Substituição tributária das empresas no simples nacional – ICMS e ISS inconstitucionalidades

As microempresas e as empresas de pequeno porte enquadradas nos Simples Nacional estão enfrentando sérios problemas com os institutos da retenção na fonte e substituição tributária nos casos em que a obrigação tributária é atribuída a terceiros por força de lei.


Na prática temos observado que tais institutos têm elevado significativamente a tributação das microempresas e das empresas de pequeno porte tributadas pela sistemática do Simples Nacional, em total descompasso com o espírito da Lei Geral das MPEs (Micro e Pequenas Empresas) e dos princípios tributários, econômicos e sociais que tutelam as pequenas empresas.


Por conta disso, o que mais impressiona é que quanto menor for o porte da empresa, isto é, quanto menor for a receita bruta anual acumulada da empresa, maior será a sua tributação; com efeito evidentemente regressivo, em total descompasso com nossa Constituição Federal, conforme buscaremos demonstrar.


A bem da verdade entendemos que o caso se dá muito mais por falha na interpretação das normas do que propriamente pelo sentido delas; sobretudo por desatenção e inobservância aos aspectos principiológicos constitucionais que norteiam nosso ordenamento jurídico.


Tudo se deve pelos dispositivos contidos no capítulo IV da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 que instituiu o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional.


O artigo 13 estabelece que o Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições: IRPJ, IPI, CSLL, Cofins, PIS, INSS patronal, ICMS e do ISS.


Contudo o § 1o ressalva que “o recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência de outros tributos não contemplados expressamente acima, nem de situações peculiares de tributos previstos em operações específicas, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas.”


Este dispositivo tem suscitado diversas dúvidas por parte dos empresários e contabilistas no que diz respeito à aplicação da substituição tributária e da retenção na fonte dos impostos e contribuições nos moldes do parágrafo primeiro, e que fogem à regra simplificadora contida no enunciado no caput do art. 13 e seus incisos (que unifica o recolhimento dos tributos que menciona).


Entre as operações específicas de tributos que não são recolhidos de forma unificada pelo Simples Nacional, inserem-se o ICMS devido nas operações ou prestações sujeitas ao regime de substituição tributária e o ISS devido em relação aos serviços sujeitos à retenção na fonte.


Nos termos da lei em comento, tais tributos devem ser recolhidos à parte do Simples Nacional, de acordo com a legislação comum aplicável às demais empresas e; segundo orientações da Receita Federal, não se aplicam as alíquotas constantes nos Anexos I a V da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, mas as alíquotas previstas em suas normas de regência que, via de regra, são bem superiores às do Simples Nacional.


Ocorre que vários estados e municípios têm instituído em suas legislações os institutos da substituição tributária e da retenção na fonte para o ICMS e o ISS com o objetivo de reduzir o custo da fiscalização para o estado e evitar a sonegação fiscal. No entanto, os institutos tem servido também para que estados e municípios escapem dos percentuais reduzidos do Simples Nacional.


Substituição tributária e retenção na fonte


Tecnicamente, a substituição tributária e a retenção na fonte não se confundem, sendo esta uma espécie daquela. Na prática, ambos os institutos transferem a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária (recolhimento do tributo) a uma terceira pessoa, que não praticou o fato gerador, mas que está indiretamente vinculado com o sujeito que deu causa ao fato gerador.


A Emenda Constitucional nº 3/93, introduziu no art. 150 da Constituição Federal, o parágrafo 7º, criando a figura da substituição tributária em nosso ordenamento jurídico: “§ 7º – A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributaria a condição de  responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”


A retenção na fonte, por sua vez, se insere neste conceito, entretanto de forma mais restrita ao regular situações específicas em que o contratante apenas retém e recolhe o tributo devido pelo contratado. Como ensina o mestre tributarista Paulo de Barros Carvalho, “acontecimento bem conhecido entre nós, vê-se uma forma de substituição em que uma terceira pessoa, vinculada a ocorrência do fato jurídico tributário, deve reter parcela da importância paga a outrem para subseqüente recolhimento aos cofres públicos” (Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 161).


