Simbolismo constitucional x simbolismo judicial

Rodrygo Welhmer Raasch: Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Servidor Público na Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e Advogado.

Resumo: A presente pesquisa teve como ponto de partida a análise da obra de Marcelo Neves denominada de Constitucionalismo Simbólico onde se procura demonstrar que a teoria forjada pelo professor em questão não fica adstrito à função legiferante, mas, é aplicada na realidade jurisdicional brasileira. O impacto das leis no cotidiano das pessoas é até de difícil verificação. Desse modo, preocupante é a tendência jurisprudencial e legislativa em acatar o simbolismo no direito brasileiro. O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a incidência do “Simbolismo Judicial” no ordenamento e realidade jurídica brasileira. Para tanto, serão abordados teorias e conceitos correlatos à temática, com o objetivo de demonstrar, na abordagem de inúmeros doutrinadores e teorias a existência do simbolismo judicial, e não apenas do conceito de Simbolismo Constitucional proposto por Marcelo Neves. Para que o trabalho fosse executado, foi necessário um levantamento teórico e jurisprudencial para ter embasamentos suficientes para aplicar no corpus. E a partir do referencial teórico foi possível verificar quatro formas principais de incidência do Simbolismo Judicial. Como resultados da análise da obra de Marcelo Neves, é possível verificar que o Simbolismo não é autopoiesis, mas advém das teorias do Ativismo Judicial, Teoria da transcendência dos Motivos Determinantes, Abstrativização do Controle Difuso e da defesa da ordem constitucional objetiva. O trabalho possibilitou a verificação do Simbolismo jurisdicional, suas principais formas de manifestação e de suas principais causas.

Palavras-chave: Simbolismo Judicial. Jurisdição Constitucional. Constitucionalismo Simbólico.

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Abstract: Present monograph had as its starting point an analysis of the study of Marcelo Neves called symbolic Constitutionalism, to which, it seeks to demonstrate that the theory elaborated by at teacher in question isn’t limited to the legislative process. However, it is applied in reality Brazilian judicial. The impact of laws in the everyday life of the people it is difficult to verification, in this way, it’s worrying the adoption in brazil of judicial and legislative symbolism. The present research aims to demonstrate the incidence of judicial symbolism in Statute law and judicial reality brazilian, because of this are discussed theories and concepts related to theme, with the objective of demonstrating the approach of numerous doutrinadores and theories about the existence of judicial symbolism, and not only the Constitutional Symbolism authored by Marcelo Neves. To ensure that this work has been performed, it is was necessary to a theoretical survey and jurisprudential to substantiate sufficient on the developed theme, the judicial symbolism. Considering all the theoretical reference it was possible to verify four major forms of incidence of Judicial symbolism. As the results of the analysis of the book of Marcelo Neves it is possible to check the symbolism isn’t autopoietic, but stems from the theories of Judicial Activism, Theory of transcendence of the determinants motives, Abstrativização of Diffuse Control of constitutionality and defense of the order constitutional objective. The work enabled the verification of jurisdictional symbolism, its main forms of manifestation and Its main causes.

Keywords: Judicial Symbolism. Constitutional Jurisdiction. Constitucional symbolism.

 

Sumário: Introdução. 1. A Teoria da Constitucionalização Simbólica. 1.1. Confirmação de Valores Sociais. 1.2. Legislação-Álibi. 1.3. Adiamento da Solução de Conflitos Sociais Através de Compromissos Dilatórios. 1.4. Efeitos Sociais Latentes da Legislação Simbólica. 2 A Teoria dos Efeitos Trancedentes dos Motivos Determinantes 3. Abstrativização do Controle Difuso de Constitucionalidade. 4. Simbolismo Judicial no Âmbito do Supremo Tribunal Federal. 4.1. Eficácia e Efetividade das Decisões Simbólicas. 4.2. Ativismo Judicial como Corolário das Decisões Constitucionais Simbólicas. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O presente estudo tem por objeto o fenômeno do “Simbolismo Judicial”, por meio do qual pretende-se discorrer acerca da inefetividade social das decisões proferidas por nossa jurisdição constitucional, cuja teleologia está voltada somente para a integralização do ordenamento jurídico, esquecendo-se das pretensões formuladas pelos verdadeiros legitimadores do poder.

Preliminarmente é analisado a teoria da constitucionalização simbólica de autoria de Marcelo Neves. Esta, constitui denúncia à hipertrofia do sistema jurídico, no qual são inseridas na constituição normas e valores com pouca ou nenhuma aplicabilidade social, com propósito apenas de demonstrar o poder de ação do legislativo frente a algum problema social ou simbolizar a normatização de assuntos carentes, mesmo que esta tenha pouca efetividade.

Além disso, os institutos da Abstrativização e Transcendência dos Motivos determinantes simbolizam um novo viés jurisprudencial. Esta nova tendência de ver o direito é fruto do ativismo judicial, do qual os dois anteriores decorrem. Dessa forma, o judiciário não é mais silente e inerte, mas participativo, influindo em dogmas que são atributos constitucionais de outros órgãos constituídos.

A Abstrativização sustenta que as decisões tomadas em controle de constitucionalidade difuso, desde que reconhecida a sua repercussão geral, tem a capacidade de tornar-se vinculante, a qual, os demais órgãos judiciários não poderiam negar aplicação, tampouco o Poder Executivo.

A Transcendência dos Motivos Determinantes doutrina que a fundamentação do acórdão deve ser vinculante e não somente o dispositivo. A jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal nega aplicação a esta teoria. No entanto, no passado, a mesma foi considerada como meio idôneo para se alcançar a celeridade processual.

Prosseguindo, a análise do “Simbolismo Judicial” exige a confrontação entre a teoria da constitucionalização simbólica com a jurisprudência de nossa corte maior. Dessa forma, poderemos falar em um verdadeiro “simbolismo judicial”, onde as decisões proferidas por nosso pretório excelso estão eivadas da mesma hipertrofia que Marcelo Neves identificou em sua obra Constitucionalização simbólica nas normas constitucionais.

Assim, com pouca sustentação doutrinária, o “simbolismo judicial” é assunto inovador, pois apresenta nova visão dos atos do Poder Judiciário, principalmente no que se refere a efetividade das decisões. Dessa forma, o presente trabalho objetiva iniciar as discussões sobre a função simbólica das decisões judiciais, tendo como parâmetro inabalável a obra já citada, Constitucionalização Simbólica de Marcelo Neves.

A redação final da presente pesquisa é fundamentada nos principais conceitos e percepções dos seguintes doutrinadores:  NEVES (2018) CANOTILHO (2013), STRECK (2011), SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2017).

 

1 A Teoria da Constitucionalização Simbólica

Os estudiosos do Direito (Kelsen, 1988; CICCO, GONZAGA, 2011) conseguem identificar que entre o Estado e Direito há uma relação de paridade ao longo da história: enquanto que este dá legitimidade jurídica àquele; aquele depende da formação da vontade política deste. Assim, é salutar que alterações legislativas perpetradas pelo Estado encadeiem modificações nas estruturas políticas e nas relações dos fatores sociais uma vez que o Estado Contemporâneo é, antes de qualquer coisa, um Estado de Direito.

Nesse diapasão, ao estudar o Direito Constitucional, que é um dos ramos mais fundamentais do Direito, estuda-se a evolução jurídica e social do Estado, percorrendo os modelos adotados desde as sociedades medievais às modernas com o intuito de investigar as modificações e experiências atinentes ao mundo jurídico-constitucional.

Assim, o germinar do Estado foi consequência da organização humana em cidades-estados e a necessidade imperiosa de positivar as regras de conveniência sociais.

Partindo dessa premissa, LOEWENSTEIN (1970, p. 155) identifica timidamente resquícios do surgimento do constitucionalismo na antiguidade clássica, mais precisamente entre os hebreus, onde estabeleceu-se um Estado teocrático com limitações ao poder político, através do controle dos atos governamentais que extrapolassem os limites estabelecidos na lei mosaica realizado pelos profetas.

Todavia, as maiores contribuições para o constitucionalismo tal como conhecemos hoje é fruto de revoluções: a francesa e a de independência das treze colônias inglesas na América do Norte, onde fixou-se como pontos cardeais o princípio do governo limitado, a garantia de direitos fundamentais e a Separação dos Poderes (LENZA, 2013, p. 60-61)

O Direito Constitucional se desenvolveu ao longo dos séculos, passando por períodos de avanços e retrocessos, conquanto, nunca houve uma dissociação entre o Estado e Direito, pois, conforme defende CANOTILHO (2003, p. 51) “[…] O conceito de Constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da Democracia ou a teoria do liberalismo”.

No mister de compreender a essencialidade do Constitucionalismo, recorre-se ao estudo dos modelos Francês, Americano e Inglês. Os dois primeiros partem da norma escrita, positivada em um instrumento jurídico vinculante. Quanto ao segundo, baseado principalmente nos costumes, na jurisprudência e no direito positivado, parte-se de raízes históricas e tradições enraizados na sociedade para constituir e organizar o Estado (SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2017. p. 36).

Em sua evolução, o Estado se deparou com um período legalista, também denominado de Positivismo Jurídico, cujo principal expoente é Hans Kelsen (1998), no qual se pregava que a norma é um fim em si mesma, não necessitando de se recorrer a outros valores substantivos quando da análise de um caso concreto, como a Filosofia, a Justiça ou a Moral. Como consequência dessa mentalidade, viu-se um estado extremamente legislador, nunca se produziu tantos diplomas normativos como em nossa época, tornando a vida do aplicador do Direito demasiadamente complexa e exaustiva, conforme expõe Flávio Tartuce (2017, p. 60): “O mundo pós-moderno e globalizado, complexo e abundante por natureza, convive com uma quantidade enorme de normas jurídicas, a deixar o aplicador do Direito até desnorteado. Convivese com a era da desordem”.

