INTRODUÇÃO
Hoje, com base no garantismo penal, é cediço que o Direito Penal deve se pautar por uma intervenção mínima na sociedade,[1] atuando, de fato, como ultima ratio.
É neste sentido, que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sob o olhar do constituinte, por meio de um juízo prévio, selecionara apenas algumas espécies delituosas, outorgando-lhes verdadeiros mandados de criminalização,
Em outras palavras, foram lavrados dispositivos constitucionais, assim imperativos, para que certos delitos, dada a sua violência ao Estado e à sociedade, tivessem um tratamento predeterminado a ser respeitado e desenvolvido pelo legislador ordinário.
Desse modo, a partir de uma leitura atenta desta Carta Maior, pode-se perceber que, de fato, há a menção a algumas espécies de crimes, que acabaram recebendo um tratamento diferenciado do nosso legislador constituinte. São os casos, v.g., dos crimes hediondos, do tráfico ilícito de entorpecentes, do terrorismo e da tortura, nos termos do art. 5°, XLIII, tidos como inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, nos termos da lei.
Outrossim, na dicção constitucional, são também inafiançáveis, porém imprescritíveis, a prática do racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, conforme art. 5°, XLII e XLIV.[2]
Para além desses, duas espécies de “crimes” [3] mencionadas na Carta Política serão objeto, no presente, de uma breve análise, a saber, os crimes políticos e os crimes de responsabilidade.
Observe-se, de antemão, que a Constituição não faz a conceituação desses crimes, apenas referindo-se a eles em alguns aspectos, de modo que cabe aos intérpretes (doutrina, jurisprudência, legislador etc.) fazê-lo.
Assim, passemos a entendê-los um pouco mais.
I. CRIME POLÍTICO
A Constituição alude, expressamente, ao crime político apenas em duas oportunidades ao longo do seu texto. Uma ocorre quando da delimitação da competência dos órgãos do Poder Judiciário, fixando-se o juiz federal como o competente para seu processo e julgamento (art. 109, IV), de modo que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar seu recurso ordinário (art. 102, II, b). A segunda hipótese se relaciona à extradição, onde se tem a vedação da mesma em casos de crimes políticos (art. 5º, LII).
Todavia, a Constituição, conforme visto, não define o crime político, cabendo ao exegeta fazê-lo diante do caso concreto e da lei vigente.
Designando o termo “política” a direção de um Estado e a determinação das formas de sua organização, assim como a maneira de conduzir os negócios de Estado,[4] pode-se chegar a um conceito conciso de crime político como aquele que atenta contra o Estado em sua essência.
Um conceito claro de crime político, e que se inspira na lei n° 7.170/83, é dado por Cretella Júnior, como aquele que lesa, ou pode lesar, a soberania, a integridade, a estrutura constitucional ou o regime político do Brasil. É a infração que atinge a organização do Estado como um todo, minando os fundamentos dos poderes constituídos.[5]
Daí perpassa-se a gravidade de tal crime, além da generalidade e da abrangência do mesmo, de forma a atingir a República, razão pela qual as penas são graves e o seu processo e julgamento são de competência da Justiça Federal, uma vez que esta representa o ente político de maior territorialidade – União, que, inclusive, se confunde com o território nacional.
A matéria tocante ao referido crime, vale a observação, não é apenas contemporânea, pelo contrário, já era tratada em épocas remotas, a exemplo dos assassinatos políticos para a tomada do poder nos tempos romanos a.C.
De palácios e nobreza, a plebeus e escravos, a criminalidade política se encontra presente em longo tempo na sociedade humana.
A título de exemplo, o assassinato de Julius Caesar, no ano de 44 a.C, foi um dos inúmeros crimes políticos, ocorridos ao longo da história, desde a formação do Estado, quer sob a forma de república quer como principado (monarquia), conforme o conceito amplo de Niccolò Machiavelli (1469-1527).[6]
Nesse ponto vemos uma raiz da prática do terrorismo, embora contestada por alguns historiadores, mormente quando, ulteriormente, podemos ligar, outrossim, atos terroristas ao advento da ideologia anarquista da Rússia do séc. XIX.
Sem dúvida que poucos considerariam insurreições contra governantes e patrões como terrorismo.
Entretanto, hodiernamente, o Supremo Tribunal Federal entende que os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política. Isto porque a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII)
Além disso, preleciona que a CR/88 qualificou o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparado aos delitos hediondos, o que o expõe, sob este ponto de vista, a tratamento jurídico rigor exasperado, tornando-o inafiançável e insuscetível de clemência soberana do Estado e reduzindo-o, além de colocá-lo na vala dos crimes comuns (CF, art. 5º, XLIII).
