Paula Naves Brigagão – Ex Tabeliã pelo TJMG. Especialista em Compliance Contratual, pela Faculdade Pitágoras. Mestre em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de La Empresa – Montevideo – UY. Escritora. Advogada.
Resumo: O presente trabalho pontua a Minirreforma operada pela Lei 14.112/2020 à Lei 11.101/05, com vistas a propiciar ao devedor novos instrumentos para que se reestruture, frente à crise financeira que assola o país, especialmente, durante o período pandêmico. A lei traz a positivação de jurisprudência, consolidada no Superior Tribunal de Justiça, sobre diversos institutos, com o fim de trazer segurança jurídica aos personagens do cenário empresarial.
Palavras-chave: Minirreforma. Falência. Recuperação Judicial. Devedor. Desburocratizar.
Abstract: The present work punctuates the mini-reform operated by Law 14.112/2020 to Law 11.101 / 05, with a view to providing the debtor with new instruments to restructure in the face of the financial crisis that is plaguing the country, especially during the pandemic period. The law brings the positivity of consolidated jurisprudence in the Superior Court of Justice on several institutes in order to bring legal certainty to the characters of the business scenario.
Keywords: Mini-reform. Bankruptcy. Judicial recovery. Debtor. Reduce bureaucracy.
Sumário: Introdução. 1. Conexões da lei 14.112/20 com o Código de Processo Civil (CPC). 2. Legitimidade Ativa. 3. Mudança quanto às formas de alienação em recuperação judicial. 4. Retrocesso quanto aos créditos em recuperação judicial. 5. Constatação prévia. 6. Stay Period. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
A nova lei, pacote natalino, sancionada em 24 de dezembro de 2020 e, para alguns, verdadeiro presente de papai Noel, entrou em vigor na data de 23 de Janeiro de 2021, em pleno sábado. Em palavras simples: “sabadou para o devedor”.
Há que se destacar que o novel diploma normativo foi fruto de intensos debates, debates,esses, que se reportaram ao longínquo ano de 2005.
Derivou do Projeto de Lei 6269, sofrendo algumas modificações nos anos de 2018 a 2020, sobretudo, com reflexos ao período pandêmico, que ora nos encontramos, conforme se observa nos Arts. 20 A a 20 D da lei 11.101/05, modificada pela Lei 14.112/2020.
Ao contrário do que muitos possam imaginar, não temos uma nova lei de falências. O que temos, em verdade, é uma Minirreforma a uma lei já existente, qual seja, a Lei 11.101/05. E, não se pode dizer que tal reforma fora permeada por modificações radicais. Longe disso.
A Lei 14.122/20 incorporou muitos dispositivos que já eram fruto da jurisprudência. Em miúdos: roupa nova em corpo velho!
O escopo da lei foi tratar da crise empresarial. A crise é fenômeno corriqueiro, do dia a dia.
E o que fez a lei?
Forneceu novos instrumentos para a reestruturação empresarial daqueles empresários e sociedades empresárias que estejam em maus lençóis e, com isso, desatando os nós, nas gargantas dos devedores.
Já nos ensina o sábio ditado popular: “Em casa de enforcado, não fales em corda!”
O CPC de 2015 é uma lei ordinária (federal), de extraordinária força, em termos de prática forense. Uma lei que, por assim falar, “pegou”.
Não vamos muito longe, a lei de liberdade econômica, a reforma trabalhista, o pacote anticrime (no item referente à colaboração premiada), a lei de transação tributária (prevendo o negócio processual em execução fiscal), todas essas leis, juntas e misturadas, sofreram intensas influências do CPC, assim como a lei 14.112/20, de que ora se trata.
Há que se ponderar que o Código de Processo Civil influenciou, ainda involuntariamente, todas as legislações acima mencionadas, com as suas técnicas processuais, mesmo tendo em entrado em vigor em momento anterior à lei 14.112/20.
A título de exemplo, para fins meramente didáticos, metaforicamente é como se o CPC fosse um satélite (corpo celeste), orbitando em torno dos planetas (demais ramos do direito), tamanha a sua força de atração. Um verdadeiro juízo universal exportado da lei de falências e recuperação judicial para o CPC.
E, aqui, uma observação digna de nota:
Os procedimentos concursais (gênero, do qual são espécies as falências, inventários e a recuperação judicial) devem caminhar lado a lado e conversarem entre si. Uma verdadeira brincadeira de telefone sem fio, para quem ainda se lembra dela. De ouvido a ouvido.
Para tanto, há quem defenda, na mais abalizada doutrina processualista, que as novas técnicas, inseridas com a lei 14.112/20, devam ser aplicadas aos procedimentos concursais, em um verdadeiro diálogo de fontes. O direito é uno e indivisível. Dar tratamento distinto a quem se encontra em uma situação fática semelhante seria afrontar o princípio da isonomia, de maneira frontal. Daí a César o que é de César. É Bíblico!
Comecemos, então, a nossa análise de alguns dispositivos legais, os mais emblemáticos da Lei 11.101/05, que foram alterados pela Lei 14.122/05 e que guardam correlação com o Código de Processo Civil, ora chancelando o novo diploma normativo as suas disposições, ora “pegando carona” em alguns institutos, porém, disciplinando-os de maneira diversa. Nem tudo o que parece é!
O art. 189 caput da Lei 11.101/05, objeto de alteração pela lei 14.122/20 traz expressa previsão de aplicação do CPC aos processos de falências e de recuperação judicial, em reforço ao art. 318, parágrafo único do CPC. Aplicação subsidiária do CPC aos procedimentos de falência e de recuperação judicial.
Confira o leitor como os dois artigos dialogam entre si.
Lei de Falências:
Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)
CPC
Art. 318. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
Aplicação subsidiária do CPC aos procedimentos de falência e de recuperação judicial, salvo naquilo que a lei especial discipline de forma diversa. A título de exemplo: a contagem dos prazos na lei de falências e recuperação judicial, já com as alterações operadas pela Lei 14.122/20 (art. 189, § 1º, I), deve ser contada em dias corridos. A mens legis baseou-se na celeridade processual, única e exclusivamente, a nosso sentir!
Confira o leitor à ausência do diálogo de fontes neste caso:
Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
I – todos os prazos nela previstos ou que dela decorram serão contados em dias corridos; e (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
CPC
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Já o Art. 189, § 1º, II do novo diploma legal pacifica a questão, muito debatida doutrinariamente, acerca da forma recursal, nos processos atinentes às falências e recuperação judicial. As decisões que decretam o pedido de falência são impugnáveis por agravo de instrumento. Contudo, as decisões que julgam o pedido improcedente são passíveis de apelação. O STJ já havia abraçado essa tese em decisões recentes, do ano de 2020, sobre o tema, estendendo, para tanto, o cabimento do agravo de instrumento à todas as decisões interlocutórias inseridas no bojo do processo de falência.
