analise processual penal e constitucional, dando enfoque nos posicionamento dos tribunais e do Supremo Tribunal Federal, no exame da matéria.


Por fim, este tema será debatido em cima do ordenamento jurídico sobre a óticas dos princípios constitucionais, demonstrando que este não são de caráter absoluto.


1.Processo Penal e Constituição Federal


1.1 Breve histórico (livro: Interceptação telefônica – Eduardo Luiz Santo Cabette.)


Antes da atual constituição o tema interceptações telefônicas não contava com a devida importância nem era mencionada nas constituições anteriores.


A Constituição de 1946 mencionou sobre o tema, porém, que as comunicações telefônicas estariam abrangidas pela garantia da inviolabilidade de correspondência (art. 141, § 6º).


A Constituição de 1969, tratou do tema em seu artigo 153, §9, da inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, onde não previa nenhuma exceção de inviolabilidade, nem mesmo mediante regulamentação legal específica ou ordem judicial.


Aparentemente a vedação quanto a quebra do sigilo das comunicações seria absoluta, não admitindo nenhuma espécie de exceção. Houve uma breve discussão sobre o acolhimento do artigo 57 da Lei 4117/62 – Código Brasileiro de Telecomunicações, que assim dispunha:


Artigo 57. Não constitui violação de telecomunicação:(…)


II- O conhecimento dado:(…)


e) ao juiz, mediante requisição ou intimação deste”.


Definição na época dada e definida por Ada Pellegrini Grinover, seria a de que inexistem garantias absolutas, senão relativas, tratando-se o sigilo das comunicações de direito sujeito, como qualquer outro, a limites e exceções.


Art. 151, CP – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência


fechada, dirigida a outrem:


Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”.


§ 1º – Na mesma pena incorre:(…)


II – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;


III – quem impede a comunicação ou a conversação referidas no número anterior;


IV – quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal.”


O dispositivo da referida Lei nº 4.117/62, assim como outros dispositivos legais que traziam exceção ao sigilo da correspondência e das comunicações, era questionado por parte da doutrina, em face das normas constitucionais então vigentes, entendidas como regras absolutas.


Diversamente, outra vertente doutrinária apresentava a idéia de que nenhuma norma constitucional institui direito absoluto, sendo imprescindível sua interpretação em consonância com o conjunto normativo no qual está inserida, de modo que, a inexistência de ressalva no texto constitucional não implicaria absoluta proibição de proceder-se à interceptação, a qual poderia efetivar-se, mediante requisição judicial, em casos excepcionais, resguardando-se, sempre, o direito protegido constitucionalmente.


Nesse mesmo entendimento, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho:


“(…) as exceções legais não poderiam configurar aniquilação do princípio constitucional, devendo ser balizadas pelas regras atinentes à matéria: excepcionalidade da autoriazação judicial, em face da ocorrência de crimes particularmente graves; observância dos requisitos de periculumin mora e do fumus boni juris, motivação da ordem judicial etc.” (GRINOVER, FERNANDES e GOMES FILHO, As Nulidades do Processo Penal, 2004, p.213).


Sobreveio, então, a Constituição Federal de 1988, com a pretensão de superar a polêmica instaurada no texto constitucional anterior. Contudo, o legislador primário, no inciso XII do art. 5º da Carta Magna, ao assegurar a inviolabilidade do sigilo das comunicações, não o fez de maneira absoluta, prevendo, no bojo da disposição em que previu o direito em questão, uma exceção condicionada à apreciação judicial e aos fins de investigação criminal ou instrução processual penal, cuja disciplina legal foi designada à legislação infraconstitucional.


Instaurou-se, com a promulgação da nova Carta Magna, nova polêmica, quanto a ter sido recepcionado ou não o artigo 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações, ou se haveria a necessidade de norma específica regulamentadora da matéria. Encerrando a polêmica doutrinária e jurisprudencial criada, manifestou-se a Suprema Corte no sentido da impossibilidade de pronunciamento judicial pela quebra do sigilo telefônico enquanto não fosse editada lei específica de regulamentação da matéria, sendo, consequentemente, consideradas ilícitas as interceptações obtidas em desacordo com este entendimento – STF, HC n. 69.912-0 RS, Plenário, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, maioria (10×1), decisão de 30.6.93, anulada e depois substituída pela de 16.12.93, DJU: 25/03/1994, p. 6012. (GRINOVER, O Regime Brasileiro das Interceptações telefônicas, revista do Conselho da Justiça Federal, n.º 03, endereço eletrônico <www.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo16.htm> Acesso em: 14 de novembro de 2011)         


Assim sendo, somente com a entrada em vigor da Lei n.º 9.296, de 24 de julho de 1996, houve a regulamentação do inciso XII do art. 5º da Constituição federal de 1988, propiciando a concessão de ordem judicial para realização de interceptações telefônicas.


Nesse mesmo sentido Raimundo Amorim de Castro:


“A Corte Suprema brasileira, na sua função institucional de guardiã da Constituição, posicionou-se no sentido garantista e cumpridora da vontade do legislador constituinte, assim mesmo, procurou avançar, buscou dar plausibilidade aos casos concretos. Após sete anos de controvérsias, em julho de 1996, entrou em vigor a Lei 9.296/96, onde regulamentou as restrições à intimidade, imposta pelo legislador constituinte, constante no art. 5°, inc. XII, da Constituição Federal.” (CASTRO, Provas ilícitas e o Sigilo das comunicações telefônicas, 2009, pág. 125/126)


O inciso XII do art. 5º da Constituição Federal, assegura a inviolabilidade do sigilo das informações em trânsito, sejam elas correspondências ou comunicações telefônicas, telegráficas ou de dados. Abre exceção a regra nos casos que tiverem por fim investigação criminal ou instrução processual penal, quando, através de ordem judicial, poderá ser quebrado o sigilo das comunicações telefônicas.


2. Do Sigilo à Comunicação


Antes de adentrarmos ao tema em questão, será de grande importância discorrer sobre os Direitos e Garantias Fundamentais erigidos pelos Legisladores quando da elaboração da Carta Magna, já que o sigilo à comunicação é um dos direitos fundamentais de primeira geração elencados na Constituição Federal de 1988, “os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta”. (MORAES, Direito Constitucional, 2006, p. 26)


Quanto aos direitos humanos fundamentais, mais precisamente quanto aos direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no artigo 5° da Constituição Federal deve ser observado com ressalvas, pois não são absolutos.


Uma das principais funções dos direitos fundamentais é a redução da ação do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem contudo desconhecerem a subordinação do indivíduo ao Estado.


Nesse mesmo sentido Alexandre de Moraes:


“Os direitos e garantias individuais e coletivos não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.” (p. 27)


Alguns princípios constitucionais merecem destaque e são essenciais na abordagem do sigilo da interceptação telefônica, ou seja, o da Legalidade e o da Reserva Legal. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação e determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal.


2.1 Das Provas Ilícitas


Quanto as provas ilícitas, a Constituição Federal disciplina em seu artigo 5°, inciso LVI sobre a sua inadmissibilidade no processo como bem dispõe Alexandre de Moraes (2006, p.95):


“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, garante o art. 5°, LVI, da CF, entendendo-as como aquelas colhidas em infringência às normas do direito material (por exemplo, por meio de tortura psíquica), configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.”


No entanto, a doutrina constitucional vem atenuando a vedação das provas ilícitas com base no Princípio da Proporcionalidade. Somente em casos excepcionais e extremamente graves em que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, haverá hipóteses em que as provas ilícitas poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta. Dessa forma, aqueles que ao praticarem atos ilícitos  não observarem as liberdades públicas de terceiras pessoas e da própria sociedade, desrespeitando a própria dignidade da pessoa humana, não poderão invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas para afastar suas responsabilidades civil e criminal perante o Estado.


3. A Inviolabilidade do Sigilo das Comunicações Telefônicas


3.1. A Legalidade da Interceptação Telefônica


A interceptação telefônica encontra-se, hoje, normatizada constitucionalmente pelo inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal de 1988, infraconstitucionalmente, pela Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.


A regra é a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, tratando-se de verdadeiro princípio da inviolabilidade previstas na Constituição Federal, assim como as garantias de intimidade, honra e dignidade da pessoa humana. Em questão, é o direito à intimidade, considerado por grande parte da doutrina como parte integrante dos direitos da personalidade e, como tal, destinado a resguardar a dignidade da pessoa humana, pois “os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas” (MORAES, 2006, p. 47).


