Resumo: O mundo do direito é integrado pelas relações jurídicas, onde o negócio jurídico é um dos pilares, para produzir efeitos o negócio juridico deve prassar pelo três planos: da existencia, da validade e da eficácia, sendo este último apenas acidental, pois a eficácia pode ocorrer no tempo ou de forma estantânea. Assim, este trabalho busca analisar apenas os pressupostos fáticos dos planos da existência e da validade.
Palavra chave: Fato Jurídico. Negócio Jurídico. Plano da Existência. Plano da Validade.
Abstract: Summary: The world of the right is integrated by the legal relationships, where the legal transaction is one of them pillars, to produce effect the legal transaction must prassar for the three plans: of the existence, of the validity and the effectiveness, being this last only accidental one, therefore the effectiveness can occur in the time and or of instantaneous form. Thus, this work searchs to analyze the fáticos only estimated ones of the plans of the existence and the validity.
Key words: Legal fact. Legal transaction. Plan of the Existence. Plan of the Validity.
Sumário: 1. Considerações Introdutórias – 2. Do Suporte Fático – 3. Fato, Suporte Fático e Fato Jurídico – 4. Plano da Existência; 4.1. Elementos Constitutivos do Negócio Jurídico; 4.1.1. Declaração de Vontade; 4.1.2. Agente Emissor da Vontade; 4.1.3. Objeto; 4.1.4. Forma – 5. Plano da Validade; 5.1. Elementos de Validade Do Negócio Jurídico; 5.1.1. A Capacidade do Agente; 5.1.1.1. Representação; 5.1.1.2. Capacidade e Legitimidade; 5.1.2. Objeto Lícito, Possível e Determinável ou Determinado; 5.1.3. Forma; 5.1.4. Manifestação ou Declaração da Vontade; 5.1.4.1. Reserva Mental; 5.1.4.2. Silêncio. Referências Bibliográficas.
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
A trilogia fundamental da Parte Geral é pessoas, bens e fatos jurídicos cujo exemplo paradigmático é a norma geral de validade do negócio jurídico, onde as pessoas consubstanciam o estatuto do ser; os bens consubstanciam o estatuto do ter; e os fatos jurídicos consubstanciam por seu turno o nexo entre o ser e o ter. Este nexo pode ser entre pessoas ou entre pessoas e bens, conforme o tipo de direito envolvido. [i]
Para entender este nexo é necessário conhecermos profundamente os conceitos basilares de Direito Privado, quais sejam as concepções de fato, ato e negocio jurídico. Esses conceitos não interessam somente ao Direito Civil, mas também à Teoria Geral do Direito Privado. Inicialmente o conceito de fato pode significar qualquer ocorrência que interessa ou não ao direito, ao âmbito jurídico. Dentro desse mundo dos fatos, surgem fatos não-jurídicos, que não nos interessam como objeto de estudo, e os fatos jurídicos que é todo acontecimento, natural ou humano e suscetível de produzir efeitos jurídicos.
Entre as diversas classificações possíveis, pode-se “classificar os fatos em: a) evento, que inclui os fatos da natureza e do animal, ou seja, todos aqueles que independem de conduta para existirem; b) conduta, que define o ato humano.”[ii]
Assim, os fatos jurídicos podem ser divididos em fatos naturais (ordinários e extraordinários) e fatos humanos (lícitos ou ilícitos). Já os atos jurídicos é a simples manifestação de vontade, sem conteúdo negocial, que determina a produção de efeitos legalmente previstos[iii]. O negócio jurídico é uma espécie do gênero ato jurídico em sentido amplo (lato sensu), constituindo também um fato jurídico, particularmente um fato jurígeno, pela presença da vontade, ou seja, é todo ato decorrente de uma vontade auto regulada, onde uma ou mais pessoas se obrigam a efetuar determinada prestação jurídica colimando a consecução de determinado objetivo.