Confira o leitor o Recurso Especial 1717213, do Estado do Mato Grosso:
“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO EMPRESARIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA. RECORRIBILIDADE POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÕES PROFERIDAS EM PROCEDIMENTO COMUM QUE OBSERVAM REGRA DO ART. 1.015, INCISOS, CPC/15, COM A FLEXIBILIZAÇÃO TRAZIDA PELA TESE DA TAXATIVIDADE MITIGADA. DECISÕES PROFERIDAS NAS FASES DE LIQUIDAÇÃO E CUMPRIMENTO DA SENTENÇA, NO PROCESSO EXECUTIVO E NA AÇÃO DE INVENTÁRIO QUE OBSERVAM A REGRA DO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC/15. CABIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA TODAS AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS QUE SE JUSTIFICA DIANTE DA PROVÁVEL INUTILIDADE DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DE APELAÇÃO, QUE, QUANDO CABÍVEL, APENAS OCORRERÁ QUANDO MEDIDAS INVASIVAS E GRAVES JÁ HOUVEREM SIDO ADOTADAS E EXAURIDAS. HIPÓTESES
DE CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO PREVISTAS NA LEI 11.101/2005. CONCRETIZAÇÕES DO RISCO DE LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO EXIGIDOS PELO CPC/73. RESSIGNIFICAÇÃO DO CABIMENTO À LUZ DO CPC/15. NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO RECUPERACIONAL. LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO NEGOCIAL. NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO FALIMENTAR. LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO COLETIVA. APLICABILIDADE DA REGRA DO ART. 1.015, PARÁGRAFO
ÚNICO, CPC/15. CABIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA TODAS AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NOS PROCESSOS RECUPERACIONAIS E FALIMENTARES. MODULAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA E PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. RECORRIBILIDADE DIFERIDA DE QUEM NÃO IMPUGNOU IMEDIATAMENTE AS
INTERLOCUTÓRIAS FORA DA HIPÓTESES DE CABIMENTO PREVISTAS NA LEI 11.101/2005. POSSIBILIDADE. APLICABILIDADE DA TESE ÀS DECISÕESPROFERIDAS APÓS A PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO E A TODOS OS AGRAVOS DE INSTRUMENTOS INTERPOSTOS ANTERIORMENTE, MAS AINDA PENDENTES DE JULGAMENTO – Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/15, fixa-se a seguinte tese jurídica: Cabe agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias proferidas no processo de recuperação
judicial e no processo de falência, por força do art. 1.015,
parágrafo único do CPC/15. “(JURISPRUDENCIA STJ, 2020. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 01/02/2021).
No mesmo sentido da jurisprudência, caminhou o legislador.
Confira o leitor:
Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)
II – as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei previr de forma diversa. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) II – as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei previr de forma diversa. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020).
Falemos agora do instituto da cooperação nacional.
A lei 11.101/05, com os acréscimos derivados da Lei 14.122/20, importou o instituto da cooperação nacional e, assim, fez expressa menção a cooperação judiciária nacional, instituto esse que já contava com a previsão legal nos arts. 67 e seguintes do CPC.
A cooperação nacional, como o próprio nome já nos revela, é um instrumento de instrumento de cooperação recíproca, que se perfectibiliza entre órgãos do Poder Judiciário, abarcando todas as instâncias e graus de jurisdição, por meio dos aplicadores do direito.
Confira o leitor à previsão normativa do instituto no CPC:
Art. 67. Aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores.
Em contrapartida, observe o leitor à réplica do instituto na lei 11.101/05, com os acréscimos derivados da Lei 14.122/20, em verdadeiro diálogo de fontes:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
A cooperação nacional, aqui, foi inserida no contexto em que o juízo da recuperação judicial pudesse, efetivamente, conversar com o juízo da execução fiscal, a fim de substituir bens de raiz (bens imóveis), no sentido de melhor gerir bens, bens esses que são essenciais a continuidade da atividade empresarial, em claro respeito e deferência legislativa ao princípio da preservação da empresa.
Logo, os dois juízos estarão conectados e zelando pelo princípio maior da preservação da empresa.
Voltemos agora os nossos olhos ao estudo da tutela de urgência.
A lei 11.10/05 não fazia menção, em sua redação primitiva, a tutela provisória, no contexto da falência e da recuperação judicial.
Os operadores do direito, sobretudo, os advogados, na prática forense, ingressavam com o pedido de tutela cautelar valendo-se da analogia com o CPC, pois a lei, em sua redação original, era lacunosa.
E, agora, o legislador trouxe previsão legal da tutela provisória, abarcando a tutela provisória para a ação constitutiva.
Há que se destacar que nos tempos atuais, prevalece o entendimento no STJ no sentido de que é plenamente possível e viável a possibilidade de se antecipar a tutela tanto em ação declaratória, quanto em ação constitutiva, mas o adiantamento será tão somente dos efeitos práticos decorrentes da declaração ou da constituição. Efeitos, por práticos, por si só, não se confundem com a constituição em si.
Vejamos uma decisão do STJ fazendo menção à antecipação de tutela para ações declaratórias, fazendo alusão às ações constitutivas, de forma lateral, decisão essa exarada pela Quarta Turma:
EMENTA: Processo Civil – Tutela antecipada – Ação declaratória – Medida de efeito prático imediato – Possibilidade – Posse velha – Admissibilidade – Caso concreto – Art. 273, CPC – Enunciado n. 7 da Súmula-STJ – Recurso desacolhido. “(JURISPRUDENCIA STJ, 2020. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 01/02/2021).
O Ministro Salvio de Figueiredo, em seu voto, cita o doutrinador e emérito processualista Marinoni, que faz alusão as ações constitutivas: “É preciso que fique claro, porém, que a questão da tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva não exige que se indague, necessariamente, a respeito da possibilidade da antecipação da declaração ou da constituição, ou sobre a viabilidade da tutela antecipatória apresentar-se, nestas ações, em termos de declaração ou constituição sumária “(JURISPRUDENCIA STJ, 2020. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 01/02/2021).
Veio o legislador, em boa hora, em diálogo das fontes com a jurisprudência e positivou no ordenamento jurídico brasileiro uma tutela antecipatória em ação constitutiva. Ponto mais que positivo da minirreforma!
Tratemos agora do instituto da Justiça Multiportas.
Apresentou-se ao cenário jurídico a Lei 14.112/20, e trouxe, como carro chefe, as formas alternativas de soluções de conflitos. É a chamada Justiça Multiportas, vindo ao encontro do devedor, em processo recuperacional. Base Legal: art. 20 a A a 20 D, acrescidos à Lei 11.101/05 pela Lei 14.112/2020.