O Constituinte, entendeu por bem, proteger especificamente a imagem, a vida privada e a intimidade dos cidadãos, assim dispondo sobre o assunto:


“Art. 5º – inciso X, CF/88 – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.


Este artigo prevê o direito à intimidade, facultando a cada indivíduo a possibilidade de opor resistência a intromissão não consentida em sua vida privada e familiar, impedindo a divulgação de informações de conteúdo privado.


Tratar-se de direito fundamental, destinado à proteção da própria integridade moral do indivíduo, a fruição do direito à intimidade não é absoluta. Como toda liberdade individual, o exercício deste direito esta condicionado à realização da convivência social ideal, não podendo servir como proteção de práticas ilícitas.


Dada a impossibilidade de previsão legal, caso a caso, do limite a ser estabelecido entre o interesse público e o privado, aos Tribunais cabe a dosimetria quanto à flexibilização dos direitos individuais, em nome da coletividade. Neste sentido, já se posicionou o Superior Tribunal Federal decidindo pela possibilidade excepcional de interceptação de carta de presidiário pela administração penitenciária, entendendo que a “inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas” (STF, 1ª Turma, HC nº 70/814-5/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 24 jun. 1994, p. 16.650 – RT 709/418. STF – Carta Rogatória n.º 7.323-2 – Rel. Min. Celso de Mello – Presidente. Diário da Justiça, Seção I, 11 jun. 1999, p.40; RTJ 157/44). (MORAES, 2006, p. 52).


Em meio essas medidas que surge a interceptação telefônica, de modo legitima, observando as formalidades, exigências e requisitos impostos legalmente, uma vez que a intromissão na vida privada das pessoas é, em princípio, ofensiva à direito fundamental. No entanto “cabe examinar, à luz da Constituição de 1988, as hipóteses em que as interceptações telefônicas podem ser admitidas, transformando-se em lícitas e, como tais escapando à proibição do inciso LVI do art. 5°” (GRINOVER; FERNANDES e GOMES FILHO, 2004, p. 212).


A interceptação telefônica é fruto da necessidade, de se equipar a sociedade com instrumentos que possibilitem a contenção do crime organizado diante a evolução dos sistemas de comunicação, principalmente da telefonia, ora utilizados pelo crime organizado em larga escala até mesmo pela facilidade em sua aquisição.


A interceptação telefônica é instrumento processual de coleta de provas, de âmbito restrito, de caráter cautelar, cuja legitimidade passa, irrefutavelmente, pelo crivo do judiciário.


3.2 Diferenciações entre Interceptação Telefônica, Escuta Telefônica e Gravação Clandestina


As interceptações telefônicas, uma vez legalmente disciplinadas e efetuadas com obediência aos requisitos impostos no ordenamento jurídico, são aceitas como provas lícitas, sendo admissível seu resultado como fonte de prova no processo.


Surge daí a necessidade de diferenciação entre os institutos da interceptação telefônica, da escuta telefônica, e da gravação clandestina, os quais, com frequência, são tratados na doutrina e na jurisprudência com enorme imprecisão, a despeito do fato de que, em virtude de suas diferenças substanciais, apresentam disciplinas legais diversas.


Uma espécie de interceptação telefônica, a escuta telefônica consiste na captação da conversa pelo interceptador quando um dos interlocutores tem conhecimento da interceptação. A doutrina em geral trata como interceptação “stricto sensu” a execução da captação à revelia de ambos os interlocutores, sendo que, no caso em que a interceptação é consentida por um deles faz-se menção à escuta telefônica.


Os ilustres doutrinadores Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho descrevem as modalidades de captação eletrônica de provas:


a) interceptação da conversa telefônica por terceiro, sem o conhecimento dos dois interlocutores;


b) a interceptação da conversa telefônica por terceiro, com o conhecimento de um dos interlocutores;


c) a interceptação da conversa entre presentes, por terceiro, sem o consentimento de nenhum dos interlocutores;


d) a interceptação da conversa entre presentes por terceiro, com o conhecimento de um ou alguns dos interlocutores;


e) a gravação clandestina da conversa telefônica por um dos sujeitos, sem o conhecimento do outro;


f) a gravação clandestina da conversa pessoal e direta, entre presentes, por um dos interlocutores, sem o conhecimento do(s) outro(s). (grifos nossos). (GRINOVER; FERNANDES e GOMESFILHO, 2004, p. 208).


Na gravação clandestina, sendo que um deles grava a própria conversa com o outro, telefônica ou não, sem o conhecimento de seu interlocutor. Trata-se de gravação de conversa própria, que, embora não se enquadre na tutela do sigilo das comunicações (art. 5º, inciso XII, da CF), relaciona-se com a proteção à intimidade (art. 5º, inciso X, da CF).


Jurisprudência em relação a escuta telefônica, decisão da Primeira Turma do STF, v. u., no HC 80.949-RJ, Rel. o eminente Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:


“EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo(CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: consequente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação (…)”. (informativo STF, nº 250; DT 14.12.01, www.ambito-juridico.com.br/pdf/index.php?id=4296&titulo, acesso em: 20 de novembro de 2011.)


O art. 1º da Lei n.º 9.296/96, de 24 de julho de 1996, afirma que a lei aplica-se à “interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza”, frisando-se que, em razão da própria etimologia da palavra (interceptio +ar), interceptar quer dizer interromper no seu curso, reter ou deter o que era destinado a outrem (Dicionário Brasileiro Globo, 44ª ed. São Paulo: Globo, 1996, p.358.), ou ainda “(de “inter capio”), interceptar quer dizer colher durante a passagem a conversa de outros” (GRINOVER; FERNANDES e GOMES FILHO, 2004, p. 208).


Parte da doutrina aduz que a aplicação da Lei n.º 9.296/96 restringe-se à interceptação telefônica “stricto sensu”, ou seja, às interceptações executadas com desconhecimento de ambos os interlocutores.


Neste sentido manifesta-se Vicente Greco Filho em sua monografia sobre o tema, discorrendo que:


A lei não disciplina, também, a interceptação (realizada por terceiro), mas com o consentimento de um dos interlocutores. Em nosso entender, aliás, ambas as situações (gravação clandestina ou ambientar e interceptação consentida por um dos interlocutores) são irregulamentáveis porque fora do âmbito do inciso XII do art. 5º da Constituição e sua ilicitude, bem como a prova dela decorrente, dependerá do confronto do direito à intimidade (se existente) com a justa causa para a gravação ou a interceptação, como o estado de necessidade e a defesa de direito, nos moldes da disciplina da exibição da correspondência pelo destinatário (art. 153 do Código Penal e art. 233 do Código de Processo Penal). (GRECO FILHO, Interceptação Telefônica-Considerações sobre a Lei 9296/1996, 2008, p. 7/8.).


Divergindo do entendimento, a maioria da doutrina argumenta que: limitar as interceptações telefônicas às situações em que ambos os interlocutores desconhecem a captação realizada é restrição indevida à norma constitucional.


A escuta telefônica é espécie de interceptação, na qual, uma vez observados os fins constitucionais, neste sentido Luiz Flávio Gomes, exemplifica o tema no sentido de que:


“(…) tanto pode o Juiz autorizar uma “interceptação” para descobrir prova num caso de tráfico de entorpecentes (e nesse caso tornar-se-ão conhecidas as comunicações telefônicas seja do suspeito, seja do outro comunicador), como pode permitir uma “escuta” num caso de sequestro em que a família da vítima, obviamente, está sabendo da captação da comunicação. Não é porque um dos comunicadores sabe da ingerência alheia autorizada judicialmente que a lei deixa de ter incidência.” (GOMES e CERIRNI, Interceptação Telefônica-Lei 9.296/96, 1997, p. 97; v. no mesmo sentido; GRINOVER; FERNANDES e GOMES FILHO, As Nulidades do Processo Penal, 2004, p. 208).


Torna-se imprescindível delimitar o âmbito de atuação da Lei em questão, não somente em nome da segurança jurídica, mas também em função da previsão contida vale salientar a Lei 9.296/96, onde há a previsão da interceptação ilícita como crime, senão vejamos:


“Artigo 10 – Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, informática ou telemática, ou quebrar segredo de justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.


Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.”


Trata-se de tipo penal que criminaliza a conduta de “grampear” comunicações telefônicas alheias, trazendo, como consequência fundamental, a imperiosa necessidade de descobrir o real sentido do conceito de interceptação telefônica.