Logo, é forçoso dizer que é cabível a extradição em razão da prática de atos terroristas, em detrimento de sua raiz histórica acima relatada.
Caracterizando o terrorismo, entendendo-o como uma grave ameaça para os valores democráticos, para a paz e a segurança internacionais, o Pretório Excelso pontua que este traduz expressão de uma macro-delinqüência capaz de afetar a segurança, a integridade e a paz dos cidadãos e das sociedades organizadas.
Constitui, assim, fenômeno criminoso da mais alta gravidade, a que a comunidade internacional não pode permanecer indiferente, eis que o ato terrorista atenta contra as próprias bases em que se apóia o Estado Democrático de Direito, além de representar ameaça inaceitável às instituições políticas e às liberdades públicas, o que autoriza excluí-lo da benignidade de tratamento que a Constituição do Brasil (art. 5º, LII) reservou aos atos configuradores de criminalidade política.[7]
É interessante realçar a distinção dada pelo Supremo Tribunal Federal ao crime político em relação ao terrorismo. Em dado pedido de extradição, a Corte exarou que restara evidenciado o caráter político de delitos ocorridos na Itália, consistentes em explosões realizadas na via pública, para assustar adversários políticos, nas proximidades das sedes de suas entidades, sem danos pessoais, porque realizadas de madrugada, em local desabitado e não freqüentado, na ocasião, por qualquer pessoa, fatos ocorridos em 1974.[8]
Vê-se aqui que não fora um ato covarde e repudiado como o terrorismo, mas sim, ato de insubmissão à ordem econômica e social do Estado italiano, por razões políticas, inspiradas na militância do paciente e de seu grupo, o que não comporta extradição por caracterizar crime político.
Desse modo, frise-se que o Supremo Tribunal Federal e a doutrina pátria têm entendido que só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2º da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), ao qual se integram os do artigo 1º: a materialidade da conduta deve lesar real, ou potencialmente, ou expor a perigo de lesão a soberania nacional, o regime representativo, a Federação e o Estado de Direito, por exemplo, de forma que, ainda que a conduta esteja tipificada na Lei de Segurança Nacional, é preciso que se lhe agregue a motivação política. [9]
Logo, referida lei fora recepcionada, em parte, pela atual Carta Fundamental dispondo sobre os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social.
Cabe ressaltar que esta mesma lei previa que tais crimes seriam julgados pela Justiça Militar, o que não prevalece hoje, haja vista que a Constituição de 1988 estabelece a Justiça Federal para o julgamento dos mesmos, conforme supra mencionado.
Ademais, prevê, o diploma legal referido, os crimes que lesam, ou mesmo, expõem ao perigo de lesão, a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; a pessoa do chefe dos poderes da União.[10]
A título de exemplo, esta lei tipifica, sancionando com reclusão de 03 a 15 anos, o ato de tentar mudar com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.
Veja-se que, realmente, há uma sanção típica de natureza criminal, ao contrário dos crimes de responsabilidade como se verá adiante, punindo-se com pena privativa de liberdade, além de ser um crime de persecução por meio de ação penal pública, denunciada pelo Ministério Público cujo julgamento compete a um órgão integrante do Poder Judiciário.
Neste sentido, percebe-se, ainda, que os crimes políticos poderão ser cometidos por qualquer pessoa com base na tipificação legal.
Dois julgados do Supremo Tribunal Federal esclarecem, sobremaneira, a questão:
“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SEGURANÇA NACIONAL. ARMA DE FOGO DE USO EXCLUSIVO DAS FORÇAS ARMADAS. LEI 7.170/83. CRIME COMUM. I. – O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que, para configuração do crime político, previsto no parágrafo único do art. 12 da Lei 7.170/83, é necessário, além da motivação e os objetivos políticos do agente, que tenha havido lesão real ou potencial aos bens jurídicos indicados no art. 1º da citada Lei 7.170/83. Precedente: RCR 1.468-RJ, Maurício Corrêa para acórdão, Plenário, 23.3.2000. II. – No caso, os recorrentes foram presos portando, no interior do veículo que conduziam, armas de fogo de uso restrito, cuja importação é proibida. III. – Recurso provido, em parte, para, assentada a natureza comum do crime, anular a sentença proferida e determinar que outra seja proferida, observado o disposto na Lei 9.437/97, art. 10, § 2º.”[11]
“EMENTA: Extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo de estado do Governo requerente (República Federal da Alemanha) utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear. Crime político puro, cujo conceito compreende não só o cometido contra a segurança interna, como o praticado contra a segurança externa do Estado, a caracterizarem, ambas as hipóteses, a excludente de concessão de extradição, prevista no art. 77, VII e §§ 1º a 3º, da Lei nº 6.815-80 e no art. 5º, LII da Constituição. Pedido indeferido, por unanimidade.”[12]
O que sói acontecer, conforme se depreende da jurisprudência do STF, é a tentativa daqueles que requerem um provimento judicial da Corte no sentido de caracterizar ou descaracterizar os crimes políticos, do modo que melhor lhes aprouver.