A Justiça Multiportas ou Sistema Multiportas, inspirado no sistema norte-americano, segundo a melhor doutrina, é decorrente de uma metáfora. Imagine o leitor o prédio físico do fórum. Dentre tijolos e concretos, várias portas e, cada porta representativa de um problema diferente. Para o Sr. Pablo das Couves que brigou com a sua vizinha de rua, a porta da mediação. Para o Sr. Lindomar Cenoura que atropelou com o seu veículo automobilístico a Sra. Rita Beterraba, a porta da conciliação. Para o Sr. Adroaldo Facão que ceifou a vida de Rita dos Anjos, a porta do Tribunal do Júri. Uma porta diferente para a diversidade de problemas.
O Sistema Multiportas não restringe as formas de solução de conflitos. Ao contrário. Muitas das vezes oferece meios alternativos e até mais condizentes com o caso concreto apresentado.
Tais institutos consagraram, por assim dizer, uma dupla ajuda, qual seja, um desenlaçamento das muitas demandas que estão a assoberbar o Poder Judiciário, com a possibilidade do deferimento de tutelas de urgências, com vistas a resolver a contenda, sem a participação do órgão judicante.
A título de exemplo, a Empresa Boa da Leitura (Editora e revendedora de livros didáticos e científicos) encontra-se a um passo de pedir recuperação judicial, já que preenche todos os requisitos legais para tanto. Encontra-se literalmente enforcada, em sérias dificuldades financeiras e, a fim de ganhar um fôlego para não falir, se dirigiu ao juízo, a fim de não fechar as portas e, em caso de não obtenção de êxito, em possível acordo da sessão de conciliação, obter as benesses do instituto recuperacional, de forma subsidiária.
A questão é: seria preciso chegar-se ao extremo da recuperação judicial?
Fato é que a Empresa Boa de Leitura almeja, em audiência de conciliação, propor um acordo irrecusável para a Sr. Ribamar Virtuoso, amante da literatura cinematográfica e, dentre outros, um dos seus principais credores. O acordo idealizado seria o seguinte: A Boa Leitura irá propor-se a entregar, ao cinéfilo Virtuoso, quinhentos exemplares, a respeito da trajetória dos filmes mais importantes exibidos nos últimos dez anos no mundo cinematográfico. E, em troca, Boa leitura efetuará o pagamento de apenas 30% (trinta por cento) do total da dívida com o seu credor.
Pois bem. Tal negociação ainda não fora entabulada em sessão de conciliação (fase antecedente a formalização do pedido recuperacional), mas, será, dentro em breve, já que o procedimento de conciliação já fora instaurado. Que fique claro ao leitor!
Contudo, Boa Leitura, que devia e muito ao cinéfilo, pelo simples fato de já preencher os requisitos legais para o ingresso do pedido recuperacional, antes mesmo da audiência de conciliação, embora com procedimento já instaurado ( repisamos para a melhor memorização do leitor!),obteve o deferimento de uma tutela de urgência cautelar, e com isso, ganhou, a seu favor, a suspensão da execução individual, em face dele, pelo lapso temporal de 60 (sessenta dias), para que, durante esse intervalo buscasse o tal acordo irrecusável, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do seu tribunal competente e, com isso, livrar-se da forca total e definitivamente, vindo a operar no mercado, novamente, sem a “corda no pescoço”.
Essa possibilidade foi inovação trazida, em boa hora, pela Lei 14.112/20, que deu a seguinte redação ao Art. 20 da Lei 11.101/2005. Confira o leitor:
Art. 20-A. A conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nesta Lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.
IV – na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020).
Em palavras didáticas, implicam em soluções consensuais de litígios, no âmbito da falência e da recuperação judicial, lastreadas em diálogo de fontes com art. 3º do CPC. Verdadeira sintonia da lei nova com o CPC.
Confira o leitor:
CPC:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
O próximo tema de que iremos tratar refere-se aos negócios processuais.
O art. 190 do CPC, que cuida dos negócios processuais atípicos, inspirou o pacote anticrime e o legislador com o novo diploma normativo, que, assim, tratou do tema inserindo-o no parágrafo segundo do art. 189. Os negócios processuais atípicos agora estão no bojo das falências e das recuperações judiciais. Esses negócios, celebrados pelo devedor na falência e recuperação, devem ser expressos, refutando-se negócios processuais tácitos.
E, aqui, uma singela observação no que toca a manifestação de vontade de credores: o devedor se manifesta expressamente. Quando se tratar de credores, a manifestação de vontade deles tem que se dar pelo voto da maioria. Não há necessidade de unanimidade, mas tão só da maioria.
Confira o leitor o diálogo das fontes entre os dois artigos:
CPC
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Lei 14.112/20
Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020).
Por fim, o último tema de correlação da Lei 14.112 com o CPC de que iremos nos debruçar cinge-se a desconsideração da personalidade jurídica.
O legislador inseriu expressamente no novo diploma a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito da falência e da recuperação judicial.
A redação original da Lei 11.101/05 era omissa quanto o tema, o que levava os operadores do direito a utilizarem-se da analogia com o Código Civil, mas, aqui o leitor deverá manter a atenção redobrada, haja vista que a desconsideração da personalidade jurídica (em seara falimentar e recuperacional) não dialoga integralmente com o CPC, pois, aqui, apresenta a peculiaridade do incidente da desconsideração não ser causa de suspensão do processo como o é no CPC ( art. 134, §3º do CPC). A mens legis é a celeridade processual. Trata-se, como vimos, de um diálogo de fontes mitigado.
Outro ponto de extrema relevância, que merece ser por nós destacado, refere-se à questão da legitimidade ativa, que permanece parcialmente inalterada. Em uma leitura apressada fica a sensação de que nada mudou. Contudo é preciso ter calma e realizar, antes de mais nada, uma interpretação sistemática da lei.
O artigo 1º da Lei 11.101/05 continua inalterado, com o foco limitado ao empresário e à sociedade empresária, no que toca ao objeto da recuperação judicial, extrajudicial e falências.
A lei poderia ter dado um passo adiante e contemplado outros atores, na figura de todos os agentes econômicos. No entanto, manteve-se parcialmente estática. Em palavras simples: Congelada como as múmias, por assim dizer, abrindo uma pequena brecha, apenas para o produtor rural com mais de dois anos de atividade e independentemente do tempo de registro na Junta, posição essa já contemplada em seara jurisprudencial.
Confira o leitor à redação original do artigo 1º, da lei 11.101/05 – que não sofreu alterações.
Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.
O legislador simplesmente tampou os ouvidos e não atendeu aos clamores da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Fofoca da mídia ou realidade? Realidade purinha meus caros leitores!
O caso em apreço reporta-se a um fato público e notório, divulgado nos meios de imprensa.