A doutrina mais moderna vem apontando a existência de três planos nos negócios jurídicos: Plano da existência, de validade e de eficácia. Apesar do Código Civil não ter adotado essa classificação, o seu estudo é de fundamental importância para o entendimento da matéria. Vale ressaltar que a concepção desses se dentro da teoria criada por Pontes de Miranda que, através de exemplos gráficos, tentou explicar tais planos. Trata-se da chamada “escada pontiana”[iv] ou da “tricotomia do negócio jurídico”.
Elementos do plano da existência: Agente, vontade, objeto e forma.
Elementos do plano da validade: Agente capaz, Liberdade da vontade ou do consentimento, objeto licito, possível e determinável ou determinado e forma prescrita ou não defesa em lei.
Elementos do plano da eficácia: Condição, Termo e Encargo[v].
2) DO SUPORTE FÁTICO
O suporte fático é elemento essencial no estudo da juridicidade, considerando que é a previsão, pela norma jurídica, da hipótese fática condicionante da existência do fato jurídico. Assim, o suporte fático é um fato, seja evento ou conduta, que poderá ocorrer no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica.
Do exposto, torna-se evidente que suporte fático é um conceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, uma vez que somente depois da concretização dos seus elementos (ocorrência no mundo dos fatos) é que, pela incidência da norma, surgirá o fato jurídico, a partir de quando será possível falar-se em conceitos jurídicos.
Importante ressaltar que há duas conotações a serem consideradas quando se fala em suporte fático: a) enquanto considerado apenas como enunciado lógico da norma jurídica dá-se o nome de suporte fático hipotético ou abstrato, uma vez que existe, somente, como hipótese prevista pela norma sobre a qual, se ocorrer, dar-se-á a sua incidência; b) quando já materializado, isto é, quando o fato previsto como hipótese concretiza-se no mundo fático, denomina-se suporte fático concreto.
O conceito de suporte fático é aplicável a qualquer ramo do Direito. Prova disso é que, nos diversos campos jurídicos, tal conceito é aplicado, na maioria das vezes, por meio de outras denominações, como pressuposto de incidência, tipificação legal, fato gerador, tipo legal ou hipótese de incidência.
3) FATO, SUPORTE FÁTICO E FATO JURÍDICO
As palavras fato (real), suporte fático e fato jurídico representam diferentes conceitos. Como elemento diferenciador, entre o fato em si mesmo considerado e o suporte fático, há o elemento valorativo. Nesse sentido, merece ser trazida à colação a lição de Marcos Bernardes, consubstanciada no seguinte exemplo: “A morte, por exemplo, somente compõe suporte fático quando conhecida, porque a sua prova constitui elemento que se integra ao fato real para constituí-lo em suporte fático. Só a morte conhecida interessa à comunidade e a juridicidade só existe em razão da intersubjetividade. Se alguém desaparece de seu domicílio e dele não se tem notícia, é considerado ausente, abrindo-se a sucessão provisória de seus bens, decorrido certo tempo. Pode ocorrer que, de fato, aquela pessoa esteja morta. Mas, se da morte não se tem conhecimento, ela é considerada apenas ausente, para os fins do direito – e não morta -, até que se faça a prova de sua morte, ou seja, considerada presuntivamente morta. Tudo se passa em sua esfera jurídica como se viva estivesse. Assim, a morte é fato e a morte conhecida é suporte fático. O nascimento sem vida constitui elemento integrativo resolutivo da eficácia do fato jurídico da concepção, decorrente do preceito contido na segunda parte do art. 2º do Código Civil. Com a natimoriência cessa a proteção aos direitos do nascituro, resolvendo-se a curatela dele, se houver, e extingue-se, ex tunc, toda eficácia porventura produzida” [vi]
4) PLANO DA EXISTÊNCIA
Nesse plano estariam os pressupostos para a caracterização de um negócio jurídico, ou seja, os seus elementos mínimos. O negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se para que seja considerado como tal, o atendimento de certos requisitos.