Assim, conclui-se que somente a gravação feita por um dos interlocutores com o desconhecimento do outro, chamada, como já se disse, de gravação clandestina ou ambiental, não é considerada interceptação, nem esta disciplinada pela lei sobredita. Lado outro, vale ressaltar, que inexiste tipo penal que incrimine esta conduta, na ideia de que em um processo de comunicação, são titulares da mensagem tanto o emissor (remetente) quanto o receptor (destinatário), de modo que o sigilo só existe em relação a terceiros e não entre eles, os quais estão liberados para gravar o conteúdo da mensagem. Todavia, a divulgação desta mensagem, sem justa causa, poderá ser considerada ilícita, subsumindo-se à conduta ao tipo previsto no art. 153 do Código Penal (Divulgação de segredo):


“Art. 153 – Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:


Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.


§ 1º Somente se procede mediante representação. (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 9.983, de 2000).


§ 1º. A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública:


Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000).


§ 2o Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada.”


4. O Regime Legal das Interceptações Telefônicas – Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.


O Legislador Constitucional fixou os limites a serem obrigatoriamente observados para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, ou seja: a) a ordem judicial; b) a existência de lei que estabeleça as hipóteses e forma das interceptações. Cabe enfatizar que o objetivo final da interceptação telefônica é a constituição de uma prova, relativa a uma infração penal e sua autoria.


Com a publicação da Lei nº 9296/96, onde pois fim à omissão legislativa que vinha ensejando confusões com autorizações judiciais duvidosas, que só estavam criando insegurança jurídica e desrespeitando os direitos fundamentais, como a intimidade das pessoas.


A jurisprudência, enfatizou com os preceitos da lei 9296/96, onde passou a admitir a gravação clandestina no processo, dependendo da relevância da causa, ou seja, o entendimento majoritário dos Tribunais, após o advento da lei, em referência, é de aceitar a gravação de conversa do réu, como meio probatório válido a formar o livre convencimento do Juiz, sob ressalvas.


A Lei nº 9.296/96, foi um marco, pois trouxe solução para várias questões que ainda não tinham respostas, como o regulamento do artigo 5º, XII, parte final da CF/88, disciplinando as interceptações dos meios de comunicação, transmitidas através de sistema de informática, telemática e telefônica, tendo, inclusive, aplicação imediata, por força do seu artigo 11 da Lei, o qual a fez entrar em vigor na mesma data.


Atualmente, pode-se dizer que as gravações poderão ser lícitas, quando obedecerem a requisitos legais, e ilícitas, quando efetuadas com violação a tais preceitos.


No entanto, a lei apresenta várias falhas, por trazerem duvidas em face a regras que não se condiz com as normas e princípios constitucionais, exigindo o intérprete uma construção capaz de harmoniza-la com a Lei Maior.


Por exemplo o seu art. 1°, quando dispõe que a Lei se aplica à interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza; e por mais amplitude que se pretenda atribuir ao conceito, permanece ele limitado à escuta e eventual gravação de conversa telefônica, quando praticada por terceira pessoa, diversa dos interlocutores.


Muitos doutrinadores discutem a respeito da inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º, ao permitir a interceptação de “fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”.


Neste sentido, Vicente Greco Filho, comenta:


“(…) a conclusão é a de que a Constituição autoriza, nos casos nela previstos, somente a interceptação de comunicações telefônicas e não a de dados e muito menos as telegráficas (aliás, seria absurdo pensar na interceptação destas, considerando-se serem os interlocutores entidades públicas e análogas à correspondência). Daí decorre que, em nosso entendimento é inconstitucional o parágrafo único do art. 1° da lei comentada, porque não poderia estender a possibilidade de interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. (grifos nossos)” – (GRECO FILHO, Interceptação Telefônica-Considerações sobre a Lei 9.296/1996, 2008, p. 17/18).


4.1 Os Requisitos para a Interceptação Telefônica – Art. 2º da Lei nº 9.296/96


Os requisitos necessários para a interceptação estão previstas no artigo 2º da lei in fine:


“Art. 2º da Lei n.º 9296/96 – Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:


I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;


II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;


III – o fato investigado constituir infração penal punida, no mínimo, com pena de detenção.


Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.”


Observando o artigo 2° no que dispõe as hipóteses legais, a interceptação é admissível, podendo ser ordenada pelo juiz. Trata-se da reserva legal considerada indispensável pelo Supremo Tribunal Federal, que antes do advento da lei 9296/96 invalidou muitas operações técnicas.


A lei apresenta vícios técnicos, quando optou pela negativa, elencando os casos de não admissibilidade da interceptação, em vez de indicar taxativamente onde seria cabível.


Nesse mesmo sentido Vicente Greco Filho diz:


“O art. 2° da Lei 9.296 optou por duplamente lamentável redação negativa, enumerando os casos em que não será admitida a interceptação, em vez de indicar taxativamente os casos em que será ela possível. Lamentável, porque a redação negativa sempre dificulta a intelecção da vontade da lei e mais lamentável ainda porque pode dar a entender que a interceptação seja a regra, ao passo que, na verdade, a regra é o sigilo e aquela, a exceção”. (GRECO FILHO, Interceptação Telefônica-Considerações sobre a Lei 9.296/1996, 2008, p. 20/21).


4.1.1. Indícios Razoáveis de Autoria ou Participação na Infração Penal.


Tratando-se de providência cautelar, não há que se questionar a submissão da interceptação aos requisitos básicos de toda medida desta natureza, quais sejam: fumus boni iuris (aparência do bom direito) e periculum in mora (perigo ou risco na demora), neste sentido o magistrado nunca poderá se basear nestes pressupostos, para interceptação telefônica.


 O fumus boni iuris, em processo penal, traduz-se em duas exigências: I) probabilidade de autoria ou participação numa infração penal; II) probabilidade de existência de uma infração penal. Logo, a primeira exigência é relativa ao “agente” e a segunda à infração propriamente dita, ou seja, à materialidade.


Sendo que, a lei pede mais do que a possibilidade da autoria ou participação, pugnando pela probabilidade. Para que haja indícios, tem que existir uma investigação criminal em curso ou um processo em andamento, todavia, não se prescinde de um inquérito, mas sim da existência de notícias fundadas sobre um delito, quanto, então, a interceptação será o primeiro ato formal de investigação.


Neste sentido, observa-se que indícios são mais do que mera suspeita, consistindo em dados externos e objetivos, que permitam, através de um raciocínio lógico claro, vislumbrar a prática do delito. Cabe constar, que a interceptação é, sempre, pós delito, ou seja, nunca antes do fato, sendo que a interceptação somente poderá ser realizada para apurar fato pretérito e não futuro.


Neste sentido o ilustre professor Luiz Flávio Gomes (1997):


“(…) essa probabilidade de existência de uma infração penal, ademais, para além de expressar a existência concreta de um fato, penalmente relevante, deve ser concebida em sentido mais amplo, para alcançar vários outros pressupostos da punição, tais como: punibilidade da infração (ausência de causas impeditivas como imunidade parlamentar, imunidade diplomática, etc.), presença de condições objetivas de punibilidade, pretensão punitiva estatal não prescrita, presença de condições de procedibilidade (manifestação de vontade da vítima quando se trata de ação penal privada ou pública condicionada à representação) etc. Em suma, somente quando se vislumbra a viabilidade real de punição é que se deve autorizar a interceptação telefônica, que é medida reconhecidamente excepcional, por envolver um dos direitos fundamentais mais salientes: o direito ao sigilo das comunicações.” (GOMES, Interceptação Telefônica – Lei 9.296/96, p.180/181).


4.1.2 – Da Indispensabilidade da Prova


Quanto ao pressuposto do perigo na demora, traduz-se no risco latente de ofensa a um direito ou interesse, caso não seja efetiva uma providência de imediato. Ligam-se ao pressuposto a necessidade e a urgência na efetivação da medida.


A interceptação telefônica é, reitera-se, medida de ultima ratio, extremada, e se legítima tão somente na medida da sua necessidade. Na literalidade da lei a necessidade será mensurada pela possibilidade de obtenção do mesmo resultado por outros meios probatórios que não a interceptação, atentando-se ao fato de que estes outros meios referem-se aos meios legais procedimentais e não aos meios materiais à disposição das autoridades policiais.


Ademais o art. 5º da Lei nº 9.296/96 ressalta in verbis:


“Art. 5º. A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.


É indispensável que a ordem judicial seja acompanhada de uma verdadeira e própria motivação, especificamente vinculada à situação concreta. A ausência de fundamentação é motivo de nulidade da diligência, causando a imprestabilidade da prova e ensejando a inutilização do material.