Ex.: O aluguel pago por pessoa jurídica (locatária) à pessoa física (locadora), sujeita-se a retenção do imposto de renda na fonte.


A substituição tributária é mais complexa e admite hipóteses de antecipação do recolhimento do imposto em relação a operações posteriores, cujo fato gerador não tenha ainda ocorrido (substituição tributária para frente), e também de operações anteriores (substituição tributária para trás).


Ex.: Substituição tributária para frente: Indústria que vende bebidas a bares e restaurantes;


Substituição tributária para trás: Mercado que adquire hortaliças de produtor rural.


Observe que o arquétipo constitucional e a melhor corrente doutrinária, em momento algum mencionam que a substituição tributária e a retenção na fonte implicam em aumento de tributos.


Vejamos as implicações desses procedimentos aplicáveis às pequenas empresas enquadradas no Simples Nacional, em relação ao ISS e ICMS,


ISS devido em relação aos serviços sujeitos à retenção na fonte


Assim dispõe a alínea “a”, § 1º, inciso XIV do art. 13 da LC 123/06:


“Art. 13 (…)


§ 1o  O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas: (…)


XIV – ISS devido:


a) em relação aos serviços sujeitos à substituição tributária ou retenção na fonte;”


Na verdade, incorre em pleonasmo o disposto citado ao prever alternativamente os institutos da “substituição tributária ou retenção na fonte” ao determinar a aplicação da legislação própria de cada município em relação ao ISS nessas condições. Nos termos do § 1º do art. 6 da Lei Complementar 116, de 31/07/2003, a previsão aplica-se restritivamente à retenção na fonte. Mesmo porque não é factível na prestação de serviços, o recolhimento desse imposto em relação a operações posteriores ou futuras. Portanto, o dispositivo trata especificamente de ISS retido na fonte.


A Lei Complementar 123/06 permite que as pequenas empresas que tiverem o ISS retido na fonte devem descontar o percentual previsto nos Anexos III, IV ou V, conforme o seu enquadramento no Simples Nacional por faixa de receita bruta. Isto é o que dispõem o § 6º do art. 18 e o § 4º do art. 21:


“Art. 18 (…)


§ 6o No caso dos serviços previstos no § 2o do art. 6o da Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003, prestados pelas microempresas e pelas empresas de pequeno porte, o tomador do serviço deverá reter o montante correspondente na forma da legislação do município onde estiver localizado, que será abatido do valor a ser recolhido na forma do § 3o do art. 21 desta Lei Complementar. …


Art. 21.  (…)


§ 4o  Caso tenha havido a retenção na fonte do ISS, ele será definitivo e deverá ser deduzida a parcela do Simples Nacional a ele correspondente, que será apurada, tomando-se por base as receitas de prestação de serviços que sofreram tal retenção, na forma prevista nos §§ 12 a 14 do art. 18 desta Lei Complementar, não sendo o montante recolhido na forma do Simples Nacional objeto de partilha com os municípios.”


Sobre essa questão, a Receita Federal, em suas perguntas e respostas disponíveis em seu site (www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/sobre/perguntas.asp), assim manifestou o seu entendimento:


5.5 – COMO SERÁ A TRIBUTAÇÃO DO ISS DE MICROEMPRESA (ME) OPTANTE PELO SIMPLES NACIONAL QUE PRESTA SERVIÇO SUJEITO À RETENÇÃO NA FONTE?


A tomadora do serviço recolherá o ISS à parte do Simples Nacional, de acordo com a legislação municipal, mesmo se optante pelo Simples Nacional.


A prestadora do serviço, optante pelo Simples Nacional, poderá segregar essa receita de modo a reduzir da base de cálculo do Simples Nacional o valor referente a ela.


1. A alíquota a incidir sobre a receita bruta na fonte será sempre a correspondente à legislação municipal. Não existe retenção na fonte do ISS com alíquota do Simples Nacional.