Neste plano se analisa o ser, isto é, o preenchimento das condições mínimas para que o negócio possa produzir efeitos.
Conforme elucida Marcos Bernardes de Mello “no plano da existência não se cogita de invalidade ou eficácia do fato jurídico, importa, apenas, a realidade da existência. Tudo, aqui, fica circunscrito a se saber se o suporte fático suficiente se compôs, dando ensejo à incidência”. E exemplifica: O casamento celebrado por autoridade incompetente, como um delegado de polícia ou por Juiz do Trabalho, por exemplo, é considerado inexistente, pois, não se indaga se é nulo ou ineficaz, nem se exige a desconstituição judicial, por se tratar de nada jurídico. [vii]
4.1) ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
Os elementos constitutivos do negócio jurídico[viii] são os seus elementos estruturantes, sendo que não há uniformidade, entre os autores, sobre a enumeração: adotamos as seguintes: agente, declaração de vontade, objeto e forma.
4.1.1) DECLARAÇÃO DE VONTADE
É o elemento essencial do negócio jurídico. É seu pressuposto de existência, pois quando não existir pelo menos a aparência de declaração de vontade, não podemos sequer falar em negocio jurídico. A vontade é um elemento de caráter subjetivo, que se revela através de uma declaração, mas nem toda manifestação de vontade pode ser aceita como negocial, isto é, capaz de produzir efeitos jurídicos. O direito estabelece pressupostos que hão de ser atendidos para que a vontade possa entrar no mundo jurídico como negócio jurídico. O Prof. RÜTHERS apud RIBEIRO dispõe que “a liberdade contratual tem, pois, que ser protegida contra a liberdade contratual, ou dito de outro modo: a autonomia privada não está à disposição da autonomia privada”[ix]. Isto significa que a autonomia privada deve se relacionar com outros valores que também estruturam normativamente a esfera das relações jurídicas, tais como a boa-fé, função social, a confiança etc.
A vontade não manifestada ou não aceita pela a norma, não tem qualquer influência no mundo jurídico e só após essa declaração é que passa a ter influência, quando, então, começa a dar vida (existência) ao negócio jurídico. A forma expressa poderá se dar através de palavra escrita ou falada, gestos ou sinais (o uso da linguagem libras e a forma usada nos pregões da bolsa de valores). Já a forma tácita resulta do comportamento do agente. Pode se deduzir da conduta pessoa a sua intenção (aquisição da propriedade móvel pela ocupação – art. 1.263, do CC). Deve-se salientar que em certos casos, o silêncio pode ser considerado como uma emissão de vontade. Assim, preceitua o art. 111, do CC ”o silêncio importa anuência, quando as circunstancias ou os usos o autorizarem , e não for necessária a declaração de vontade expressa”. Assim, no caso no contrato de doação aonde o silêncio no prazo fixado significa aceitação (art. 1.166, do CC).
4.1.2) AGENTE EMISSOR DA VONTADE
Não há como existir declaração de vontade sem que exista um sujeito (pessoa natural ou jurídica), pois é indispensável para a configuração existencial do negócio jurídico. Sem sujeito não se pode falar em negócio jurídico, mas tão somente em fato jurídico natural.
4.1.3) OBJETO
De igual modo, todo negocio jurídico pressupõe a existência de um objeto, em razão do qual giram os interesses das partes. Assim, se a intenção das partes é arrendar um bem para residência, o objeto deve ser um imóvel, mas se pretenderem realizar um negócio jurídico de mútuo o objeto deverá ser um bem fungível.
4.1.4) FORMA
Sem uma forma pela qual se manifesta a declaração de vontade, o negócio jurídico inexiste, uma vez que a simples intenção encerrada na mente do agente não interessa para o direito. Nesse aspecto, a forma deve ser entendida como o meio pelo qual a declaração se exterioriza, ou seja, o tipo de manifestação através do qual a vontade chega ao mundo exterior.