O juiz deve verificar, ao ordenar a diligência, se, em relação à modalidade particular do fato imputado ao sujeito, resulta evidente a utilidade do recurso para fins probatórios ou convenientes à investigação criminal. A autoridade judiciária deverá fazer, na motivação da autorização para interceptação telefônica, as seguintes observações: conformidade da investigação com as finalidades da instrução criminal; ocorrência de um fundado motivo pelo qual se repute que a interceptação possa propiciar elementos úteis para o desenvolvimento das atividades instrutórias; avaliação da oportunidade de permitir tão grave ingerência na intimidade alheia, com relação à provável obtenção de tais elementos.


Nesta mesma linha de raciocínio, Raimundo Amorim de Castro (2009, p. 143):


“Assim, esses requisitos de relevância do crime investigado, necessidade do meio de prova especial e de indícios razoáveis de autoria, devem ser submetidos ao prudente arbítrio judicial, que, na dúvida quanto à presença de um deles, deve optar pela medida menos onerosa à esfera individual.” (CASTRO, Provas ilícitas e o Sigilo das Comunicações Telefônicas, 2009, p.143).


Essas observações devem ser feita pelo juiz, observando-se os princípios do fumus boni juris e do periculum in mora. Não bastando a simples  prática delituosa, e sim, exigindo-se indícios sérios que fundamentem a violação da intimidade do suspeito, observando-se o princípio da proporcionalidade. Este poder  deve ser exercido com muita cautela, sendo considerado um método excepcional, cujo o prazo para realização dessa diligencia seja de 15 dias, podendo ser prorrogado por igual período tantas vezes quantas for necessário.


No entendimento do STJ diz ser ilegal a prorrogação ilimitada do prazo de 15 dias previsto em lei para fazer interceptações telefônicas. A decisão, tomada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (os Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e a desembargadora convocada Jane Silva) pode mudar o cenário nacional do que diz respeito à investigação policial. Por quatro votos a zero, os ministros decidiram que a lei permite apenas uma prorrogação da autorização para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, vejamos a Ementa:


“Conflito. Lei ordinária. Interpretações. Razoabilidade. 1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas; admite-se, porém, a interceptação “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”.2. Foi por meio da Lei nº 9.296, de 1996, que o legislador regulamentou o texto constitucional; é explícito o texto infraconstitucional – e bem explícito – em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo, quanto à renovação – “renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.3. Inexistindo, na Lei nº 9.296/96, previsão de renovações sucessivas, não há como admiti-las. 4. Já que não absoluto o sigilo, a relatividade implica o conflito entre normas de diversas inspirações ideológicas; em caso que tal, o conflito (aparente) resolve-se, semelhantemente a outros, a favor da liberdade, da intimidade, da vida privada, etc. É que estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana (Maximiliano). 5. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei (Lei nº 9.296/96, art. 5º), que sejam, então, os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, art. 136, § 2º), ou razoável prazo, desde que, é claro, na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não explícita ou implícita violação do art. 5º da Lei nº 9.296/96, evidente violação do princípio da razoabilidade. 6. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo os autos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito.” (STJ – HC 76686 PR 2007/0026405-6, julgamento 09/09/2008, 6ª Turma, Relator, Ministro Nilson Naves, DJE 10/11/2008)


Pela Lei 9.296/96, a interceptação não deve ultrapassar o limite de 15 dias, sendo renovável por igual período, quando comprovada a necessidade.


4.2. Do “Encontro Fortuito” de outros Fatos ou de outros Envolvidos


A um ponto contravertido em relação a prova emprestada, razão esta prevista no inciso LVI, do art. 5°, da CF, acerca da possibilidade de transferir – a título de prova emprestada – conteúdo de interceptação telefônica obtida em processo no qual o imputado não fora parte.


Indagando-se se a interceptação telefônica mesmo regualamentada pela Lei n. 9.296/96, que regulamentou o inciso XII, parte final, do artigo 5°, da Constituição Federal de 1988, que se obtida em autos de processo crime onde o imputado não fora parte, pode ser utilizada contra este, como prova emprestada, e ainda que não guarde nenhum elemento de conexão com o processo anterior.


Por sua vez, a Lei n. 9.296/96, regulamenta o dispositivo constitucional, assentou no Parágrafo único, do art. 2º, que em qualquer hipótese a situação-objeto da investigação deve ser descrita com clareza, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.


A interceptação telefônica de pessoa não indicada e qualificada na prévia investigação, constitui-se, a mais não poder, na quebra de um direito fundamental, com manifesta violação da privacidade, situação que justifica, inclusive, a impetração do remédio constitucional previsto no artigo 5º, inciso LXIX, CF: Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.


E não cabe apontar, como excludente, a ressalva da lei que cuidou da impossibilidade manifesta da qualificação do investigado, posto que tal circunstância, como é exigido, deve ser devidamente justificada, e em casos excepcionais, quando não se conhece a identidade física do investigado.


A matéria, ressalte-se, de conteúdo relevante, vem ademais provocando dissidências diante dos sucessivos acontecimentos relacionados com o que a doutrina rotulou de “encontro fortuito” de outros fatos ou de outros envolvidos”, e mormente quando se cogita da intitulada prova emprestada, ainda que obtida através de interceptação telefônica no rasto do que preceitua o artigo 5°, inciso XII, da Constituição Federal de 1988, dispositivo que esta regulamentado pela Lei n. 9.296/96.


Essa hipótese toma maiores dimensões quando o procedimento da interceptação telefônica (art. 2°, § único, Lei n. 9.296/96), do que a doutrina, repita-se, classifica de “encontro fortuito de outros fatos ou de outros envolvidos”.


Há possibilidade da utilização da interceptação telefônica, para fins de investigação criminal, prevista no inciso XII, in fine, do artigo 5°, da Constituição Federal de 1988, antes da vigência da Lei n. 9.296/96, fundadas divergências no ampo da doutrina e da jurisprudência,  diante de inúmeros casos concretos, onde se discutiu ser ou não autoaplicável a norma constitucional, ou então acerca da necessidade da norma regulamentadora, na impossibilidade da aplicação da teoria da recepção, tudo para legitimar a interceptação telefônica, eventualmente obtida à luz do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117/62 – art. 57).


Na ocasião, a questão foi afinal elucidada pela Colenda Segunda Turma do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ao julgar o HC 74.586-5, maioria, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO (DJ 27.04.01), restando então firmado que: “não é autoaplicável o inciso XII do artigo 5° da Constituição Federal, Exsurge ilícita a prova produzida em período anterior à regulamentação do dispositivo constitucional.” (GOMES, Interceptação Telefônica-Lei 9.296/96, Ibidem, p. 82).


Após o advento da Lei n. 9.296/96, e com o surgimento do intitulado encontro fortuito de outros fatos ou de outros envolvidos”, tem-se pretendido apontar como solução para o desate, o uso da nominada prova emprestada, solução que, todavia, tem enfrentado obstáculos na hipótese de ter sido produzida com inobservância do contraditório e do princípio do juiz natural como podemos observar em uma das decisões do Supremo Tribunal Federal:


“Ementa: Prova emprestada e garantia do contraditório. A garantia constitucional do contraditório – ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural – é o obstáculo mais frequentemente oponível à admissão e à valoração da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não tenha sido parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo, se se cuida de prova que – não fora o seu traslado para o processo – nele se devesse produzir no curso da instrução contraditória, com a presença e a intervenção das partes. Não é a hipótese de autos de apreensão de partidas de entorpecentes e de laudos periciais que como tal os identificaram, tomados de empréstimo de diversos inquéritos policiais para documentar a existência e o volume da cocaína antes apreendida e depositada na Delegacia, pressuposto de fato de sua subtração imputada aos pacientes: são provas que – além de não submetidas por lei à produção contraditória (CPrPen, art. 6º, II, III e VII e art. 159) – nas circunstâncias do caso, jamais poderiam ter sido produzidas com a participação dos acusados, pois atinentes a fatos anteriores ao delito. II. Exame de corpo de delito: objeto. O exame de corpo de delito tem por objeto, segundo o art. 158 CPP, os vestígios deixados pela infração tal como concretamente praticado: imputando-se aos acusados a subtração e comercialização de entorpecente depositado em repartição policial, o objeto do exame de corpo de delito obviamente não poderia ser a droga desaparecida, mas sim os vestígios de sua subtração, entre os quais as impressões digitais deixadas nos pacotes de materiais diversos colocados no depósito onde se achava a cocaína para dissimular a retirada dela.” (STF – HC 78749 MS julgado em 24/05/1999, Primeira Turma, Relator: Sepúlveda Pertence, publicação: DJ 25-06-1999 PP-00004 EMENT VOL-01956-03 PP-00602).


