As mudanças do regime de agravo não foram significativas nem vão servir para atenuar a morosidade da Justiça.
Com o pretexto de racionalizar o processo e agilizar a prestação jurisdicional, em face do que dispôs a Reforma do Poder Judiciário, pela Emenda Constitucional nº 45, e em decorrência de um conjunto de alterações que se pretende imprimir, gradualmente, à lei processual, editou-se a Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005.
Todavia, em que pese seu nobre objetivo, parece-nos que as alterações realizadas não resultarão nem na racionalização do processo, nem na agilização da prestação jurisdicional.
A primeira reflexão necessária é combater a assertiva de que o agravo de instrumento seja o vilão da morosidade, e de que as alterações dos últimos anos no regime de agravo proporcionaram um grande crescimento de utilização desse meio de recurso.
Vamos à analise dessa assertiva. O agravo não é o vilão da morosidade, porque, de certo modo, ele é uma arma eficaz contra a própria morosidade. É uma ferramenta que tenta dar resposta rápida à violação e ameaça a direitos.
No compasso da necessidade de oferecer ferramentas processuais que permitissem decisões mais rápidas para corrigir injustiças e proteger direitos, além das cautelares, o legislador havia criado, em 1994, o instituto da antecipação da tutela, previsto no art. 273 do CPC, e veio, ao longo dos anos, aperfeiçoando esse instituto, ao ponto de prever a fungibilidade entre as medidas cautelares e a antecipação da tutela, ao acrescer o § 7º ao art. 273, pela Lei nº 10.444/2002.
E penso que foi exatamente a criação do instituto da antecipação da tutela que fez crescer o manejo do recurso de agravo de instrumento. Porque se massificou a utilização desse pedido nas ações. E, hoje, certamente, a maioria das ações ajuizadas carrega um pedido de antecipação da tutela. E, portanto, o seu deferimento ou indeferimento, proporciona o direito de utilizar-se do agravo de instrumento, pela parte que tenha sido afetada pela decisão.
E quando o agravo foi alterado para permitir que o Relator pudesse conceder a antecipação da tutela em sede de agravo de instrumento, ainda mais eficiente se tornou esse instituto. Logo, quanto mais eficiente, maior utilização terá pelos operadores do Direito. Isso é cíclico.
Claro que se a grande maioria dos recursos de agravo de instrumento versa sobre pedidos de liminares ou antecipação da tutela, deferidos ou indeferidos, naturalmente carregam em seu bojo, a argumentação de urgência, ou seja, de lesão grave ou de difícil reparação.
Em outras palavras, isso quer dizer que a alteração realizada pela Lei nº 11.187/2005 não afetará em proporção expressiva o número de agravos de instrumento interpostos, porque a grande maioria destes continuará sendo articulada, eis que se apóiam na exceção permitida na nova regra.
Em verdade, aquilo que a lei prevê como exceção, é a regra, ou melhor dizendo, representa o caso mais comum de interposições de agravo de instrumento. Portanto, a alteração legislativa não gerará o resultado pretendido, qual seja, o da redução significativa do número de agravos de instrumento.
Outra reflexão necessária é a de se analisar se é ruim ou não, o fato de existirem muitos agravos de instrumento. Se por um lado, é evidente que mais agravos de instrumento demandam mais trabalho para o Judiciário, por outro, está a relevância de que se a maioria dos agravos versa sobre questões urgentes, o julgamento desses dá crédito ao Poder Judiciário, porque, em tese, estão assegurando, durante o curso do processo de conhecimento, o acautelamento de medidas urgentes ou beneficiando a parte com a antecipação de tutelas que só seriam asseguradas ao final do processo de cognição e, muitas vezes, somente ao final do processo de execução.
Ou seja, a quantidade de agravos pode ser o termômetro que está por medir que a Justiça está cumprindo seu papel, tornando-a efetiva em tempo hábil, minimizando os maléficos efeitos da demora da prestação jurisdicional definitiva.
Logo, parece na contramão da essência de se buscar a celeridade da Justiça mudanças que operem na restrição ao uso de ferramentas como a do agravo de instrumento.
Outra falsa premissa que parece ter sido utilizada para se justificar a Lei nº 11.187, é a de que o agravo de instrumento atrasa o julgamento do processo principal. É um equívoco pensar dessa forma, em regra, embora existam situações excepcionais, o agravo de instrumento não paralisa o curso do processo principal, e, não raras vezes, o processo principal tem julgamento em primeira instância, antes da decisão final do agravo de instrumento, o que pode, inclusive, torná-lo prejudicado.
Todavia, o agravo de instrumento, quase sempre antes de seu julgamento final, tem uma decisão sobre o pedido de liminar ou de concessão de efeito suspensivo à decisão agravada. Aliás, daí nasce a confusão, o efeito suspensivo que o agravo pode atribuir é à decisão agravada e não de suspensão do processo, que só ocorre em situações raras e excepcionais.