2.  As ME e EPP optantes pelo Simples Nacional não poderão segregar como receitas sujeitas a retenção aquelas recebidas pela prestação de serviços que sofrerem retenção do ISS na fonte, na forma da legislação do município, nas hipóteses em que não forem observadas as disposições do art. 3º da Lei Complementar nº 116, de 2003. (Grifo nosso)


O item 1 das notas à resposta 5.5, acima transcrito e sublinhado, não encontra, como se pode observar, guarida nos dispositivos citados da Lei Complementar 123/06. Quando o § 1º do art. 13 menciona que “o recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas”, quer significar apenas que o procedimento de recolhimento do ISS deve ser feito na forma de “retenção na fonte” pelo contratante dos serviços, e não pelo próprio contribuinte; nada além disso. O mesmo ocorre com o § 6º do art. 18 que dispõe: “o tomador do serviço deverá reter o montante correspondente na forma da legislação do município onde estiver localizado”. O imposto é o mesmo. Não há que se argumentar sobre a existência ou instituição de um novo imposto.


Portanto, o montante de ISS, a que o texto se refere, é o mesmo que o contribuinte recolheria se utilizasse o correspondente anexo do Simples Nacional. O que muda é a forma, o procedimento: retenção na fonte e recolhimento pelo terceiro responsável – tomador dos serviços.


Pela orientação da Receita Federal, os municípios que fixaram suas alíquotas de ISS em 5% e criaram por lei o instituto da retenção do ISS na fonte para os serviços tributados em seus territórios, alijaram as empresas optantes pelo Simples Nacional da redução desse imposto. Além disso, agravaram a situação da pequena empresa, proporcionalmente quanto menor for o seu porte.


Isto porque, o Simples Nacional consigna para as ME e EPPs o sistema progressivo de alíquotas, ou seja, quanto maior a receita bruta anual acumulada, maior a alíquota, em perfeita sintonia com o princípio constitucional da capacidade contributiva esculpido no § 1º do art. 145:


Parágrafo 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado a administração tributaria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.


No mesmo sentido é o art. 146-A da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003:


Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.


Ora, se a Lei Complementar nº 123/2006, estabelece a progressividade das alíquotas, não pode uma lei municipal, simplesmente por prever a antecipação do recolhimento do ISS, onerar a tributação do contribuinte.


Vejamos os seguintes exemplos:


Lei municipal que prevê a retenção de 5% de ISS na fonte por parte da pessoa jurídica que contrata microempresa (ME) para prestar serviços de reparação de máquinas de escritório.


Valor dos serviços: R$ 5.000,00


Retenção na fonte (5% de R$ 5.000,00) = R$ 250,00


Neste caso a microempresa deverá segregar esta receita (de R$ 5.000,00) para não incidir novamente o percentual de ISS do Simples Nacional.


Pelo Simples Nacional, a microempresa com receita bruta anual de até R$ 120.000,00, recolheria a título de ISS apenas 2%, conforme previsto na primeira faixa do Anexo III. Ou seja, pelo Simples Nacional, pagaria apenas R$ 100,00 de ISS nesta operação!


Tratando-se de empresa de pequeno porte (EPP) no Simples Nacional com receita bruta anual superior a R$ 1.200.000,00, o valor de ISS retido na fonte (previsto em lei municipal) corresponde ao mesmo percentual previsto no Simples Nacional, isto é, 5% de R$ 5.000,00 = R$ 250,00.


Com isso, a ME e a EPP recolhem o mesmo valor a título de ISS, independentemente de seu porte. Não obstante, pela progressividade estatuída no Simples Nacional o ISS é gradativamente maior, quanto menor for o porte da pequena empresa.


Se tal entendimento prevalecer estaríamos admitindo que uma lei municipal pode alterar a progressividade do imposto prevista na LC 123/2006, cujo escopo está em perfeita consonância com os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da isonomia, da pequena empresa…


Partindo-se da orientação propugnada pela Receita Federal e que as pequenas empresas têm procurado cumprir com dificuldades e estranheza para evitarem ação do fisco e exclusão do Simples Nacional, conclui-se que: ou estamos diante de um mesmo imposto com alíquotas diferentes, o que só seria possível em caso de progressividade, ou estamos diante de dois impostos distintos: o ISS retido na fonte e o ISS recolhido pelo próprio contribuinte. Situações não previstas em nosso ordenamento jurídico.


