Sumário: 1 Introdução. 2 Subvenções: conceito. 2.1 Espécies de subvenções. 2.2 Subvenções sociais ao setor privado. 2.3 Medidas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal para conter desvios. 3 A inclusão orçamentária vincula o Poder Público?
1. Introdução
As subvenções continuam regidas pelas disposições da Lei n° 4.320, de 17 de março de 1964, que institui normas gerais de Direito Financeiro.
Muito ao contrário do posicionamento de alguns autores, que sustentam a revogação desse diploma legal pela Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, que institui normas financeiras públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, aquela Lei de 1964 continua em vigor naquilo que não conflitar com a nova lei.
Aliás, a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF –, introduzida pela citada LC n° 101/2000, não regulou inteiramente a matéria prevista no art. 165, § 9°, II, da Constituição Federal deixando de disciplinar as “condições para a instituição e funcionamento de fundos”, ralos por onde desaparecem a maior parte dos recursos financeiros públicos, aplicados com desvio de finalidade.
2. Subvenções: conceito
A Lei n° 4.320/64 classifica a despesa em duas categorias econômicas: as despesas correntes e as despesas de capital. As primeiras se subdividem em despesas de custeio e transferências correntes, ao passo que, a segunda categoria econômica se subdivide em despesas de investimentos, de inversões financeiras e transferências de capital (art. 12).
As subvenções correspondem às despesas referentes às transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas (§ 3°, do art. 12)
2.1 Espécies de subvenções
Existem duas espécies de subvenções:
a) subvenções sociais, as que se destinam a instituições públicas ou privadas, de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa;
b) subvenções econômicas, as que se destinam a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.
As subvenções econômicas se destinam às instituições públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril. Sabe-se que as sociedades de economia mista e as empresas públicas quando no desempenho de atividades econômicas sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1°, II, da CF). Essas subvenções têm sua matriz no art. 174 da Carta Magna que permite ao Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, estimular determinados setores da economia por meio de incentivos financeiros, com vistas ao fomento da capacidade científica e tecnológica, a fim de melhorar a competitividade da economia nacional.
Interessa-nos de perto, neste trabalho, o exame das subvenções sociais destinadas ao setor privado.
2.2 Subvenções sociais ao setor privado
Essas subvenções sociais visam fundamentalmente custear as despesas concernentes à prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional[1].
São seguintes os requisitos para concessão dessas subvenções de acordo com o art. 16 da Lei n° 4.320/64:
a) que a entidade política tenha disponibilidade de recursos financeiros;
b) que o direcionamento de recursos se dê apenas para os serviços de assistência social, serviços médicos e serviços educacionais, todos eles contemplados no capítulo I, do Título VIII, da Constituição Federal pertinente à ordem social.
c) que a subvenção social seja motivada pela entidade política, a fim de limitar o direcionamento de despesa pública às hipóteses em que tragam efetivas utilidades à entidade contemplada, representadas, por exemplo, pelo aumento do número de pessoas necessitadas ou melhoria da qualidade do atendimento. É o que depreende do parágrafo único, do art. 16 que prescreve o valor das subvenções calculado com base em unidades de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados.
Na prática, contudo, essas subvenções sociais têm extrapolado o âmbito das limitações legais, concedendo-se a milhares de ONGs que atuam em outras áreas que não as referidas na letra b retro.
Outrossim, as chamadas entidades filantrópicas, muitas delas, criadas indiretamente por detentores do poder político, nem sempre atuam a favor dos hipossuficientes, tanto é que já mereceram o apelido de entidades “pilantrópicas” em razão de desvios de finalidade constados, com freqüência, pela mídia.
2.3 Medidas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal para conter desvios
A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – a fim de prevenir abusos e desvios na destinação de recursos públicos para o setor privado, de um lado, prescreveu requisitos básicos conforme se depreende de seu art. 26:
“Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.”
Esses três requisitos básicos são:
a) a autorização por lei específica, ou seja, lei especial deve autorizar a criação na Lei Orçamentária Anual – LOA – de uma dotação específica para cada caso como, aliás, determina a Constituição Federal (art. 167, VIII);
b) o atendimento das condições estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – onde está estabelecida a política de aplicação das Agencias Financeiras oficiais de fomento[2];
c) inclusão da despesa pública no orçamento ou no crédito adicional, com fixação dos elementos de despesa, precedida de autorização legislativa específica referida na letra “a”; o exato valor da despesa deve ser fixado pelo Legislativo, sendo vedada a concessão ou a utilização de créditos ilimitados (art. 167, VII, da CF).
