Resumo: O presente artigo trata sobre a responsabilidade civil por perda de uma chance, analisando, a partir da teoria de Thomas Khun, se foi estabelecido um novo paradigma na responsabilidade civil. Para tanto, utiliza os conceitos estabelecidos por Thomas Kuhn na teoria desenvolvida em sua obra “a estrutura das revoluções cientificas”, para depois tratar do paradigma anterior da responsabilidade civil e do novo paradigma que se estabeleceu para que houvesse a reparação do dano decorrente da perda de uma chance.
Palavras-chave: responsabilidade civil; perda de uma chance; paradigma; revolução cientifica.
Abstract: This article discusses the liability for loss of a chance, examining, from the theory of Thomas Kuhn, it was established a new paradigm in civil liability. Therefore, it uses the concepts established by Thomas Kuhn's theory developed in his work "The Structure of Scientific Revolutions" in order to approach the previous paradigm of liability and the new paradigm that was established so that there was compensation for harm resulting from loss a chance.
Keywords: liability; loss of a chance; paradigm; scientific revolutions.
Sumário: 1. Introdução; 2. Considerações sobre a teoria de Thomas Kuhn; 2.1. Paradigma e ciência normal; 2.2. Anomalias e crise; 2.3. Revolução cientifica; 3. Responsabilidade civil: considerações gerais; 4. Responsabilidade civil por perda de uma chance e os problemas do novo paradigma; 5. Conclusões. Referências.
1 Introdução
Inúmeros são os casos em que, por um ato de terceiro, alguém se vê privado da chance de obter alguma vantagem ou de ter sido evitado o prejuízo. Dentre estes, destaca-se, um advogado que ao interpor o recurso cabível fora do prazo, retira de seu constituinte a possibilidade de ver apreciado o mérito da causa em instância superior.
No caso elencado, dentre muitos outros casos, antes a vítima era obrigada a suportar, corriqueiramente, o dano sofrido – dano cuja causa, na maior parte das vezes, se atribuía não ao seu autor, mas ao destino, à fatalidade, ou a vontade de Deus[1].
Contudo, visando solucionar tal impasse, a jurisprudência e a doutrina passaram a cogitar a adoção da teoria da perda de uma chance, por meio da qual busca resolver os intricados problemas das probabilidades, que ocorrem hodiernamente, trazendo para o campo do ilícito aquelas condutas que minam, de forma dolosa e culposa, as chances, sérias e reais, de sucesso as quais as vítimas faziam jus.
Desta forma, nas situações em que se configure a perda de uma chance os danos passaram a ser suportados por seus causadores e não mas pela vítima, mas, para tanto, foi necessária a alteração dos contornos dos elementos essenciais da responsabilidade civil para que esta fosse aplicada no caso da perda de uma chance.
A partir da análise dessas mudanças sofridas pela responsabilidade civil surgiu o seguinte questionamento: ocorreu uma revolução científica no campo da responsabilidade civil com alteração do seu paradigma, ou apenas alguns ajustes dentro do paradigma da ciência normal?
Visando, ao fim, responder este questionamento, no presente artigos será apresentada, primeiramente, a teoria desenvolvida por Thomas Kunh em sua obras “A Estrutura das Revoluções Cientificas”. Na sequência, serão feitas algumas considerações sobre a responsabilidade civil, em especial os elementos necessários para a sua configuração.
Por fim, será desenvolvida a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, elencando as alterações nos elementos da responsabilidade civil que ocorreram para que fosse possível a reparação destes danos.
2 Considerações sobre a teoria de Thomas Kuhn
Neste primeiro momento, o que se busca é apresentar a teoria desenvolvida por Thomas Kuhn em sua obra “A Estrutura das Revoluções Cientificas”, publicado em 1962, demonstrando como se dá a evolução da ciência na concepção do citado autor.
Primeiramente, vale ressaltar que para o autor a dinâmica do conhecimento cientifico não segue uma trajetória linearmente evolucionária, ou em constante evolução, mas sim ciclos, alternando períodos de ciência normal, com práticas bem definidas, com outros períodos de revolução cientifica[2].
Este apresenta o desenvolvimento da ciência dividida em três fases, sendo estas: o período pré-científico, a ciência normal e a ciência revolucionária que decorre da revolução cientifica.
A primeira fase apresentada pelo autor é a que precede a formação da ciência, tendo como característica a atividade desorganizada, que só mediante a adaptação de um paradigma se estrutura. Quanto a ausência de paradigma dispõe Thomas Kuhn[3]:
“Na ausência de um paradigma ou de um candidato a paradigma, todos os fatos que possivelmente são pertinentes ao desenvolvimento de determinada ciência têm a probabilidade de parecerem igualmente revelados. Como consequência disso, as primeiras coletas de fato se aproximam muito de uma atividade ao acaso do que daqueles que o desenvolvimento subsequente da ciência torna familiar.”