O enredo foi o seguinte: A UCAM (Universidade Cândido Mendes – RJ) apresenta-se no cenário jurídico, portando a natureza jurídica de organização civil, sem fins lucrativos.
Formulou em juízo pedido de recuperação judicial, pedido esse aceito pelo juízo da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, concedendo a recuperação judicial a uma sociedade de ensino, portanto, associação civil, sem natureza empresarial.
Aproveitando-se do calor das emoções a UCAM e vários seguimentos similares apresentaram propostas de recuperação judicial para sociedades não empresárias e prestadores de serviços em geral, propostas essas que não foram acatadas pelo legislador quando da confecção do novo diploma normativo.
Poderia ter avançado, mas não o fez de forma completa, apenas de forma tímida quanto ao rurícola!
Há que se ressaltar que o processo judicial envolvendo a UCAM ainda não chegou ao STF e aos Tribunais Superiores, embora possa servir de guia, como uma luz no fim de túnel, para o avanço da questão.
E, aqui, trago ao leitor um dado histórico bastante curioso, qual seja, o Código Civil Francês, de 1808, que adotou a teoria dos atos de comércio apresenta um grau bem mais avançado do que o Código Civil Atual, que adotou a teoria da empresa; tendo em vista que contempla, em seu vetusto diploma normativo, os profissionais liberais e os( advogados e médicos), como atores praticantes de atos de comércio, sujeitos a falência. È de rir para não chorar. Fato! O Código Civil Francês foi fruto de reforma no ano 2018, ouvindo os clamores dos advogados e dos médicos, enquanto o nosso legislador faz ouvidos de mercadores para os agentes econômicos!
A questão da extensão da recuperação judicial à pessoas que não se enquadram na categoria de empresárias, contudo, não é nova.
O Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2009, em caso emblemático envolvendo a Casa de Portugal concedeu recuperação judicial a uma pessoa jurídica que não se enquadrava nos requisitos de empresária, com lastro, tão só, na teoria do fato consumado. (Resp1004910RJ).
A UNIMED Norte e Nordeste, apesar de ostentar a natureza jurídica de cooperativa de crédito, foi outra personagem a “pegar carona” na extensão do pedido recuperacional, apesar de expressa vedação aos arts. 1º e 2º da LRF, pela decisão esposada pelo juízo monocrático encampada da Justiça da Paraíba. A questão, até o presente momento, ainda encontra-se pendente para julgamento no tribunal de justiça local. Explico.
Apesar da vedação legal a que as cooperativas participem do pedido de recuperação judicial, entendeu a justiça paraibana que a atividade preponderantemente exercida pela UNIMED era de organização e faturamento, em que os conhecimentos médicos intelectuais foram absorvidos pelo elemento de empresa, de modo que a UNIMED exerceria empresa (atividade empresarial), não enquadrando-se, portanto, na definição de sociedade cooperativa, interpretando, de tal modo, a figura dos agentes econômicos em sentido lato, e privilegiando-se, com tal desiderato o acesso à justiça.(RECUPERAÇÃO JUDICIAL – Processo: (129) 0812229-78.2020.8.15.2001- Justiça da Paraíba).
Contudo, o leitor deve ficar atento e ter cuidado redobrado. Exige-se do intérprete da lei não uma interpretação literal do artigo 1º, mas, sobretudo, uma interpretação sistemática do art. 1º com o art. 48, parágrafo segundo da lei, para fins de alargamento ao rol de legitimados ativos.
Ponto de acentuada relevância quanto a mudança da legitimidade ativa foi a inclusão da figura do ruralista de registro recente.
A inovação legislativa veio de encontro ao que já vinha decidindo a jurisprudência, quanto a legitimidade do produtor rural requerer recuperação judicial, quando registrado na Junta comercial, independentemente da comprovação do prazo de dois anos, após o registro. Desde que produtor rural, por dois anos, ainda que registrado em poucos meses do pedido de recuperação judicial, o lapso temporal retroagiria ao inicio do exercício da atividade rural e não da data da constituição do registro.
A atividade econômica não passou a ser exercida com o registro. Ela é anterior e esse dado fático é determinante para fins de aferição da qualidade de produtor rural. Isso porque o produtor rural está regular, mesmo em período anterior ao registro. O registro, facultativo para ele, apenas desloca o seu regime de Civil para Empresarial.
A jurisprudência do Superior tribunal de Justiça encampou essa tese que fora copiada pelo legislador, em feliz e sadia mudança. O registro só será necessário para a formulação do pedido e não para fins de qualificação do produtor rural.
Logo, é regular o registro daquele que não precisa se registrar, ante a base fática da facultatividade. Base legal: art. 48, §2º.
Confira o leitor à legislação:
Art. 48, § 2º: No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020).
Volte o leitor os seus olhos, neste momento, para o entendimento jurisprudencial:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a “tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (…), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”.3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de “equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”, sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.
4. Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.
5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.
6. Recurso especial provido, com deferimento do processamento da recuperação judicial dos recorrentes. (REsp 1800032/MT, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 10/02/2020).
No que concernem as cooperativas há que se pontuar que as cooperativas não estão enquadradas como sociedades empresárias, despidas que são, por sua própria essência, da recuperação judicial e falência.
A lei 14.112/20 deu um passo adiante no sentido de abrir uma exceção para as cooperativas médicas. O art. 6º, parágrafo 13, na redação primitiva da lei, dispunha que não se sujeitava aos efeitos da recuperação judicial as cooperativas, salvo as cooperativas médicas. Contudo tal dispositivo foi vetado pelo presidente da República Jair Bolsonaro.
Acreditamos que a figura do agente econômico só possa ser aplicada futuramente as cooperativas médicas e aos demais agentes se houver mudança no regime jurídico a que se enquadrem. Não posso chamar o retângulo de quadrado e ficar por isso mesmo!
A título de exemplo: Se passarmos a aplicar a possibilidade indiscriminada da recuperação judicial para as associações, como ficaria a situação dos bens dos associados?
Se aplicarmos cegamente a recuperação judicial ás sociedades de economia mistas e empresas públicas prestadoras de serviços públicos como ficaria a continuidade dos serviços que não podem parar a bem da sobrevivência da população?
Não encontramos resposta pronta para tais indagações, salvo se houver mudança no regime jurídico de tais personagens.
Reza o ditado popular: “perguntar não ofende!”
Fica a reflexão!
Outro ponto digno de nota que pode ser apontado foi à mudança nas formas de alienação de ativos, no bojo da recuperação judicial.
O art. 142 da LRF sofreu mudanças com a Lei 14.112/20.
Visualize o leitor o seguinte caso concreto:
A Empresa Boa de Cano, tradicional em comercialização de geléias, dizem as más línguas, não anda “bem das pernas”. Corre a boca miúda que pediu recuperação judicial.