Importante lembrar que a interceptação telefônica é sigilosa (parte final do art. 1° da Lei in fine), com o desconhecimento do réu, entretanto, não há que se falar de inviolabilidade do contraditório e da ampla defesa, pois, caso contrário, ela não teria nenhuma valia. O contraditório se dará na possibilidade do réu impugnar essa prova antes que a sentença seja proferida. Visando garantir o sigilo da interceptação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 59,que visa disciplinar e uniformizar as rotinas para aperfeiçoar o procedimento das interceptações telefônicas e de sistema de informática e telemática nos órgãos do Poder Judiciário, como se refere a Lei nº 9.296/96.


5. Do Aproveitamento da Prova Obtida por Interceptação Telefônica em outro Processo


5.1. Conceito de prova


Prova vem do latim “probatio”, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou não de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação, destinando assim, à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da causa.


Nesse sentido, Fernando Capez (2008, p.290) diz:


“Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. (…) Objeto da prova é toda circunstância, fato ou alegação referente ao litígio sobre os quais pesa incerteza, e que precisam ser demonstrados perante o juiz para o deslinde da causa.”


5.2. Do Direito à Prova


O conceito de ação, em seu caráter abstrato, não deve ser reduzido à possibilidade de se instaurar um processo. Ele envolve uma série de passos que devem ser respeitados, a fim de que seja assegurado às partes o efetivo acesso à justiça.


Podemos destacar o direito à prova, que é o direito das partes à introdução, no processo, das provas que entendam úteis e necessárias à demonstração dos fatos em que assentam suas pretensões, sobre a ótica constitucional, não sendo, entretanto, absoluto.  Sendo que, ao contrário, como qualquer direito, também está sujeito a limitações decorrentes da tutela que o ordenamento confere a outros valores e interesses igualmente dignos de proteção.


No dizer do professor Jose Carlos Barbosa Moreira (2004, p. 107):


No processo contemporâneo, ao incremento dos poderes do juiz na investigação da verdade, inegavelmente subsiste a necessidade de assegurar aos litigantes a iniciativa – que, em regra, costuma predominar – no que tange à busca e apresentação de elementos capazes de contribuir para a formação do convencimento do órgão judicial. (MOREIRA, Temas de Direito Processual, 2004, p. 107) 


Dentro desse contexto a regra é admissibilidade de provas; enquanto as exceções devem ser expressas, de forma taxativa e justificada.


Lembrando que não existe princípio que seja absoluto em direito e lembrando da lógica do razoabilidade, poderão ocorrer situações onde estarão em disputa dois princípios protetores de bens jurídicos, devendo sempre buscar um ponto de equilíbrio.


5.3. Entendimentos Jurisprudenciais


A interceptação telefônica só é admitida como prova se houver autorização judicial para a sua realização (art. 3° da Lei 9.296/96). Não havendo essa autorização, a prova será ilícita e estará configurado o constrangimento ilegal se a base da condenação for ela. No entanto, se esta prova foi emprestada de outro processo, em que houve determinação judicial para sua produção, a prova se torna lícita, não havendo nenhuma ilegalidade no seu uso.


Vejamos o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Habeas Corpus 27.145 – SP, de 25 de agosto de 2003. O impetrante alegou que a interceptação telefônica não foi precedida de autorização judicial e, portanto, não poderia ter sido usada como prova no processo, vez que se trata de prova ilícita.


Esse argumento não foi acolhido no acórdão porque, “se o laudo de “degravação” telefônica juntado aos autos do processo por determinação judicial constitui-se prova emprestada de outro processo, não haveria porque constar dos autos a autorização judicial”.


O Ministro Marco Aurélio, do STF, na petição nº 577, em 25.03.92, foi quem verdadeiramente mostrou que o item XII do art. 5º da CF/88 contempla apenas dois (2) casos, divididos cada um, em duas situações, e não quatro, a saber: I) sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas; II) dados e’ comunicações telefônicas.


A primeira hipótese (sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas) é absolutamente inviolável, vale dizer, nenhuma lei antiga ou nova, poderá admitir violação nas referidas matérias. Já a segunda hipótese que engloba o sigilo de dados e de comunicações telefônicas, a inviolabilidade é relativa.


No caso do sigilo bancário (a primeira situação da 2ª hipótese e constituindo uma das modalidades de dados), a sua quebra já estava prevista, desde l965, pelo art. 38 da Lei Ordinária nº 4.595, recebida que foi pelo art. 192 da CF/88 como Lei Complementar conforme pacífica jurisprudência tanto do STF como do STJ. (Acórdão l2059, 5ª turma, Relator, Min.Costa Lima, DJU de 21.l0.9l, pg.147-149).


Todavia, no caso das comunicações telefônicas (a segunda situação da 2ª hipótese), a Lei nº 4.117/62 (Lei das Telecomunicações), surgida na vigência da CF/46, admitia a quebra, desde que por autorização judicial e feita pelos serviços de comunicações e jamais pela polícia, e que já não havia sido sequer recebida pela CF/67. Com a CF/88, art.5º, XII é que voltou a ser relativa a sua “quebra” (sigilo telefônico), condicionada, todavia, à regulamentação, por Lei.


Passados mais de 7 (sete) anos de inércia do Congresso Nacional e praticamente por causa do caso “Sivam”, finalmente foi sancionada, em julho de l996, a Lei 9.296 que admitiu a sua quebra (do sigilo telefônico) mediante autorização judicial e para fins penais.


Assim, enquanto o Congresso Nacional não cumprisse sua missão, que demorou, repita-se, quase 8 (oito) anos (de l988 a l996), omissão essa que só benefícios trouxe à criminalidade em prejuízo da Sociedade, nenhum Juiz poderia autorizá-la, sendo pois prova obtida ilicitamente.


Sem a existência de Lei autorizando a quebra do sigilo telefônico, a prova colhida não ostentava aptidão para condenar o pior dos criminosos, além de ser crime quem a colhesse (art. 151, § 1º, II, do Código Penal), como decidiu o STF no Acórdão 69.912, Rel. Min. Pertence, o que se reafirmou quando do Julgamento do ex-Presidente Fernando Collor de Melo (Ação Penal n. 307-3, DF, Rel. Min.  Ilmar Galvão, DJU de l3.l0.95, pg.342-347).


Os Ministros do STF quase que imploravam aos membros do Congresso Nacional para que elaborassem tal lei, porque, na ausência dela, estavam liberando da cadeia acusados que haviam sido condenado pelos Tribunais de todo o País mediante tais provas ilícitas.


Quer dizer: a interceptação telefônica além de ser, antes da Lei nº 9.296/96, uma prova ilícita que não servia para condenar ninguém, nem mesmo o pior dos possíveis criminosos, constituía crime de violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica para quem a colhesse (art. l5l, § lº, II do Código Penal).


A Lei 4.ll7/62 que na vigência da CF/46, admitia a quebra do sigilo telefônica, por ordem judicial, já estava revogada desde a CF/l967, conforme Acórdão 69912 do STF daí porque a CF/88 exigiu a elaboração de nova lei para tal fim.


Todavia, ao ser sancionada a lei 9.296/96 (Lei da Escuta Telefônica), já se questiona a sua inconstitucionalidade no tocante à quebra do sigilo no fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática, como é o caso do Desembargador do TJSP Sérgio Pitomba, em trabalho publicado no Boletim IBCCRIm n.49, dez/96, sob o título ” Sigilo das Comunicações. Aspecto processual penal”, de Vicente Greco Filho e tantos outros Juristas.


Afirma o ilustre Desembargador que “é relativo o sigilo, tão só das comunicações telefônicas. Ao que se depreende, o sistema de informática e telemática, protegido, em razão de seu conteúdo, pelo sigilo das comunicações, não se pode interceptar. Convém frisar que a Lei Maior estabeleceu sigilo absoluto, para as três primeiras modalidades de comunicação fora dos estados de defesa e de sítio (art.5º, inciso XII da CF)”.


Quanto à constitucionalidade da Lei nº 9.296/96, ao admitir, em seu artigo 1º, a quebra também do sigilo no fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática, Não se pode esquecer que o STF já decidiu essa matéria (do art. 5º, XII da CF/88), afirmando que ali são apenas 2(duas) e não 4 (quatro) hipóteses, cada uma dividida em duas situações.