Portanto, impedindo ou restringindo o agravo de instrumento não se estará acelerando o julgamento do processo. Ao contrário, uma decisão interlocutória se decidida antes da conclusão do processo em primeira instância, poderia evitar, por exemplo, que o juiz sentenciasse invalidamente, deixando de aceitar uma prova como válida, ou indeferindo a oitiva de uma testemunha, enquanto deveria aceitar tal prova. Isso implicará dizer que o julgamento posterior do recurso dessa decisão interlocutória poderá fazer o processo retroceder no tempo e nas suas fases, tornando ainda mais tardia a prestação jurisdicional.
Vencidas essas falsas premissas, há que se analisar o que de fato mudou com a Lei nº 11.187/2005. Na leitura comparativa muito pouco foi alterado, quase nada. Porém, o pouco que se alterou, ao que parece, tornará pior e nada contribuirá para acelerar a prestação jurisdicional, com o risco de tumultuar o Judiciário com outros meios de impugnação.
Vejamos artigo por artigo na página anterior.
A principal mudança teria sido conceitual, qual seja, a de que a regra geral é do cabimento do agravo retido e não do agravo de instrumento. Todavia, essa mudança de conceito não representará grandes alterações no dia-a-dia forense, porque antes a Lei nº 10.352/2001 já havia realizado alterações que colocam grande parte dos casos como sendo próprio de agravo retido, como previa o § 4º do art. 523, bem como, na possibilidade de que o relator (inciso II do art 527, CPC) poderia converter em retido o agravo de instrumento se entendesse não se tratar de provimento de urgência ou de lesão grave e de difícil e incerta reparação.
A outra mudança mais relevante é de que deve ser oral a interposição do agravo retido, na própria audiência onde tiver sido proferida a decisão. Essa mudança não traz grandes repercussões na vida prática, porque assim já era feito na grande maioria das vezes, quando se tratava de perguntas indeferidas às testemunhas, ou requerimento orais indeferidos em audiência. Todavia, não houve regulamentação de como será a resposta da outra parte, podendo gerar uma desigualdade entre as partes, se a parte recorrida tiver o prazo de 10 dias, e a oportunidade de juntar documentos, sem que a agravante tenha tido igual oportunidade.
No mais, continua-se admitindo o agravo de instrumento nos casos de decisão suscetível de causar à parte, lesão grave ou de difícil reparação. Em verdade, isso não era diferente, eis que o agravo de instrumento era admitido nessa hipótese, e o relator do AI poderia convolar em retido o agravo que não se amoldasse a essa hipótese, como já previa o inciso II do art. 527.
A diferença é que a conversão em agravo retido, pelo relator, passou a ser obrigatória. Entretanto, tudo dependerá do que compreender o relator, se será ou não caso de conversão.
A grande mudança é a exclusão da possibilidade de agravo regimental. A previsão da nova redação do parágrafo único do art. 527 estabelece que a decisão liminar proferida nos casos dos incisos II e III do caput do referido artigo só será passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator reconsiderar. Em outras palavras, não poderá haver o agravo regimental ou agravo interno, por impedimento da lei.
Essa alteração em nada acelera o processo de cognição nem mesmo o procedimento do agravo de instrumento, porque como o agravo regimental é levado a julgamento em mesa e não depende de inclusão em pauta, não proporcionava qualquer atraso, e ainda, em boa parte das vezes era julgado junto com o agravo de instrumento, tornando-o prejudicado.
Todavia, a extinção do direito de recorrer da decisão liminar nas hipóteses dos incisos II e III do art. 527, faz renascer a possibilidade de utilização do mandado de segurança. Isto porque, é sabido que caberá mandado de segurança quando não couber recurso, e ainda, porque a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. E foi exatamente isso que fez a lei ao proibir o recurso de agravo regimental.
Na prática, a mudança legislativa terá substituído o direito de agravo regimental, que tem pequeno poder de fogo, que não entra em pauta, que não cabe sustentação oral, que é julgado pelo próprio colegiado onde tramita o agravo de instrumento, sendo o mesmo relator do AI, e cujas estatísticas demonstram irrisório percentual de reforma.
Em contrapartida, acabam por admitir o cabimento do mandado de segurança. Claro que as partes afetadas justificarão a urgência, como já teriam justificado anteriormente, quando da discussão do agravo de instrumento.
O mandado de segurança, por sua vez, é distribuído para um colegiado muito maior, composto por várias vezes o número de julgadores do colegiado do agravo de instrumento, terá um novo relator, terá a possibilidade de liminar, envolverá o contraditório no litisconsórcio necessário e as informações da autoridade impetrada, entrará em pauta, caberá sustentação oral, e admitirá embargos de declaração, recurso ordinário e recurso de natureza extraordinária.
Ou seja, em termos práticos, o legislador trocou um estilingue por um míssil. Foi ótimo para a ampla defesa, e um péssimo negócio para descongestionar o Judiciário. Afinal, o agravo regimental, em geral, tem prazo de 5 dias, enquanto no mandado de segurança são 120 dias, para impetrar, além de diversos anos para julgá-lo totalmente considerando as diferentes instâncias que poderá tramitar.