João Encalacrado, o seu principal fornecedor de embalagens, estava mesmo sem dormir, tamanho o medo de não receber pelo fornecimento prestado. Ele e muitos outros fornecedores, então credores.
Dr. Leopoldo Cara Dura, advogado da Boa de Cano peticionou ao juiz, para que a venda de geléias, produzidas em excesso, não se desse por leilão virtual (Lei 14.112/20), mas pelo próprio site da empresa Boa de Cano que, segundo alegava, era um site famoso e bastante acessado pelos consumidores/clientes. Com um bom desconto, venderia rápido, segundo ele!
Argumentou que caso a venda não fosse imediata, as geléias, que em média, duram quatro meses, pereceriam e, de nada, adiantaria aguardarem as modalidades elencadas no art. 142 da Lei de Falências, dada a sua inutilidade. O magistrado deferiu o pedido do Dr. Leopoldo. A conduta do magistrado ao negar aplicação ao disposto no art. 142 da LRF foi correta?
O Superior Tribunal de Justiça, no Informativo 667, entendeu que sim. Vejamos os argumentos teóricos e fáticos sob o caso em comento.
A questão que se coloca em xeque é saber se a venda excepcional, após o pedido de recuperação judicial, deverá, obrigatoriamente, seguir as modalidades de alienação – ditadas pela lei, em casos de quebra (falência).
A Realização do ativo tem por finalidade precípua transformar os bens componentes da empresa em dinheiro, correspondente ao valor que representam, quantia essa que será utilizada, precipuamente, ao pagamento dos credores. Em palavras simples: troco bens por dinheiro e pago quem devo.
Contudo, a realização do ativo não pode ser aleatória. Não se trata de samba do “crioulo” doido, por mais linda que seja, e, assim o é, a dança e a raça.
Obedece a parâmetros, ditados pela lei. Base Legal: art. 140 LRF, emprestando o juiz os ouvidos para o administrador judicial (Art. 142, LF), e, para tanto, atendida a modalidade de leilão virtual.
Logo, a realização do ativo, quando envolve alienação judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas do devedor, em regra, devem respeito as modalidades do art. 142 da LRF. Posso vender, mas a lei disciplina as modalidades de venda. Trata-se da combinação do art. 60 com o art. 142 da LRF, quando da quebra (falência).
Mas, vale dizer: O canto da sereia (alienação condicionada) não se aplica, de forma automática, para as empresas em recuperação judicial. Não confunda alhos (falência) com bugalhos (recuperação judicial). Essas (empresas em recuperação judicial), em regra, feito e distribuído o pedido de recuperação, não podem vender as suas filiais ou mesmo as suas unidades produtivas, salvo se a alienação se mostrar útil, a critério do juiz. Assim nos ensina o art. 66 da LRF.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem aplicando o art. 142 da LRF com temperamentos, ao se deparar com o art. 66 da LRF. Isso porque quando reconhecida a utilidade e urgência na alienação de bens de ativos permanentes de empresas em recuperação judicial, demandam alienação imediata, sob pena de inutilidade da alienação. Repisando: A lei usa o termo utilidade.
Em palavras simples: Se um bem é deteriorável, como, a título de exemplo, as geléias, de nada adiantaria aguardarmos a modalidade de leilão para serem vendidas, pois, quando o forem, já nem existirão mais, restando frustrados os credores, e o próprio devedor, por via de conseqüência. A venda deixará de ser útil. João Encalacrado ficará apenas como o lixo das geléias mofadas e vai chorar na cama, que é lugar quente.
Logo, dispensando-se as formalidades da alienação, abstraindo-se da ordem de alienação, alcança-se um resultado mais efetivo. Trata-se da maximização dos ativos. Quanto mais efetiva a alienação, maiores serão as chances de satisfação dos credores. Quanto melhor a venda, melhor para o devedor e para quem ele deve. Assim, todo mundo fica feliz e com dinheiro no bolso. É a não combinação do art. 66 da LRF com o art. 142 da LRF, mas a sua perfeita simbiose com o princípio da maximização dos ativos.
Em miúdos: Geléia para todos. “Barriga cheia, pé na areia!”
Para sermos fiéis a decisão do Superior Tribunal de Justiça, reproduzimos, ao leitor, trecho da decisão:
“O art. 66 da Lei nº 11.101/2005 afirma que é possível a alienação de bens integrantes do ativo permanente da empresa em recuperação judicial, desde que o juiz responsável pela condução do processo reconheça a existência de evidente utilidade na adoção de tal medida. O art. 66 da LFRE não exige qualquer formalidade específica para fins de se alcançar o valor dos bens a serem alienados, tampouco explicita de que modo deverá ser procedida a venda, deixando, portanto, a critério do juiz aceitar ou não o preço enunciado e a forma como será feita a alienação. Assim, para a alienação tratada no art. 66 não se exige o cumprimento das formalidades previstas no art. 142 da Lei nº 11.101/2005. STJ. 3ª Turma. REsp 1.819.057-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020 (Info 667)”. INFORMATIVOS STJ, 2020. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 30/06/2020).
A brilhante decisão, proferida no ano de 2020, foi anterior a modificação legislativa operada pela Lei 14.122/20 à lei 11.101/05. Contudo, a alteração das modalidades de alienação judicial não afeta, em nada, o entendimento substancial do julgado, que não se atrelou as modalidades de alienação judicial. Aqui, a ordem dos fatores não alterou o produto.
Passemos a discorrer sobre a ordem dos fatores, objeto de inovação legislativa.
Dispunha o art. 142 da LRF, em sua redação primitiva, que as modalidades de alienação judicial em pedido recuperacional subsumiam-se a: a) leilão, por lances orais; b) propostas fechadas e c) pregão.
Observe o leitor, agora, os contornos da nova redação:
Art. 142. A alienação de bens dar-se-á por uma das seguintes modalidades: (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) I – leilão eletrônico, presencial ou híbrido; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020); II – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) ; III – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020); IV – processo competitivo organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação judicial, conforme o caso; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020); V – qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020.
Restaram, pois, banidas as propostas fechadas e o pregão, bem como ampliou-se o rol para nele se fazer inserir qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos da lei.
Há que se destacar que diversamente da modalidade de leilão esculpida pelo Código de Processo Civil – restrita a bem imóveis, pela lei de falências e recuperação Judicial o leilão eletrônico poderá abarcar bens móveis e imóveis, indistintamente.
Quanto aos créditos sujeitos ao pedido recuperacional a Lei 14.122/20 não efetuou qualquer alteração ao art. 49 da LRF, Lei 11.101/05, que prossegue com a sua redação original parcialmente inalterada, com a única exceção do ruralista. Perdeu a lei a oportunidade de disciplinar melhor o tema, em compasso ao que já vem decidindo a jurisprudência.
