Resumo: Em sede de ponderações inaugurais, cuida colocar em destaque que determinados agentes públicos possuem competência para editar atos normativos, denominados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la. Nesta linha de dicção, ao praticar esses atos, aludidos agentes públicos desempenham o denominado poder regulamentar. Com efeito, essa competência, que em outros países é outorgada a agentes diversos, no ordenamento nacional, é conferida privativamente ao Presidente da República, consoante clara dicção do inciso IV do artigo 84 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Obviamente, em decorrência do princípio da simetria que norteia as três esferas do governo (União, Estados-membros/Distrito Federal e Municípios), o poder regulamentar é reconhecido, também, aos Governadores Estaduais e Distrital e aos Prefeitos. Em complemento, ainda, com as ponderações colacionadas, quadra sublinhar que, em referência aos entes ora mencionados, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas outorgam-lhes, expressamente, tais atribuições.
Palavras-chaves: Administração Pública. Poder Regulamentar. Regulamentos.
Sumário: 1 Poder Regulamentar: Primeiras Ponderações; 2 Fundamento do Poder Regulamentar; 3 Natureza do Poder Regulamentar; 4 Regulamentação Técnica; 5 Controle dos Atos de Regulamentação; 6 Tessituras ao Regulamento: Singelos Comentários
1 Poder Regulamentar: Primeiras Ponderações
Em sede de ponderações inaugurais, cuida colocar em destaque que determinados agentes públicos possuem competência para editar atos normativos, denominados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la. Nesta linha de dicção, consoante o magistério apresentado por Diógenes Gasparini[1], ao praticar esses atos, aludidos agentes públicos desempenham o denominado poder regulamentar. Com efeito, essa competência, que em outros países é outorgada a agentes diversos, no ordenamento nacional, é conferida privativamente ao Presidente da República, consoante clara dicção do inciso IV do artigo 84 da Constituição da República Federativa do Brasil[2], promulgada em 05 de outubro de 1988. Obviamente, em decorrência do princípio da simetria que norteia as três esferas do governo (União, Estados-membros/Distrito Federal e Municípios), o poder regulamentar é reconhecido, também, aos Governadores Estaduais e Distrital e aos Prefeitos. Em complemento, ainda, com as ponderações colacionadas, quadra sublinhar que, em referência aos entes ora mencionados, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas outorgam-lhes, expressamente, tais atribuições. Gasparini, ainda, vai definir o poder regulamentar como “a atribuição privativa do Chefe do Poder Executivo para, mediante decreto, expedir atos normativos, chamados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la”[3].
Conquanto a atribuição normativa regulamentar esteja entre as privativas do Presidente da República, conforme dispositivo constitucional suso mencionado, e, por corolário da simetria, aos Chefes dos Executivos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tem-se admitido, supedaneado no inciso II do artigo 87 do Texto Constitucional de 1988[4], que outros agentes públicos, a exemplo dos Ministros de Estado, emitam atos normativos em geral, objetivando a execução de leis e regulamentos. É pertinente, contudo, assinalar que não são verdadeiros regulamentos, sendo que tal atribuição normativa também é outorgada a outros entes, como as agências regulamentadoras. Sobre a temática, em específico, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento robusto:
“Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Constitucional. Princípios da Publicidade e da Transparência. Ausência de violação à intimidade e à privacidade. Distinção entre a divulgação de dados referentes a cargos públicos e informações de natureza pessoal. Os dados públicos se submetem, em regra, ao direito fundamental de acesso à informação. Disciplina da forma de divulgação, nos termos da Lei. Poder regulamentar da Administração. Agravo Regimental a que se nega provimento. I – O interesse público deve prevalecer na aplicação dos Princípios da Publicidade e Transparência, ressalvadas as hipóteses legais. II – A divulgação de dados referentes aos cargos públicos não viola a intimidade e a privacidade, que devem ser observadas na proteção de dados de natureza pessoal. III – Não extrapola o poder regulamentar da Administração a edição de portaria ou resolução que apenas discipline a forma de divulgação de informação que interessa à coletividade, com base em princípios constitucionais e na legislação de regência. IV – Agravo regimental a que se nega provimento”. (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE nº 766.390 AgR/ Relator: Ministro Ricardo Lewandowski/ Julgado em 24 jun. 2014/ Publicado no DJe em 15 ago. 2014).