Com o surgimento do paradigma passamos para a segunda fase do desenvolvimento cientifico, sendo esta denominada pelo autor de “ciência normal”. Neste período os cientistas atuam dentro de um determinado paradigma que é perfilhado pela comunidade cientifica a que fazem parte, e avançam dentro de problemas que, por vezes, o paradigma assumido permite detectar.
Contudo, o período de ciência normal não se mantém eternamente, já que, os cientistas ao fazerem análise dos problemas que surgem, podem se deparar com questões que o paradigma não consegue resolver, sendo esse problema chamado pelo autor de anomalias. Quando estas anomalias saem do controle, não conseguindo mais ser resolvidas com o paradigma existente, instala-se uma crise que só será resolvida pela emergência de um novo paradigma.
A partir deste momento, por meio dessa anomalia insolúvel, ocorre a revolução cientifica, que é apresentada pelo autor como a terceira fase do desenvolvimento da ciência. Com a chegada de uma revolução cientifica muda-se a forma de olhar o real, criam-se novos paradigmas, e com a adaptação deste paradigma inicia-se um novo período de ciência normal, que se mantem até que uma nova crise se instale.
Valendo ressaltar, quanto ao exposto, que para Thomas Kuhn “[…] a transição sucessiva de um paradigma a outro, por meio de uma revolução, é o padrão usual de desenvolvimento da ciência amadurecida”[4].
Analisando a visão de Thomas Kuhn sobre a dinâmica da ciência, afirma Ricardo Agostini Martino[5] que esta consiste na alternância de duas situações distintas, quais sejam, o período de ciência normal e as revoluções cientificas, dispondo, ainda, que:
“[…]No período de ciência normal, existe um paradigma bem definido vigente em uma determinada área da ciência e a atividade científica consiste na resolução de problemas utilizando um mesmo marco analítico. Essa atividade heurística, entretanto, pode revelar anomalias, que ocorrem quando detectam-se novos fatos que não podem ser explicados ou resolvidos pelas teorias em voga no paradigma. Se as anomalias forem recorrentes, isso pode abalar o comprometimento dos cientistas com o seu paradigma e levar a uma crise científica. Nos momentos de crise, aumentam os volumes de recursos destinados à tentativa de superação (e assimilação) das anomalias detectadas. Se, mesmo assim, esses problemas não forem corrigidos, o paradigma pode ser abandonado pela comunidade acadêmica, e novas teorias podem ganhar popularidade, em um processo definido pelo autor como “revolução científica”. Assim, abre-se espaço para o surgimento de um novo paradigma nessa ciência.”
Desta forma, a maneira de Thomas Kuhn vê o progresso cientifico implica a abordagem de conceitos fundamentais, quais sejam: Ciência normal; anomalia; crise e revolução cientifica. Sendo estes conceitos analisado no que segue.
2.1 Paradigma e ciência normal
O termo paradigma significava, originariamente, modelo ou exemplo, sendo utilizado por Platão no primeiro sentido e por Aristóteles no segundo. Contudo, Thomas Kunh, em sua obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”, ora analisada, reabilita a noção de paradigma e o insere no panorama da filosofia das ciências[6].
Paradigma é apresentado pelo autor como um conjunto de suposições teóricas gerais, leis e técnicas para a aplicação destas leis. Sendo o paradigma o que coordena e dirige a atividade de um grupo de cientistas que nele trabalha, incluindo, também, os instrumentos necessários para que as leis do paradigma suportem o mundo real. Sendo visto como paradigma realizações que partilham duas características, sendo elas:
“[…] suas realizações foram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras formas de atividade cientifica dissimilares. Simultaneamente, suas realizações eram suficientemente abertas para deixar toda a espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência”[7].
O estudo do paradigma, para Thomas Kuhn[8], é o que prepara basicamente o estudante para ser membro de uma comunidade cientifica[9] na qual atuará mais tarde. Uma vez que ali o estudante reúne-se a pessoas que aprenderam as bases de seu campo de estudo a partir dos mesmos modelos concretos. A prática subsequente deste estudante raramente irá provocar desacordo declarado sobre pontos fundamentais. Para o autor, as pessoas cuja pesquisa está baseada em paradigmas estão comprometida com as mesmas regras e padrões para a própria prática científica.
Valendo ressaltar a afirmação de Ricardo Agostini Martino[10] sobre o tema:
“No paradigma, os cientistas conhecem os resultados e as conclusões aos quais os seus estudos devem chegar, realizando pesquisas de modo a atingir as finalidades propostas pelas suas próprias teorias. Ou seja, o paradigma apresenta uma heurística baseada em regras e em formalizações matemáticas para a resolução de exercícios propostos pelo próprio paradigma.”
A existência do paradigma é apontado por Thomas Kuhn[11] como a condição sine qua non para a caracterização de uma ciência normal. Afirmando o autor que, sendo a existência de um paradigma capaz de sustentar a tradição de uma ciência normal, é a existência deste o que distingue a ciência normal da não-ciência.