Além disso, como vimos, os institutos da substituição tributária e da retenção na fonte não implicam em aumento de imposto, mas, tão somente, alteram o momento do seu recolhimento; postergando-o, ou antecipando-o, conforme o caso.


Não é demais repetir, o tributo é um só, isto é, Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. O que muda, havendo ou não retenção na fonte, é o momento de seu recolhimento e o sujeito responsável por efetuar o recolhimento. Tão somente.


ICMS devido nas operações sujeitas ao regime de substituição tributária


Assim dispõe a alínea “a”, § 1º, inciso XII do art. 13 da LC 123/06:


“Art. 13 (…)


§ 1o  O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:(…)


XIII – ICMS devido:


a) nas operações ou prestações sujeitas ao regime de substituição tributária;”


Os mesmos argumentos sustentados em relação ao ISS também servem para a hipótese de substituição tributária do ICMS.


Exemplifiquemos:


Indústria vende 100 caixas de refrigerantes para bar que, por sua vez, irá revendê-las a seus consumidores. Nos termos da legislação esta operação está sujeita ao regime de substituição tributária.


Temos aqui 2 operações distintas:


1ª) Indústria x Comércio


2ª) Comércio x Consumidor


Pelo disposto nas legislações estaduais, a indústria terá que efetuar dois cálculos para se apurar o ICMS pelo regime de substituição tributária. Vejamos:1) Operação própria (da indústria) a) preço praticado pela indústria (incluído despesas) …………………………………………………………… R$ 1.000,002) Operação sob regime de substituição (preço praticado pelo comerciante)b) margem de lucro praticada pelo comerciante na venda ao consumidor (50%) ………………………. R$ 500,00c) preço de venda ao consumidor (“a” + “b”) ………………………………………………………………………… R$ 1.500,00Resultado das operaçõesd) ICMS devido pela operação própria (“a” x 18%) ……………………………………………………………….. R$   180,00e) ICMS devido por substituição (“c” x 18%) ………………………………………………………………………… R$   270,00f) ICMS efetivamente devido por substituição (“e” – “d”) …………………………………………………………. R$   90,00Assim, a indústria deverá recolher o ICMS de operação própria (R$ 180,00 menos os créditos de ICMS oriundos das aquisições de insumos e matérias primas para fabricar o produto), bem como o ICMS sob o regime de substituição devido pela ME ou EPP optante pelo Simples: R$ 90,00.[1]Este exemplo se aplica nos casos em geral, inclusive se o comércio (o bar) esteja enquadrado no Simples Nacional.[2]Assim como ocorre no ISS, como vimos, ao submeter suas receitas mensais à tributação pelo Simples Nacional, a micro e pequena empresa deverá segregar as vendas sujeitas à substituição tributária a fim de subtrair o percentual de ICMS constante no anexo correspondente do Simples Nacional, conforme a Lei Complementar 123/2006:


“Art. 18…


§ 14.  A redução no montante a ser recolhido do Simples Nacional no mês relativo aos valores das receitas de que tratam os incisos IV e V do § 4o deste artigo corresponderá:


I – no caso de revenda de mercadorias: …


c) ao percentual que incidiria sobre o montante total de receita, caso não houvesse nenhuma redução, previsto no Anexo I desta Lei Complementar, relativo ao ICMS, aplicado sobre a respectiva parcela de receita referida nos incisos IV ou V do § 4o deste artigo, conforme o caso;”