“Ementa: Constitucional e Administrativo. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Regulação. Supervisão e avaliação de Instituição de Ensino Superior. Criação de novos cursos. Função regulamentar do Poder Executivo. Conselho de Fiscalização de Profissão Regulamentar. Ausência de Direito Subjetivo. Negado provimento ao recurso. 1. O exercício do poder regulamentar pelo Presidente da República (art. 84, IV, CF/88) e por Ministros de Estado – em auxílio à função diretiva da administração federal (art. 84, II, CF/88) – é legítimo quando restrito à expedição de normas complementares à ordem jurídico-formal vigente. 2. A pretensão não está amparada em qualquer fundamento constitucional, legal ou infralegal de que se possa extrair direito subjetivo líquido e certo do autor a ser protegido na via do mandamus. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento”. (Supremo Tribunal Federal – Primeira Turma/ RMS nº 27.666/ Relator: Ministro Dias Toffoli/ Julgado em 10 abr. 2012/ Publicado no DJe em 04 mai. 2012).
José dos Santos Carvalho Filho[5], em apurado escólio, vai ponderar que o poder regulamentar, na condição de prerrogativa concedida à Administração Pública, é apenas para complementar as leis, permitindo, desta feita, a sua efetiva aplicação. Doutra linha, é defeso à Administração Pública promover a alteração da lei, ao utilizar o poder regulamentar, sob o argumento de estar regulamentando. Ora, agindo dessa forma, a Administração Pública cometerá o abuso de poder regulamentar[6], sendo autorizado, via de consequência, pelo Texto Constitucional, em seu artigo 49, inciso V, ao Congresso Nacional a possibilidade de sustar atos normativos que extrapolem os limites do poder de regulamentação. É conveniente, ainda, sublinhar que a Administração Pública, ao desempenhar o poder regulamentar, exerce inegavelmente a função normativa, eis que expede normas de caráter geral e com grau de abstração e impessoalidade, não obstante encontrem fundamentos de validade na lei. Ademais, é cogente o reconhecimento que a função normativa é gênero no qual se aloca a função legislativa, significando que o Estado pode exercer aquela sem que tenha, imperiosamente, que executar esta última. No mais, prima elucidar que é na função normativa geral que se insere o denominado poder regulamentar.
Conveniente faz-se, ainda, realçar a discussão se a edição de regulamento substancializa um poder, uma faculdade ou uma atribuição. Consoante o escólio de Gasparini[7], o poder de regulamentar não configura poder, como não são os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, conquanto assim sejam qualificados na redação do artigo 2º do Texto Constitucional de 1988. Ora, o Poder Político é uno, indivisível e indelegável, em que pese o seu exercício dá-se mediante esses órgãos. Em complemento, eles desempenham funções, respectivamente a executiva, a legislativa e a judiciária. Doutro prisma, não há que se falar em faculdade, em decorrência da moldura de obrigatoriedade de seu exercício, porquanto quem é compelido a cumprir certa obrigação não a exerce a título de faculdade. Convém, assim, reconhecer que se tratar de atribuição do Chefe do Executivo promover a regulamentação de leis, encontrando sedimento, inclusive, na própria dicção do dispositivo constitucional pertinente. Não obstante ser assim, a doutrina clássica tem adotado o designativo poder regulamentar.
2 Fundamento do Poder Regulamentar
O poder regulamentar, nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello[8], preconizado no inciso IV do artigo 84 da Constituição Cidadã, confere poderes muito circunscritos ao Presidente, diversamente do que se verifica nos regulamentos independentes e autônomos do Direito Europeu. Com destaque, se ao Chefe do Executivo não é permitido nem criar nem extinguir órgão, nem determinar qualquer coisa que implique aumento de despesa. É permitido, porém, unicamente transpor uma unidade orgânica maior para outra menor que esteja encartada em unidade orgânica maior para outras destas unidades maiores. A título de exemplificação, é possível aludir a transferência de um departamento de um Ministério para outro ou, ainda, para uma autarquia e vis-à-vis; uma divisão alocada em determinado departamento para outro; uma determinada seção pertencentes a certa divisão para outra divisão. Nos limites do poder regulamentar, em harmonia com a dicção insculpida no artigo constitucional supramencionado, poderá, ainda, redistribuir atribuições preexistentes em determinado órgão, passando-as para outro, desde que sejam apenas algumas atribuições. Ora, admitir a transferência de todas as atribuições de um órgão para outro equivaleria, na prática, a extinção do órgão.