De outro lado, a LRF, para atingir o objetivo principal de conter as despesas públicas e promover o equilíbrio orçamentário, instituiu em seu Capítulo IX (arts. 48 a 59) os mecanismos de transparência, controle e fiscalização da despesa pública privilegiando o princípio da publicidade, com o fito de possibilitar o exercício da cidadania.
O Portal da Transparência foi instituído pelo Executivo Federal em decorrência desse princípio da publicidade. Ele tem sido a fonte de denúncia de irregularidades das despesas públicas veiculadas pela mídia alertando os cidadãos.
De fato, só a manifestação do povo, detentor legítimo do poder (parágrafo único, do art. 1° da CF) será capaz de deter a prática de improbidade administrativa, um cancro que corrói a administração pública e que pelo seu efeito perverso afeta a vida da sociedade, causando descrédito e revolta contra a classe dirigente em geral, acabando por minar os princípios basilares que estruturam o Estado Democrático de Direto. Daí as normas repressivas relativamente aos atos de improbidade em níveis constitucional e infracosntitucional.
3 A inclusão orçamentária vincula o Poder Público?
No exame das subvenções sociais convém fazer uma rápida abordagem de uma questão prática que costuma ser discutida no Judiciário.
Como vimos nos itens 2.2 e 2.3, tanto a Lei n° 4.320/64, como a LRF exigem como condição para direcionamento de recursos financeiros públicos ao setor privado a prévia inclusão de despesa na Lei orçamentária Anual – LOA.
Pergunta-se, essa inclusão orçamentária vincula o Poder Público?
Fonte primeira do direito é a lei que cria obrigações em geral. É pacífico na doutrina e na jurisprudência que lei orçamentária não é lei em sentido material. É lei apenas no seu sentido formal porque é a própria Constituição Federal que se refere ao orçamento como uma lei, prescrevendo no seu art. 166 e parágrafos um regime peculiar para tramitação do projeto de lei orçamentária, de iniciativa do Poder Executivo.
Essa lei difere das demais leis, caracterizadas por serem genéricas, abstratas e constantes ou perenes. A lei orçamentária é uma lei de efeito concreto para vigorar por um prazo determinado de um ano, fato que do ponto-de-vista material retira-lhe o caráter de lei. Exatamente essa peculiaridade levou parte da doutrina a sustentar a tese do orçamento como ato-condição.
O certo é que o orçamento, entre nós, é uma lei ânua, de efeito concreto que estima as receitas e fixa as despesas necessárias à execução da política governamental (plano de ação do governo).
Por isso, a inclusão das despesas de subvenção social na Lei Orçamentária Anual representa simples autorização legal de despesa não gerando direito subjetivo material ao beneficiário dessa inclusão.
Nesse sentido é a jurisprudência do STF como se depreende das ementas abaixo:
“Orçamento – verba destinada a instituição assistencial – Direito subjetivo não gerado a favor da mesma – Carência de ação.
A previsão de despesa, em lei orçamentária, não gera direito subjetivo a ser assegurado por via judicial.” (RE n° 75.908-PR, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, RDP – 28/187).
“Orçamento – Conceito – natureza de lei formal ou de quase-lei – ordenação financeira da pessoa de direito público – Inexistência de obrigatoriedade nos seus dispositivos – caráter de autorização outorgada pelo Poder Legislativo.
O simples fato de ser incluída uma verba de auxílio a esta ou àquela instituição no orçamento não cria de pronto direito a esse auxílio porque não chega a ser propriamente uma lei a chamada lei orçamentária, tão certo é que o seu objetivo é a ordenação financeira do Estado, contendo autorização legislativa, para a cobrança de impostos pelas várias leis anteriores existentes.” (RE n° 34.581-DF, Rel. Min. Cândido Motta, RT – 282/859).
Dissemos que para a inclusão da despesa na LOA há necessidade de lei específica autorizando essa inclusão.
Essa lei, a exemplo da LOA, é mera lei autorizativa não tendo o condão de criar obrigações para o poder público, vale dizer, não gera direito subjetivo material ao beneficiário da subvenção social. O beneficiário tem apenas expectativa de direito: poderá vir a receber os recursos financeiros consignados na LOA ou poderá não receber esses recursos, tudo à discrição do Poder Público.
[1] Como se vê, as subvenções sociais são para cobrir despesas com a execução de sérviços nas três áreas apontadas. Sua utilização para despesas de capital, como a construção de prédios ou a ampliação das instalações caracteriza desvio de finalidade.
[2] Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste do Brasil, Banco da Amazônia e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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