Confira o leitor à redação do art. 49 da LRF:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Visualize o leitor o seguinte caso hipotético por nós idealizado:
A empresa Boa de Venda foi parar na UTI. Para não morrer, houve acordo entre os credores, acordo esse que foi judicializado, deflagrando, outrossim, o fenômeno da recuperação judicial. Em palavras simples: a empresa, em maus lençóis, pediu ao juiz para não morrer.
O pedido de recuperação judicial fora protocolado pelo Dr. Creosvaldo Corcunda, idoso causídico da região. Corcunda, após a interposição do pedido de recuperação judicial submeteu-se a uma cirurgia de coluna e substabeleceu o caso ao Dr. Juracir Saúde. Após o trânsito em julgado da sentença – que deferiu o pedido de recuperação judicial da Empresa Boa de Venda, o Dr. Juracir alegou que os seus créditos de honorários advocatícios, por terem sido constituídos após o pedido de recuperação judicial, não se submeteriam aos efeitos dela, pois constituídos em fase distinta e posterior ao pedido de recuperação judicial, não guardando, pois, a natureza jurídica de créditos concursais. Ademais a sentença que delimitou o crédito sucumbencial do Dr. Juracir foi prolatada, pelo juiz, em momento posterior àquele do pedido recuperacional.
Levando-se em conta que o art. 49 da LRF disciplina que todos os créditos existentes na data do pedido submetem-se a recuperação judicial e o crédidto do Sr. Juaracir foi constituído após o pedido recuperacional, o magistrado deferiu o pedido do Sr. Juracir. Andou bem o magistrado? A resposta afirmativa se impõe.
Dispõe o art. 49 da LRF que estão sujeito à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. A lei reza todos os créditos. O artigo é atécnico e é excepcionalizado por ele mesmo. Logo, o mesmo artigo nos ensina que os créditos bancários e os créditos fazendários não estarão abarcadas pela recuperação judicial. E acrescentamos, os créditos constitídos fora do prazo, após o pedido recuperacional, como dita a jurisprudência.
O artigo 49 da LRF caminha lado a lado com o art. 5º da LRF – que versa sobre o juízo universal , excepcionalizado, igualmente, por ele mesmo; porém, ambos os artigos, idealizados, no intuito de facilitar a cobrança dos credores.
O julgado vai versar sobre um crédito específico, qual seja, o crédito de honorários advogatícios, formado após o pedido de recuperação judicial. A questão que se coloca a saber é se tal crédito, constituído a posteriori, sujeita-se ao disposto no art. 49 da LRF. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que não. Explico.
O crédito de honorários advocatícios sucumbenciais que sejam constituídos após o pedido de recuperação judicial (plano de soerguimento) não estarão submetidos ao plano de recuperação judicial, ressalvando-se o controle dos atos expropriatórios pelo juízo universal.
A questão acerca dos honorários sucumbenciais não é pacífica na própria casa (STJ). A terceira turma equiparava os créditos sucumbenciais aos créditos trabalhistas, jungidos a recuperação judicial. Posição diversa é encampada pelas quarta e terceiras turmas do STJ, no sentido que os créditos sucumbenciais, surgidos após o pleito de recuperação judicial, estão fora dos seus efeitos.
Analogicamente, a título de exemplo, o silicone é corpo estranho ao corpo humano e com ele não se confunde. Os créditos sucumbenciais são corpo estranho ao processo recuperacional e com ele não se confunde, até pela natureza jurídica que ostentam, qual seja, são créditos extraconcursais, já que formados depois da data do pedido, indo de encontro ao disposto no art. 49 da LRF- que aduz que os créditos devem existir e não estarem vencidos em fase anterior ao pedido recuperacional, para que se qualifiquem como créditos concursais. Não é o caso. Crédito posterior é qualificado como crédito extraconcursal.
O raciocínio do julgado é simplista: baseia-se em critério temporal para delimitar a natureza jurídica do crédito, se concursal ou extraconcursal. O concurso universal de credores é analisado, aqui, sob o prisma da isonomia material. Se o crédito não está atrelado à recuperação judicial seria anti-isonômico dar-lhe o mesmo tratamento. Daí a Cesar o que é de César! Se o crédito foi constituído em momento posterior Inês é morta!
Para sermos fiéis ao que fora decidido pela Corte Cidadã reproduzimos, ao leitor, trecho do julgado. Confira:
“Os créditos constituídos depois de ter o devedor ingressado com o pedido de recuperação judicial estão excluídos do plano e de seus efeitos (art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005). A sentença (ou o ato jurisdicional equivalente, na competência originária dos tribunais) é o ato processual por meio do qual nasce o direito à percepção dos honorários advocatícios sucumbenciais. Se a sentença que arbitrou os honorários sucumbenciais se deu posteriormente ao pedido de recuperação judicial, o crédito que dali emana, necessariamente, nascerá com natureza Informativo comentado Informativo 3 extraconcursal, já que, nos termos do art. 49, caput da Lei nº 11.101/05, sujeitam-se ao plano de soerguimento os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos, e não os posteriores. Por outro lado, se a sentença que arbitrou os honorários advocatícios for anterior ao pedido recuperacional, o crédito dali decorrente deverá ser tido como concursal, devendo ser habilitado e pago nos termos do plano de recuperação judicial. STJ. 2ª Seção. REsp 1.841.960-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/02/2020 (Info 669).” INFORMATIVOS STJ, 2020. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 30/06/2020).
Outro ponto de suma importância diz respeito ao instituto da constatação prévia, termo esse cunhado por Daniel Castro Costa. Anteriormente a edição do novo diploma normativo tal fenômeno era conhecido como perícia prévia. A mudança terminológica foi saudável ante ao tecnicismo atrelado a palavra perícia. O fenômeno da constatação prévia foi previsto no art. 51 A da LRF. Significa que o magistrado poderá nomear uma pessoa de sua confiança que se dirija ao local do estabelecimento afim de verificar se a empresa está operando tudo nos conformes. O próprio nome do instituto já é autoexplicativo. Trata-se, em verdade, de uma constatação realizada por um terceiro, que não o próprio juiz, mas que irá funcionar como o seu longa manus. Isso para evitar a fraude de empresas que pleitrearem recuperação judicial e sequer estarem funcionando no local indicado como a sua sede. O instituto visa assegurar um julgamento uniforme e propiciar uma maior segurança jurídica aos magistrado quando da apreciação do pedido recuperacional.
Em palavras singelas: o profissional de confiança do juiz nada mais é do que o alcoviteiro. Se a empresa estiver boa das pernas, atuando no mercado de forma regular, segundo a constatação do alcoviteiro, que também terá a função de comprovar o principal estabelecimento do devedor, o juiz deferirá o pedido recuperacional, se competente, se preenchidos os demais requisitos para tal desiderato.