A propósito do sigilo de comunicação de dados e embora admitindo a relevância da tese, o Supremo Tribunal Federal indeferiu liminar pleiteada, por falta de demonstração do “periculum in mora”, na medida cautelar requerida pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL-RJ, contra o parágrafo único do art. 1º da Lei 9.296/96, que regulamenta o art. 5º, XII, da CF (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”) onde aquela Associação também sustenta que a norma impugnada, ao permitir a “interceptação do fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática”, estaria ofendendo o citado dispositivo constitucional que, segundo a autora, só autoriza a quebra de sigilo das comunicações telefônicas (ADIN l.488, rel. Min. Neri da Silveira, 07.ll.96, Informativo do STF de 04 a 08.ll.96, nº 52).


Em razão de polêmica, discute-se uma outra, vale dizer, se o juiz, agindo na jurisdição cível pode, validamente, autorizar ou acatar a interceptação telefônica, de informática ou telemática, ainda que por via indireta.


Por via direta, de logo se constata essa impossibilidade jurídica, na medida em que o art. 5º, XII da CF/88, não deixa dúvida ao afirmar “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”, ou seja, a quebra só se dará em feitos criminais.


Neste sentido, Vicente Greco Filho:


“A finalidade da interceptação, investigação criminal e instrução processual penal é, também, a finalidade da prova, e somente nessa sede pode ser utilizada. Em termos práticos, não poderá a prova obtida ser utilizada em ação autônoma, por exemplo, de indenização relativa a direito de família etc”. (GRECO FILHO, Interceptação Telefônica-Considerações sobre a Lei 9296/1996, p. 39/40).


Alguns doutrinadores discordam dessa possibilidade, neste sentido o ilustre doutrinador, Nelson Nery Júnior (Código de Processo Civil Comentado, 1996, p. 159/160), assegura ser possível o Juízo Cível valer-se da chamada prova emprestada da ação penal, “desde que a parte contra quem se vai produzir a prova obtida através de escuta, seja a mesma em ambas as esferas e se observe o princípio do contraditório, em respeito à unidade da jurisdição”.


Para Antônio Scarance Fernandes, pode-se admitir a prova produzida em outro processo criminal como prova emprestada, com a exigência de que se trate do mesmo acusado, para não haver ofensa ao princípio do contraditório e à ampla defesa. (FERNANDES, Processo Penal Constitucional, l996, p.l59/l60).


Outros entendem que a Constituição Federal de l988, ao proibir no processo somente a prova obtida por meio ilícito (art.5º, LVI), não tornaria ilegal a utilização do prova emprestada no ao juízo cível, se ela foi obtida licitamente no juízo criminal, eis que já teria sido obtida mediante autorização por juiz competente (criminal).


A jurisprudência, a propósito de prova emprestada vem assim entendendo “in verbis”: prova emprestada…Toda investigação de prova, obrigatoriamente, passa, insista-se, pelo crivo do contraditório. Em consequência, a parte precisa ser cientificada da indicação, produção e autorizada a assistir a coleta. Só assim, ter-se-á o princípio realizado substancialmente. Além disso, a parte pode participar dessa atividade, sendo-lhe consentida, por exemplo, reinquirir testemunhas, acompanhar diligências, sugerir quesitos para a perícia. A prova, portanto, é regulada pelo Direito, que, no dizer de Franco Cordeiro, fixa as condições de admissibilidade e o modo de formação. A prova recolhida em um processo não pode, como tal, ser utilizada em outro.


Um processo não transfere (empresta) a prova para outro… A prova emprestada, portanto, é apenas um fato, suscetível de ser objeto de prova.


A distinção não é meramente acadêmica. Como toda prova urge passar pelo contraditório; a parte tem direito à produção “secundum ius”. Efeito prático: se assim não ocorrer, cumpre ser repelida, sob pena de invalidade: contrasta com o devido processo legal… O leigo, tantas vezes, não compreende as normas jurídicas. Tem-na como excessivamente formalista, dificultando a conclusão do processo. Assim o é por não perceber que atrás de um dispositivo legal (notadamente constitucional – sentido restrito) está presente um valor, penosamente conquistado no passar dos séculos. Em poucas palavras: empresta-se o fato. A prova, não. Há de ser colhida conforme o ritual jurídico para determinado processo.” (Prova Emprestada (Min. Luiz Vicente Cernicchiaro), pub. no Jornal Correio Brasiliense, de 2 de set.l996).


Segundo a jurisprudência do STF e STJ, a prova emprestada, quando não sabatinada pelas mesmas partes, portanto, sem observância do contraditório e ampla defesa, deve ser considerada cor ressalvas e pode ensejar condenação quando não for a única prova colhida. A contrário senso, pode ensejar condenação quando foi (a prova emprestada) submetida ao crivo do contraditório e ampla defesa, pelas mesmas partes.


A gravação telefônica feita por um dos interlocutores, sem o consentimento do outro, é considerada prova lícita quando há investida criminosa deste último, não havendo violação ao direito à privacidade (STF PLENO – HC 72588-PB DECISÃO:12/06/1996 DJ:04/08/2000 (maioria) 1ª T – HC 73351-SP DECISÃO:09/05/1996 DJ:19/03/1999 (maioria)).


Quando houver a existência de ordem judicial autorizando a interceptação telefônica, não haverá prova ilícita. A prova emprestada, embora reconhecida a precariedade de seu valor, é admitida quando não constitui o único elemento a embasar o decreto condenatório. (STJ – 5ª Turma – HC 27145 SP Decisão:05/08/2003 DJ:25/08/2003 (unânime))


Se nos dois (2) processos (criminal e cível), as partes forem as mesmas, como v.g. no caso de um réu, servidor público, processado criminalmente, em que o autor da ação penal é o Ministério Público e na ação cível que promover contra a União pretendendo anular o inquérito administrativo do qual resultou sua demissão, não há diferença propriamente dita entre o Ministério Público (autor da ação penal) e a União (Ré na ação cível), eis que só mudam de posição (polos ativo e passivo) tal como de posição também muda o servidor (na ação penal é réu e na ação cível é autor); se a prova da escuta telefônica ou outra qualquer foi autorizada primeiramente no procedimento criminal; se a prova foi sabatinada pelas mesmas partes e assim observados o contraditório e ampla defesa; se a CF/88 só não aceita a prova que é obtida por meio ilícito (art.5º, LVI), é razoável que no processo cível se possa utilizar, validamente, uma escuta telefônica ou outra prova que licitamente foi obtida primeiramente no procedimento criminal.


Nesse mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal, analisando a questão de ordem suscitada pelo Ministro Cezar Peluso no inquérito da Operação Hurricane (Operação da Policia Federal investigando o envolvimento de Juízes e Desembargadores na venda de Sentenças e Acórdãos autorizando a prática de jogos ilícitos), caso em que o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça solicitavam cópia de dados obtidos em interceptação telefônica, para efeito de juízo sobre a instauração, ou não, de processo administrativo disciplinar, entendeu ser admissível o uso de interceptação telefônica como prova emprestada em processo administrativo disciplinar contra os mesmos servidores envolvidos na investigação criminal. Vejamos a ementa da decisão:


“INQ 2.424 -25/04/2007 – TRIBUNAL PLENO QUEST. ORD. EM INQUÉRITO 2.424-4 RIO DE JANEIRO RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO EMENTA: “PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação Telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra os mesmos servidores. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos”.


“Ementa: PROVA EMPRESTADA. NECESSIDADE. AUTORIZAÇÃO. JUIZ CRIMINAL. A interceptação telefônica como meio de prova necessita de expressa autorização do juízo criminal. Sua remessa e utilização em processo disciplinar devem ser autorizadas pelo juízo responsável pela preservação do sigilo de tal prova. Ademais, necessário que se respeitem, ainda, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Caso não observados esses requisitos serão nulos a sindicância e o processo administrativo disciplinar lastreado exclusivamente nas fitas degravadas das interceptações telefônicas. Precedentes citados do STF: RMS 24.956-DF, DJ 10/11/2005; do STJ: MS 9.212-DF, DJ 1º/6/2005, e MS 12.468-DF, DJ 14/11/2007.” (RMS 16.429-SC, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 3/6/2008).


Diante das duas linhas de pensamentos acima transcritas, cremos que não há que se falar em admissibilidade ou inadmissibilidade da interceptação telefônica, através de prova emprestada para utilização em processos civil ou administrativo disciplinar, sem a devida observância do caso concreto.