Denota-se, portanto, que os pontos limítrofes afixados na alínea “a” do inciso IV do artigo 84 da Constituição de 1988[9] implicam em uma competência para um simples arranjo dos órgãos e competências já criados por lei. Nesta toada, no que alude à alínea “b”[10] do dispositivo supramencionado contempla um caso em que é permitido ao Executivo expedir ato concreto de sentido contraposto a uma lei, porquanto ali abarca a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo extinguir cargos vagos. Mello vai sustentar que “como os cargos públicos são criados por lei, sua extinção por decreto, tal como ali prevista, implica desfazer o que por lei fora feito”[11]. Em complemento, Gasparini[12] vai esposar que, conquanto o fundamento para o exercício do poder regulamentar seja o dispositivo constitucional ora espancado, no que diz respeito aos Estados-membros e Municípios, são dispositivos semelhantes, entalhados, de maneira expressa, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas municipais.
Ademais, há que se frisar que o fundamento, também, encontra escora na legislação infraconstitucional que, por vezes, de maneira ofuscante, outorga ao Chefe do Poder Executivo, a quem cabe executá-la, a competência para expedir regulamento necessário à sua execução. Com destaque, tal outorga, em sede de legislação infraconstitucional, apresenta-se como supérflua em decorrência da atribuição ampla para promover a regulamentação dada ao Executivo pelo dispositivo constitucional destacado alhures. Assim, mesmo não havendo qualquer menção na legislação infraconstitucional, o Executivo pode regulamentar a lei omissa nesse particular. Afora isso, mister faz-se elucidar que, mesmo na ausência dessas prescrições, no vazio legislativo, seu exercício seria do Executivo, notadamente em razão da natureza originária de tal atribuição.
3 Natureza do Poder Regulamentar
Em uma primeira plana, cuida invocar as tessituras apresentadas em páginas anteriores, maiormente ao reconhecer que o poder regulamentar substancializa uma prerrogativa de direito público, porquanto é conferido aos órgãos que têm a incumbência de gestão dos interesses públicos. “Sob o enfoque de que os atos podem ser originários e derivados, o poder regulamentar é de natureza derivada (ou secundária): somente é exercido à luz da lei preexistente”, consoante escólio de Carvalho Filho[13], ao passo que as leis constituem atos de natureza originária (ou primária), emanando diretamente do Texto Constitucional. Neste talvegue, importa destacar que só se considera poder regulamentar a atuação administrativa de complementação de leis ou atos análogos a elas, decorrendo daí seu caráter derivado. Todavia, convém pontuar, há alguns casos em que a Constituição de 1988 autoriza a determinados órgãos a produzirem atos que, tanto como as leis, emanam diretamente da Carta e são detentores de natureza primária; inexiste qualquer ato de natureza legislativa que se situe em patamar entre o Texto Constitucional de 1988 e o ato de regulamentação, a exemplo do que se extrai do poder de regulamentar.
Exemplificando os apontamentos supramencionados, é conveniente trazer à colação o enunciado burilado no artigo 103-B, inserido por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de Dezembro de 2004[14], que altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências, que, ao instituir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conferiu a esse órgão atribuição para expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência ou recomendar providências. Conforme ponderações de Carvalho Filho[15], conquanto dos termos da expressão (“atos regulamentares”), aludidos atos não se emolduram no âmbito do verdadeiro poder regulamentar, porquanto, como terão por fito regulamentar a própria Constituição, serão eles considerados como autônomos e dotados de natureza primária, alocando-se no mesmo patamar em que são alojadas as leis dentro do sistema de hierarquia normativa.