Entretanto, após o fim da Segunda Guerra Mundial a Europa passou por um período humanista, ao qual lançou-se mão ao Jusnaturalismo e sua teoria fundada na crença de princípios justos e universalmente válidos. Este período de pós-guerra também foi responsável pelo surgimento do Neoconstitucionalismo ou Constitucionalismo do Século XXI, movimento que representa um conjunto de transformações pelo qual passou a sociedade na forma como ler e interpretar o Direito, devendo o diploma normativo um instrumento que garanta a participação democrática de todos na organização política e jurídica (BARROSO, 2012a)[ BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547> Acesso em: 05 de out de 2012

Consoante noção cediça, a doutrina da Constitucionalização Simbólica desenvolvida pelo Professor Marcelo Neves (1994) foi introduzida no direito pátrio a partir da análise de obras de diversos autores, tais como Cassirer, Lévi-Strauss, Bourdieu, Freud, Jung, Lacan, Castoriadis, Peirce, Firth, Saussure, Carnap, Luhmann entre outros.

O citado autor apresenta introdutoriamente uma delimitação semântica para a expressão legislação simbólica, que em suas palavras: “[…] quando se afirma que um plexo de ação tem função simbólica, instrumental ou expressiva, quer-se referir à predominância de uma dessas variáveis, nunca de sua exclusividade. Assim é que legislação simbólica aponta para o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental.” (NEVES M., 2018, p. 23).

Seguindo, a teoria da Constitucionalização Simbólica, o supracitado autor com nítida inspiração em Harald Kindermann, estabelece uma divisão tricotômica sob a denominação de Tipos de Legislação Simbólica: a) confirmação de valores sociais, b) demonstração da capacidade de agir do estado, c) adiamento da solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios.

 

1.1 Confirmação de Valores Sociais

Marcelo Neves estipula que a confirmação de valores fundamentais ocorre quando: “Exige-se primariamente do legislador, com muita frequência, uma posição a respeito de conflitos sociais em torno de valores. Nesses casos, os grupos que se encontram envolvidos nos debates ou lutas pela prevalência de determinados valores vêem a ‘vitória legislativa’ como uma forma de reconhecimento da ‘superioridade’ ou predominância social de sua concepção valorativa, sendo-lhe secundária a eficácia normativa da respectiva lei.” (2018, p. 33)

Como se depreende, o legislador busca assumir determinada posição no tocante a conflitos sociais, consagrando certo posicionamento, pendendo sempre para o grupo que está amparado legalmente, satisfazendo-se as suas expectativas basicamente com a expedição do ato legislativo.

Assim, a atividade legiferante é vista como um campo de batalha no qual deve-se derrotar o grupo adversário a todo custo, ficando em segundo plano os anseios da população.

Para exemplificar, de forma latente Marcelo Neves (2018, p. 34) nos apresenta o caso da aprovação da lei seca nos Estados Unidos da América, no qual a legislação proibitiva de comercialização de bebidas alcóolicas demonstrava um nítido prevalecimento do grupo nativo, constituído basicamente de protestantes, em face dos imigrantes ingleses, que eram em sua maioria católicos. Ou seja, a referida lei era tida como verdadeiro instrumento de status por certo grupo, pouco importando a questão do alcoolismo em si.

Atualmente é possível observar a utilização da legislação simbólica objetivando confirmar valores sociais, nas recentes leis europeias aprovadas, enrijecendo a legislação sobre estrangeiros.

Muito se comenta nesses casos, se tais leis restritivas de emigração seriam tão somente para pacificar determinados grupos locais que são contrários a abertura das fronteiras para emigrantes estrangeiros. No entanto, na prática este tipo de legislação não possui qualquer relevância efetiva para, por si só, impedir a entrada e permanência de imigrantes no âmbito da União Europeia.

 

1.2 Legislação-Álibi

A respeito do segundo caso, a legislação simbólica é utilizada como instrumento hábil a demonstrar toda capacidade de ação do Estado, construindo uma confiança no sistema jurídico e no poder legislativo, através da satisfação das expectativas dos cidadãos e de grupos que exercem influência direta na função legiferante, mesmo que a produção normativa sobretudo seja de nenhuma ou pouca concretização por parte do estado devido à falta de condições materiais, passando tão somente a imagem do Estado sensível e prestacionista. (NEVES, M., 2018, p. 36)

A Legislação-Álibi destina-se a criar a imagem de um Estado que responde normativamente aos problemas reais da sociedade. (NEVES, 2018, p. 39)

O Poder Legislativo, diante da pressão exercida pelos meios de comunicação em massa e pela população diretamente interessada, aprova diplomas normativos para satisfazer os anseios e expectativas do público, contudo, sem a necessária preocupação com a instrumentalidade das normas ou sua efetividade.

Nesse contexto, a atividade legiferante é instrumento para a manutenção da confiança dos cidadãos nas instituições estatais e no Congresso Nacional, convindo para demonstrar a capacidade e rapidez de resposta a anseios e quanto a pontos urgentes e necessidades relevantes.

É cediço que em momentos próximos as eleições ou até períodos eleitorais, quando a classe política resolve prestar contas de seus mandatos à população, logo surgem referência à iniciativa ou participação na elaboração de leis de grande impacto na mídia, entretanto, como já mencionado estes instrumentos normativos são de pouca ou inexistente efetividade social. (LENZA, 2013, p. 82)

A legislação simbólica é meio utilizado para um verdadeiro marketing político, especialmente após acontecimentos catastróficos, tais como desastres naturais ou mesmo problemas sociais emergentes.

A doutrina do Professor Neves (2018, p. 37-38) traz em seu bojo um célebre caso ocorrido na Alemanha nos idos de 1987, onde uma emissora de televisão de grande expressão nacional informou à população de que peixes contaminados estavam sendo comercializados e, como consequência, transmitindo doenças. A referida notícia impactou diretamente no consumo deste alimento a ponto de obrigar o governo alemão a elaborar um instrumento normativo proibindo a venda de todo e qualquer peixe contaminado naquele país. Apesar de reconhecida dificuldade em concretizar tal norma, ainda sim, o Decreto foi recepcionado pela população alemã com otimismo. Reconhecendo, a celeridade do Governo em normatizar práticas que pudessem advir graves danos a população.

Além do caso citado, em território nacional não faltam exemplos de leis simbólicas que representam verdadeiro álibi do legislador na solução de problemas sociais. Entre elas é recorrente discussões sobre alterações no Código Penal para conter surtos de criminalidade, sempre instituindo penas mais severas para os agentes infratores. (MOTA, 2016)[ MOTA, Kaio César da Silva. CONSTITUIÇÃO SIMBÓLICA: A DISCREPÂNCIA ENTRE O SIMBOLISMO CONSTITUCIONAL E SUA INEFICÁCIA NORMATIVO-JURÍDICA. REVISTA CONSTITUIÇÃO E GARANTIA DE DIREITOS, Natal, v. 9, n. 1, p. 179-207, jan. 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/viewFile/10329/7302>. Acesso em: 01 nov. 2017.]

Nessa esteira, a redução da maioridade penal é campeã de audiência nas principais mídias e preocupação primordial de parlamentares, sobretudo diante de algum ato criminoso perpetrado por algum adolescente. A classe política procura saciar o desejo de justiça da população através da elaboração de leis sem, entretanto, refletir acerca das consequências e efetividade de tais leis na realidade dos brasileiros. (MOTA, 2016)

Dessa forma, a legislação álibi promove uma corrosão na credibilidade do sistema normativo, visto que a incessante produção normativa ineficaz cria no povo a sensação de incapacidade do Estado quando lida com graves problemas sociais.

Preciosas são as lições do professor Marcelo neves (2018, 40-41): “Quanto mais ela é empregada, tanto mais freqüentemente ela fracassará. Isso porque o emprego abusivo da legislação-álibi leva à “descrença” no próprio sistema jurídico, transtorna persistentemente a consciência jurídica. Tornando-se abertamente reconhecível que a legislação não contribui para a positivação de normas jurídicas, o direito como sistema garantidor de expectativas normativas e regulador de condutas cais em descrédito; disso resulta que o público se sente enganado e os atores políticos tornam-se cínicos.”

Convém ponderar que ao se lançar mão da legislação-àlibi, o legislador não apenas deixa o problema sem solução plausível, como também atravanca o caminho para que medidas que sejam efetivas sejam tomadas, diante da falsa sensação de resolução dos obstáculos. (NEVES, M., 1994, p. 38)

A crença instrumentalizada na lei, fruto de uma sociedade altamente influenciada pela legislação simbólica, coloca a lei como solução para todos os fatos sociais, criando uma espécie de “crença sobrenatural” no poder da legislação do parlamento.

Assim, o povo se cala diante do encargo de resolver dificuldades sociais, deixando estas dificuldades a cargo de um grupo pequeno de representantes da vontade geral, qual seja, o Poder Legislativo. Nada mais enganoso, conforme ponderava Carlos Drummond de Andrade (SEED, 1998, p. 44) em um de seus famosos poemas: “as leis não bastam: os lírios não nascem das leis”.