5) PLANO DA VALIDADE
A fim de se considerarem válidos os negócios jurídicos, alguns requisitos devem conter, sendo essenciais os que dizem respeito com a sua própria formação. A não observância desses requisitos traz sérias conseqüências para o negocio celebrado, aplicando-se a teoria das nulidades e anulabilidades do negócio jurídico. Esses elementos essenciais ou qualificativos estão descritos no art. 104, do CC: Agente capaz, objeto licito, possível e determinável ou determinado e forma prescrita ou não defesa em lei. Já Liberdade da vontade ou do consentimento, decorre da declaração de vontade não poder estar eivada de defeitos jurídicos (art. 142 a 159, do CC).
5.1) ELEMENTOS DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO
5.1.1) A CAPACIDADE DO AGENTE
É a aptidão para intervir em negócios jurídicos como declarante ou declaratário. Trata-se de capacidade necessária para que uma pessoa possa exercer, por si só, os atos da vida civil. Assim, a pessoa ao nascer com adquire personalidade, ou seja, possui capacidade de direito. Entretanto, nem todos têm capacidade de fato, isto é, a capacidade, por si só, de praticar os atos da vida civil. Desta forma, devemos observar a questão da incapacidade absoluta e relativa. Supre-se a incapacidade dos absolutamente incapazes pela representação, enquanto a incapacidade relativa pela assistência. Os negócios jurídicos firmados por absolutamente incapazes são nulos (art. 166, I, do CC), enquanto que os realizados por relativamente incapazes são apenas anuláveis (art. 171, I, do CC). Essa distinção é importante, porque os negócios jurídicos nulos são irremediáveis, conforme prevê o art. 169, do CC, enquanto que os anuláveis admitem confirmação e se convalidam com o passar do tempo, caso a parte interessa não intente ação própria no prazo de quatro anos (art. 172 e 178, III, do CC). Deve-se frisar que a anulação do negócio jurídico que tenha motivação a incapacidade relativa não pode ser requerida, para proveito pessoa, pelo outro agente, conforme prevê o art. 105, do CC. Assim, percebemos que para a validade do negócio jurídico, o Código requer agente capaz. Tal capacidade deve ser aferida no momento da celebração. A capacidade superveniente à prática do negócio não é suficiente para sanar a nulidade, no entanto, a incapacidade superveniente não invalida o negócio (34, da Lei do Cheque).
As pessoas jurídicas devidamente registradas possuem capacidade de exercício. E a forma de externa a sua vontade é feita mediante a representação (presentação) do sujeito designado no ato constitutivo ou em ato separado.
5.1.1.1) REPRESENTAÇÃO
É geralmente o próprio interessado, com a sua declaração de vontade que atua em negócio jurídicos. Dentro da autonomia privada[x], o interessado contrai pessoalmente obrigações, e assim, pratica seus atos da vida civil em geral. Porém nem toda pessoa natural (física) ou jurídica é apta para praticar negócios jurídicos por si m mesma, seja porque impedida legalmente ou por impossibilidade variada. De outro lado, a evolução da economia proporcionou que outrem praticasse os atos em nome do interessado. A esse fenômeno dá-se o nome de representação. Na representação uma pessoa age em nome de outra ou por outra. A noção fundamental, pois, é a de que o representante atue em nome do representando, no lugar do representado. O representante conclui o negocio não em seu próprio nome, mas com pertencente ao representado. O representante é um substituto do representado.