No que pertine à formalização do poder regulamentar, quadra explicitar que se dá, essencialmente, por decretos e regulamentos. Neste quadrante, é ofuscante a redação do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal aludir que o Presidente da República compete a expedição de decretos e regulamentos destinados à fiel execução das leis. Ancorado no corolário da simetria constitucional, o mesmo poder, repisando o que foi dito anteriormente, aos outros Chefes do Poder Executivo (governadores, prefeitos e interventores) para os mesmos objetivos. Em complemento, há também atos normativos que, editados por outras autoridades administrativas, podem caracterizar-se como inseridos no poder regulamentar. A título de exemplificação, é possível fazer alusão às instruções normativas, resoluções, portarias etc. Com efeito, tais atos, por vezes, têm um círculo de aplicação mais restrito, porém, veiculando normas gerais e abstratas para a explicitação das leis, não deixam de ser, a seu modo, meios de formalização do poder regulamentar. Sobre a matéria, inclusive, pode-se transcrever o entendimento pretoriano:
“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade – Instrução Normativa Nº 62, do Departamento da Receita Federal – Sua natureza regulamentar – Impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade – Seguimento negado por decisão singular – Competência do Relator (RISTF, art. 21, § 1º; Lei 8.038, art. 38) – Princípio da reserva de plenário preservado (CF, art. 97) – Agravo Regimental improvido. [omissis] – As Instruções Normativas, editadas por Órgão competente da Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Não se revelam, por isso mesmo, aptas a sofrerem o controle concentrado de constitucionalidade, que pressupõe o confronto direto do ato impugnado com a Lei Fundamental” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 531 AgR/ Relator: Min. Celso de Mello/ Julgado em 11 dez. 1991/ Publicado no DJ em 03 abr. 1992).
Em razão das ponderações assentadas até o momento, ao se considerar o sistema de hierarquia normativa nacional, é possível dizer que existem graus diversos de regulamentação, conforme o patamar em que se aloque o ato regulamentador. Assim, os decretos e os regulamentos podem ser considerados como atos de regulamentação de primeiro grau; ao passo que outros atos que a eles se subordinem e que, por sua vez, os regulamentem, evidentemente com detalhamento mais aprofundado, podem ser delineados como atos de regulamentação de segundo grau. Com o escopo de ilustrar o expendido, é possível mencionar que os atos de regulamentação de segundo encontram substancialização nas instruções expedidas pelos Ministros de Estado, cujos escopos estão fincados na regulamentação da lei, dos decretos e dos regulamentos, possibilitando, destarte, sua execução. Carvalho Filho[16], ainda, vai obtemperar que, conquanto, em regra, o poder regulamentar seja expresso em atos de regulamentação de primeiro grau, formalizando-se por decretos e regulamentos, há situações especiais em que a lei indicará, para sua regulamentação, atos de formalização diversa, embora idêntico seja seu conteúdo normativo e complementar. Em tal cenário, o que é dotado de relevo é a natureza do ato, a saber: normativo e visando complementar e minudenciar as normas da lei, terá ele a natureza de ato regulamentar de primeiro grau, produzido, assim, no exercício do poder regulamentar.
No que atina aos limites à poder regulamentar, Diógenes Gasparini[17] pondera que há três ordens de limites que, caso inobservados, invalidam-no, denominando-os de limites formais, legais e constitucionais. O primeiro consiste ao veículo de exteriorização, pois o regulamento deve ser manifestado por meio de decreto, nos termos preconizados no inciso IV do artigo 84 do Texto Constitucional. Logo, a utilização da portaria para substancializar o regulamento configuraria veículo ilegal. Já o segundo limite encontra relação com o extravasamento da atribuição, dispondo, por meio do regulamento, além do limite afixado na legislação. O terceiro, por sua vez, encontra assento com as reservas legais, criando, por exemplo, cargo mediante regulamento, apesar de existir expressa proibição no Texto Constitucional. A inobservância de aludidos limites vicia o regulamento, tornando-o ilegal.
4 Regulamentação Técnica
Em harmonia com o sistema clássico de tripartição de Poderes, não pode o legislador, além dos casos consagrados na Constituição Federal, delegar integralmente seu poder legiferante aos órgãos administrativos. Importa dizer, assim, que o poder regulamentar legítimo não pode simular o exercício da função de legislar advindo da equivocada delegação do Poder Legislativo, delegação essa que substancializaria inaceitável renúncia à função reservada pelo Texto Constitucional. Contemporaneamente, entretanto, em razão da crescente complexidade das atividades técnicas da Administração, passou a aceitar-se nos sistemas normativos o fenômeno das deslegalização, consoante ponderações de Carvalho Filho[18], por meio do qual a competência para regular determinadas matérias se transfere da lei (ou de ato análogo) para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador. Desta feita, cuida salientar que a normatização sai do domínio da lei (domaine de la loi) para o domínio de ato regulamentar (domaine de l’ordonnance).