 

1.3 Adiamento da Solução de Conflitos Sociais Através de Compromissos Dilatórios

Por fim, a técnica da legislação simbólica pode ser empregada no adiamento de soluções de conflitos através de compromissos dilatórios. Sendo assim, os conflitos não seriam resolvidos diante da promulgação de uma nova lei, mas, adiados de forma indefinida com a edição de um instrumento normativo que agrade os interesses de ambos os grupos em conflito. (NEVES, M., 2018, p. 41)

A referida modalidade de simbolismo legislativo é aplicada persistentemente no poder legiferante que não possui maioria definida, condição comum em regimes no qual a competição política por espaço e poder são visualizados com mais exatidão. Logo, os representantes do povo no poder legislativo buscam adiar a solução de conflitos sociais latentes enquanto não se celebram acordos com a parte rival tais acordos, em quase a sua totalidade são celebrados de forma oculta à população, nos bastidores, prevalecendo os interesses das partes negociantes, desconsiderando a própria Magna Carta, muitas vezes. (BEZERRA, 2010, p. 34-35)

À guisa de exemplo podemos citar o caso de uma lei norueguesa, trazido na obra do professor Marcelo Neves (2018, p. 41), sobre os empregados domésticos datada de 1948. O citado instrumento normativo era fruto da concepção de camadas progressistas do congresso norueguês que almejavam a efetiva melhoria nas condições de trabalho dos domésticos. Entretanto, a norma só poderia ser aprovada mediante o apoio da maioria do congresso que era conservadora. Como condição para aprovação foram feitos substancias alterações no projeto original que acabaram por limitar a efetividade do supracitado diploma trabalhista. Exemplo claro, extraído do referido caso foi o abrandamento das punições aos empregadores, fato este, que terminou por dificultar a aplicação da lei, constituindo uma verdadeira legislação simbólica.

Marcelo Neves observa que, em casos como este, as divergências entre camadas políticas não são resolvidas através da lei, que, todavia, será aprovada em consenso pelas partes pactuantes, estando exatamente na tênue pactuação a perspectiva de inaplicabilidade da lei recém aprovada. (2018, p. 40-41)

Destarte, há uma transferência da efetiva solução de problemas sociais e políticos para um futuro indeterminado, não obstante, se procura resolver de imediato o interesse das partes conflitantes.

 

1.4 Efeitos Sociais Latentes da Legislação Simbólica

Cumpre observar preliminarmente que em solo brasileiro, diversas normas constitucionais regulamentadoras de direitos de segunda geração, ou direitos sociais, para cuja efetividade dependam uma atuação do Estado, são marcadas por um predomínio da função simbólica, em detrimento da função legiferante. De tal modo, o direito é estabelecido, no entanto, sem uma positivação suficiente que garanta a auto execução da norma. (MOTA, 2016)

Por conseguinte, é possível visualizar essa modalidade de simbolismo constitucional em nosso ordenamento jurídico pátrio nos direitos básicos à saúde, alimentação, moradia e educação, todos estabelecidos como prioritários do Estado Democrático de Direito do Brasil. (BEZERRA, 2010, p. 36)

O texto constitucional de 1988 é de clareza solar ao estabelecer que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso é universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988).

Quanto ao direito à educação, a magna carta (BRASIL, 1988) estabelece que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Por tais razões, não se pode chegar à conclusão que as citadas normas constitucionais sejam plenamente destituídas de qualquer eficácia, uma vez que, do estudo da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais se extrai o ensino que todas normas possuem eficácia, algumas mais e outras menos, mas todas a possuem. Outro ponto importante a observar é que as disposições constitucionais possuem no mínimo a denominada eficácia negativa, da qual, extrai-se a regra que é proibida a realização de atos ou condutas em contrariedade aos comandos da referida norma, vinculando a posterior atividade legiferante infraconstitucional, sendo que esta deve observar harmonicamente o definido na seara constitucional. (BEZERRA, 2010, p. 36)

O simbolismo legislativo origina diversos efeitos na sociedade, os quais são em sua maioria indiretos e latentes, na forma de que são mais acentuados que os efeitos manifestos em que carece. Destarte, a legislação simbólica é caracterizada por sua ineficaz ou inexistente abstratividade, sem que, todavia, dessa abstratividade estabeleça os efeitos mínimos, qual seja, os efeitos negativos capazes de traçar uma direção normativa e vincular o legislador infraconstitucional. (NEVES, M., 2018, p. 42-43)

Por outro lado, o que a doutrina comumente chama de efeitos positivos da legislação, nesse caso, são majoritariamente políticos, onde quase não se nota os seus efeitos jurídicos. Os efeitos políticos, estes sim, são constantemente descortinados no seio da sociedade, no momento de verificar a concretização da lei simbólica. (BEZERRA, 2010, p. 36)

O supracitado autor fundamenta ainda que inúmeras ONGs e a sociedade civil organizada estão despertando para a triste realidade legiferante brasileira e, mediante admirável capacidade de organização, estão buscando reivindicar perante o poder legislativo a elaboração de medidas que tornem possível a efetivação dos direitos emanados na legislação simbólica.

A falta de eficácia da lei simbólica é o principal e mais aterrorizante efeito do simbolismo legislativo. Dentre as possíveis causas, pode-se apontar como maior barreira a falta ou quase inexistente educação cívica brasileira. Basta notar a sociedade altamente individualista e patrimonialista estabelecida, onde pequenas condutas generosas se tornam motivo para reportagens em noticiários, de tão incomuns tais condutas são dos costumes do povo. (NEVES, M., 2018, p. 45)

Vozes conservadores e revolucionárias pregam quase a mesma coisa: uma necessidade gritante de evolução completa do povo, para um dia, talvez, ser possível estabelecer um ordenamento jurídico concretizável.

Não obstante, enquanto o progresso deste dia não alvora, a sociedade dependerá de um “messias” que descerá dos céus e realizará todas as obras capazes de dar efetividade as normas e solucionará todos os problemas que afligem a sociedade contemporânea. (BEZERRA, 2010, p. 37)

Por conseguinte, é fundamental o estabelecimento de uma dogmática concretista das normas jurídicas, com fito de superar o atual sistema.

A nosso pensar, a reforma a se desenvolver no Brasil começa com a remoção das injustiças estruturadas, a qual necessita de teorias concretistas de realização constitucional, e não de mais emendas à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (MOTA, 2016)

Em sendo assim, a busca pela concretização constitucional é requisito fundamental para o avanço como sociedade organizada, posto que, o mero reformismo expõe a fragilidade do sistema diante de seus problemas sociais e a gritante injustiça já enraizada em nosso Estado, pois, como vimos, a constitucionalização simbólica obstaculiza as necessárias mudanças. (BEZERRA, 2010, p. 37)

Em razão disso, cabe tão somente a sociedade a conscientização de seu papel no jogo político e, organizando-se, reivindicar através de suas maior e eficaz arma: o voto, a concretização de direitos básicos e a extirpação dos percalços da legislação simbólica, presentes em nosso sistema jurídico atual.

 

  1. A Teoria dos Efeitos Trancedentes dos Motivos Determinantes

Cumpre observar preliminarmente, antes de tratarmos da Teoria da Transcedência dos Motivos Determinantes, a necessidade de se analisar os elementos estruturantes das decisões judiciais.

Sendo assim, o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 489, dispõe quais são os elementos essenciais da sentença, quais seja: a) relatório; b) fundamentação; e c) dispositivo: “Art. 489.  São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. […]

O relatório é introduzido na parte inicial da decisão judicial e predispõe a exposição fática de todos os acontecimentos do processo, de forma clara e direta.

Por sua vez, a fundamentação representa a declaração emanada do órgão julgador das razões fáticas e de direito que determinaram a formação do convencimento do órgão julgador.

E por fim o dispositivo, que conterá o resumo e a resolução das questões principais a que as partes submeteram, sendo esta a única parte da sentença capaz de vincular a Administração Pública, conforme posicionamento da doutrina majoritária Processual Civil.

A par de noção cediça, passamos a discorrer sobre o tema central de nosso título, qual seja, a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, o qual é fundamentado basicamente na doutrina alemã.

A supracitada teoria fundamenta que não é só o dispositivo da decisão que é capaz de ter efeitos vinculantes, mas acrescenta também a fundamentação jurídica nesse rol. Assim, para os nobres doutrinadores patronos da transcendência dos motivos determinantes, a “ratio decidendi”, que são os fundamentos essenciais que ensejaram a decisão final, passaria a vincular o Poder Público e os demais Órgãos do Poder Judiciário.

Dessa forma, BARROSO (2012, p. 238-239b) define a Teoria da Transcendência dos Motivos determinantes: “Em sucessivas decisões, o Supremo Tribunal Federal estendeu os limites objetivos e subjetivos das decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade, com base em uma construção que vem denominando transcendência dos motivos determinantes. Por essa linha de entendimento, é reconhecida eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões de decidir. Como consequência, seria admissível reclamação contra qualquer ato, administrativo ou judicial, que contrarie a interpretação constitucional consagrada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma oblíqua. […]

A princípio, conforme ponderado, somente a “ratio decidendi” teria o condão de vincular. Esta observação é de suma importância, considerando que para tal teoria, na fundamentação da decisão judicial, estariam destituídos de força vinculante os comentários legais que não ofereça influência direta na decisão. Tais comentários legais tem o nome técnico de “obter dictum”.

A ratio decidendi – ou, para os norte-americanos, a holding – são os fundamentos jurídicos que sustentam decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso concreto. ‘a ratio decidendi (…) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law)’. Ela é composta: (i) da indicação dos fatos relevantes da causa (statement of material facts), (ii) do raciocínio lógico-jurídico da decisão (legal reasoning) e (iii) do juízo decisório (judgement).” (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 385)

Por outro lado, os mesmo autores definem obter dictum como: “O obter dictum (obiter dicta, no plural), ou simplesmente dictum, consiste nos argumentos que são expostos apenas de passagem na motivação da decisão, consubstanciando juízos acessórios, provisórios, secundários, impressões ou qualquer outro elemento que não tenha influência relevante e substancial para a decisão (‘prescindível para o deslinde da controvérsia’). Normalmente é definido de forma negativa: é obiter dictum a proposição ou regra de Direito que não compuser a ratio decidendi. É apenas algo que se fez constar “de passagem”, não podendo ser utilizado com força vinculativa por não ter sido determinante para a decisão.” (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2012, p. 387-388)

Destarte, não é toda a fundamentação jurídica de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em foro de Controle de Constitucionalidade Concentrado que terá força de vincular a Administração Pública e o Poder judiciário. No entanto, tão somente as principais razões do Acórdão e não fundamentações com embasamento legal que servem somente para reforçar as razões da decisão.