Assim, v. g., caso um Estado estrangeiro persiga politicamente um nacional seu que venha a estar no Estado brasileiro, termina por intentar, no pedido de extradição ao governo brasileiro, caracterizar o cometimento de crime comum, o que implicaria em uma extradição política disfarçada.
Foi exatamente o que ocorrera no caso do pedido de extradição do Paraguai de n° 794, em que figurava como extraditando o general Lino César Oviedo Silva, tendo o Supremo Tribunal Federal indeferido o mesmo pelas razões acima expostas.
Finalmente, não há que se confundir crime político com crime eleitoral, sendo este infração penal prevista no Código Eleitoral – CE e em legislação esparsa, cujo julgamento, em regra, compete à Justiça Eleitoral.
É exemplo o tipo penal do art. 301 do CE que comina a pena de reclusão de até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa para quem “usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”.
II. CRIME DE RESPONSABILIDADE
Em relação aos crimes de responsabilidade, a CR/88 traz algumas disposições em que se configuram no tocante a algumas autoridades, como no caso do Presidente da República (art. 85), dos ministros de Estado (art. 50), dentre outras.
Em relação a este “crime” há que se perquirir a inadequação de sua titulação: crimes de responsabilidade. Isto porque, conforme maioria doutrinária,[13] tal expressão abrange tanto crimes funcionais como determinadas infrações políticas.
Ademais, a idéia de “responsabilidade” é subjacente a todo e qualquer crime, pois “pagar” pelas suas conseqüências é ser responsável, além do que, as sanções previstas neste caso são de natureza especial.
De fato, Eugênio Pacelli de Oliveira,[14] além de atentar para a inexistência de sanção característica da infração penal, pontua que os crimes de responsabilidade não possuem a dimensão coletiva e difusa própria dos interesses do Direito Penal e assevera que, tais crimes, “têm muito de responsabilidade e nada de crime”.
Não se apresentam, assim, dotados de ilicitude penal, especificamente, embora sejam atos ilícitos, sem dúvida alguma, ou seja, contrários ao Direito, mas, não necessariamente às normas penais em si.
É o que se pode entrever, por exemplo, quando, patentemente, não se cogita de bis in idem na condenação por crime político e por crime comum no mesmo caso, em face da distinta natureza das sanções aplicáveis.
É neste caminho que aponta o art. 3°, da lei n° 1.079/50, ao determinar que “a imposição da pena referida no artigo anterior – perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública – não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal”.
Em que pese tais observações, entretanto, permanece a citada denominação como herança do Código Criminal do Brasil Império.
Doutrinariamente,[15] mencione-se que tais infrações podem ser divididas em crimes de responsabilidade strictu sensu e lato sensu.
Os crimes de responsabilidade strictu sensu, conhecidos como impeachment, seriam os propriamente ditos, que acarretam para o sujeito ativo as duas sanções autônomas e cumulativas aplicáveis: perda da função pública e inabilitação para o exercício do múnus público por oito anos (sejam cargos derivados de concursos públicos, de confiança, ou de mandato eletivo).
Já os crimes de responsabilidade lato sensu ensejam pena privativa de liberdade e estão descritos nas legislações penais e outras leis extravagantes, como aqueles praticados por funcionário público nos moldes do Código Penal.
José Afonso da Silva, por sua vez, discorrendo sobre os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República (strictu sensu), aduz que estes se distinguem em infrações políticas – quando atentem contra a Constituição Federal; contra existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do País (art. 85, I a IV); e crime funcionais, como atentar contra a probidade na administração; a lei orçamentária; o cumprimento das leis e das decisões judiciais (art. 85, V a VII).[16]
Em relação aos crimes de responsabilidade o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que compete à União Federal tanto a sua definição, quanto a regulamentação do respectivo processo e julgamento.[17]
É neste rumo que a Corte Magna editou a súmula n° 722, que determina: “são da competência legislativa da união a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”.
Isso quer dizer que uma Constituição Estadual, por exemplo, não pode invadir competência da União tipificando novo crime de responsabilidade, ou seja, que não apresente paradigma no texto da Constituição Federal.
Assim, fora recepcionada, em parte, a lei n° 1.079/50, que traz a tipificação, processamento e julgamento do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Procurador Geral da República, dos Governadores e Secretários dos Estados, nos crimes de responsabilidade.
Ainda, a lei n° 7.106/83 dispõe sobre os crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federal e Secretários do Distrito Federal. Por outro lado, os crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais e Secretários Municipais estão tratados no decreto-lei n° 201/67.