Ora, o fundamento não é dotado de difícil compreensão para sua concepção: incapaz de criar a regulamentação sobre algumas matérias de alta complexidade técnica, o próprio Legislativo delega ao órgão ou à pessoa administrativa a função específica de institui-la, valendo-se dos especialistas técnicos que melhor podem versar sobre tais assuntos. Sem embargo, é importante sublinhar que referida delegação não é completa e integral; ao reverso, sujeita-se a limites. Ao exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regramento básico, assentado nos critérios políticos e administrativos, promovendo a transferência apenas da competência técnica por meio de parâmetros previamente insculpidos na lei. Com efeito, em conformidade com o direito americano, tal possibilidade configura a delegação com parâmetros (delegation with standards). Desta feita, é possível sublinhar que a delegação pode conter apenas discricionariedades técnicas.
Com efeito, há que se reconhecer que tal possibilidade configura o modelo atual do exercício do poder regulamentar, cujo aspecto basilar não é simplesmente a de complementar a lei por meio de normas de conteúdo organizacional, mas sim de criar normas técnicas não compreendidas na lei, viabilizando, conseguintemente, inovação no ordenamento jurídico. Em decorrência de tal aspecto, há doutrinas que denominam tal expressão como poder regulador, com o escopo de diferenciar do poder regulamentar tradicional. Em alinho ao expendido, é possível fazer alusão a exemplos de tal forma especial de poder regulamentar em algumas agências reguladoras, entidades autárquicas às quais o legislador tem delegado a função de criar as normas técnicas concernentes a seus objetivos institucionais, tal como se infere da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)[19] e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)[20], em cujo âmbito de competência se insere a produção de normas técnicas para os setores de energia elétrica e telecomunicações, no exercício de sua atuação controladora.
5 Controle dos Atos de Regulamentação
Objetivando coibir a indevida extensão do poder regulamentar, preconiza o inciso V do artigo 49 da Constituição Federal[21] que o Congresso Nacional poderá, em sede de competência exclusiva, sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Trata-se, consoante se pode inferir, de controle exercido pelo Legislativo sobre o Executivo no que atina aos limites do poder regulamentar, com o escopo de ser preservada a função legislativa para o Poder constitucionalmente competente para exercê-la. No que concerne ao controle judicial, é carecido distinguir a natureza do conteúdo plasmado no ato regulamentar. Tratando-se, com efeito, de ato regulamentar contra legem, isto é, aquele que exacerba os limites da lei, viável será apenas o controle de legalidade, em decorrência do confronto com a lei, conquanto possua caráter normativo. Sobre a temática, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já externou:
“Ementa: Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Isenção da Contribuição Sindical Patronal para as empresas inscritas no “Simples”. Impugnação do §4º do artigo 3º da Lei n. 9.317, de 05.12.96, e do §6º do artigo 3º da Instrução Normativa SRF nº 9, de 10.02.99. Preliminar de Conhecimento. I – Preliminar. 1. Quando instrução normativa baixada por autoridades fazendárias regulamenta diretamente normas legais, e não constitucionais, e, assim, só por via oblíqua atinge a Constituição, este Tribunal entende que se trata de ilegalidade, não sujeita ao controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes. 2. Ação direta não conhecida nesta parte. II – Mérito. 1. A criação de imunidade tributária é matéria típica do texto constitucional enquanto a de isenção é versada na lei ordinária; não há, pois, invasão da área reservada à emenda constitucional quando a lei ordinária cria isenção. 2. O Poder Público tem legitimidade para isentar contribuições por ele instituídas, nos limites das suas atribuições (CF, artigo 149). 3. A tutela concedida às empresas de pequeno porte (artigo 170, IX) sobreleva à autonomia e à liberdade sindical de empregados e empregadores protegidas pela Constituição (art. 8º, I). Não fere o princípio da isonomia a norma constitucional que concede tratamento favorecido às empresas de pequeno porte. 4. Ação direta conhecida em parte, e nesta parte indeferida a liminar por ausência de relevância da arguição de inconstitucionalidade e de conveniência da suspensão cautelar da norma impugnada” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 2006 MC/ Relator: Ministro Maurício Corrêa/ Julgado em 01 jul. 1999/ Publicado no DJe em 01 dez. 2000)
“Ementa: ADIN – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) – Decreto Federal n. 861/93 – Conflito de legalidade – Limites do poder regulamentar – Ação direta não conhecida. Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizara, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em consequência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. – O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou obliqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 996 MC/ Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 11 mar. 1994/ Publicado no DJe em 06 mai. 1994).