Afirmando o autor citado que, uma vez encontrado um primeiro paradigma com o qual se estabelece a ciência normal, não se pode mais falar de pesquisa sem qualquer parâmetro. Para o autor, rejeitar um paradigma estabelecido sem simultaneamente substitui-lo por outro é rejeitar à própria ciência.
Quanto a aceitação de uma teoria como um paradigma, afirma Thomas Kuhn[12] que “[…]. Para ser aceita como paradigma, uma teoria deve parecer melhor que as suas competidoras, mas não precisa (e de fato nunca acontece) explicar todos os fatos com os quais pode ser confrontada”.
Por fim, vale apresentar as considerações sobre as características de um paradigma formulado por Marconi Eugênio e outros[13] com base na obra de Thomas Kuhn, dispondo expressamente:
“Dentre outras características de um paradigma, podemos ressaltar que ele orienta o encaminhamento da ciência normal, isto é, tendo sido estabelecido, passa a ser a norma para o trabalho naquela ciência; seus praticantes tomam-na como verdadeira e procuram embasar seus trabalhos no paradigma. Substitui os paradigmas anteriores, pois, sendo um conjunto de conceitos fundamentais, não sobrevive ao lado de outro conjunto de conceitos fundamentais na mesma ciência; o paradigma anterior é necessariamente substituído no surgimento de outro. Além disso, resolve, ao substituir um paradigma anterior, grande parte das anomalias então existentes: um paradigma começa a morrer à medida que vão surgindo anomalias ou situações em que ele não consegue explicar um fato ou comportamento; o novo paradigma vem para substituir o anterior e resolver uma grande parte das anomalias existentes. Elimina, ainda, entre os praticantes da ciência, as crises decorrentes do surgimento de anomalias, pois o surgimento delas vem acompanhado de um período de crises no qual formam-se grupos que disputam entre si a prevalência de idéias novas ou revolucionárias; quando uma destas idéias se torna um paradigma há um retorno à situação normal. Também apresenta-se hegemônico: a característica fundamental do paradigma é que ele se impõe e domina todo o grupo de praticantes daquela ciência[…]”
Passando para análise da ciência normal, esta é apresentada por Thomas Kuhn[14] como sendo a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações cientificas passadas, sendo essas realizações reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior.
Para o mencionado autor[15], na ciência normal há uma restrição dos assuntos estudados, sendo esta decorrente da confiança no paradigma. Sendo estudado o assunto de uma forma aprofundada e detalhada, de uma maneira que não seria possível se não houvesse a restrição do campo de estudo.
Sobre o tema, afirma Fernanda Ostermann[16] que “a ciência normal é a tentativa de forçar a natureza de encaixar-se dentro dos limites preestabelecidos e relativamente inflexíveis fornecidos pelo paradigma, ou seja, modelar a solução do novo problema segundo os problemas exemplares”.
Embora o progresso científico seja visto por Thomas Kuhn como algo cíclico, não sendo cumulativo, a ciência normal é apresentada pelo autor como um empreendimento altamente cumulativo, extremamente bem sucedido no que toca ao seu objeto, a ampliação continua do alcance e da precisão do conhecimento científico, sendo uma atividade que consiste em solucionar quebra-cabeças[17].
Afirmando, ainda, o citado autor, que:
“A ciência normal não tem como objetivo trazer à tona novas espécies de fenômenos; na verdade aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma frequentemente nem são vistos. Os cientistas também não estão constantemente procurando inventar novas regras; frequentemente mostram-se intolerantes com aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal está dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teorias já fornecidos pelo paradigma”[18].
Contudo, a ciência normal não é totalmente fechada, possuindo mecanismos internos que asseguram o relaxamento das restrições que limitam a pesquisa, que ocorre toda vez que o paradigma na qual deriva deixa de funcionar efetivamente.
2.2 Anomalias e crise
Dentro do período de ciência normal surgem diversos problemas que os cientistas buscam resolver dentro dos limites estabelecidos pelo paradigma e com os mecanismos previstos por este. A estes problemas a serem resolvidos na pesquisa normal e que encontram solução dentro do paradigma vigente, o autor dá o nome de quebra-cabeça.
Contudo, alguns desse problemas deixam de ser vistos como quebra-cabeças e passam a ser considerados como anomalias quando não encontram solução dentro do paradigma vigente, gerando uma mudança de rumo da ciência normal.
Desta forma, a anomalia surge quando estes quebra-cabeças não conseguem mais ser resolvidos com o paradigma vigente. Afirmando Thomas Kuhn[19] que “sempre existem dificuldades em qualquer parte da adequação entre o paradigma e a natureza; a maioria, cedo ou tarde, acaba sendo resolvida, frequentemente através de processos que não poderiam ter sido previstos”
De acordo com Thomas Kuhn[20] quando uma anomalia parece ser algo a mais que um novo quebra-cabeça da ciência normal, é sinal de que iniciou a transição para a crise e para a ciência extraordinária. A própria anomalia passa a ser mais comumente reconhecida como tal pelos cientistas, e um número cada vez maior de cientistas passa a dedicar-lhe uma atenção sempre maior.
