A despeito das várias conceituações encontradas na doutrina, voltadas à definição dos contratos administrativos, pode-se perceber que, alguns elementos são a todas comuns, tais quais, o fato de ser indispensável a presença da administração pública em um dos pólos da relação contratual, bem como, que esta atue praticando atos de império, ou seja, colocando-se em posição de superioridade na relação contratual, posição esta, justificada na supremacia do interesse público, inafastável à atuação da pessoa jurídica de interesse público quando da prática de qualquer ato de manifestação de sua vontade anônima, dado que, permanentemente no exercício de gestão da coisa pública.
Fatos signos demonstrativos desta posição de supremacia da administração nos contratos administrativos, são as cláusulas exorbitantes, definidas pela doutrina pátria, como sendo aquelas que “exorbitam” ao direito comum, ou seja, transcendem às regras do direito civil, o qual, por sua natureza eminentemente patrimonial, tem como vetor, o princípio do equilíbrio contratual, responsável, em apertada síntese, pelo fato de, em nosso sistema, como regra, serem os contratos sinalagmáticos, comutativos, previsores de relações jurídicas equilibradas em direitos e obrigações.
Tal princípio apresenta-se como corolário dos princípios da eticidade e da socialidade, dando completude, portanto, ao princípio da função social dos contratos, relativizando o secular princípio da autonomia privada e, consagrando, por conseqüência, as idéias neoconstitucionalistas que levam, cada vez mais, por imperativo de justiça e igualdade, à publicização do direito privado e, à realização da festejada doutrina do dirigismo contratual.
Desta feita, conforme anteriormente mencionado, as cláusulas exorbitantes decorrem, sobretudo, da posição de superioridade da administração pública nas relações contratuais, representando verdadeiro mecanismo de proteção de interesse público do qual deve se valer o administrador, nos limites da lei e da Constituição,
Dentre tais cláusulas, estão aquelas que permitem à administração, unilateralmente, alterar aquilo que fora anteriormente celebrado, sem que, com isso, dê azo a argüição da “exceptio non adimpleti contractus” pelo particular, ao menos, inicialmente.
Tais prerrogativas, estão compreendidas por aquilo que a doutrina convencionou chamar de “áleas administrativas”.
São riscos assumidos pelo particular quando da celebração de um contrato com a administração pública, compreendidos pela lei e explicitados no contrato, justificados pela supremacia do interesse público e postos à serviço da administração no exercício da gestão da coisa pública.
Entretanto, certo é que, tais prerrogativas, não devem ser entendidas como cartas brancas para que a administração faça o que bem entender durante a execução do contrato, devendo sempre observar, de maneira intangível, a cláusula econômica financeira inicial do contrato, garantia súpera do particular nas relações contratuais com o Estado.
Isto posto, qualquer ato que implique ofensa ao equilíbrio econômico financeiro inicial, via de regra, permite ao particular exigir da administração que proceda a revisão da equação financeira inicial, sob pena de, ofensa injustificada ao direito Constitucional à propriedade e liberdade do particular.
Dentre as áleas administrativas a que se sujeita o particular contratado, a doutrina elenca, também, a ocorrência de fatos externos à relação contratual que, de alguma forma, causem real impacto no negócio, levando à impossibilidade de sua execução, ou, à acentuada onerosidade à uma das partes.
Podem estes fatos advirem de um fortuito; de atos praticados pelo Estado; ou, ainda, de ações ou omissões da administração, que impeçam o particular de promover a execução do contrato na forma e tempo pactuados.
Tratando-se de superveniência de fortuito, tem-se o que a doutrina e jurisprudência convencionaram chamar “teoria da imprevisão”, a qual, tem como premissa, ser o fato prejudicial imprevisto e imprevisível aos contratantes, levando à necessidade de recomposição da cláusula econômico financeira de forma equitativa, ou seja, devem os prejuízos serem equitativamente suportados, tanto pela administração, quanto, pelo particular.
No que cuida da prática de atos da administração, concretos e diretos, que impeçam o particular de adimplir sua obrigação contratual, ou a dificultem sobremaneira, tem-se, aqui, o que a doutrina chama “fatos da administração”, que, por cuidarem de atos imputáveis exclusivamente à administração, isentam o particular de responsabilidade pelo não cumprimento do contrato.
Resta ainda, porém, analisarmos a tormentosa questão de medidas imperativas, gerais e abstratas, emanadas do Poder Público, que atingem de forma indireta o contrato, e desdouram a ilibada cláusula econômico financeira inicial.
Trata-se da famigerada e repisada “Teoria do fato do Príncipe”, a qual, a despeito de sua aparente simplicidade, merece algumas ponderações que lhe alarguem o conhecimento.