Como se depreende da obra de Bernardo Gonçalves Fernandes (2011, p. 978), entendimento idêntico ao anteriormente discorrido: “Mas aqui, mais uma questão: toda a parte de fundamentação vincula com base no efeito vinculante? Obviamente que não. O que obriga e vincula, e é o fator determinante da transcendência dos motivos determinantes, é a chamada ratio decidendi, a razão fundamental de decidir. Certo é que, na parte da fundamentação, também teremos obter dictum; coisas paralelas, ditas de passagem, que não irão vincular (não serão vinculantes).”

Consoante noção apresentada, passemos a analisar a rica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema: “Em primeiro lugar, a adoção da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes pelo STF está passando por período de reavaliação da jurisprudência predominante, quem sabe como meio de se tentar obstar o crescente número de Reclamações que são ajuizadas no pretório excelso. Todavia, é incontroverso que a tese antes explanada em sede de controle de constitucionalidade está perdendo parte do prestígio que gozava outrora.” (LENZA, 2013, p. 300)

À guisa de exemplo podemos citar a Reclamação 1987 – 0, tendo como relator o Ministro Maurício Corrêa, a qual deixa inequívoca a adoção por parte do STF da teoria da Transcendência dos motivos determinantes: “EMENTA: RECLAMAÇÃO. CABIMENTO. AFRONTA À DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1662-SP. SEQÜESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. PRECATÓRIO. VENCIMENTO DO PRAZO PARA PAGAMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL 30/00. PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Preliminar. Cabimento. Admissibilidade da reclamação contra qualquer ato, administrativo ou judicial, que desafie a exegese constitucional consagrada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma oblíqua. […] 4. Ausente a existência de preterição, que autorize o seqüestro, revela-se evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta, que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. A decisão do Tribunal, em substância, teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação. Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados, uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional. […]”.

Assim sendo, é mister ressaltar a importância das atividades desenvolvidas pelo STF no que se refere ao controle de Constitucionalidade. Mesmo tribunal este que, outrora seduzido pela teoria alemã da transcendência dos motivos determinantes, agora não a dá mais tanto prestigio, cabendo ao profissional do Direito cautela e acompanhamento da evolução jurisprudencial, todavia, por ora, o Supremo Tribunal Federal não admite a aplicabilidade da teoria aqui trabalhada.

Segue jurisprudência da corte negando a supracitada teoria: “AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. SUPRESSÃO PELA FIOCRUZ DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE SEM OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 3. NÃO OCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DA TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES REJEITADA PELO SUPREMO. AGRAVO DESPROVIDO. I – Só é possível verificar se houve ou não descumprimento da Súmula Vinculante 3 nos processos em curso no Tribunal de Contas da União, uma vez que o enunciado, com força vinculante, apenas àquela Corte se dirige.  II – Este Supremo Tribunal, por ocasião do julgamento da Rcl 3.014/SP, Rel. Min. Ayres Britto, rejeitou a aplicação da chamada “teoria da transcendência dos motivos determinantes”. III – Agravo a que se nega provimento.

 

  1. Abstrativização do Controle Difuso de Constitucionalidade

A experiência constitucional brasileira, principalmente a de nossa corte constitucional, o STF, sobre diversos conflitos fáticos que colocam em rota de colisão normas constitucionais, demonstram que a citada instituição é de suma importância para a higidez do sistema normativo, cabendo-lhe a última palavra sobre assuntos sob proteção constitucional.

Em igual sentido, é oportuna as lições de NALINI (2010, p. 962): “A Suprema Corte, copiada do modelo norte-americano, exerce um papel fundamental na democracia, ao guardar a Constituição. Na verdade, a expressão significa a missão de defender e fazer valer o pacto fundamental, que é a raiz da legitimidade de toda a normatividade infraconstitucional. O STF tem hoje essa função precípua e assumiu um protagonismo bastante significativo ao abandonar uma parcela de seu papel jurisdicional de verdadeira quarta instância, para reconhecer-se o guardião da ordem constitucional.”

Consoante noção cediça, a jurisprudência acompanhando a evolução da doutrina e da sociedade observa uma nova temática, porém ainda não uniformizada no sentido que, declarado incidentalmente a inconstitucionalidade de uma norma perante o STF, em função da importância do pretório excelso, transcenderia os motivos determinantes, a qual, passaria a vincular as demais cortes.  A doutrina costuma denominar essa nova tendência de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, possuindo como um de seus principais expoentes Pedro Lenza (2013, p. 297).

O Código de Processo Civil, no parágrafo único do art. 481, estabelece categoricamente o efeito transcendental quanto a constitucionalidade das normas. Assim, a teoria em questão ganha fôlego com a citada base legal, reforçando a tendência jurisprudencial.

MARINONI (2013, p. 56) com clareza que lhe é peculiar, resume a teoria da Abstrativização do controle difuso: “Quando a causa chega ao Supremo Tribunal Federal em razão de recurso extraordinário, o controle da constitucionalidade continua sendo incidental ao julgamento da causa. Porém, a ideia de que a decisão proferida em razão de recurso extraordinário atinge apenas as partes tem sido mitigada na prática jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. Isso ocorreu, inicialmente, após a fixação do entendimento de que, após o Supremo ter declarado, na via incidental, a inconstitucionalidade de uma lei, os demais tribunais estão dispensados de observar o art. 97 da Constituição Federal (reserva de plenário), podendo a inconstitucionalidade da lei, nesse caso, ser reconhecida pelos órgãos fracionários de qualquer tribunal. E, recentemente, surgiu no Supremo Tribunal Federal orientação que nega expressamente a equivalência entre controle incidental e eficácia da decisão restrita às partes do processo. Essa tese sustenta que mesmo decisões tomadas em sede de recurso extraordinário – ou seja, em controle incidental -, quando objeto de manifestação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, gozam de efeito vinculante em relação aos órgãos da Administração e aos demais órgãos do Poder Judiciário. Consigne-se, no entanto, que a tese não é pacífica entre os Ministros da Suprema Corte.”

Parcela considerável da doutrina se posiciona pela desnecessidade de resolução do Senado Federal suspendendo a executividade de lei ao qual foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso ou concreto. A fundamentação apresentada para sustentar a eficácia erga omnes das decisões em sua maioria estão embasadas na economia e celeridade processual.

Em sentido idêntico, Antonio Carlos Faustino e Marcelo dos Santos Bastos (2008, p. 158) sustenta: “[…] tal regra vem sendo excepcionada por força da re-interpretação dada pelo STF ao art, 52, X da CF, em razão da multiplicidade de processos com idêntico objeto, aflorados no sistema difuso. Com isso tais decisões, com eficácia ampliada para todos, passaram a se generalizar, pois a fim de conter a gama de recursos extraordinários com identidade de objeto que atravancam a pauta do STF, viu-se como necessário emprestar um novo sentido interpretativo ao texto constitucional, considerada essa realidade, criando-se não somente eficácia vinculante às decisões do controle difuso, como também a sua eficácia erga omnes, haja vista esse novo sentido emprestado pela Corte Suprema ao texto do art. 52, X.

De outra face, apesar da adesão à teoria da abstração do controle difuso de constitucionalidade, a mesma ainda não está solidificada nem no STF, quiçá em outros tribunais. Gilmar Mendes e Eros Grau são expoentes máximos desse novo viés jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal, não obstante, existem vozes contrárias na doutrina e no próprio STF. Pedro Lenza (2013, p. 300) nos adverte para cautelar quanto a supracitada teoria, conforme expões seus fundamentos: “[…] embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5º, LXXVIII – Reforma do Judiciário) e de implementação do princípio da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), parecem faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação.”

Da mesma sorte, é oportuno mencionar os julgados nos quais serviram de paradigma para a teoria anteriormente citada, o STF, a aplicou, e, que serão mais trabalhados à frente: HC 82.950/SP e RE 197.917/SP.

O pretório excelso no julgamento do HC 82.959/SP, cuja relatoria foi atribuída ao ministro Marco Aurélio, resolveu declarar incidentalmente, em controle de constitucionalidade difuso, a inconstitucionalidade do Art. 2º, §1º da lei 8.072/1990. O referido artigo dispõe que é vedada a progressão de regime de cumprimento de pena para crimes hediondos.

Ainda, o pretório excelso definiu que o deferimento do pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade não tem o condão de oportunizar consequências jurídicas referente às penas já cumpridas, quando proferido o acórdão em questão. Mesmo assim, o afastamento da norma paradigmática não prejudica a análise, feita pelo juízo de execução criminal, dos demais requisitos para progressão funcional.

Por seu turno, o assunto foi devolvido em análise ao STF, em função da Reclamação Constitucional nº 4.335/AC, cujo objeto era o afastamento das decisões prolatadas no juízo de execução criminal da comarca de Rio Branco – AC, do qual foi indeferido pedido de progressão de regime aos condenados pelos crimes hediondos.

Ainda, a Defensoria Pública da União, autora da reclamação supracitada, observando jurisprudência do HC nº 82.959/SP, suscitou a tese da Transcendência dos Motivos Determinantes, onde, segundo a mesma, deveria ser atribuída a eficácia erga omnes, tornando vinculante decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade.

Dessa forma, o professor e Ministro Gilmar Ferreira Mendes (2017, p. 1046-1047), explicou suas razões de decidir em sua célebre obra de forma impessoal: “O Ministro Gilmar Mendes reafirmou posição no sentido de que a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o Supremo, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá eficácia erga omnes, fazendo -se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Dessa forma, o ministro votou pela procedência da Reclamação, por entender que foi desrespeitada a eficácia erga omnes da decisão proferida no HC 82.959, no que foi acompanhado por Eros Grau. Divergiram dessa posição os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Já os Ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso acompanharam o relator quanto à procedência da reclamação, embora dele discordassem em alguns aspectos relacionados à atribuição de efeitos erga omnes à decisão em HC (calcaram-se, para o juízo de procedência, na superveniência da Súmula Vinculante 26).