A representação pode ser legal ou voluntária conforme se resulte de disposições da lei ou da vontade da parte. A representação legal ocorre quando a lei estabelece, para certas situações, uma representação, o que ocorre nos casos dos incapazes, quer seja através dos representantes legais, quer seja através da curatela e da tutela. Nestes casos, o poder de representação decorre diretamente da lei, que estabelece a extensão do âmbito da representação, os casos em que é necessária, o poder de administrar e quais as situações em que se permite dispor dos direitos dos representados. A representação voluntária é baseada, em regra, no contrato de mandato, cujo instrumento é a procuração. A representação pode será exercida por representante que pode ser nomeado pelo juiz, pela lei ou por vontade dos contratantes.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves[xi] o representante legal é a que decorre da lei, ou seja, aquele que aquém esta confere poderes para administrar bens e interesses alheios, como pais, em relação aos filhos menores, tutores, no que se refere aos tutelados (art. 1.747, I, do CC) e curadores no que concerne aos curatelados (art.1.774, do CC). O representante judicial é aquele nomeado pelo poder judiciário para exercer poderes de representação no processo, como o inventariante, o administrador da falência (art. 21, da Lei 11.101/05). O representante convencional é o que recebe mandato outorgado pelo credor, expresso ou tácito, verbal ou escrito (art. 115 e 656, do CC) com poderes nele expressos, podendo ser em termos gerais ou com poderes especiais, como os de alienar, receber, dar quitação (art. 661, do CC).
A regra no instituto da representação, é que o representante deve atuar em nome do representado, respeitando e agindo dentro dos interesses do representado. E a princípio o representante não pode atuar em seu próprio interesse, não podendo celebrar contrato consigo mesmo ou autocontrato, afim de que não haja um conflito de interesses.
O contrato consigo mesmo ou autocontrato, ocorre quando alguém figure em um contrato como representante do representado e também como a outra parte do contrato, ou seja, figure como representante do outorgante diretamente ou através de interposta pessoa indiretamente, e também figure no contrato de per si como outorgado. Havendo então, duas partes no negócio jurídico, porém um único emitente de vontade que regulará dois interesses contrapostos.
O Código Civil regulou este instituto no art. 117, a saber: Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar contrato consigo mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sidos substabelecidos.[xii]
Este instituto do contrato consigo mesmo ou autocontrato pode-se dar de forma direta, quando o próprio representante atua de per si emitindo duas vontades, como representante e ao mesmo tempo sendo a outra parte no negócio jurídico. Ou pode-se dar de forma indireta, quando o representante atua sozinho declarando duas vontades, porém através de uma interposta pessoa que lhe foi substabelecida. Ou seja, o representante transfere a outrem, os poderes que lhe foram outorgados pelo representado, com o objetivo de celebrar contrato consigo mesmo.
A melhor doutrina entende condicionar a validade e eficácia da autocontratação à ausência de conflitos de interesses. E, para tanto corrobora a jurisprudência haja vista a Súmula 60 do STJ.[xiii]
Quanto às conseqüências jurídicas é indiferente tenha o negocio sido praticado pela própria pessoa ou por seu representante. O legislador teve o cuidado de enfatizar tal resultado jurídico ao prescrever no art. 116, do CC, que “a manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado”. É possível ao representante, desde que não extrapole o poder de que se acha investido, emitir confissão, vinculando o representado. Será ineficaz a confissão que tiver por objeto algum tema não constante nos poderes conferidos pelo representado (art. 213, do CC).
Ao praticar qualquer ato em nome do representado, impõe a lei que o representante comprove a sua qualidade, bem como a amplitude dos poderes de que se acha investido. O art. 118, do CC prevê ainda como efeito para o não atendimento de tais exigências, a responsabilidade pelos atos excedentes aos poderes recebidos (atos ultra vires). Significa dizer que se o terceiro com quem o representante praticou o ato exorbitante, tomou conhecimento prévio do limite de poderes, não poderá pleitear contra o representante eventuais perdas e danos (ex: art. 1.015, do CC).
A hipótese versada pelo art. 119, do CC é o conflito entre o representado e o representante. A lei distingue duas situações para o ato negocial que realiza não obstante o impedimento: a) se a situação conflitiva era do conhecimento da pessoa com que o representante praticou o negócio jurídico, o ato será anulável por iniciativa do representado; b) se o agente que praticou se encontrava de boa-fé, o ato será válido, resolvendo-se a pendência entre as partes da representação segundo os princípios da responsabilidade civil.