O instituto da constatação prévia também tem por finalidade delimitar a competência jurisdicional através da confirmação do local do principal estabelecimento do devedor. Em não sendo competente o juiz fará a remessa dos autos ao juiz que reputar competente. A constatação prévia firma a prevenção, já que o principal estabelecimento é reflexo maior da competência absoluta no âmbito processual civil.
Assim já nos ensinou o Superior Tribunal de Justiça. Confira o leitor:
Processo CC 163.818-ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 23/09/2020, DJe 29/09/2020. Ramo do Direito: DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR. Tema Juízo falimentar e recuperação judicial. Competência absoluta. Principal estabelecimento do devedor. Momento da propositura da ação. Destaque. É absoluta a competência do local em que se encontra o principal estabelecimento para processar e julgar pedido de recuperação judicial, que deve ser aferido no momento de propositura da demanda, sendo irrelevantes para esse fim modificações posteriores de volume negocial.
Informações do Inteiro Teor: O Juízo competente para processar e julgar pedido de recuperação judicial é aquele situado no local do principal estabelecimento (art. 3º da Lei n. 11.101/2005), compreendido este como o local em que se encontra “o centro vital das principais atividades do devedor”. Embora utilizado o critério em razão do local, a regra legal estabelece critério de competência funcional, encerrando hipótese legal de competência absoluta, inderrogável e improrrogável, devendo ser aferido no momento da propositura da demanda – registro ou distribuição da petição inicial.A utilização do critério funcional tem por finalidade o incremento da eficiência da prestação jurisdicional, orientando-se pela natureza da lide, assegurando coerência ao sistema processual e material. Destaca-se que, no curso do processo de recuperação judicial, as modificações em relação ao principal estabelecimento, por dependerem exclusivamente de decisões de gestão de negócios, sujeitas ao crivo do devedor, não acarretam a alteração do juízo competente, uma vez que os negócios ocorridos no curso da demanda nem mesmo se sujeitam à recuperação judicial. Assim, conclusão diversa, no sentido de modificar a competência sempre que haja correspondente alteração do local de maior volume negocial, abriria espaço para manipulações do Juízo natural e possível embaraço do andamento da própria recuperação. Com efeito, o devedor, enquanto gestor do negócio, detém o direito potestativo de centralização da atividade em locais distintos no curso da demanda, mas não o poder de movimentar a competência funcional já definida. Do contrário, o resultado seria o prolongamento da duração do processo e, provavelmente, a ampliação dos custos e do prejuízo dos credores, distorcendo a razão de ser do próprio instituto da recuperação judicial de empresas.” INFORMATIVOS STJ, 2020. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 30/06/2020).
Vale dizer que a constatação prévia não poderá ter como parâmetro a viabilidade econômica do devedor, mas tão só as suas condições de funcionamento e lisura na documentação , bem como averiguar a veracidade do local do principal estabelecimento do devedor para fins de delimitação de competência absoluta.
Confira o leitor a redação do dispositivo legal:
Art. 51-A. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, poderá o juiz, quando reputar necessário, nomear profissional de sua confiança, com capacidade técnica e idoneidade, para promover a constatação exclusivamente das reais condições de funcionamento da requerente e da regularidade e da completude da documentação apresentada com a petição inicial. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
Em tradução para o português denota o período de permanência. Dentro do contexto falimentar e recuperacional de empresas significa que o simples deferimento da recuperação judicial, por si só, terá o condão de suspender todas as ações e execuções promovidas em face do devedor, pelo lapso temporal de 180 (cento e oitenta dias), admitida uma única prorrogação com vistas a que o devdor tenha um tempo maior para se organizar e elaborar o seu plano negocial.
O instituto também passou a englobar a recuperação extrajudicial
Há que se destacar que o prazo era improrrogável, no que concerne a recuperação judicial, na redação primitiva da Lei 11.101/05. A nova lei veio apenas ratificar prorrogação que já era amplamente admitida pela jurisprudência.
Assim, acompanhe o leitor a decisão exarada pelo Superior Tribunal de Justiça, em momento pretérito ao novo diploma legal:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DE AÇÕES E EXECUÇÕES JUDICIAIS (STAY PERIOD). ART. 6º, § 4º, DA LEI 11.101/2005. PRORROGAÇÃO LIMITADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM A 180 DIAS. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÃO DE FATO NOVO. SUBMISSÃO ÀS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o prazo de suspensão das ações e execuções na recuperação judicial, previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005, pode ser prorrogado “caso as instâncias ordinárias considerem que tal prorrogação é necessária para não frustrar o plano de recuperação” (AgInt no REsp 1.717.939/DF, Rel. Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 06/09/2018).2. No caso, o Tribunal de origem, ao deferir a prorrogação do prazolegal de suspensão do stay period, entendeu, à luz das circunstâncias da causa, por limitá-la a 180 dias, ressalvando, no entanto, a possibilidade “de se postular nova prorrogação na origem, se preenchidos os requisitos para tal”. 3. Rever as premissas fáticas que ensejaram tal entendimento exigiria a reapreciação do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada em sede de recurso especial, por força do óbice
contido na Súmula 7/STJ. 4. A existência de eventual fato novo relevante a ensejar nova prorrogação do prazo legal deve ser submetida ao Juízo de origem, sob pena de supressão de instância.5. Agravo interno a que se nega provimento. Processo: AgInt no REsp 1809590 / SP – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2019/0106704-1– Relator(a): Ministro RAUL ARAÚJO (1143). INFORMATIVOS STJ, 202o. DISPONÍVEL EM WWW.STJ.JS.BR. Acesso em 02/03/2021.