Por outro lado, o Recurso Extraordinário nº 197.917/SP, ao qual se discutia o aumento do número de vereadores do Município de Mira Estrela/SP, que submetido a julgamento perante o STF, sedimentou-se o entendimento que a decisão em autos proferida vincula o Tribunal Superior Eleitoral aos motivos determinantes do acórdão. Sendo assim, o TSE procurando dar fiel cumprimento à decisão, emitiu a resolução nº 21.702/2004, adotando o entendimento supracitado e a estendendo aos demais municípios da federação.

Oportuno se torna transcrever o voto do Ministro do STF, proferida quando o mesmo ainda era ministro do Superior Tribunal de Justiça, Teori Albino Zavaski, registrado no julgamento do Recurso Especial nº 828.106/SP: “A inconstitucionalidade é vício que acarreta a nulidade ex tunc do ato normativo, que, por isso mesmo, é desprovido de aptidão para incidir eficazmente sobre os fatos jurídicos desde então verificados, situação que não pode deixar de ser considerada. Também não pode ser desconsiderada a decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade. Embora tomada em controle difuso, é decisão de incontestável e natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive o STJ.

Em razão disso, a teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes encontra respaldado em diversas vertentes de nosso Direito, contrariando assim, o entendimento de que é respaldada somente perante a nossa Corte Constitucional, o STF.

Como se depreende, inúmeros são as benesses de se adotar a doutrina aqui comentada, dentre elas, a uniformização dos julgamentos. Incontroverso é o papel do STF, o interprete máximo da Constituição Federal. É salutar, portanto, que seus julgamentos sejam respeitados pelas demais instâncias, mesmo que o paradigma seja uma decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade. (LENZA, 2013, p. 300)

O autor português CANOTILHO (2003, p. 681) em sua obra monográfica, discorre acerca do que se espera de uma corte constitucional: “À jurisdição constitucional atribui-se também um papel político-jurídico, conformador da vida constitucional, chegando alguns sectores da doutrina a assinalar-lhe uma função de conformação política em tudo semelhante à desenvolvida pelos órgãos de direcção política. As decisões do Tribunal Constitucional acabam efectivamente por ter força política, não só porque a ele cabe resolver, em última instância, problemas constitucionais de especial sensibilidade política, mas também porque a sua jurisprudência produz, de facto ou de direito,  uma influência determinante junto dos outros tribunais e exerce um papel condicionante do comportamento dos órgãos de direcção política.  O Tribunal Constitucional, mesmo primariamente limitado ao controlo jurídico-constitucional das normas jurídicas, excluindo dos seus juízos valorações políticas ou apreciações de mérito político (a doutrina fala aqui do princípio da autolimitação judicial ou judicial self restraint), não se pode furtar à tarefa de guardião da Constituição, apreciando a constitucionalidade da política normatividade incorporada em actos dos órgãos de soberania. Por outras palavras: o Tribunal Constitucional assume, ele próprio, uma dimensão normativo-constitutiva do compromisso pluralístico plasmado na Constituição.”

Por outro lado, suscita-se que estaria concentrando deliberadamente no controle de constitucionalidade assuntos que demandariam uma análise mais profunda dos problemas sociais que originaram a demanda. Ainda que a outra parcela da doutrina não consegue enxergar nenhum óbice para tanto, fundamentando que é atribuição da nossa corte máxima a definição da correta interpretação e aplicação das disposições constitucionais. Por isso, para tal função, pode o STF recorrer do controle de constitucionalidade difuso. Argumenta-se, inclusive, que o contrário teria o fito de enfraquecer a própria força cogente da Constituição (BARROSO, 2012, p. 75).

Por fim, segundo a melhor doutrina, são princípios justificadores da teoria da Abstrativização do controle Difuso: a Força Normativa da Constituição, Princípio da Supremacia da Constituição, o STF como guardião da Constituição e intérprete máximo e, Dimensão política das decisões do STF. Passaremos a analisar cada princípio justificador. (LENZA, 2013, p. 299)

 

  1. Simbolismo Judicial no Âmbito do Supremo Tribunal Federal

Tal é a constituição como conhecemos: um conglomerado de normas escritas que organiza as instituições políticas de um Estado, é fruto de uma força propulsora (BULOS, 2012), esta por sua vez, atua em diversas etapas, tais como a criação, reforma e mutação das cartas políticas.

A força propulsora é comumente denominada de Poder Constituinte pela doutrina amplamente majoritária. A este é atribuído a função de instituir uma nova carta constitucional ou reformar uma já existente.

CANOTILHO, ao abordar o tema, sustenta que a grandeza política capaz de desencadear o processo de criação de um novo estatuto político em um Estado somente pode ser atribuída ao povo, titular absoluto do poder constituinte, ressaltando assim, a importância do povo em uma democracia: “[…] Poder Constituinte significa, assim, poder constituinte do povo. Como já atrás foi referido, o povo, nas democracias actuais, concebe-se como uma “grandeza pluralística” (P. Häberle), ou seja, como uma pluralidade de forças culturais, sociais e políticas tais como partidos, grupos, igrejas, associações, personalidade, decisivamente influenciadoras da formação de ‘opiniões’, ‘vontades’, ‘correntes’ ou ‘sensibilidades’ políticas nos momentos preconstituintes e nos procedimentos constituintes.” (CANOTILHO, 2003, p. 75)

Consoante noção cediça, o Poder Constituinte pode ser exercido em três momentos distintos, a saber: a) Poder Constituinte Originário, que cria uma nova ordem jurídica; b) Poder Constituinte Reformador, que atualiza as cartas políticas e as mantém dentro de seu tempo; e c) Mutação Constitucional que é a mudança silenciosa da Constituição, tema já abordado.

Assim, o Poder Constituinte Originário, sinonimo de inicial, inaugural, genuíno ou de 1º grau, pode ser definido como o responsável por instaurar uma nova ordem constitucional, ou seja, rompe por completo com o ordenamento jurídico até então vigente. É oportuno ressaltar que o objetivo principal deste é inaugurar um novo Estado, seja mediante movimento revolucionário ou de raízes democráticas.

Em sentido idêntico, José Joaquim Gomes Canotilho sintetiza as características básicas do Poder Constituinte: “Foi já referido que na teoria clássica do poder constituinte – pelo menos seu figurino francês – o poder constituinte era considerado como um poder autônomo, incondicionado e livre. Em toda a sua radicalidade, o poder constituinte concebia-se como poder juridicamente desvinculado, podendo fazer tudo como se partisse do nada político, jurídico e social (omnipotência do poder constituinte).” (2003, p.81)

Posto isso, oportuno se torna apresentar conceito de Poder Constituinte Reformador, que nada mais é do que um poder criado pelo poder originário e vinculado a este, cujas atribuições são a reforma e a atualização da obra intentada pelo constituinte originário. Dessa forma, correto também seria falar em competência, visto que este é tão somente um cumpra-se de mandamento criado pelo verdadeiro Poder Constituinte.

Nessa problemática, Uadi Lammêgo Bulos especifica detalhadamente a função do Poder Constituinte Reformador: “Responsável pela função renovadora das constituições, cumpre ao poder derivado modificar a forma plasmada quando da elaboração genuína do texto básico, recriando e novando a ordem jurídica. Nisso, completa e atualiza a obra do constituinte de primeiro grau.” (2012, p. 405)

Em virtude dessas considerações, fácil de se depreender que o Poder de estabelecer uma nova ordem jurídica e de atualiza-lo é atribuído ao povo. Malgrado, em virtude do número vultuoso de habitantes residentes em países como o nosso, se recorre à Democracia representativa, onde, são eleitos representantes nos poderes legislativo e executivo.

Dessa forma, a representação pode se tornar falha, em virtude de o representante exercer sua influência em benefício próprio e de um número reduzido. Assim, em função dessa “falha institucional” são aprovados inúmeros instrumentos normativos com pouca ou nenhuma efetividade social, nos mais variados âmbitos normativos: Emendas Constitucionais, Leis Ordinárias e Complementares, Portarias e Resoluções, entre outros. (BARROSO, 2012b, p. 228-230)

Ademais, este é o terreno fértil para o fenômeno denominado de constitucionalização simbólica, onde as normas constitucionais são utilizadas como forma de “símbolo”, garantindo uma verdadeira vitória legislativa para os detentores do poder, como tratado alhures. (NEVES, M., 1994, p. 11-26)

Outrossim, a teoria intentada no Direito Constitucional pátrio por Marcelo Neves não pode ficar restrito à função legiferante, estando o simbolismo presente também nas decisões proferidas por todos os Tribunais de Justiça brasileiros. Assim, constitui objetivo desta obra discutir o fenômeno do “Simbolismo das decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade difuso”.

O debate sobre a constitucionalização simbólica e seus efeitos latentes na sociedade já é uma realidade acadêmica, tendo em vista que as constituições do pós-guerra trouxe uma grande humanização dos institutos jurídicos, buscando resguardar com maior ênfase os Direitos Fundamentais.

Ascende este debate a obra supracitada do professor Marcelo Neves, em a Constitucionalização Simbólica (2018), para qual, a deficiência na concretização das normas constitucionais não se restringe somente ao estudo da eficácia e aplicabilidade das normas, mas antes constitui um problema específico, apregoada em experiências jurídicas periféricas não ficando, contudo, concentrado a tal.