A crise surge na teoria de Thomas Kuhn[21] como um requisito necessário para o surgimento de novas teorias. e o consequente desenvolvimento de um nova ciência normal a partir do estabelecimento de um novo paradigma.
Pois, os cientistas não rejeitam o paradigma dominante apenas por aparecimento de anomalias. Já que uma teoria cientifica após ter atingido o status de paradigma, somente pode ser considerada invalida quando existe uma alternativa disponível para substitui-lá.
Para o citado autor as crises podem terminar de três maneiras, dispondo que:
“Algumas vezes a ciência normal acaba revelando-se capaz de tratar do problema que provoca crise, apesar do desespero daqueles que o viam como fim do paradigma existente. Em outras ocasiões o problema resiste até mesmo a novas abordagens aparentemente radicais. Nesse caso, os cientistas podem concluir que nenhuma solução para o problema poderá surgir no estado atual da área de estudo. O problema recebe então um rotulo e é posto de lado para ser resolvido por uma futura geração que disponha de instrumentos mais elaborados. Ou, finalmente, o caso que mais nos interessa: uma crise pode terminar com a emergência de um novo candidato a paradigma e com uma subsequente batalha por sua aceitação’[22].
Dentre estas formas em que uma crise pode terminar, destaca-se a revolução científica, que passa a ser analisada no ponto que segue, e é apresentado por Thomas Kuhn como a forma de desenvolvimento científico.
2.3 Revolução científica
Diferente do que acontece com a ciência normal, o progresso resultante da revolução cientifica não implica em mero acumulo de saber, mas sim um período em que surge sempre uma nova prática de pesquisa incompatível com a prevista anteriormente.[23]
Thomas Kuhn apresenta como distinção entre a ciência normal e a ciência extraordinária, que surge da revolução científica, que enquanto a primeira se desenvolve dentro de certo paradigma, acumulando dados e instrumentos no seu interior, a segunda se desenvolve nos momentos de crise do paradigma. Esta ciência questiona e revoluciona os fundamentos e pressupostos da ciência anterior e propõe um novo paradigma[24].
Enquanto a ciência normal se desenvolve de maneira cumulativa, a transição de um paradigma, que se encontra em crise em decorrência de anomalias, para um novo paradigma, do qual vem a surgir uma nova fase de ciência normal, é um momento de ruptura.
Desta forma, o estabelecimento de um novo paradigma é uma reconstrução de áreas de estudo a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas generalizações mais elementares do paradigma anterior, bem como muitos de seus métodos e aplicações.
Quanto ao surgimento de um novo paradigma, e consequente desenvolvimento de uma ciência revolucionária, vale ressaltar o disposto por Thomas Kuhn em sua obra ora analisada:
“A descoberta começa com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal. Segue-se então uma exploração mais ou menos ampla da área onde ocorreu a anomalia. Esse trabalho somente se encerra quando o anômalo se tenha convertido no esperado. A assimilação de um novo tipo de fato exige mais do que um ajustamento aditivo da teoria. Até que tal ajustamento tenha sido completado – até que os cientistas tenha aprendido a ver a natureza de um modo diferente – o novo fato não será considerado completamente cientifico”[25].
Desta forma, o mencionado autor estabelece como critério para a validação de um sistema científico, com a aplicabilidade do paradigma aceito na resolução dos problemas graves na ciência, e sua superação, se dá na revolução científica que outro paradigma pode possibilitar[26].
A ciência revolucionária surge do acumulo de anomalias e da consequente perda de credibilidade do paradigma vigente, com isso os cientistas da área buscam explicações fora do paradigma estabelecido e instauram-se várias características do período de ciência imatura. Neste período de transição formam-se correntes com ideias divergentes e ressurgem as disputa pela imposição dessas ideias.
Essa situação caracteriza uma crise, que força a emergência de um novo paradigma. Uma das correntes consegue impor suas ideias, surgindo um novo paradigma, o qual deve explicar todos os fatos que o antigo paradigma explicava, além das anomalias surgidas na vigência do antigo paradigma.
Com o surgimento do novo paradigma ocorre uma revolução na ciência, onde todos os estudos e trabalhos desenvolvidos com base no paradigma anterior são revistos, causando um grande volume de mudanças na ciência. Dentre esses estudos revisados, alguns são simplesmente destacados, pois conflitam com o novo paradigma, enquanto outros estudos são aperfeiçoados, tornando-se mais corretos e abrangentes.
3 Responsabilidade civil : considerações gerais
O ser humano tem a liberdade de agir de acordo com a sua consciência, mas, ao mesmo tempo, tem o dever de respeitar os limites impostos pela sociedade. Sendo assim, essa liberdade é limitada não só pela noção de certo e errado decorrente da consciência, mas também das normas estabelecidas e impostas pela coletividade.