Entrementes, caso o ato regulamentar ofender diretamente a Constituição, sem que haja lei a que deva subordinar-se, terá a qualificação de ato autônomo. Conforme lição de Carvalho Filho[22], materializando a hipótese retro, poderá sofrer controle de constitucionalidade pela via direta, ou seja, por meio da ação direta de inconstitucionalidade, nos termos preconizados no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal[23]. Ora, em tal cenário, para que seja viável o controle de constitucionalidade de decreto, regulamento ou outro tipo de ato administrativo de cunho normativo editado pelo Poder Executivo, dois serão os aspectos de que deva emoldurar-se, a saber: além de normativo – consoante expressa dicção do Texto Constitucional de 1988 -, deverá ele ser, também, autônomo.
É ofuscante, porém, de que tal interpretação apresentava dubiedade em relação a determinados atos regulamentares subordinados restassem sem um efetivo controle judicial. Tal fato derivava da premissa que, de um lado, não podiam ser atacados pela via direta e, doutro ângulo, não comportavam concreta defesa do direito individual pela via incidental, porquanto nesta os efeitos do ato regulamentar só poderiam ser paralisados se o interessado obtivesse a concessão da medida cautelar. Contemporaneamente, conforme magistério acurado de Carvalho Filho[24], é cabível a impugnação por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental, cuja previsão encontra cristalizada no artigo 102, §1º, da Constituição Federal[25], pois, aqui, o controle exercido é mais amplo, compreendendo a inconstitucionalidade direta e indireta, atos normativos autônomos e subordinados, bem como atos concretos. Denota-se, portanto, que tal ação objetivou preencher lacuna antes existente, viabilizando o controle direto e concentrado sobre qualquer ato regulamentar, ainda que derivado de lei.
Outra relação entre a lei e o poder regulamentar se encontra adstrita ao mandado de injunção, instrumento especial instituído pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXI. Ora, tratando-se de poder, a atividade de regulamentação substancializa, também, como dever. Dessa sorte, não é permitido a Administração eximir-se de desempenhá-la quando necessária à aplicação da lei. Em tal âmbito, o vício consiste na ausência de norma regulamentadora. O entendimento evoluído da Suprema Corte consiste em proceder a imediata regulamentação para o caso concreto, com o escopo de imprimir mais eficaz o citado remédio constitucional.
6 Tessituras ao Regulamento: Singelos Comentários
Em ressonância com os argumentos expendidos até o momento, cuida explicitar que o regulamento é considerado como o ato que se origina do exercício do poder regulamentar. Consoante o escólio de Gasparini, no ordenamento nacional brasileiro, o regulamento pode “ser definido como o ato administrativo do Poder Executivo, segundo uma relação de compatibilidade com a lei, para desenvolvê-la”[26]. Ora, a partir da definição colacionada, é perceptível que o Direito Positivo Brasileiro só admite o regulamento de execução, ou seja, o regulamento destinado à fiel execução da lei, encontrando, dessa maneira, ancoragem no multicitado inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal. Ademais, não bastasse a redação do dispositivo supramencionado, convém trazer a campo a premissa entalhada no inciso II do artigo 5º do Texto de 1988, cominando, com clareza solar, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Destarte, o regulamento não é lei no sentido formal, não podendo criar direito novo, ao contrário do que ocorre com os denominados regulamentos autônomos.