Posto isto, CANOTILHO apresenta um conceito de Simbolismo Constitucional, in verbis: “[…] No que respeita à constituição, existiria mesmo uma relação inversamente proporcional entre o carácter ideológico das normas e a sua eficácia, entre prática criadora e prática aplicadora do direito constitucional. Numa posição próxima mas alicerçada em pressupostos teorético-sistémicos, a constitucionalização simbólica significa que ao texto constitucional, numa proporção muito elevada, não correspondem expectativas congruentemente generalizadas e, por conseguinte, o consenso suposto na respectiva sociedade. Nesta perspectiva, a constituição não se desenvolveria como instância reflexiva do sistema jurídico.” (2003, p. 1352)

Como se depreende, o conceito e instituto do Simbolismo decisório não difere muito do Constitucionalismo Simbólico. Questão de ordem diz respeito ao órgão proveniente dessa hipertrofia do sistema jurídico: um advém do Poder Judiciário enquanto outro do Poder Legislativo. Ainda, o simbolismo legislativo atinge diretamente a norma que apresenta um vício de efetividade normativa. Por outro lado, o simbolismo judicial alcança a subsunção da norma com o caso concreto. Como visto, não há qualquer defeito no sistema normativo geral, o problema aqui é a norma individual, criada pelo aplicador do direito ao proferir decisão.

Cumpre obtemperar, todavia, que se pode entender por Decisão Simbólica a hipertrofia entre a decisão judicial, como seus fundamentos e dispositivos, com a situação fática em se quer tutelar. A sentença, dessa forma, não põe fim realmente à demanda, com a atividade satisfativa, mas mantém a rivalidade e, em algumas vezes, até contribui para o seu afloramento.

Constitui característica dessa teoria, portanto, a confirmação de valores sociais, onde uma parte acaba tendo uma verdadeira “vitória judicial” em face da outra. Por outro lado, também pode ocorrer para demonstrar a capacidade de ação do Poder Judiciário em razão de algum problema social em que é chamado a se manifestar e, através do adiamento da solução de algum problema social através da atividade não satisfativa. (NEVES, M., 1994, p. 34-35)

Outro ponto relevante, outrossim, refere ao fato de que o Poder Judiciário é convocado a se manifestar acerca de fatos em que o legislador é silente. Nestes casos, o Judiciário costuma exercer verdadeira atividade legiferante, determinando/criando o direito a ser aplicado naquele caso fático. Posto isto, é oportuno realçar que a atividade desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal é de suma importância para que se mantenha a harmonia em nosso sistema normativo, mesmo que algumas decisões deste tribunal tenham o predicado de ser simbólica.

À guisa se exemplo podemos citar o direito de greve dos servidores públicos, ao qual não há regulamentação, todavia, o STF decidiu pela aplicação do estatuto de greve dos empregados celetistas até a expedição do diploma normativo que regulamente o direito de greve dos servidores públicos, neste termos: “[…] 1.1. No julgamento do MI no 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.9.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; […]”

Além disso, o fato de as decisões do Supremo Tribunal federal gozarem de efeito vinculante, através dos institutos da Repercussão Geral, efeito erga omnes, e edição de Súmulas Vinculantes, constitui um agravante para a identificação e coibição do simbolismo judicial, bem como dificulta a identificação de suas origens e formas de prevenção. (MASSON, 2017, p. 1017-1020)

Finalmente, verifica-se que os simbolismos legais ou judiciais se apresentam como dois lados da mesma moeda. Ambos possuem características análogas, por seu turno, devidamente adaptadas as suas respectivas competências constitucionais. Passaremos a analisar a hipertrofia do simbolismo judicial com mais verticalidade.

A questão do simbolismo das decisões do Poder Judiciário pode ser identificada em diversos instrumentos e formas. De modo geral, inúmeros argumentos são levantados para justificar este ou aquele posicionamento doutrinário defendido ao se proferir algum voto, sobretudo devido ao comando constitucional do artigo 93, inciso IX: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: […] IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”;

Outrossim, sob a autoridade constitucional da fundamentação, nossos tribunais estão vinculados a apresentar as razões que determinaram aquele decidir (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 1141). Diante disso, muitas decisões são proferidas utilizando argumentos como mero cumprimento de condição para que a sentença ou acórdão seja válida, não se atentando para o objetivo primordial do princípio da motivação das decisões judiciais: facilita a compreensão e possibilitar a fiscalização dos atos dos tribunais pela população, possibilitando que a justiça cumpra o seu papel de corolário da democracia. (STRECK, 2011, p. 42; 587)

Neste sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves (2017, p. 841) fundamenta: “Na fundamentação o juiz deve enfrentar todas as questões de fato e de direito que sejam relevantes para a solução da demanda, justificando a conclusão a que chegará no dispositivo. São os porquês do ato decisório, tanto que só é possível afirmar justa ou injusta uma sentença analisando-se no caso concreto a sua fundamentação. A ausência de fundamentação é vício grave, mas não gera a inexistência jurídica do ato, devendo ser tratado no plano da validade do ato judicial decisório, de forma que a sentença sem fundamentação é nula (nulidade absoluta).

Nesse diapasão, nosso Tribunal Constitucional, o STF, assume um papel ímpar. Cabe ao mesmo determinar qual posicionamento jurisprudencial ou viés doutrinário será aplicado, pacificando matérias altamente controvertidas. (MASSON, 2017, p. 1017)

Como se pode depreender, o STF, ao pacificar entendimentos conflitantes, vale-se de uma decisão judicial como qualquer órgão do Poder Judiciário. Entre tantas decisões proferidas, podemos destacar a Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 4.071 que determinou o acolhimento de um novo paradigma no que se refere ao Recurso Extraordinário (LENZA, 2013, p. 302-303). Ademais, esta decisão é de suma importância para compreendermos o problema do Simbolismo Constitucional aplicadas às decisões do Supremo Tribunal Federal.

Seguindo, a partir do caso paradigmático supracitado, O Supremo Tribunal Federal em sua jurisprudência recente está vislumbrando uma nova função para o Recurso Extraordinário, qual seja, a defesa da ordem constitucional objetiva. Diante deste novo viés hermenêutico, nossa corte constitucional está objetivando um instrumento de impugnação de decisão reconhecidamente subjetivo, considerando que primazia satisfazer pretensão da parte recorrente. (LENZA, 2013, 303)

Assim, o supracitado instrumento de impugnação de decisões frente ao Supremo Tribunal Federal deixa de ter carácter meramente subjetivo, ou melhor, deixa de ser instrumento unicamente de defesa do empenho das partes da relação processual. Assumindo, dessa forma, assume a função de proteger a ordem constitucional, considerando agora objetivamente.

Em idêntico sentido, MENDES E BRANCO (2017, p. 881) defende: “[…] o Supremo Tribunal Federal terminou avalizando uma tendência de maior objetivação do recurso extraordinário, que deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva.”

Por defesa da ordem constitucional podemos entender a ampla relação de instrumentos jurídicos que dispõe o Estado para defender a eficácia e efetividade de seu sistema jurídico contra a incursão de pessoas e organismos nacionais ou internacionais. À guisa de exemplos, podemos mencionar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Direta de Constitucionalidade, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e, agora, o Recurso Extraordinário. (MENDES; BRANCO, 2017, p. 851)

Humberto Theodoro Júnior sustenta que, não obstante novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, o Recurso Extraordinário nunca abolirá a sua subjetividade, mesmo que a mesma não seja predominante, nestes termos: “Tem, assim, o recurso extraordinário uma finalidade “eminentemente política”. Mas, não obstante, essa função especial não lhe retira o “carácter de instituto processual destinado à impugnação de decisões judiciárias, a fim de se obter a sua reforma”. Isto porque, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, a Suprema Corte, a um só tempo, terá tutelado a autoridade e unidade da lei federal (especialmente das normas constitucionais) bem como proferido nova decisão sobre o caso concreto.” (2014, p. 723)

Nessa temática, este novo viés doutrinário e jurisprudencial acolhido por nossa Suprema Corte Constitucional condiciona uma margem maior aos Ministros ao trato com o caso concreto, tendo em vista que aos mesmo não cabe mais tão somente a solução de um caso em concreto, mas sim, a defesa de nosso ordenamento jurídico.

Por oportuno, o princípio da motivação das decisões volta a referenciar o tema, como se observa quando, em atenção ao mesmo, deve o magistrado ao examinar as questões postas pelas partes, suas referências fáticas e jurídicas, para tão somente, tecer os fundamentos lógicos da sentença. Portanto, constitui operação tênue e intrincada onde o juiz da causa, mediante a análise das premissas fáticas, empregará os fundamentos legais. (NEVES, D., 1994, p. 183)

De outra face, Lênio Luiz Streck, sempre crítico ao nosso sistema jurisdicional, sustenta: “[…] o fato de que, no momento da decisão, sempre acaba sobrando um espaço “não tomado” pela “razão”; um espaço que, necessariamente, será preenchido pela vontade discricionária do intérprete/juiz (não podemos esquecer que, nesse contexto, vontade e discricionariedade são faces da mesma moeda).” (2011, p. 38)

Em similaridade com as ideias do autor supracitado, fica claro que a objetivação do recurso extraordinário, apesar de ser uma teoria nobre, poderá atormentar nosso direito, dando margem para o proferimento de decisões que venham constituir somente uma espécie de “vitória jurisdicional” para a parte que aparentar maior poder econômico, jurídico e intelectual.

A teoria da Constitucionalização Simbólica orquestrada pelo professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, como visto alhures, constitui uma crítica e denúncia à discrepância entre texto constitucional e concretização social dessa norma. Para este, a questão não pode ficar reduzida somente à  eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, mas antes, constitui um problema enraizado em nossa experiência jurídica. (NEVES, M., 2018, p. 5-6)

Posto isto, fica fácil correlacionar a teoria da Constitucionalização Simbólica, que se refere a legislação constitucional, com as decisões judiciais. Não obstante, para este trabalho, ficaremos adstritos às decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade.