No agravo regimental teríamos de 3 a 5 desembargadores para julgá-lo, dependendo do tribunal e sua composição, enquanto no mandado de segurança teremos várias vezes esse número.
Veja um exemplo absurdo de violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa que a alteração poderá proporcionar. O Autor “X” ajuíza ação ordinária requerendo a antecipação da tutela inaudita altera pars, para que o juiz determine ao réu “Y” que pratique determinado ato sob pena de multa diária em elevado valor. O MM. Juiz antes da citação do réu, indefere o pedido de antecipação da tutela, entendendo ausentes os requisitos para essa concessão e determinando o prosseguimento do feito. O Autor “X” resolve agravar de instrumento da decisão, e requer liminar inaudita altera pars. O relator concede o efeito suspensivo ao agravo e defere a antecipação da tutela. O réu “Y”é intimado para cumprir a antecipação da tutela e sequer havia sido citado no processo de conhecimento.
No panorama da nova lei, o réu “Y” será compelido a cumprir a decisão do relator e não poderá sequer recorrer, porque a lei vedou essa possibilidade; no máximo, poderá requerer a reconsideração ao relator, que caso não reconsidere, terá que aguardar o julgamento definitivo do agravo de instrumento.
Ou seja, enquanto o autor teve duas oportunidades de se manifestar e requerer, sendo uma delas o direito de recurso, o réu não terá tido nenhuma oportunidade de se manifestar antes de decisão liminar, e nem contra esta poderá recorrer se deferida em segunda instância. Evidentemente, gera um desequilíbrio no tratamento das partes, e faz nascer o direito ao mandado de segurança.
Dessa forma, sob qualquer ângulo percebe-se que não foi uma boa medida legislativa, e, ao que parece, não atenderá ao fim de agilizar e racionalizar o processo.
Nem há que se dizer que isto não ocorrerá a exemplo da Justiça do Trabalho. Lá não existe grande volume de mandado de segurança, porque as demandas versam relações de trabalho, cujas vicissitudes não são tão numerosas como na Justiça Comum.
Por outro lado, na Justiça do Trabalho já há uma cultura de não se recorrer das decisões interlocutórias, porque no processo do trabalho vigora o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, o que, por si só, já retira desta a condição de paradigma para se analisar o impacto da medida inserta na Lei nº 11.187/2005 de vedação ao direito de recurso sob a perspectiva de geração de um sem número de demandas mandamentais em decorrência desta exclusão.
A diversidade de temas e ações da Justiça Comum, bem como, a cultura do recurso já enraizada em seus operadores desperta para a tendência de que surgirá um grande número de mandados de segurança, e, por conseguinte, multiplicando conflitos e estendendo-os para tempo de litígio ainda maior, além da sensação de insegurança e contradição na prestação jurisdicional que poderá se multiplicar com a utilização de ações no lugar, onde caberiam simples recursos.
Exemplo flagrante de que esse caminho não representa qualquer solução está na medida adotada pelo TJDF, que alterou seu Regimento Interno, por duas vezes, sobre o mesmo assunto em curto espaço de tempo.
A primeira alteração do Regimento impedia o agravo regimental quando o relator deferisse ou não a liminar em agravo de instrumento. Dessa providência nasceram inúmeros mandados de segurança contra as decisões de relatores de agravo de instrumento que haviam deferido ou indeferido o efeito suspensivo e a antecipação da tutela recursal. A ampliação considerável de mandados de segurança para tratar de temas que seriam resolvidos nos agravos regimentais fez o tribunal repensar a mudança regimental, e voltou atrás recentemente, em setembro de 2005, pelo ATO REGIMENTAL nº 01/2005, passando a permitir a utilização do agravo regimental (art. 219, RITJDF), tanto das decisões que deferem como das que indeferem o efeito suspensivo e antecipação da tutela recursal.
Este exemplo já é suficiente para notar, que a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 11.187/2005, muito semelhante à realizada pelo TJDF, está na contramão da racionalização e agilização do processo, ao contrário do que objetiva a própria regra.
As alterações legislativas a que se devem proceder para efetivamente acelerar a prestação jurisdicional e reduzir o tempo de processo, estão em direção diversa da que seguiu a Lei nº 11.187/2005, devem se concentrar em dar mais dinamismo ao processo de cognição, e efetividade ao processo de execução, notadamente, combatendo um dos principais vilões da morosidade, que é o descumprimento dos prazos impróprios, aqueles destinados aos serventuários da Justiça e aos magistrados, lá é que estão depositados muito mais do que 2/3 do tempo que um processo tem levado até ser totalmente concluído.
Advogado, sócio da Asdrubal Júnior Advocacia e Consultoria S/C, pós-graduado em Direito Público pelo ICAT/UniDF, Mestre em Direito Privado pela UFPE, Professor Universitário, Presidente do IINAJUR, organizador do Novo Código Civil da Editora Debates, Coordenador do Curso de Direito da UniDF, Diretor da Faculdade de Ciências Jurídicas da UniDF, Consultor das Nações Unidas – PNUD, Editor da Revista Justilex, integrante da BRALAW – Aliança Brasil de Advogados.
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