Além do expendido, cuida salientar que incumbe ao Congresso Nacional, em harmonia com o artigo 48 da Constituição Federal, dispor acerca de todas as matérias de competência da União. Portanto, não há espaço jurídico para o estabelecimento de regulamento autônomo no território nacional. Igualmente, em decorrência do conceito ofertado por Diógenes Gasparini acima, ganha vulto a premissa que não admite o regulamento delegado, porquanto não é possível delegar atribuições delegadas, subsistindo, dessa feita, o brocardo latino delegata potestas delegari non potest. Desta feita, o Executivo, que recebeu sua atribuição por delegação do povo, não a pode delegar. Afora isso, a Constituição Federal, ao permitir a delegação, o faz de maneira expressa, a respeito do que se extrai, por exemplo, da redação do artigo 68, dispondo sobre a delegação para elaborar a lei. No que concerne, contudo, ao regulamento, denota-se que o Texto Constitucional de 1988 não estabeleceu de semelhante.
O instrumento ou veículo do regulamento é o decreto, cuja exigência advém do disposto no inciso IV do artigo 84 da Carta de 1988. É interessante, porém, explicitar que, em outros ordenamentos jurídicos, é possível que o regulamento seja exteriorizado por veículo diverso, tal como, por exemplo, portarias. No que concerne à classificação, apesar da diversidade ofertada pelos autores em relação a tal ato administrativo, cuida explicitar que em relação: (i) aos destinatários, os regulamentos são nominados gerais e especiais; (ii) à abrangência de seus efeitos, os regulamentos são considerados nacionais e regionais; (iii) às entidades que os editam, tais atos administrativos podem ser federais, estaduais, distritais ou municipais; e (iv) à lei, os regulamentos são considerados como executivos, delegados e autônomos.
6.1 Regulamentos em relação à lei
Das classificações apresentadas acima, reclama especial atenção àquela que espanca os regulamentos em relação à lei. Como dito algures, pela classificação em comento, tem-se regulamentos executivos, regulamentos delegados e regulamentos autônomos, conquanto nem todas as formas encontrem descanso no ordenamento jurídico nacional. O regulamento executivo, também chamado de regulamento de execução ou subordinado, é aquele que se preordena ao desenvolvimento de determinada lei. “Presta-se, pois, para efetivar a exequibilidade da lei, particularizando-a de modo a torna-la praticável no que respeita à sua generalidade e abstração ou no que concerne ao procedimento a ser observado na sua aplicação”[27]. Em decorrência de tais apontamentos, o regulamento executivo não ultrapassar os limites afixados na legislação, sob pena de nascer inquinado de ilegalidade. Caso tal hipótese reste materializada, incumbe ao Congresso Nacional, com exclusividade, em obediência ao artigo 49, inciso V, da Constituição Federal, promover a sustação dos efeitos de tal regulamento. Em complemento, tal poder de sustar aludidos atos nessas condições é conferido por algumas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas às Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, respectivamente. Ora, da lei que visa executar, o regulamento extrai sua legitimidade, de maneira que, com o desaparecimento daquela, ele desaparece.
Os regulamentos delegados, também chamados de autorizados ou habilitados, por seu turno, são editados pelas autoridades competentes, em atendimento a uma norma legal, para prover matéria reservada à lei. Em decorrência de tal autorização, como se denota, há uma ampliação da atribuição regulamentar, limitada, contudo, à matéria e aos termos afixados na delegação. Ultrapassados os pontos limítrofes, o regulamento é tido como ilegal. O sistema nacional, com destaque, não acolhe essa modalidade de regulamento. Por derradeiro, os regulamentos autônomos ou independentes são aqueles editados pela autoridade competente para versar sobre matérias constitucionalmente reservadas ao Executivo. Tal espécie de regulamento não encontra vinculação a nenhuma lei nem dependem de qualquer delegação prévia do Poder Legislativo, mas, antes, corporificam verdadeiras leis em sentido material[28]. A reserva pode ser explícita, quando a Constituição prevê o emprego do regulamento autônomo, ou implícita, quando há reserva da matéria em favor do Poder Executivo, sem lhe atribuir expressamente a atribuição a regulamentar. Carvalho Filho[29] vai afirmar que os regulamentos autônomos não são admitidos no ordenamento jurídico nacional, porquanto o Texto Constitucional, com clareza solar, atribui ao Chefe do Executivo o poder de editar atos para a fiel execução das leis, motivo pelo qual só seriam admitidos os regulamentos de execução.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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