Tomando-se por base o Anexo I do Simples Nacional, verificamos que os percentuais de ICMS variam entre 1,25%, (para ME com receita bruta anual de até R$ 120 mil) e 3,95% (para EPP com receita bruta anual próxima a R$ 2.400 mil).Logo, o ICMS efetivamente devido por substituição tributária de empresa no Simples nesta operação é de R$ 90,00, MENOS o percentual de ICMS constante na tabela do Simples Nacional a ser aplicado sobre a receita bruta da operação:a) Tratando-se de comércio enquadrado na primeira faixa de ME (ICMS correspondente a 1,25% da receita bruta), o ICMS pelo sistema da substituição tributária será de R$ 71,25 [ou seja: 90,00 – 18,75 (1,25% de R$ 1.500,00)].b) Tratando-se de comércio enquadrado na última faixa de EPP (ICMS correspondente a 3,95% da receita bruta), o ICMS pelo sistema da substituição tributária será de R$ 30,75 [ou seja: 90,00 – 59,25 (3,95% de R$ 1.500,00)].Observe que, nesta operação, se não fosse aplicada a regra da substituição tributária, a microempresa (com receita bruta anual de até R$ 120 mil) pagaria, pelo Anexo I do Simples Nacional, somente R$ 18,75, enquanto que pelo regime de substituição tributária, R$ 71,25 de ICMS, logo, um aumento de 280% no tributo. Já para a empresa de pequeno porte situada na última faixa de receita bruta do Anexo I (receita bruta anual entre de até R$ 2.280.000,00 e R$ 2.400.000,00) a substituição tributária é mais vantajosa. Neste caso, se não se aplicasse a substituição tributária, a EPP pagaria pelo Simples Nacional o valor de R$ 59,25, enquanto que pelo regime de substituição tributária, apenas R$ 30,75 de ICMS. Redução de 51%.Observe que pelas atuais regras de substituição tributária no Simples Nacional, o tratamento não é equânime ao impingir aumento excessivo às microempresas e diminuição do ICMS às pequenas empresas com faturamento acumulado mais elevado. Mais uma vez fica evidente a progressividade reversa deste imposto, ou seja, quanto menor a receita bruta anual acumulada da empresa no Simples, maior será a sua contribuição para o ICMS. Este procedimento é utilizado pelos estados em geral.Outra situação bastante polêmica adotada pelo Estado de São Paulo diz respeito ao novo texto do § 2º do art. 268 do RICMS[3] que determina que o contribuinte enquadrado no Simples Nacional, na condição de sujeito passivo por substituição, incluirá o valor do imposto devido na operação própria no valor devido pela substituição tributária, quando a operação subseqüente for interna.Aqui se apresenta a hipótese de uma indústria e comércio, ambos enquadrados no Simples Nacional, em que o primeiro aplicará a substituição tributária sem, contudo, considerar as duas operações previstas em nosso exemplo anterior, mas somente uma.Aproveitando os mesmos valores do exemplo anterior, a indústria simplesmente aplicará 18% sobre o preço final praticado no balcão pelo comerciante. Isto é, 18% sobre R$ 1.500,00, que corresponde a R$ 270,00 de ICMS. Com isso, tanto a indústria como o comércio deverão compartilhar esse custo tributário, aplicando o percentual a que estiverem sujeitas no respectivo anexo do Simples Nacional sobre essa receita, a fim de se evitar nova cobrança de ICMS.Embora a pequena empresa optante pelo Simples Nacional tenha que suportar o encargo da alíquota convencional, no caso, de 18% sobre o valor de revenda praticado a consumidor, não poderá se creditar de parte do ICMS em suas aquisições, esteja ela na condição de substituta ou substituída na hipótese de substituição tributária.Em todos os casos, as distorções são ainda piores e o sistema mais perverso se o cliente da pequena empresa for outra empresa, não optante pelo Simples Nacional, pois esta não poderá de creditar do ICMS. Essas operações são muito comuns. Milhares de pequenas empresas fornecem, por exemplo, a grandes redes de super mercados, sem que estes possa se aproveitar dos créditos de ICMS.


Conclusão


A nosso ver, não só a orientação da Receita Federal sobre a retenção do ISS na fonte como também a sistemática da substituição tributária do ICMS adotada pelos estados, estão em total descompasso com o ordenamento jurídico nacional.