Uma novidade da nova lei é a de que tal instituto refletirá diretamente no tocante a competência do juízo firmando-a para tanto, entendimento esse que já era largamente utilizado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e, agora, ratificado pelo legislador. Confira o leitor:
Processo REsp 1867694 / MT RECURSO ESPECIAL
2020/0067076-4 Relator(a) Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150) Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 06/10/2020 Data da Publicação/Fonte DJe 15/10/2020 Ementa RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO ACERCA DA VALIDADE DE ATOS CONSTRITIVOS REALIZADOS EM EXECUÇÕES INDIVIDUAIS POR OCASIÃO DO SOBRESTAMENTO E REFORMA, PELO TRIBUNAL ESTADUAL, DA DECISÃO QUE HAVIA DEFERIDO O PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROVIMENTO JUDICIAL FINAL QUE RECONHECE O ACERTO DA DECISÃO QUE DEFERIU O PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, COM O RESTABELECIMENTO DE TODOS OS SEUS EFEITOS LEGAIS, DESDE A SUA PROLAÇÃO. RECONHECIMENTO. CRÉDITOS REPRESENTADOS POR CÉDULAS DE PRODUTO RURAL GARANTIDAS POR PENHOR RURAL. SUBMISSÃO AO PROCESSO RECUPERACIONAL. JUÍZO ACERCA DA ESSENCIALIDADE DOS BENS ARRESTADOS. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Controverte-se no presente recurso especial sobre a validade e a subsistência dos atos executivos realizados no bojo de execuções individuais promovidas por credores contra os produtores rurais (ora recorrentes), consistentes no arresto, no depósito e a na remoção de produtos agrícolas, objeto de garantia pignoratícia, em interregno no qual a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial dos executados havia sido reformada pelo Tribunal estadual. 2. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, este passa a ser o marco inicial legal de suspensão de todas as execuções individuais que fluem contra o empresário recuperando, a atrair a competência do Juizo recuperacional para decidir sobre os bens daquele. Ainda que esta decisão seja objeto de impugnação recursal, o provimento judicial final que venha a reconhecer o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial do empresário tem o condão de manter incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes, desde a sua prolação. 2.1 Entendimento contrário esvaziaria por completo a recuperação judicial do empresário que obteve em seu favor o deferimento do processamento desta – confirmado em provimento judicial final -,
caso se convalidasse a constrição judicial e o levantamento do patrimônio do recuperando em favor de determinados credores exarados no âmbito de execuções individuais, durante a tramitação dos correlatos recursos por período absolutamente indefinido, em detrimento dos demais credores também submetidos ao processo recuperacional. 2.2 A suspensão de todas as execuções contra o empresário em
recuperação judicial consiste em benefício legal absolutamente indispensável para que este, durante o stay period, possa regularizar e reorganizar suas contas, com vistas à reestruturação e ao soerguimento econômico-financeiro, sem prejuízo da continuidade do desenvolvimento de sua atividade empresarial. 3. A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial. O credor assume os riscos de prosseguir com a sua execução individual, ao ensejo do sobrestamento ou da reforma provisória da aludida decisão. Em se confirmando o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, com o restabelecimento de todos os seus efeitos desde a sua prolação, os atos executivos realizados no âmbito das execuções individuais tornam-se absolutamente nulos. 4. Revela-se de todo descabido, para efeito de validade e subsistência dos atos executivos em comento, aferir a essencialidade dos bens arrestados, a pretexto de aplicação da parte final do § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, como procedeu o Tribunal estadual. Os créditos em análise (representados por cédulas de produto rural garantidas por penhor rural) não se subsumem a nenhum daqueles descritos no § 3º do art. art. 49 da Lei n. 11.101/2005 (entre os quais, o de titularidade de credor titular da posição de proprietário fiduciário), reputados extraconcursais. Nos termos do art. 41, II, da LRF, os créditos com garantia real, como é o caso do penhor, submetem-se, indiscutivelmente, ao processo recuperacional. 5. Reconhecida a invalidade dos atos constritivos realizados no bojo das execuções individuais, os ora recorridos haverão de proceder à disponibilização dos bens arrestados aos recorrentes, sob a supervisão e sob os critérios a serem determinados pelo Juízo da recuperação judicial, a quem compete, também, deliberar sobre eventual pedido, por parte dos recuperandos, de alienação dos bens, objeto de garantia, para dar continuidade às suas atividades ou para dar consecução aos termos do Plano de recuperação judicial a ser submetido à Assembleia Geral Credores..6. Recurso especial provido. INFORMATIVOS STJ, 2020. Disponível em < www..stj.jus.br> Acesso em 02/02/2021.
Logo, para os casos que não envolvam o Fisco (já que os atos de constrição realizados pelo Fisco não serão objeto de suspensão, mas de substituição por um outro bem), o juiz poderá determinar a suspensão dos atos de constrição, nos termos do art. 6º da LRF, com a nova redação acoplada pela Lei 14.112/2020.
Confira o leitor a redação do dispositivo legal, com as mencionadas alterações:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
– suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
A lei ainda trouxe a possibilidade de antecipação dos efeitos do stay period desde a propositura da demanda, no período entre o ajuizamento e o deferimento da recuperação judicial.
A possibilidade de antecipação dos efeitos do stay period nada mais significou que uma garantia aposta ao empresário ou a sociedade empresária de que o magistrado, analisando a necessidade e urgência venha ao seu encontro, livrando-o da forca. Em outras palavras: o juiz ao se deparar com a necessidade e urgência concederá um tempo maior ao empresário e sociedade empresária para que melhor se organizem no sentido de providenciar, em tempo hábil, a documentação necessária ou garanta o regular funcionamento de sua atividade até o deferimento do processamento, seguido de analise fulcrada em laudo judicial após a constatação prévia realizada por pessoa de sua confiança.
Conclusão
Se pudéssemos reduzir tudo o que dissemos até agora reduziríamos o artigo em uma única palavra: desburocratizar. Essa é a nossa palavra chave mais importante e que nos ajuda a entender a importação de alguns institutos do Código de Processo Civil para a Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei 11.101/05, com inovações acrescentadas pela Lei 14.112/20), em verdadeiro diálogo de fontes, total ou parcial, bem como a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil naquilo que for compatível com o novo diploma legal. Em muitos pontos não inovou, mas consolidou entendimento jurisprudencial oferecendo aos personagens do cenário empresarial uma maior segurança.
Ademais, os novos instrumentos, agora colocados à disposição do devedor (empresário, sociedade empresária e Eirelli), empreendidos com celeridade, estão aptos a ajudá-lo na elaboração de um plano de recuperação judicial que poderá salvá-lo do colapso, de forma que possa abrir as portas aos credores, convidá-los para um cafezinho e manter a credibilidade perante eles e junto ao mercado de consumo.
A nova lei já está em pleno vigor. Não tenhamos medo do novo. Já nos ensina o ditado popular: “A formiga sabe a folha que corta”.
Isto posto, conclui-se que de nada adianta o legislador dar com uma mão novos instrumentos para que o devedor não venha a enforcar-se, se os operadores do direito, em sua lida diária, tirarem com a outra, suscitando dúvidas e não aplicando, de imediato, as normas insculpidas pela Minirreforma, sob pena da burocratização ganhar a cena principal do espetáculo, em que os atores (magistrados) apenas formalizarão uma jurisprudência defensiva. Não é isso o que nós desejamos! Apenas caminhemos. “Devagar se chega ao longe”.
Referências Bibliográficas
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volumes 1 e 2, Ed. Jus Podium, 2015, Salvador, 17ª e 10ª edições respectivamente.
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. 1.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol.1.13ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2009.
CAVALCANTE, Márcio André. Informativos do STF e STJ. Versão Resumida. Dizer o Direito, 2020. Disponível em <www.dizerodireito.com.br>. Acesso em 02/02/2021.
INFORMATIVOS STJ, 2020. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 02/02/2021.
INFORMATIVOS STF, 2020. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 25/06/2020.
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