A responsabilidade civil nasce da violação dos limites impostos a liberdade humana, sendo imputado, aquele que gera danos ao direito de outrem ou a quem a lei impõe a responsabilidade, o deve de reparar o dano causado em toda a sua integralidade.
Sendo um instituto do direito Civil que está inserido no direito obrigacional, que se diferencia da obrigação por ser um dever sucessivo que nasce do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar, determinada pessoa, de observar um preceito normativo que regula a vida, enquanto a obrigação é um dever jurídico originário.
Ao longo do tempo o instituto da responsabilidade civil sofreu diversas alterações, principalmente quanto aos seus elementos essenciais. Valendo destacar, dentre as alterações absorvidas pelo Ordenamento Jurídico Pátrio, que, enquanto o Código Civil de 1916 adotava a responsabilidade civil subjetiva como regra, o Código Civil de 2002 prestigia a responsabilidade objetiva, sendo retirada, desta forma, a culpa dos rol de elementos essências.
A culpa, é apresentada por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho como elemento acidental da responsabilidade civil, afirmando os autores que:
“[…], a culpa (em sentido lato, abrangente do dolo) não é, em nosso entendimento, pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua configuração ( a responsabilidade objetiva)”[27].
Desta forma, responsabilidade civil apresenta três elementos essenciais, sendo eles a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade, e como elemento acidental a culpa. Sendo necessário a comprovação, por parte de quem busca a reparação do dano sofrido, destes elementos.
Quanto a conduta humana, esta apresenta como núcleo fundamental a voluntariedade, “que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz”. Pode ser positiva, que é a prática de um comportamento positivo, de uma ação, ou negativa, que é a omissão voluntária[28].
Passando para a análise do dano, este é conceituado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho como sendo “a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não – , causado por ação ou omissão do sujeito infrator”[29].
O dano apresenta como requisitos para ser indenizável a certeza e atualidade. Afirmando Carlos Roberto Gonçalves[30], quanto ao requisito certeza, que:
“O requisito “certeza” do dano afasta a possibilidade de reparação do dano meramente hipotético e eventual, que poderá não ser concretizado. Tanto assim que, na apuração dos lucros cessantes, não basta a simples possibilidade de realização do lucro, embora não seja indispensável a absoluta certeza de que este se teria verificado sem a interferência do evento danoso. O que deve existir é uma probabilidade objetiva que resulte do curso normal das coisas, como se infere do adverbio “razoavelmente”, colocado no art. 402 do Código Civil (“o que razoavelmente deixou de lucrar”). Tal advérbio não significa que se pagará aquilo que for razoável (ideia quantitativa) e sim que se pagará se se puder, razoavelmente, admitir que houve lucro cessante a idéia que se prende à existência mesma do prejuízo”.
Partindo para a conceituação do nexo de causalidade, este é “o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”. Por meio da análise do nexo de causalidade que se chega a conclusão de quem foi o causador do dano[31].
Ainda quanto ao nexo de causalidade, no ordenamento jurídico Pátrio, em especial o Código Civil vigente, determina que apenas as perdas e danos, que abrangem o que efetivamente perdeu com o que razoavelmente deixou de lucrar, direitos e imediatos devem ser indenizados, conforme se extrai da leitura do artigo 403, “in verbis”:
“Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediatamente, sem prejuízo do disposto na lei processual”.
Cumpre destacar que tal exigência também estava prevista no Código Civil anterior, em seu artigo 1060[32], e a partir da análise deste dispõe Mário Moacyr Porto[33] que “a exigência de que o dano deve ser direito e imediato significa que é imprescindível a constatação de uma relação de causa e efeito entre o prejuízo e o fato que lhe deu lugar”. Afirmando ainda que “desnecessário acrescentar que o prejuízo futuro é indenizável, desde que certo”.
Quanto a culpa, afirma Anderson Schreiber:
“A demonstração da culpa libertou-se, ao longo dos últimos anos, de muitos de seus tormentos originais. A transformação vivida no âmbito da própria responsabilidade subjetiva corroboram tal constatação. A proliferação das presunções de culpa, as alterações no método de aferição da culpa, a ampliação dos deveres de comportamento em virtude da boa-fé objetiva, e outros expedientes semelhantes vem contribuindo, de forma significativa, para a facilitação da prova da culpa, hoje não mais uma probatio diabólica”[34].
Anderson Schreiber afirma que o estágio atual da responsabilidade civil pode ser descrito como um momento de erosão dos filtros tradicionais da reparação, “isto é, da relativa perda de importância da prova da culpa e da prova do nexo de causal como obstáculos ao ressarcimento dos danos na dinâmica das ações de ressarcimento”[35].
Contudo, as mudanças que ocorreram nos elementos que devem ser comprovados para que ocorra a reparação pode ser visto como a mudança do paradigma na responsabilidade civil e, com isso, uma revolução científica, ou apenas algumas mudanças dentro do paradigma da ciência normal decorrente de de resolução de quebra-cabeças.