A “Teoria do Fato do Príncipe” foi criada como forma de manutenção do equilíbrio contratual nos contratos celebrados entre particulares e Poder Público, porém, com um pormenor que não deve ser desprezado, o fato de tê-la sido elaborada com vistas a sua aplicação em Estados unitários.
Com efeito, tal afirmação chega a ser apodíctica, evidente, visto que, em tais Estados, o ente central delega competências meramente executivas aos demais entes, que retratam verdadeira desconcentração territorial do exercício das competências públicas.
Nos Estados unitários, existe apenas um ente político dotado de personalidade jurídica, um único centro de poder, de onde irradiam todas as regras e comandos de gestão do Estado.
Por conseqüência, o contrato administrativo celebrado com a administração pública de um Estado unitário, somente poderá ser atingido por medidas gerais e abstratas deste mesmo ente, pois, o único existente e com competência para a prática de atos administrativos e políticos.
Logo, estando o poder concentrado em mãos de uma única pessoa jurídica de direito público, sendo ela a responsável pela celebração do contrato, e seu superveniente desequilíbrio – como ocorre quando edita uma norma que o atinja de forma indireta e lhe prejudique a exeqüibilidade – nada mais lógico do que atribuir-lhe a responsabilidade de arcar com os danos causados ao particular, e à arcar com o ônus da reposição da cláusula econômico financeira inicial.
Porém, a importação desta teoria para o Brasil, não deve passar incólume as diferenças quanto à forma de nosso Estado.
Por se tratar o Brasil de um Estado Federativo, onde os entes políticos possuem autonomia política, fica evidente que a aplicação pura da “teoria do fato do príncipe”, como concebida, seria fonte de injustiças e ensejo à interveniência inconveniente de um ente federado nos negócios do outro, ferindo o pacto federativo, o princípio da igualdade ou isonomia federativa.
Conseqüentemente, a teoria do fato do príncipe, em nosso ordenamento, merece uma releitura, sob pena de, termos lhe importado somente seu simpático nome, levando àquilo que a doutrina denomina de “Teoria da tropicalização do fato do príncipe”, que, nada mais é, que sua adaptação às balizas políticas e jurídicas do Brasil.
Tratando-se de contrato celebrado entre um particular e um determinado ente federativo, se o ato geral e abstrato do poder público que atinge o contrato e gera desequilíbrio na cláusula econômico financeira, provier do mesmo ente político que figura como parte no contrato administrativo – contrato celebrado com estado de São Paulo, prejudicado por uma lei deste estado, que lhe prejudica o equilíbrio econômico financeiro – tem-se, aqui, a aplicação da teoria do fato do príncipe em sua essência, de forma pura, inata, visto que, assim como ocorre nos Estados unitários, o ente político responsável pelo ato prejudicial é o mesmo que celebrou o contrato, devendo arcar com as conseqüências perdidosas de seu ato.
Porém, sendo o ato geral e abstrato que atinge o contrato administrativo e lhe causa desequilíbrio econômico financeiro, fruto da atividade política de um ente federativo diferente daquele que figura em um dos pólos do contrato, não se pode, por óbvio, lhe atribuir a responsabilidade pela violação da cláusula econômico financeira inicial, visto que, não praticou nenhum ato que levasse à inexequibilidade do contrato.
Nestes casos, a melhor solução será reconhecer sobreveniência de um fortuito, ou seja, fato incontrolável pelas partes, que lhes afeta de maneira insofismável, por elas não previsto, cuja solução repousa na aplicação da teoria da imprevisão, tendo como conseqüência, a divisão equitativa do ônus do desequilíbrio gerado pelo ato legítimo praticado por outro ente político da federação.
Exemplifica-se com o fato hipotético da criação de um tributo por medida provisória do Presidente da República, que incida sobre determinado bem ou serviço objeto de um contrato administrativo celebrado entre Município e particular, onerando sobremaneira a prestação do serviço ou o valor do bem, e, por conseqüência, o equilíbrio econômico financeiro inicial.
Particular e Município, no exemplo acima, devem ratear, de forma equitativa, o prejuízo causado pelo ato imprevisto e imprevisível, ou, a administração municipal, no uso de suas prerrogativas, em vistas ao melhor interesse público, deverá rescindir unilateralmente o contrato, por sê-lo, a partir de então, inconveniente e inoportuno ao interesse público.
Estas são as conseqüências da aplicação da teoria do fato do príncipe – inicialmente elaborada para solver problemas em Estados unitários – em um Estado Federativo.
Porém, uma importante questão de fundo, merece maiores reflexões por parte do intérprete.
A República Federativa do Brasil, é formada pela União indissolúvel de Estados, Municípios e Distrito Federal, nos exatos termos do artigo 1º da Constituição Federal.
No que tange ao sistema de governo adotado pelo Estado brasileiro, e confirmado via plebiscito, temos que o Brasil é um Estado presidencialista, ou seja, adota o sistema de executivo monocrático, onde, o Presidente da República, exerce os papéis de chefe de governo e chefe de Estado.