As razões expostas por ambas as correntes são plausíveis. Ao violar-se licitamente a intimidade, valor constitucionalmente protegido pelo direito ao sigilo das comunicações telefônicas, não há mais com que se preocupar, haja vista não haver direitos a ser resguardados. Porém, é visivelmente proibida a interceptação telefônica como meio de prova nos processos cível e administrativo disciplinar, razão pela qual, ao defender-se este empréstimo como lícito, estimula-se a instauração de processos criminais com o mesquinho fim de utilizá-lo como “transporte de provas”. Este tipo de conduta colabora com a morosidade judicial existente em nosso País, devendo ser repelida da prática forense.


Por outro lado, não obstante concordarmos que o art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal restringe a interceptação das comunicações telefônicas às hipóteses de investigação criminal e instrução processual penal, é fundamental que se busque sempre uma efetiva prestação jurisdicional aos conflitos de interesses submetidos ao exame do Poder Judiciário, possibilitando uma verdadeira tutela aos direitos dos cidadãos.


Sendo assim, para que seja possível a utilização do conteúdo obtido através de interceptação telefônica em processos diversos do criminal, por meio de prova emprestada, imprescindível observar-se o seguinte: I) que a interceptação telefônica seja previamente autorizada por ordem judicial para os fins de investigação criminal ou instrução processual penal, observando-se os demais requisitos da Lei 9.296/96; II) que a parte contra quem se quer produzir a prova emprestada tenha participado do procedimento em contraditório quando a interceptação telefônica fora originariamente produzida e III) que a investigação criminal ou instrução processual penal não sejam utilizadas como meros “veículos de prova”, caso em que a análise do caso concreto se reveste de fundamental importância.


Neste sentido, a lição de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Filho:


“Nessa linha de interpretação, cuidados especiais devem ser tomados para evitar que o processo penal sirva exclusivamente como meio oblíquo para legitimar a prova no processo civil. Se o juiz perceber que esse foi o único objetivo da ação penal, não deverá admitir a prova na causa cível.” (GRINOVER; FERNANDES e GOMES FILHO, As Nulidades do Processo Penal, p. 119-120).


Buscando a celeridade no ritmo da marcha processual penal foi sancionada a nova Lei 11.690/2008 que traz importantes modificações às regulamentações referentes às provas, os exames periciais, às perguntas ao ofendido, à inquirição das testemunhas e às causas de absolvição do réu, alterando normas do Código de Processo Penal, ao que dizem respeito os artigos 155, 156, 157, 159, 201, 210, 212 e 386; dando novo regramento ás provas ilícitas.


5.4. Da Aplicação do Princípio da Proporcionalidade


A ideia de proporcionalidade pode ser identificada no antigo Direito Romano, quer nas regras aplicadas pelo Pretor, quer na Lei de Talião, ou na própria balança do equilíbrio exibida pela deusa Themis. Porém, este princípio é mais fácil de se entender do que se definir, pois é muito antigo e foi redescoberto há pouco tempo com a aplicação do Direito Administrativo, intensificando-se, mais tarde, no Direito Constitucional, no período em que se declinava o princípio da legalidade. Vê-se, assim, que tal diretriz antecede o constitucionalismo, juntamente com a incrementação do Estado de Direito.


A sua existência também contribui para conciliar o direito formal e o material, produzindo uma controvertida ascendência do Juiz sobre o legislador, sem, todavia, ocorrer uma violação à separação dos poderes, mas sim proporcionando ao julgador mais liberdade para poder utilizar esse princípio.


Apesar da introdução da proporcionalidade no Direito Constitucional ter ocorrido primeiro na Suíça, foi na Alemanha que aprofundou mais suas raízes, tanto na jurisprudência como na doutrina. Com isso, a primeira decisão que declina precisa formulação desse pensamento data de 16.03.71, ora apontado por Willis Santiago Guerra Filho:


“O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado quando com o seu auxíliose pode promover o resultado desejado; ele é exigível quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental.” (GUERRA FILHO, Ensaios de Teoria Constitucional, 1989, p.75.).


Todavia, foi na Segunda Grande Guerra Mundial que a proporcionalidade logrou larga aplicação constitucional, tanto na Alemanha, quanto na Suíça, vindo a surgir, na Itália, em 1972, por decisão do Conselho de Estado, tendo a Espanha como um dos exemplos mais recentes da adoção dessa idéia.


Segundo Ernesto Penalva (Direito à intimidade e Interceptação Telefônica, 1999 apud MENDES, 1999, p. 112/113) aduz que o princípio da proporcionalidade “é um dos elementos-chave na progressiva construção e aprofundamento dos conteúdos jurídicos fundamentais”.


A Constituição de Portugal, no seu art. 18, II, consagra o princípio da proibição de excesso, que na lição de Canotilho (1999, apud MENDES, p. 113), em síntese, “são as limitações feitas no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que devem ser adequadas, necessárias e proporcionais”.


A professora Maria Gilmaíse de Oliveira Mendes faz um estudo sobre a matéria, concluindo que:


“No Brasil, embora haja autores, como Guerra Filho, que afirmem que o princípio da proporcionalidade ainda não se firmou nem no Direito Administrativo, muito menos no Constitucional, há outros, que na sua maioria, como Avólio e Maria Sylvia Zanella di Pietro dizem que os administrativistas o têm admitido. Celso Antônio Bandeira de Mello se refere ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. Aduzse que a proporcionalidade está vinculada à razoabilidade, apesar de não estar prevista expressamente no texto constitucional. É considerado um princípio aberto, pois não se encontra disposto no Direito escrito, mas sim em várias normas esparsas, que, de uma forma ou de outra, relacionam-se com os seus fins.” (MENDES, Direito à Intimidade e Interceptação Telefônica, p. 113-114).


Para Paulo Bonavides (1999 apud MENDES, p. 114-115), no entanto, entende que “o princípio, em referência, flui do art. 5º, § 2º, da CF/88, o qual abrange a parte não escrita e não expressa dos direitos e garantias fundamentais”.


O princípio da proporcionalidade em sentido estrito, complementando os princípios da adequação, razoabilidade e necessidade, é de suma importância para indicar se o meio utilizado encontra-se razoável com o fim perseguido, exaltando a ideia de equilíbrio. Há situações em que é plenamente possível identificar-se um desequilíbrio, na relação meio e fim, ou seja, quando há inviabilidade da medida adotada, em razão da desproporção do meio usado com o fim colimado.


A diferença entre necessidade e proporcionalidade está no fato de que a primeira cuida de uma otimização com relação a possibilidades fáticas, enquanto esta envolve apenas a otimização de possibilidades jurídicas. Logo, quando houver uma situação, na qual não se pode concluir qual seria o meio menos restritivo, porque a constelação do caso examinado é bastante ampla e com várias repercussões na ordem constitucional, somente a ponderação entre os valores em jogo pode resultar na escolha da medida certa.


Portanto, a proporcionalidade, de acordo com Suzana de Toledo Barros:


“É um princípio que pauta a atividade do legislador segundo a exigência de uma equânime distribuição de ônus. Todavia, por si, não indica a justa medida do caso concreto. Esta há de ser inferida a partir da técnica de ponderação de bens, no qual o juízo de valoração de quem edita ou controla a medida restritiva de direito é bastante amplo, dando margem à tese, defendida por muitos, de que se trata de uma tarefa impossível de ser efetuada, pela dificuldade de separar, medir e comparar valores e interesses em conflito”. (BARROS, O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, 2000, p. 85-86).


Diante disso, a adequação é a conformidade com o objetivo e a prestabilidade para atingir o fim da medida.


A proporcionalidade não está prevista expressamente na Constituição Federal, no entanto, está em plena expansão de sentido, devido aos estímulos científicos constantes que lhe são atribuídos. Como um princípio dirigido ao próprio legislador, irá encontrar a sua função principal no âmbito dos direitos fundamentais, dado o seu regime diferenciado.


A jurisprudência do STF é uníssona no sentido de que o princípio da proporcionalidade deve ser aceito somente pro reo, mas o STJ já decidiu, raras vezes, admitindo o princípio da proporcionalidade pro societate:


“Ementa: TRIBUNAL DO JÚRI. PROVA PLENA. DISPENSA. HOMICÍDIO. MANDANTES. Convencido dos indícios da autoria e materialidade do crime, mesmo sem a prova plena, compete ao juízo de pronúncia admitir a acusação para submeter o réu a julgamento pelo júri, cabendo a este a solução final da polêmica, mormente dada a possibilidade de os réus serem os mandantes do homicídio, por força do princípio in dubio pro societate (CP, art. 121, § 2º, I e IV c/c art. 29). Precedentes citados: HC 46.781-RJ, DJ 3/4/2006, e HC 37.683-SP, DJ 11/10/2004”. (REsp 819.956-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 23/5/2006).