O que se buscará no item seguinte é tentar responder este questionamento, com foco nas alterações sofridas por estes elementos para que ocorra a reparação por perda de uma chance.
4 Responsabilidade civil por perda de uma chance e os problemas do novo paradigma
O sistema da responsabilidade civil consagrado pelas grandes codificações ancorava-se em três pilares, que são a culpa, o dano e no nexo de causalidade. De tal maneira, a vítima de um dano, para que tivesse este ressarcido precisava, além de evidenciar seus prejuízos, superar duas sólidas barreiras para obter a indenização, sendo elas a demonstração da culpa do ofensor e a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta culposa do ofensor e o dano[36].
Conforme destacado no item anterior, o rompimento de uma dessas barreiras, sendo a da comprovação da culpa, se dá com a responsabilidade objetiva, onde não se cogitará se a conduta foi dolosa, negligente, imprudente ou decorrente de imperícia, pois a simples verificação do evento danoso, juntamente com a comprovação do nexo de causalidade, basta para que se configure a responsabilidade civil e o decorrente dever de indenizar.
Contudo, no caso da perda de uma chance, durante um longo período, mesmo após superado o obstáculo criado pela comprovação da culpa ou diante da sua dispensa, as outras duas barreiras existentes demonstravam-se intransponíveis, quais sejam, demonstração de um dano efetivo e do nexo de causalidade.
Com isso, nos casos em que o dano era decorrente da perda da chance, com a privação da vítima, a partir de um ato de terceiro, da chance de obter alguma vantagem ou de ter evitado um prejuízo, com o paradigma vigente na Responsabilidade Civil, os danos eram suportados pela própria vítima
Colocando-se a doutrina e a jurisprudência em face de um novo problema a ser resolvido, qual seja a superação dos moldes tradicionais de dano e nexo de causalidade, para que desta forma ocorra a reparação da perda de uma chance.
Valendo ressaltar que, conforme dispõe Rafael Peteffi da Silva[37], a aplicação clássica dos conceitos de dano reparáveis e nexo de causalidade fariam com que os prejuízos, cujas causas não poderiam ser imputadas a um sujeito de direito, fossem suportadas pela vítima. Nesse sentido, sempre que o magistrado não possuísse a convicção de que algum sujeito de direito houvesse causado determinado dano, nenhuma reparação seria conferida.
Neste diapasão, afirma Sérgio Savi[38]:
“Durante muito tempo, o dano decorrente da perda desta oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo foi ignorado pelo Direito. Como não era possível afirmar, com certeza, que, sem o ato ofensor, a vantagem seria obtida, ignorava-se a existência de um dano diverso da perda da vantagem esperada, qual seja o dano da perda da oportunidade de obter aquela vantagem.”
Conforme entendimento do autor supramencionado, em decorrência do desenvolvimento do estudo das estatísticas e probabilidades, hoje é possível predeterminar, com uma aproximação mais que tolerável, o valor de um dano que inicialmente parecia entregue à própria sorte, a ponto de poder considerá-lo um valor normal, dotado de certa autonomia em relação ao resultado definitivo.
Com isso, para que fosse possível a reparação dos danos decorrentes da perda de uma chance foi necessário a superação do paradigma vigente na responsabilidade civil, em especial quanto aos contornos dos elementos que devem ser comprovados para que fosse possível a reparação, quais sejam, o dano e o nexo de causalidade.
De posse dos conceitos fundamentais para a compreensão da teoria de Thomas Kuhn[39], pode ser afirmado que a impossibilidade de reparação dos danos decorrentes da perda de uma chance por meio do paradigma vigente na responsabilidade civil não se trata apenas de um quebra-cabeça, já que não encontrou solução dentro deste paradigma, mas sim de uma anomalia.
Vendo a responsabilidade civil como a ciência normal apresentada por Thomas Kuhn, com o surgimento da citada anomalia foi estabelecido um momento de crise, que só chegaria ao fim com a emergência de um novo paradigma[40].
Visando solucionar tal impasse, a jurisprudência e a doutrina começaram a repensar os elementos da responsabilidade civil, passando a cogitar a adoção da teoria da perda de uma chance, por meio do qual traz para o campo do ilícito as condutas que minam as chances, serias e reais, de evitar um dano ou gerar um benefício, as quais as vítimas faziam jus. Passando, assim, a ser suportado por seus causados e não mais pelas vítimas, tais danos decorrente da perda de uma chance.
Partindo para as mudanças do paradigma da responsabilidade civil, a principal mudança foi quanto o elemento dano. Enquanto no paradigma anterior era necessária a comprovação de um dano efetivo, mesmo quando diante de lucros cessantes, com o novo paradigma passou a ser possível a reparação quando o dano decorreria da perda de uma chance, quando o dano a ser indenizável é a própria chance, que deve ser estabelecida a partir da probabilidade existente de obter a vantagem ou impedir o dano.
A discussão que ainda existe na doutrina e quanto a que tipo de dano é o decorrente da perda de uma chance, fazendo parte dos problemas que surgem quando se encontra no momento de revolução cientifica, e que os pesquisadores buscam responder com as ferramentas disponíveis no paradigma que está se estabelecendo.