Desse modo, o órgão jurisdicional máximo em nosso direito pátrio nas suas manifestações pode lançar mão de acórdãos que venham somente a confirmar valores sociais, demonstrando assim a capacidade de ação do Judiciário quanto posto frente a algum assunto ou problema de grande repercussão e, visando postergar a solução de conflitos sociais, mediante decisões com caráter meramente potestativo que não tenha carácter de atividade satisfativa.

Consoante noção cediça, o “simbolismo judicial” é um problema latente e pouco debatido pela doutrina nacional. Pouco se analisa acerca da efetividade social das decisões do STF. Nossa corte tem um status de quase supralegalidade, posto que, muitos assuntos relevantes que são postos a sua manifestação, na maioria das vezes, não possui legislação clara e precisa para acobertar determinada relação jurídica. (MENDES; BRANCO, 2017, p. 269; 399-400)

Outro ponto importante que vem a somar é o ativismo judicial, onde o Poder Judiciário está tomando as vezes do Poder Legislativo e Executivo, decidindo sobre questões políticas e criando verdadeiros diplomas legais. (BARROSO, 2009)

Como se observa, a novidade jurisprudencial da objetivação do recurso extraordinário, com sua nova particularidade de defensor da Ordem Constitucional Objetiva é exemplo latente de que a teoria do professor Marcelo Neves não pode ficar restringida à legislação constitucional, podendo ser aplicada também quanto aos acórdãos e sentenças do Poder Judiciário, entretanto, com as devidas adaptações.

Por fim, pertinentes são os apontamentos de Lênio Luiz Streck, entendendo-os inclusive como crítica salutar à essa tendência simbolização das decisões, in verbis: “[…] A “vontade” e o “conhecimento” do intérprete não constituem salvo-conduto para a atribuição arbitrária de sentidos e tampouco para uma atribuição de sentidos arbitrária (que é consequência inexorável da discricionariedade). Isso porque é preciso compreender a discricionariedade como sendo o poder arbitrário “delegado” em favor do juiz para “preencher” os espaços da “zona de penumbra” do modelo de regras.” (2011, p. 39)

 

4.1 Eficácia e Efetividade das Decisões Simbólicas

É sobremodo importante realizar uma diferenciação entre os institutos da eficácia e efetividade social, para então tratarmos da efetividade das decisões do Supremo Tribunal Federal na realidade jurídica pátria.

Dessa forma, o conceito de eficácia comporta diversos juízos de valor, motivo pelo qual controverte a doutrina. Entretanto, comumente a eficácia é relacionada com a validade, vigência ou até mesmo efetividade de uma lei. (LENZA, 2013, 233)

Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003, p. 197-198) em sua doutrina identifica duas espécies de eficácia das normas jurídicas, quais seja, a efetividade social e a eficácia técnica ou propriamente dita. Esta última constitui o cumprimento de requisitos técnicos que permitem a sua aptidão para produzir efeitos sociais latentes, ou melhor, a norma está apta para produzir todos os efeitos para a qual foi criada.

Por efetividade entendemos a reunião de todas as condições para a produção de efeitos, ou seja, a norma de alguma forma produz alguma conformação social. A efetividade está atrelada à eficácia, contudo, não se confundem. A primeira, tem por objeto a constatação da produção de todos os efeitos que a segunda em tese está apta para produzir. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 176)

Posto isto, a questão da eficiência é de tal importância, que é incluída como problema hermenêutico-constitucional. O dito princípio da máxima efetividade sustenta que a norma jurídica deve ter a maior efetividade social possível, buscando assim a maior aplicabilidade do direito tutelado. (MASSON, 2017, 64)

Consoante noção cediça, a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal é incontestável, tendo em vista os inúmeros institutos que favorecem a pronta aplicação de seus acórdãos, vinculando-os aos demais órgãos do Poder Judiciário. À guisa de exemplo, podemos apontar as Súmulas Vinculantes, a eficácia “erga omnes”, Repercussão Geral e o remédio constitucional da Reclamação.

Acerca deste último, merece vênia as considerações de MENDES e BRANCO, cotejando comentários que servem para constatar o discutido acima, sobre a eficácia das decisões do STF, uma vez que a Reclamação Constitucional é instrumento para assegurar a competência e autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal: “A reclamação constitucional está prevista no art. 102, I, l, da Carta de 1988, para preservar a competência e garantir a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal. O modelo constitucional adotado consagra a admissibilidade de reclamação contra ato da Administração em desconformidade com a súmula 761. E, na certa, essa é a grande inovação do sistema, uma vez que a reclamação contra atos judiciais contrários à orientação com força vinculante já era largamente praticada. É certo que também essa reclamação estava limitada às decisões dotadas de efeito vinculante nos processos objetivos.” (MENDES; BRANCO. 2017, p. 886-887)

Assim, ponto cardeal na temática do Simbolismo Judicial constitui a efetividade das decisões do STF, tendo em vista que a experiência jurídica nos demonstra que a eficácia, por si só, não é capaz de resolver problema algum, permanecendo no mundo da abstração. Nesse sentido:

A falta de força normativa do texto constitucional conduz à insuficiência de legalidade e constitucionalidade na práxis jurídica e, correspondentemente, no plano de reflexão, ao problema da desconexão entre a prática constitucional e as construções da dogmática jurídica e da teoria do Direito sobre o texto constitucional. (NEVES, M., 1994, p. 135)

Nossa Corte Constitucional sempre será convocada a se manifestar sobre questões políticas, considerando que a parte vencida no congresso sempre aspira à anulação do ato político junto ao Judiciário, contudo, pertinente é a questão da limitação da atuação do Poder Jurisdicional, pois, o mesmo não encontra amparo legal para agir desarrazoadamente sobre questões das mais diversas, atribuindo assim a última palavra. (LENZA, 2013, p. 749-750)

Aqui, o jurista se depara com três pontos fundamentais: o Ativismo Judicial, a falta de efetividade social das decisões de nossa corte constitucional que, consequentemente, acabam por tornar as decisões simbólicas.

Posto isto, CANOTILHO em sua obra consolidada sobre Teoria da Constituição sustenta que “os juízes devem autolimitar-se à decisão de questões jurisdicionais e negar a justiciabilidade das questões políticas”. (2003, p. 1309)

Em virtude dessas considerações é possível concluir que o Simbolismo Judicial surge em países cujos tribunais constitucionais proferem decisões com pouca ou nenhuma efetividade social, se manifestando sobre assuntos institucionais de outros poderes, ferindo assim o postulado básico da democracia.

Com nítida inspiração na doutrina paradigmática do professor Marcelo Neves: “Da eficácia, compreendida como mera conformidade dos comportamentos ao conteúdo (alternativo) da norma, tem-se procurado distinguir a efetividade. sugerindo-se uma referência aos fins do legislador ou da lei. Formulando com outras palavras. pode-se afirmar que a eficácia diz respeito à realização do “programa condicional”, ou seja, à concreção do vínculo “se-então” abstrata e hipoteticamente previsto na norma legal, enquanto a efetividade se refere à implementação do “programa finalístico” que orientou a atividade legislativa, isto é. à concretização do vínculo ”meio-fim” que decorre abstratamente do texto legal.” (NEVES, M., 1994, p. 46)

Não se pode olvidar que a sociologia do Direito aponta a sociedade como seio das normas jurídicas, tendo em vista o afastamento do postulado positivista da Autopoiésis, visto que, o Direito não nasce e se desenvolve separadamente da vivência social, antes, é a constatação das práticas elegidas por esta. Portanto, Direito e Sociedade não vivem dissociados, um complementa o outro, tornando as relações jurídico-sociais harmônicas. (NEVES, M., 1994, p. 66)

É bem verdade que muitas decisões proferidas em sede de Controle de Constitucionalidade Difuso ou Concentrado, bem como na tutela do ordenamento jurídico, são efetivas e constituem o saneamento de alguma aspiração da sociedade.

Por outro lado, em tribunais que estão se politizando, é frequente o afastamento da efetividade social, considerando que as decisões tem sido voltadas para a proteção e integração do ordenamento jurídico, havendo verdadeira preocupação com a ordem jurídica objetiva, afastando os olhos de questões subjetivas, objeto agora mediato.

Concluindo, as críticas aqui tecidas à atuação de nossa corte constitucional, verdade se faz, que a mesma não pode se restringir a questões subjetivas e controle do ordenamento jurídico, pois, ao mesmo também é competente para manifestar sobre a constitucionalidade dos atos políticos, contudo, esta última atuação não pode ultrapassar a análise da constitucionalidade dos atos políticos.

 

4.2 Ativismo Judicial como Corolário das Decisões Constitucionais Simbólicas

A denominação de ativismo judicial surgiu inicialmente na revista norte americana Fortune, revista esta que não tem por público alvo profissionais da área jurídica. A autoria do supracitado termo é atribuída a Arthur Schlesinger Jr, conforme Vale (2015)

A partir de então, a expressão ativismo judicial ganhou relevância e passou a ser utilizada com larga escala pelos Constitucionalistas americanos, sendo então irradiada para a experiência jurídica de outros países (VALE, 2015).

Por ativismo judicial podemos entender a atuação de forma mais ou menos intensa do Poder Judiciário, buscando a concretização das normas constitucionais, consistindo em maior interferência na competência dos demais poderes. Luiz Roberto Barroso, em monografia sobre o tema, sustenta que o ativismo judicial pode ser caracterizado como: a) aplicação das normas constitucionais com casos não expressamente comtemplados em seu texto, independentemente da atuação do legislador; b) a declaração de inconstitucionalidade de norma jurídica produzida conforme os ditames legais, valendo-se de critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da constituição; c) através da imposição de modelos de conduta ou a sua restrição , principalmente em matéria de políticas públicas.