Em suma, o art. 119 do CC. prevê a causa subjetiva de anulabilidade que é o conflito de interesses entre representante e representado. No entanto, na ignorância do terceiro, prevalecerá o negócio praticado, por prestígio da boa fé, mas o representante responderá perante o representado, ou seus herdeiros, pelos danos que daí provier.
O prazo para se intentar a anulação é de 180 dias, conforme parágrafo único do art. 119, do CC.
5.1.1.2) CAPACIDADE E LEGITIMIDADE
Por último se faz necessário a distinção entre capacidade e legitimidade.
Todo negocio jurídico pressupõe capacidade das partes. Todo negócio jurídico depende de agente capaz para ter validade. As regras disciplinadoras da capacidade aplicam-se indistintamente em contratos. É pressuposto do contrato, tão somente, a capacidade legal para agir, Idoneidade do objeto apresenta-se em termos absolutos ou relativos.
A doutrina moderna distingue capacidade de legitimidade. Não basta a pessoa ser capaz, é necessário que ela tenha legitimidade para celebrar negocio jurídico. É o que Marcos Bernardes de Mello explica
“É enquanto a capacidade constitui um estado pessoal relacionado ao poder de, pessoalmente, exercer os direitos e praticar os atos da vida civil, a legitimidade consiste em uma posição do sujeito relativamente ao objeto do direito, que se traduz, em geral, na titularidade do direito, posição esta que tem como conteúdo o poder de disposição, bem como assim, o poder de aquisição”. [xiv]
A Legitimação pode ser direta ou indireta. A legitimação direta é aquela que, também chamada de ordinária, permite que toda pessoa capaz de regular seus negócios disponha seus direitos e contraia obrigações. A legitimidade indireta existe quando o negócio é realizado por pessoa que foi investida nos poderes necessários para sua realização. Assim, enquanto a capacidade é genérica, a legitimidade é específica.
Explico. O homem casado pelo regime da comunhão parcial de bens é capaz para a prática dos atos da vida civil (atos em geral), mas não tem legitimidade para vender bem imóvel sem a autorização de sua esposa (outorga uxória prevista no artigo 1647). Falta-lhe legitimidade e não capacidade.
5.1.2) OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL E DETERMINÁVEL OU DETERMINADO
Somente será considerado válido o negócio jurídico que tenha como conteúdo um objeto licito, nos termos impostos pela lei não como sendo contrário aos bons costumes, à ordem pública, à boa-fé e a sua função social e econômica. Como se sabe se ilícito o objeto, nulo será o negocio jurídico, conforme art. 167, II, do CC. Eventualmente pode estar caracterizado no negocio jurídico, o abuso de direito justamente pelo desrespeito aos conceitos que constam do art. 168, do CC, o que para alguns doutrinadores, por si só, seria justificativa para a declaração de nulidade.
A propósito Silvio Rodrigues coloca a idoneidade do objeto em «relação ao negócio jurídico que se tem em vista entre os elementos estruturantes do negocio jurídico, enfatizando: “assim, só será idôneo para o negócio jurídico da hipoteca o bem imóvel, o navio, ou o avião. Os demais bens são idôneos para hipoteca.”. [xv]
Além disso, o objeto deve ser possível no plano fático. Se o negócio implicar em prestações impossíveis, também deverá ser declarado nulo. Tal impossibilidade pode ser física ou jurídica. A impossibilidade física está presente quando o objeto não pode ser apropriado por alguém ou quando a prestação não puder ser cumprida por alguma razão (ex: dar uma volta no estádio Mane Garrincha em 10 segundo ou alienar um imóvel situado no planeta Marte). Já A impossibilidade jurídica está presente quando a lei vedar seu conteúdo (ex: A não pode contratar B para matar C, nem A pode contratar B para comprar contrabando ou drogas, pois o objeto seria ilícito. Igualmente o filho não pode comprar um carro com o dinheiro que vai herdar quando o pai morrer, pois a lei proíbe no art. 426, CC, chama-se de pacta corvina, ou pacto de corvo este dispositivo já que é muito mórbido desejar a morte do pai, e ninguém garante que o filho é que vai morrer depois).