Cumpre destacar que tal discussão não esta presente apenas na doutrina, mas também na jurisprudência, conforme trecho do voto do relator Adão Sergio do Nascimento Cassiano, em decisão sobre o temo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“Mas há controvérsia com relação à modalidade de dano patrimonial a “perda da chance” constitui se dano emergente, lucro cessante ou modalidade intermediaria. Há julgados nos tribunais pátrios concedendo a indenização pela “perda de uma chance” a título de lucro cessante. No entanto, parece predominar o entendimento de que se trata de uma terceira espécie de dano patrimonial, consistente em um dano material hipotético (porem real), intermediário entre o lucro cessante (o que efetivamente deixou de ganhar) e o dano emergente (o que a vitima perdeu).” (TJRS. Ap Civil 70006227599, Nona Câmara Civil, Relator Desembargador Adão Sergio do Nascimento Cassiano, julgado em 29/09/2004)
Ao tratar sobre a problemática da perda de uma chance, Silvio de Salvo Venosa[41] pontua que há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, ao lado de lucros cessantes e dos danos emergente, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento.
Entre os autores que apresentam a perda de uma chance como lucros cessantes destaca-se Maria Helena Diniz[42], que ao dispor sobre lucro cessante, afirma que:
“Logo, ao se admitir indenização por lucro cessante, procurar-se-á, em razão de juízo de probabilidade, averiguar a perda de uma chance ou de oportunidade, de acordo com o normal desenrolar dos fatos.”
Entretanto, com posicionamento contrário, afirma Gilberto Andressa Júnior: “A chance perdida, diga-se de passagem, jamais poderá ser confundida com os lucros cessantes, haja vista que estes somente se concretizam no momento dos fatos, enquanto a chance preexiste” [43].
No entendimento de Fernando Noronha as vantagens futuras e os prejuízos presentes que estão em questão na perda de uma chance podem ser patrimoniais ou extrapatrimoniais. Para este o dano por perda de uma chance terá que ser certo para ser reparado. E a perda de uma chance pode dizer respeito tanto a danos presentes como a futuros, afirmando[44]:
“Por outro lado, a perda de uma chance pode dizer respeito tanto a danos presentes como a futuros. Os danos ligados a chances perdidas hão de ser danos certos, isto é, danos que não só sejam conseqüência adequada de um determinado fato antijurídico, como também sejam objeto de prova suficiente para demonstrar a sua ocorrência, se danos presentes, ou da verossimilhança de que virão a ocorrer, se danos futuros.”
Sergio Savi[45] defende que a perda de uma chance além de causar dano material, que será enquadrado na subespécie de dano emergente, poderá, também, ser enquadrado como um agregador do dano moral. O que não se pode admitir, segundo o autor, é considerar o dano causado pela perda de uma chance como sendo um dano exclusivamente moral. Apresentando a seguinte conclusão:
“Em conclusão, haverá casos em que a perda da chance, além de causar um dano material poderá, também, se considerada um “agregador” do dano moral. Por outro lado, haverá casos em que apesar de não ser possível indenizar o dano material, decorrente da perda da chance, em razão da falta dos requisitos necessários, será possível conceder uma indenização por danos moral em razão da frustrada expectativa. Frise-se mais uma vez: o que não se pode admitir é considerar o dano da perda da chance como sendo um dano exclusivamente moral, já que, presentes os requisitos descritos neste livro, a perda de uma chance pode dar origem a um dano material, nesta hipótese como dano emergente”.
Por fim,de acordo com François Chabas, citado por Sérgio Novais Dias, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la. Afirmando ainda que “a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este princípio especifico da perda da chance, dentro do instituto da responsabilidade civil”[46].
Quanto ao nexo de causalidade, Vale ressaltar o entendimento de Felipe P. Braga Neto[47], de que a formulação clássica, doutrinaria e legal, aponta para o enunciado de que as perdas e danos só abrangem os prejuízos que resultarem direta e imediatamente do dano. Assim, tradicionalmente os prejuízos indiretos e futuros estariam fora da esfera de reparação.
Concluindo o autor que, a teoria da perda da chance vem flexibilizar essa afirmação tradicional, no sentido de que os danos, para serem indenizáveis, devem ser direitos e imediatos. Segundo a teoria da perda da chance, o não pode consistir exatamente, na destruição de uma possibilidade de ganho, a qual, embora incerta, apresenta contornos de razoabilidade.
Desta forma, o elementos nexo de causalidade também sofreu alterações, para que desta forma seja possível a reparação do dano decorrente de perda de uma chance, já que com a forma que era previsto no paradigma anterior não era possível tal reparação.
Valendo a pena, por fim, apresentar o entendimento de Judith Martins-Costa[48] , que afirmando expressamente:
“Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da Teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposo e ilícito do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar.”