Posto isto, é impossível dissociar o fenômeno do ativismo judicial da judicialização da política, contudo, não se restringe a tal, sendo fruto de diversos fatores, tais como a separação de poderes, o sistema político democrático, transcendência dos motivos determinantes, abstrativização do controle difuso e defesa objetiva da ordem constitucional. (BARROSO, 2009)

Além disso, a doutrina identifica três postulados básicos que fundamenta a judicialização da política. São eles: a) a reversão de atribuições institucionais do Poder Legislativo em prol do Judiciário; b) a formação de grupos privilegiados, através de decisões judiciais sem efetividade; c) o enfrentamento de assuntos políticos pelo judiciário. (BARROSO, 2009)

O imbróglio sobre quando a temática na qual o Judiciário deve se manifestar diz respeito a algum problema social polêmico, funcionando como verdadeiro legislador, mesmo sem atribuição para o mesmo.

Cumpre observar ainda que o Supremo Tribunal Federal não possui força vinculante com relação a decisões proferidas anteriormente sobre o mesmo tema. Assim, é comum a existência de precedentes conflitantes dentro de um mesmo tribunal, como por exemplo, no caso dos crimes hediondos, onde, por exemplo a suprema corte já vinha admitindo a progressividade de regime aos condenados por crimes previstos na Lei 8.072/1990. (CAMARGO, 2006)

Por fim, Luiz Flávio Gomes (2009) identifica duas espécies de ativismo judicial: a) o ativismo inovador, na qual, o tribunal acaba legislando, criando nova norma para relação jurídica tutelada; b) e o ativismo revelador, que o juiz cria uma norma com base nos princípios e regras jurídicas de um estado, revelando assim o direito a se aplicar.  (apud SALMEIRÃO, 2013)

Posta assim a questão, é de se dizer que o ativismo judicial é a principal causa para os fenômenos constitucionais da Transcendência dos Motivos Determinantes e a Abstrativização do Controle de Constitucionalidade Difuso. Como apontado alhures, há uma efetiva transformação na atuação de nosso tribunal constitucional, onde este está a cada vez mais proferindo decisões cujo competência legal é atribuída a outros poderes.

Outrossim, esse novo paradigma de nossa corte, está erigindo o “Simbolismo Judicial” em nosso direito, visto que os acórdãos e sentenças estão dissociados das competências institucionais do Poder Judiciário. É fácil identificar na jurisprudência que a Corte Constitucional está cada vez mais ativa, além do mais, mediante a tese da defesa da ordem constitucional objetiva, o Judiciário está se preocupando mais com o ordenamento do que com os problemas sociais, cuja solução está entre as suas atribuições.

Como exemplo latente do discutido, MENDES E BRANCO defendem o ativismo judicial, in verbis: “Assim, alternando momentos de maior e menor ativismo judicial, o Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, tem entendido que a discricionariedade das medidas políticas não impede o seu controle judicial, desde que haja violação a direitos assegurados pela Constituição. Apesar de que, muitas vezes, é tarefa demasiado complicada precisar os limites que separam uma questão política de outra de natureza jurídica ou não política, tal fato não deve servir de subterfúgio para que o Poder Judiciário se abstenha do cumprimento de seu dever constitucional na defesa dos direitos fundamentais.” (2017, p. 355)

Convém notar, outrossim, que ativismo e “Simbolismo Judicial” representam os lados de uma mesma moeda, pois, onde o Judiciário pode ter um campo de ação maior, independentemente de sustentação legal ou não, consequentemente, não haverá idêntica preocupação com o teor das decisões.

Assim, a matéria posta em debate será analisada com objetivo único de manter a integridade do sistema normativo, tendo por segundo plano a situação fática ensejadora. Posto isto, não há preocupação com efetividade social, tendo em vista os inúmeros instrumentos para se executar um acórdão do Supremo Tribunal Federal, como visto em título anterior.

Oportunas são as palavras de Lênio Luiz Streck, que tece comentários acerca da mutação constitucional do Artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, permanecendo pertinente para o tema aqui em discussão: “[…] no texto escrito da Constituição, nascem fixações que aumentam o efeito estabilizador, racionalizador e assegurador da liberdade constitucional, que se perdem quando a Constituição escrita não é mais considerada taxativamente vinculativa. Se o juiz ou qualquer Tribunal, em afastamento da concepção jurídica positivista (por óbvio, o mestre alemão refere-se ao positivismo exegético), acredita poder passar por cima do direito constitucional escrito (como querem os ministros que defendem a mutação constitucional nesse caso), podem tais resoluções ser tidas como mais apropriadas que as de uma interpretação mais fiel à lei, liberando-se o caminho para se ludibriar a Constituição, em prol de interesses discricionários controvertidos? Abandona-se, assim, a ideia da Constituição escrita pelo estado de insegurança que isso gera. Ou seja, o texto escrito tem uma clara necessidade de vinculação, que não pode ser superada, sob pena de causar fissuras na institucionalidade.” (STRECK, 2011, p. 52)

Em arremate, CANOTILHO ao trabalhar o princípio da justeza ou da conformidade funcional, cujas raízes teóricas estão inseridas no tópico dos Princípios de Interpretação da Constituição, defende que o órgão decisório no uso de suas atribuições não pode chegar a resultado hermenêutico que perturbe a ordens constitucionais vigentes, nestes termos: “[…] o órgão (ou órgãos) encarregado da interpretação da lei constitucional não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido (Ehmke). É um princípio importante a observar pelo Tribunal Constitucional, nas suas relações com o legislador e governo, e pelos órgãos constitucionais nas relações verticais do poder (Estado/regiões, Estado/autarquias locais)” (2003, p. 1224-1225)

Por conseguinte, as breves palavras de Canotilho constituem uma verdadeira crítica aos “Simbolismo Judicial”, de efeito, que neste o Judiciário não se contenta em somente realizar a subsunção da lei, mas, extrapolando, toma nota de ações assecuratórias do sistema normativo que acabam tendo natureza jurídica de verdadeira inovação jurídica. Nesses termos, analisaremos no próximo tópico exemplos de decisões com alto teor simbólico.

Concluindo, Marcelo Neves fundamenta que a constitucionalização simbólica é vício que não afeta tão somente a desconexão entre as normas constitucionais e a realidade social, mas, há uma verdadeira falta de normatização. Nesse liame, o “Simbolismo Judicial” constituiu a tentativa de atribuir normatividade a estes textos, contudo, o mesmo é falho em razão de o Poder Judiciário invadir competências de outro poder, em verdadeiro ativismo judicial. Nesse sentido, fundamenta NEVES (1994, p. 84)

O problema não se restringe à desconexão entre disposições constitucionais e comportamento dos agentes públicos e privados, ou seja, não, é uma questão simplesmente de eficácia como direcionamento normativo-constitucional da ação. Ele ganha sua relevância específica, no âmbito da Constitucionalização simbólica, ao nível da vigência social das normas constitucionais escritas, caracterizando-se por uma ausência generalizada de orientação das expectativas normativas conforme as determinações dos dispositivos da Constituição (ver acima item 8.4 do cap. I). Ao texto constitucional falta, então, normatividade.

 

Conclusão

Vivemos em uma época em que temáticas como hermenêutica e efetividade das decisões judiciais ocupam a centralidade das discussões jurídicas, principalmente no Brasil, visto que a produção normativa não corresponde a sua finalidade intrínseca. Época em que também as normas constitucionais são utilizadas como símbolo, nas claras ponderações de Marcelo Neves, em a Constitucionalização Simbólica.

Dessa forma, o desenvolvimento do presente estudo constatou que o Simbolismo Constitucional não é hipertrofia intrínseca do Poder Legislativo, uma vez que, é possível identifica-lo em qualquer dos seus poderes constituídos. Conquanto, esta pesquisa ficou limitada a análise do simbolismo na jurisdição constitucional.

Posto isto, a jurisdição constitucional é âmbito fértil para o estudo do “Simbolismo Jurisdicional”, porquanto o direito é desenvolvido e compreendido a partir de suas aplicações práticas.

Assim, como causas originárias e consequências implícitas do “Simbolismo Judicial” podemos arrolar de forma categórica o ativismo judicial, a teoria da defesa da ordem constitucional objetiva em sede de Recurso Extraordinário, a Abstrativização do controle difuso, a teoria da transcendência dos motivos determinantes. Estas formas de manifestação representam um novo viés jurisprudencial, onde o Poder Judiciário, outrora acanhado e inerte, agora se torna forte e participativo.

A hipertrofia simbólica aqui tratada não fere a norma abstrata e geral, mas exatamente a individual, visto que o judiciário, ao decidir de determinada forma, cria a norma individual a ser aplicada naquele contexto fático a partir da subsunção. Portanto, o simbolismo aqui tratado é fruto da hermenêutica jurisdicional e, dessa forma, constitui violação ao ordenamento jurídico da mesma forma do simbolismo legislativo.

Nesse sentido, é indiscutível a eficácia da decisão elaborada na jurisdição constitucional, pois a norma individual não é suscetível à violação ou desrespeito, considerando todo o aparato Estatal para que a mesma seja executada. Por outro lado, em determinadas sentenças e acórdãos fica comprometida a efetividade da decisão, pois, em se tratando de jurisprudência vinculante, é semelhante às disposições legais, estando os enunciados cogentes e erga omnes. Assim, não há norma individual para o caso concreto.

De igual modo, a mesma falta de efetividade identificada por Marcelo Neves aflige determinadas decisões judiciais eivadas do vício do simbolismo, posto que, ao abordar determinados assuntos altamente controvertidos na sociedade, os Tribunais, dentre eles o Supremo Tribunal Federal, tenta criar uma norma para pacificar o ponto em colisão, porém, na maioria das vezes não põe fim ao problema social, e em outros casos, como demonstrado no texto deste trabalho.

Em razão dessas ponderações, podemos concluir que o Simbolismo Constitucional é aplicável ao Poder Judiciário, ao qual analisamos a jurisdição constitucional. Dessa forma, o objeto do presente estudo foi concluído com êxito, pois encontra-se demonstrada a hipótese de incidência do “Simbolismo Jurisdicional” na justiça constitucional brasileira.

 

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