A história nos demonstra que a vida em sociedade e seus sistemas jurídicos sofreram uma série de importantes e profundas transformações, aparentemente lentas e progressivas, na formulação de direitos que conduziram a uma verdadeira revolução na nossa concepção jurídica, política, econômica e social.
Estas transformações dos sistemas jurídicos possibilitaram a passagem de um sistema irracional para um sistema racional de direito: o arbítrio deu lugar à justiça e a legalidade, a anarquia do regime feudal foi substituída pelo reforço do poder de certos reis e senhores, a economia fechada cedeu para a economia de troca, o costume foi suplantado pela lei[1].
Do mesmo modo, a realidade concreta da vida a nós possibilita reconhecermos que muitos daqueles sistemas jurídicos, sem prejuízo de sua simultânea abertura material e estabilidade[2], estão tomando forma novamente: estamos na contramão da história e da própria lógica na evolução da vida em sociedade, passando de um sistema racional para um sistema irracional de direito. Ao menos é esta a conclusão a que chegamos após a análise crítica de situação vivenciada pelos servidores públicos estaduais inativos (aposentados ou pensionistas) concernente à contribuição previdenciária.
No que diz respeito ao regime previdenciário dos servidores públicos do Estado do Rio Grande do Sul, em muito similar aos demais entes federados, é sabido que a condição jurídica de servidor público estadual sujeita referido servidor a contribuições sobre seus vencimentos/proventos, visando contribuir com o regime de previdência a que pertence, compreendidos os benefícios previdenciários e da assistência à saúde.
Em objetiva análise tem-se o seguinte: até o mês de junho do ano de 2004 o servidor contribuía com 9% mensais, conforme Lei n.o 7.672/82; de novembro de 1995 a maio de 2000 o servidor contribuiu com 2% mensais, conforme Lei Complementar n.o 10.588/95, contribuição esta excluída por força da Lei Complementar n. 11.476/00; e a partir de julho de 2004 contribui o servidor com 11% e mais 3,1%[3] mensais, de acordo com as Leis Complementares n.º 12.065/04, 12.066/04 e 12.134/04.
Ocorre que com a inatividade do servidor público, ou mesmo ao tempo em que preenche as condições necessárias para a inatividade, de acordo com a Emenda Constitucional n.º 20/98, cessa para este servidor a contribuição previdenciária obrigatória que visa custear a seguridade social, vale dizer, não deverá mais ter descontados de seus proventos o percentual de 5,4% (Lei n.º 7.672/82) e 2% (Lei n.º 10.588/95).
Malgrado a disciplina legal[4] e a posição do Judiciário[5], nosso Estado, durante praticamente todo o período que compreendeu o mês de dezembro do ano de 1998 ao mês de junho do ano de 2004[6], fez incidir contribuição previdenciária sobre os proventos dos inativos (5,4% e 3,6%[7], Lei n.o 7.672/82, e 2%, Lei n.º 10.588/95): segundo informações veiculadas pelo jornal Zero Hora aos 28-05-2004, p. 20, atualmente 99,6 mil inativos contribuem para a previdência todos os meses com 5,4% sobre seus proventos, sendo que 15,5 mil inativos estão isentos da referida contribuição por força de ordem judicial.
Cumpre esclarecer, a bem da verdade, que a contribuição previdenciária complementar exigida por força da Lei Complementar n.º 10.588/95, em percentual correspondente a 2% dos proventos líquidos que percebe o servidor inativo, em data de 03 de maio de 2000, por força da Lei Complementar n. 11.476, teve sua incidência sobre os inativos afastada, conforme modificação operada no art. 1o. da Lei Complementar n. 10.588/95, em que pese a cobrança tenha sido efetivada pelo Estado do Rio Grande do Sul por alguns meses posteriores.
Ainda que a Emenda Constitucional n.º 41/03, expressão do Poder Constituinte Reformador, juridicamente limitado, tenha instituído de modo compulsório a estes mesmos servidores o dever de contribuírem mensalmente para a previdência, e independentemente da solução adotada pelo STF no julgamento das ADIs 3105 e 3128[8], que questionaram a mencionada exigência da contribuição previdenciária dos servidores que antes da EC 41/03 já eram inativos, o fato é que a contribuição previdenciária cobrada compulsoriamente dos inativos sob o regime jurídico da EC 20/98[9] não poderia ter sido exigida dos servidores jubilados antes da EC 41/03. Esta afirmação é de fácil e lógica constatação, afora as inúmeras decisões judiciais que sufragam esta posição e a verificação de que estavam estes servidores submetidos a regime jurídico que os isentava de contribuição previdenciária, ante a razão de ser de toda discussão jurídica travada no STF por força das ADIs 3105 e 3128: afinal, o reconhecimento do direito à isenção de contribuição previdenciária sob a égide da EC 20/98, norma de eficácia plena, não é objeto de controvérsia, e sim se a eficácia – jurídica e social – da EC 41/03 alcançaria os servidores que já haviam adquirido a inatividade antes de sua existência e vigência. Não fosse assim, não teríamos cogitado sobre a atual taxação dos inativos no STF.
Resta sabermos, então, fiéis ao princípio da legalidade e, é claro, não descurando do fato de que o direito deva ser justo, razoável, solidário e igualitário, qual a razão da exigência mensal da contribuição previdenciária dos inativos no período de dezembro de 1998 a junho de 2004, bem como os motivos que levaram os que se beneficiaram de noticiadas contribuições a não repeti-las voluntariamente aos servidores inativos?
Estaríamos retornando ao sistema irracional de direito, em que a arbitrariedade prevalece sobre a lei, em que o acatamento da administração ao direito e à lei deixou de ser regra de observância permanente e obrigatória, desvirtuando-se a gestão dos negócios públicos e os fundamentos da ação administrativa?
Advogado em Porto Alegre – RS, professor de Direito no UniRitter, Membro Efetivo do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual, Membro Honorário da ABDPC – Associação Brasileira de Direito Processual Civil, Especialista em Direito Processual Civil, Mestrando em Direito pela PUCRS.
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