Admitir que a simples criação de lei municipal ou estadual prevendo, tão somente, a alteração do momento do recolhimento do imposto e a mudança do sujeito passivo da obrigação tributária para um terceiro, não contribuinte, seja também motivo de majoração do imposto, seria uma afronta ao conceito jurídico destes institutos.


A retenção na fonte e a substituição tributária são mecanismos de recolhimento de tributos que evitam a sonegação e reduzem o custo da fiscalização. Portanto, trata-se de sistemas de arrecadação que buscam eficiência para o ente tributante. Não servem para onerar os contribuintes. O montante do recolhimento dos tributos devem se manter inalteráveis, seja o ato praticado diretamente pelo contribuinte, seja por um terceiro chamado à responsabilidade tributária.


Embora as normas de retenção e substituição tributária previstas em nosso ordenamento jurídico estabeleçam alíquotas diferentes na antecipação do recolhimento, elas permitem a compensação futura de modo a manter o equilíbrio do valor real do tributo. É de se estranhar que o mesmo critério não se aplica às pequenas empresas enquadradas no Simples Nacional.


A Lei Complementar 123/2006, é uma lei que estabelece normas gerais em matéria de legislação tributária que prevê, entre outras coisas, tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, nos termos do art. 146, III, “d” da Constituição Federal.


A interpretação dada aos institutos da “retenção na fonte” e da “substituição tributária”, além de desconfigurar seus conceitos, não está em conformidade com o que realmente dispõe a Lei Complementar 123/2006. Além disso permite que leis estaduais e municipais quebrem o tratamento diferenciado e favorecido atribuído constitucionalmente às MPEs, cujas normas gerais se encontram reguladas em lei complementar.


Por fim, vale lembrar que a aplicação desses sistemas de arrecadação, nos moldes como vem sendo praticados, onera as pequenas empresas de forma regressiva, pois quanto menor for a pequena empresa, maior será a sua tributação. Como o Simples Nacional atribui progressividade em suas alíquotas, a subtração dos percentuais desses impostos no respectivo anexo, são também proporcionalmente menores conforme a receita bruta acumulada pela pequena empresa.


Diante do exposto, resta-nos claro que a manutenção da “retenção na fonte” e da “substituição tributária” na forma como vem sendo praticados, fere o princípio constitucional da capacidade contributiva, o princípio da isonomia, o princípio da reserva legal que atribuiu à lei complementar estabelecer regras gerais de tributação das pequenas empresas, o princípio da segurança jurídica, o princípio da pequena empresa na ordem econômica nacional e todos aqueles que com eles se relacionam, especialmente os princípios sociais.  



Notas:

[1] RICMS – São Paulo: “Art. 268, § 1º: ”O valor do imposto a ser recolhido a título de sujeição passiva por substituição é a diferença entre o valor do imposto calculado, mediante aplicação da alíquota interna, sobre a base de cálculo prevista no artigo 41 e o valor do imposto devido pela operação própria do remetente.
§ 1º – Tratando-se de hipótese prevista no inciso VI ou XIV do artigo 2º, o imposto a ser recolhido a título de sujeição passiva por substituição será a diferença entre os valores resultantes da aplicação, ao valor da operação ou prestação, da alíquota interna praticada neste Estado e da alíquota interestadual.”.

[2] RICMS – São Paulo: “Artigo 263 – As operações ou prestações enquadradas no regime de sujeição passiva por substituição, destinadas a estabelecimento de contribuinte sujeito às normas do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – “Simples Nacional”, submetem-se regularmente à retenção do imposto incidente sobre as operações ou prestações subseqüentes.” (Redação dada pelo Decreto Estadual nº 52.104, de 29.08.2007).

[3] Conforme alteração do Decreto nº 52.104/2007.

Informações Sobre o Autor

Paulo Melchor

Mestre em Direito pela UNIMES
Consultor Jurídico de Pequenas Empresas
Professor de Direito Tributário e Empresarial


Equipe Âmbito Jurídico

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