Necessário é ressaltar o caráter relativo do princípio constitucional da inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas.


Este caráter relativo só pode ser validamente aplicado no caso concreto, em que se saberá qual interesse se sobreporá aos demais (princípio da proporcionalidade), e dessa forma buscará a melhor forma de aplicar e buscar a justiça.


5.5. Princípio da Verdade Real


A visão garantista se contrapõe ao pensamento da Escola Positiva, que enfatiza a defesa da sociedade contra os criminosos. Esta corrente, pela efetiva busca da verdade material, se baseava na proteção social contra a delinquência.


Diante dessa postura, a figura do Juiz é primordial para a colheita das provas, as quais limitavam-se a ajudá-lo no encontro com a verdade. As partes não tinham qualquer poder dispositivo sobre o material probatório, pois a investigação somente visa à obtenção da verdade real.


Nessa ótica, o livre convencimento adquire um significado mais amplo, no sentido de salvaguardar a autonomia do julgador na apreciação do contraditório e das provas, bem como a ausência de limites aos meios utilizáveis nas investigações.


No processo, a verdade é aquela que está contida nos autos, sobre a qual o Juiz toma conhecimento e forma sua percepção.


A verdade varia no tempo e no espaço, pois procura certos fatos, através de diversos meios que, por muitas vezes, são insuficientes e negativos. A observação de tais meios decorre de três estados de espírito: ignorância, dúvida e certeza. Há autores que declinam um quarto estado, a opinião.


Sobre a ignorância não há que se fazer comentários, eis que é meio absolutamente negativo. Já com relação à dúvida, algumas considerações merecem ser tecidas, porque uma assertiva se apresenta sempre com motivos negativos e afirmativos que necessitam ser abalizados. Se tais motivos se igualam, surge a credulidade, se os afirmativos superam os negativos, tem-se a probabilidade, se for o contrário, haverá a improbabilidade, que é exatamente a probabilidade dos fatos negativos.


Do exercício que faz para alcançar a convicção, o Juiz passa pela certeza, que, por sua vez, é uma afirmação preliminar da verdade, significando que a noção ideológica se apresenta como real. Portanto, seu convencimento é a afirmação necessária de que está de posse da certeza.


Falando especificamente sobre o princípio da verdade real, também conhecido como princípio da verdade material, tem-se que este é o poder-dever do Juiz penal de buscar a materialidade do crime e sua autoria.


O princípio da verdade real na processualística penal é limitado em alguns pontos, podendo-se citar a impossibilidade de rescisão da sentença absolutória transita em julgado, mesmo que surjam novas provas contra o agente, devido à força da coisa julgada, bem como qualquer outra forma de extinção da punibilidade que impeça a busca da verdade material.


Embora a verdade real não deva ser buscada a qualquer preço pelo Juiz, eis que se encontra limitado aos seus princípios éticos e morais, além de ser o destinatário probatório dos autos, devendo ater-se aos elementos trazidos à colação pelas partes, pode também, como diretor do processo, não se contentar com aquilo que se apresenta à causa e tentar, dentro dos parâmetros da lei, investigar a verdade dos fatos, ou seja, poderá, se quiser, requisitar alguma prova emprestada, determinar a intimação de testemunha referida em outro depoimento, cuja declaração ache importante ao deslinde da ação, converter o processo em diligência, que ache essencial ao caso, ou proceder à nomeação de perito, caso entenda necessária a prova pericial, desde que esta seja adequada ao procedimento adotado.


Desta forma, a verdade material ou real, como já foi mencionado, está mitigada pelo conceito de verdade judiciária, processual ou forense, a qual é oriunda de um procedimento em que houve contraditório, com a exclusão ou admissibilidade de provas, conforme determina a lei.


Melhor esclarecendo a questão, à luz da concepção do Prof. Antônio Magalhães Gomes Filho:


“(…) um verdadeiro modelo cognitivo de justiça penal pressupõe não apenas que a acusação seja confirmada por provas (“nulla accusatio sine probatione”), mas também o reconhecimento de poderes à defesa do acusado no procedimento probatório, especialmente o de produzir provas contrárias às da acusação (“nulla probatio sine defensione”). A verdade processual, nessa ótica, não é a verdade extorquida inquisitoriamente, mas uma verdade obtida através de provas e desmentidos. E tais garantias serão ilusórias se não forem asseguradas no procedimento probatório as garantias do devido processo legal, a começar pela imparcialidade do Magistrado que conduz a investigação.” (GOMES FILHO, Direito à Prova no Processo Penal, 1997, p. 55.)


Sabe-se que os institutos probatórios devem assegurar a legalidade, com fulcro nas normas previamente fixadas pelo legislador, de modo a valorizar a aplicabilidade dos próprios preceitos constitucionais. Portanto, o devido processo legal pressupõe a transparência dos procedimentos probatórios, através da publicidade e efetividade de todas as garantias legais.


6. Conclusão


A interceptação telefônica encontra-se normatizada constitucionalmente pelo inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e, regulamentada pela Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que permitindo somente a quebra dos sigilos telefônicos, para fins de investigação criminal ou investigação processual penal, mediante autorização judicial.


As interceptações telefônicas, disciplinadas e efetuadas com obediência aos requisitos impostos no ordenamento jurídico, são aceitas como provas lícitas, sendo admissível seu resultado como fonte de prova no processo.


Somente a gravação feita por um dos interlocutores com o desconhecimento do outro, chamada, gravação clandestina ou ambiental, não é considerada interceptação, nem esta disciplinada pela lei. No entanto, vale ressaltar, que inexiste tipo penal que incrimine esta conduta, na ideia de que em um processo de comunicação, são titulares da mensagem tanto o emissor (remetente) quanto o receptor (destinatário), de modo que o sigilo só existe em relação a terceiros e não entre eles, os quais estão liberados para gravar o conteúdo da mensagem. Todavia, a divulgação desta mensagem, sem justa causa, poderá ser considerada ilícita, subsumindo-se à conduta ao tipo previsto no art. 153 do Código Penal, fazendo-se necessária a verificação da justa causa.


Nas jurisprudências pesquisadas, vimos o posicionamento de alguns tribunais sobre o assunto referente a “devagração” ou interceptação de escutas telefônicas. No primeiro momento foi falado da licitude da prova obtida com autorização judicial, já no segundo momento foi discutido sobre a inviolabilidade das comunicações telefônicas que não tem caráter absoluto, sendo permitido a violação deste, desde que observados os requisitos em Lei.


Em relação a prova que for emprestada de outro processo, em que houve determinação judicial para sua produção, a prova se torna lícita, não havendo nenhuma ilegalidade no seu uso.


Ademais, quanto à sua utilização face às interceptações telefônicas, não obstante a proibição é perfeitamente possível que uma prova considerada ilícita venha a tornar-se lícita por força do princípio da proporcionalidade, corolário do Estado de Direito e grande colaborador da repressão ao crime, devido ao caráter relativo do princípio constitucional da inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas.


Por isto tem sido admitida, entre nós, respeitando-se o princípio da presunção de inocência, a prova ilícita, exclusivamente, para inocentar, apesar de já se terem decisões do Supremo Tribunal Federal dizendo o contrário.


Em relação a aplicabilidade do princípio da verdade real no campo do processo penal, mais precisamente na interceptação telefônica, é limitado em alguns pontos, podendo-se citar a impossibilidade de rescisão da sentença absolutória transitada em julgado, mesmo que surjam novas provas contra o agente, devido à força da coisa julgada, bem como qualquer outra forma de extinção da punibilidade que impeça a busca da verdade material.


Concluindo-se que, é preciso combater a criminalidade, seja qual for sua denominação, para o exercício de tal atividade não pode o Estado, por seus agentes incumbidos da persecução criminal em sentido amplo, fomentar a ilicitude com a pratica de outros crimes e ilegalidades as mais variadas. É preciso respeita o Estado Democrático de Direito.


Sendo que, caberá à doutrina, e à jurisprudência a melhor aplicação, da Lei 9296/96, com os olhos sempre voltados ao crucial conflito entre as exigências da segurança e os direitos da defesa, buscando o ponto de equilíbrio que harmonize a necessária luta contra a criminalidade com os valores de um processo penal respeitoso da dignidade humana.


 


Referências Bibliográficas

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Informações Sobre o Autor

Wilson Canci Junior

Promotor de Justica da Comarca de Bataguassu/MS.


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Equipe Âmbito Jurídico

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