Por se tratar de infrações político-administrativas, em regra, são processadas e julgadas pelo Senado Federal, pelas Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, respectivamente.[18]
Em regra, o julgamento é político, porque há hipóteses em que são descritas infrações, de caráter funcional, em tais documentos, submetidas ao Poder Judiciário.
Como se observa, v.g., do decreto-lei n° 201/67, mais precisamente do embate entre seus arts. 1° e 4°, tem-se o julgamento perante o Poder Judiciário nos crimes relacionados em seu artigo inicial, a exemplo da utilização indevida em proveito próprio de bens públicos, enquanto que, no que tange ao art. 4° o julgamento se dará perante à Câmara de Vereadores, como ocorre quando o Prefeito retarda a publicação, ou deixar de publicar, as leis e atos sujeitos a essa formalidade.
Além desses diplomas legais, que foram recepcionados naquilo que não contrariar o Texto Maior, este mesmo dispõe no seu art. 52, I, II e parágrafo único, genericamente sobre os crimes de responsabilidade, citando algumas autoridades como agentes, além das já referidas, que serão julgadas perante o Senado Federal, como o Vice-Presidente, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Advogado Geral da União e os Comandantes da Marinha, Exército e da Aeronáutica nos crimes conexos ao do Presidente da República.
Nestes casos, a condenação proferida por 2/3 (dois terços) dos votos do Senado Federal, limitar-se-á à perda cargo, com inabilitação por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. Aqui reside a grande distinção em relação aos crimes comuns: o julgamento político, em regra, e a sanção sem natureza criminal propriamente dita.
Quanto ao crime de responsabilidade do Presidente ou Vice-Presidente da República é válido lembrar que, para processamento destes, mister se faz a autorização por 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara dos Deputados neste sentido, consoante art. 51, inciso I a CF/88.
Outro exemplo de crime de responsabilidade consta do art. 100, parágrafo 6°, da Constituição Federal, onde se responsabiliza o Presidente do Tribunal que frustrar a liquidação regular de precatório.
Logo, é pertinente a observação de Michel Temer de que somente certas pessoas, no exercício de certas funções, podem praticar crimes de responsabilidade, pois as pessoas comuns, a princípio, não têm condições de atentar contra a existência da União, o livre exercício do poder Legislativo, do Poder Judiciário etc.[19]
Interessante frisar, o importante papel do cidadão, que possibilita a fiscalização da coisa pública, apelidando tal processo de ação penal popular, nos termos dos artigos 14 e 75, da lei n° 1079/50, onde se tem que é permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados, e o Governador perante a Assembléia Legislativa.
Como última crítica doutrinária, o experiente criminalista Damásio de Jesus leciona que a Lei n° 1.079/50 não descreve crimes e sim infrações político-administrativas, falando, dessa forma, impropriamente em ação penal, além do que, a mesma pode ser desencadeada a partir de denúncia popular, o que não se admite em ação penal pública, pois esta é de titularidade do Ministério público.[20]
Registre-se, em tempo, que o STF tem entendido que os atos de improbidade administrativa devem ser caracterizados como crime de responsabilidade em dadas hipóteses, como se observa da transcrição de julgado a seguir:
“(..) Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, “c”, da Constituição. (…)”[21]
IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS – Neste breve estudo observou-se que o texto constitucional apenas traça alguns aspectos basilares em relação a eles, que acabam sendo regulados em maior parte pelo legislador infraconstitucional.
Ainda, foi possível perceber que crimes políticos e crimes de responsabilidade ensejam questões distintas, e peculiares, embora possam apresentar algumas semelhanças.
As principais diferenças residem na qualidade especial dos agentes (altas autoridades) exigida no crime de responsabilidade, em despeito da simplicidade do crime político, e nas penas cominadas a tais infrações sendo, em regra, desprovidas de caráter criminal, porém de cunho administrativo e político, ao contrário da criminalidade política.
Outra diferença atine ao rito processual e ao juízo natural de ambas as infrações, sendo diversas novamente, onde, em regra, têm-se crimes políticos julgados por órgão do Poder Judiciário e crimes de responsabilidade (strictu sensu) julgados por órgãos políticos.
Frisou-se, outrossim, que a ação penal nos crimes de responsabilidade pode ser iniciada por qualquer cidadão, enquanto o crime político pressupõe atuação do Ministério Público.
Por fim, vê-se que ambos os crimes estão presentes no nosso ordenamento jurídico visando, de modo geral, à proteção do Estado Democrático de Direito e seus fundamentos, além da própria Constituição.
Advogado; servidor público; professor de Direito e pós-graduando em Direitos Difusos e Coletivos
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