Segundo o art. 106, do CC, a impossibilidade inicial do objeto não gera a nulidade do negócio se for relativa, ou se cessar antes da realizada a condição a que ele estiver subordinado. Esse dispositivo traz em seu conteúdo o princípio da conservação negocial ou contratual, segundo o qual se deve sempre buscar a manutenção da vontade dos envolvidos, o que mantém relação direta com o principio da função social do contrato.
Por fim, o objeto do negocio jurídico deve ser determinado ou, pelo menos, determinável, sob pena de prejudicar não apenas a validade, mas, em último plano, a própria executoriedade do pacto. Todo objeto deve, pois, conter elementos mínimo de individualidade que permitam caracteriza-lo (ex: venda de uma casa, situada na ua X, n.13, com X quartos;venda da safra de cereais)
5.1.3) FORMA
É requisito de validade dos negócios jurídicos obedecerem à forma prescrita, ou não adotarem a forma proibida pela lei. A forma do negócio jurídico é o meio técnico que o direito institui para a externação da vontade. É a projeção ambiental da elaboração volitiva, a expressão exterior do querer do agente. A regra é a forma livre. É o que determina o art. 107 do CC: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Vimos que a vontade deve ser externada para dar vida ao negócio jurídico. Tal externação pode ocorrer pela palavra escrita, ou simplesmente verbal, ou mesmo só por meio de gestos. O próprio silêncio, sob determinadas condições, pode ser apto a criar negócio jurídico. A forma pela qual a vontade exterioriza-se é a expressão externa, palpável, da vontade. Em numerosos casos, a lei exige das partes, para a própria garantia dos negócios, forma especial. É o caso, por exemplo, da compra e venda de imóveis de valor superior a um mínimo legal, dos pactos antenupciais e das adoções, em que requer a escritura pública. Já outros atos não dependem de solenidade. Há contratos que têm forma absolutamente livres, enquanto para outros se exige ao menos a forma escrita. Os negócios jurídicos que dependem de determinada forma para terem validade são os atos formais ou solenes. São não solenes ou não formais quando sua forma é livre. A forma especial[xvi] tanto pode ser imposta pela lei quanto pela própria parte, que contrata com a cláusula de a avença não valer senão sob determinada forma: “No negócio jurídico celebrado a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato” (art. 109: antigo, art. 133, do CC). [xvii] Assim, a lei dispõe que: “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País” (art. 108, do CC).
Sob outro prisma, as formalidades previstas na lei também têm pó finalidade garantir a autenticidade do negócio para, eventualmente, facilitar sua prova, bem como garantir que autonomia privada seja preservada visando sempre a certeza que a segurança jurídica. Dessa forma, será nulo o negocio jurídico quando não revestir da forma prescrita na lei ou quando preterir alguma solenidade que alei considere essencial para a sua validade, conforme art. 166, inc. IV e V, do CC.
5.1.4) MANIFESTAÇÃO OU DECLARAÇÃO DA VONTADE
A manifestação ou a declaração de vontade exerce papel importante no negócio jurídico, sendo seu elemento basilar. Alias, a vontade é que diferencia o negócio jurídico, enquadrado dentro dos fatos humanos, dos fatos naturais. A vontade quando não manifestada ou declarada não tem qualquer influência no mundo jurídico. No entanto não basta a simples manifestação ou declaração de vontade, para se considerar válido o negócio jurídico, é necessária que essa manifestação seja livre e não esteja impregnada de vícios ou defeitos jurídicos.