Com isso, as alterações sofridas nos elementos da responsabilidade civil, acima expostas, demonstram que houve uma mudança no paradigma da responsabilidade civil, com o surgimento de uma nova ciência normal, sendo decorrente da necessidade de ser reparado o dano por perda de uma chance.
Contudo, a maior problemática referente ao novo paradigma da responsabilidade civil é relativa ao quantum indenizatório, como estabelecer uma indenização que ao mesmo tempo repare integralmente o dano causado mas sem causar enriquecimento ilícito no caso de perda de uma chance.
De início, convém registrar entendimento de Sérgio Cavalieri Filho[49], para quem a indenização deve corresponder à própria chance, que o juiz apreciara in concreto, e não ao lucro ou perda que dela era objeto, uma vez que o que falhou foi à chance, cuja natureza é sempre problemática na sua realização.
Conforme ensinamento de Silvio de Salvo Venosa[50], na ação de indenização decorrente de ato ilícito, o autor não busca a obtenção de vantagem, mas sim a reparação de um prejuízo, sendo a quantificação do dano uma dificuldade à parte no campo da responsabilidade civil, tanto no campo contratual como no extracontratual.
Afirmando ainda que, quando o juiz decide matéria de responsabilidade civil, a tarefa mais árdua é convencer-se da culpa, mas conferir à vítima a indenização mais adequada. Em indenizações complexas, a liquidação dos danos é, portanto, a questão mais sensível. A avaliação não pode partir de premissas abstratas.
Ademais, versa Fernando Noronha[51], ao discorrer sobre o tema, que o valor da reparação do dano certo da perda de uma chance ficara dependendo do grau de probabilidade que havia de ser alcançada a vantagem que era esperada, ou inversamente, o grau de probabilidade de o prejuízo ser evitado.
Ressalta-se, ainda, posicionamento de Silvio de Salvo Venosa[52] acerca do mesmo tema:
“Quando vem à baila o conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda de uma chance ocorre a frustração na perspectivas desses ganhos. A indenização deverá fazer uma projeção dessas perdas, desde o momento do ato ou fato jurídico que lhe deu causa até um determinado tempo final, que pode ser uma certa idade para a vítima, um certo fato ou a data da morte. Nessas hipóteses, a perda da oportunidade constitui efetiva perda patrimonial e não mera expectativa. O grau de probabilidade é que fará concluir pelo montante da indenização”.
Desta forma, nos casos referentes a aplicação da perda de uma chance o que deve ser buscar é a integral restituição, não do valor do ganho que foi impedido, mas sim da chance perdida.
Para a definição desse montante tem que ser levado em conta o grau de probabilidade de ter alcançado aquele beneficio ou evitado as perdas se o ato ilícito não tivesse ocorrido. Neste Sentido foi a decisão emanada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme segue:
“Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou dano exagerado de outra
A quantia sugerida pelo recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte cinco mil) equivale a um quarto do valor em comento, por ser uma “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens reflete as reais possibilidades de êxito do recorrido”. (REsp 788459. Relator Ministro Fernando Gonçalves. T4-Quarta Turma. DJe 13/03/2006)
Embora no caso apresentado acima haja a definição do quantum indenizatório, além da apresentação do critério utilizado para a definição deste, qual seja a probabilidade, a questão da quantificação dos danos decorrentes da perda de uma chance, conforme ensinamento de Rafael Peteffi Silva, é bastante tormentosa na jurisprudência pátria.
De acordo com Rafael Peteffi Silva[53], esta situação é agrava pelo número de decisões judiciais que decide pela quantificação do dano em procedimento de liquidação de sentença, e mesmo nos acórdãos nos quais a quantificação do dano pela perda de uma chance é se faz presente, não há qualquer menção expressa a metodologia empregada para se chegar ao valor conferido à vítima, denotando, para o operador do direito, a impressão de uma quantificação realizada sem qualquer critério técnico.
Em face do exposto, resta demonstrado que estamos diante de um novo paradigma da responsabilidade civil, contudo, existem diversos problemas a serem respondidos dentro dessa ciência que se formou em busca da reparação dos danos decorrentes da perda de uma chance.
5 Conclusões
Diante do exposto ao longo do presente artigo, conclui-se que, em face da necessidade de reparação dos danos decorrentes de perda de uma chance ocorreu uma superação do paradigma até então vigente na responsabilidade civil, tendo em vista que este não consegui resolver tal anomalia.
Desta forma, estamos diante de um novo paradigma da responsabilidade civil, que se encontra em um momento de busca de todas as respostas necessárias quanto aos novos contornos dos elementos da responsabilidade civil.
Como qualquer ciência que se estabelece, no campo da responsabilidade civil existem diversos problemas a serem respondidos pelo paradigma emergente, onde se destaca a necessidade de fixação de critérios para a definição do quantum indenizatório, uma vez que os critérios utilizados no paradigma superados não podem ser aproveitados.
Advogada. Mestranda em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), cursa pós-graduação (especialização) em Direito Civil na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduada em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS)
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