No exercício de chefe de governo, o Presidente da República exerce a função de chefia superior da administração pública federal.
No exercício da função de chefe de Estado, o presidente da república fala em nome da República Federativa do Brasil, em nome do pacto federativo, em nome da comunhão de todos os entes federativos que, juntos, formam a União, representada, pelo Presidente da República no exercício da função de chefe de Estado.
Dentre as competências Constitucionais atribuídas ao Presidente da República, está a de celebrar tratados, convenções, e atos internacionais, nos termos do artigo 84, inciso VIII da Constituição Federal.
Ao celebrar tratados internacionais, funciona o Presidente como chefe de Estado, logo, o faz em nome da República Federativa do Brasil, e não em nome da União, representa a nação brasileira e, por conseqüência, manifesta a vontade do pacto Federativo (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), que lhe elegeu, segundo as regras Constitucionais, para tanto.
Foi exatamente este o raciocínio adotado pelo Supremo Tribunal Federal quando da análise de questão envolvendo a concessão de isenções de impostos Estaduais ou Municipais por meio de tratados internacionais celebrados pela União.
Na ocasião, entendeu o STF que, tais isenções, veiculadas por tratado internacional, não importavam em hipótese isenção heterônoma (concedida por um ente federativo à tributos de outro), vedada pelo artigo 151, inciso III da Constituição Federal, visto que, não importavam em isenção dada pela União (ente político), de tributo de outro ente político, mas sim, de isenção concedida pelo pacto federativo, ou seja, manifestação de vontade dos próprios entes federados, representados pelo Presidente da República, no exercício de chefe de Estado.
Desta feita, deve-se transportar o mesmo raciocínio às hipóteses em que o Presidente da República, no exercício legítimo e Constitucional de chefe de Estado, manifestando a vontade do Pacto Federativo, ou seja, da República Federativa do Brasil, celebra tratado, convenção ou acordo internacional que, por sua natureza, importe em dano efetivo à contratos celebrados entre a administração e o particular, causando manifesto desequilíbrio em sua cláusula econômico financeira inicial.
Nestes casos, mesmo não tendo o ato lesivo ao contrato sido praticado pelo ente federativo que figura em um dos pólos do contrato, temos que, a solução não deve, neste caso, se dar pela via da teoria da imprevisão, como o seria ordinariamente feito, mas sim, pela aplicação pura da teoria do fato do príncipe.
A razão disso é que, como anteriormente dito, somente há espaço para a aplicação da teoria do fato do príncipe quando o ato lesivo, geral e abstrato, provier do mesmo ente que celebrou o contrato, logo, ao celebrar tratado internacional em nome da República Federativa do Brasil, figura o Presidente da República como mandatário de toda a nação, de todos os entes políticos, logo, trata-se de manifestação conjunta de vontade.
Resumo: Trata-se de análise dos efeitos dos tratados internacionais sobre contratos administrativos celebrados pelos demais entes federativos, avaliando-se, de forma pormenorizada, a forma de correção da cláusula economico financeira destes contratos, a responsabiliadde pelo prejuízo decorrente desta medida geral, e a aplicaçao da teoria do fato do principe em nosso ordenamento jurídico.
Assim, nos casos de afetação da cláusula econômico financeira por conta de eventuais regras advindas de tratados internacionais, a responsabilidade pela restauração do equilíbrio econômico financeiro, recairá toda sobre o ente federativo que celebrou o negócio, visto que, a rigor, não pode furtar-se à sua responsabilidade nos casos em que, a Federação, do qual é componente, celebra tratados internacionais.
Conclui-se que, a teoria do fato do príncipe, em sua essência, idealizada a Estados unitários, somente se aplica em nosso País quando o ato prejudicial ao equilíbrio econômico financeiro for emanado do mesmo ente político que celebrou o contrato, caso contrário, não há que se falar de responsabilidade da administração, visto que, é tão vítima quanto o particular, dos efeitos do ato geral e abstrato lesivo aos interesses do contrato, devendo, tal impasse, ser solvido com base na teoria da imprevisão.
Contudo, se o ato geral e abstrato que prejudicar o equilíbrio econômico financeiro contratual, provier de um tratado internacional celebrado pelo Presidente da República e ratificado pelo Congresso Nacional, por se tratar de função de chefe de Estado, em que manifesta vontade do Pacto Federativo, do qual o ente político que celebrou o contrato é componente, não há que se falar em divisão das perdas com base na teoria da imprevisão, mas sim, em aplicação pura da teoria do fato do príncipe, pois o ato lesivo provém, de forma indireta, do ente contratante.
Advogado, Ex-Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo, Professor Universitário Professor de Curso preparatório para concursos na cidade de Araraquara, Especializando em ciências criminais, Especializando em Direito Constitucional
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