O Código Civil estabeleceu os vícios do negócio jurídico, os quais atacam a liberdade de manifestação ou a boa-fé, levando o ordenamento a reagir, cominando pena de nulidade ou anulabilidade para os negócios jurídicos portadores destes defeitos (ex: erro, dolo, coação, lesão, simulação etc.)
Com efeito, observa-se que devem convergir dois princípios para que se possa conhecer como válida a manifestação ou declaração de vontade: principio da autonomia privada e principio da boa-fé.
O princípio da autonomia privada constitui, assim, o poder de auto-regulamentação dos interesses das partes, ou seja, traduz na liberdade de atuação do individuo no comercio jurídico. No entanto, essa liberdade não é absoluta, devendo ser respeitados ditames mínimos de convivência social e moralidade média. Assim, por exemplo, a Constituição Federal assegura o direito a propriedade, porém a vincula à sua função social; reprime-se o abuso do poder econômico que visa à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros (art. 170, § 4º). Todas essas limitações não significam aniquilamento da autonomia privada, mas apenas uma mensuração para se evitar o seu abuso.
De outro lado, além de um estado de animo positivo, é preciso que as partes se comprometam segundo um padrão ético objetivo de confiança recíproca, atuando segundo o que se espera de cada um, em respeito aos deveres implícitos a todo negócio jurídico (confiabilidade, confidencialidade, respeito, lealdade recíproca, etc.). Trata-se aqui da boa-fé objetiva.
A violação da boa-fé objetiva autoriza não apenas a condenação do infrator em perdas e danos, mas, em algumas hipóteses, até mesmo a anulação do negocio jurídico, justificada pela incidência de dolo ou erro.
5.1.4.1) RESERVA MENTAL
A declaração de vontade possui dois elementos, sendo um interno que corresponde à intenção ou à vontade real e o outro o externo, que consiste na declaração da vontade. Vista de regra, nos negócios jurídicos, coincidem os dois elementos, ou seja, à vontade declarada é projeção da vontade real.
Entretanto, pode ocorrer, por motivos diversos, a divergência entre este dois elementos, quando então os efeitos jurídicos dos negócios serão diversificados de acordo com a circunstancia de cada qual. Essa divergência pode ser intencional ou não.
Esta segunda modalidade, não intencional, se dá às vezes, por mero erro ou coação física.
A divergência intencional se caracteriza por três modos: simulação; reserva mental e; declarações não sérias. Na simulação o declarante conscientemente e de má-fé, ostenta uma declaração que não coincide com o seu real propósito e sempre de conluio com outra parte, visando a prejudicar terceiro. Na reserva mental, a declaração é feita, onde o declarante não quer o resultado contido na declaração e nem seu conteúdo corresponde a real intenção do declarante, sendo que este a faz com o objetivo de enganar o declaratário ou terceiros. O que o declarante quer é diferente do que ele declara. O Código Civil dá prevalência a vontade declarada, não sendo passível este negócio de nulidade ou anulação (art. 110, CC). Já na declaração não séria, o nosso ordenamento não a disciplinou, ela ocorre, por exemplo, quando uma pessoa compra um carro novo e ao mostrar ao seu amigo, fala, em tom de brincadeira, é seu. Todavia, essa manifestação de vontade não produz efeitos jurídicos.
5.1.4.2) SILÊNCIO
Como todas as manifestações de vontade exige-se cuidadosa interpretação, a fim de que a conclusão coincida coma realidade. Para ter significado é preciso que o silêncio seja voluntário e não uma mera impossibilidade ou simples ausência. No CC o silêncio é admitido como forma de manifestação de vontade sempre que para o ato não for exigida declaração expressa.
Advogado. Mestre em Direito. Especialista em Processo Civil e em Direito Empresarial todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Cimbra Portugal. Pos graduado em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor dos Livros: Direito Empresarial: Teoria geral e Direito Societário e Legislação aplicável à Engenharia
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