Resumo: Este trabalho busca lançar luzes sobre a necessidade de se interpretar o artigo 17 da Lei Complementar nº 140, de 2011, em conformidade com a regra constitucional que atribui aos entes federativos a competência comum de proteger o meio ambiente.
Palavras-chaves: Artigo 17 da Lei Complementar nº 140, 08 de dezembro de 2011. Interpretação conforme a Constituição Federal de 1988.
Abstract: This paper seeks to shed light on the need to interpret Article 17 of the Supplementary Law Nº. 140, 2011, in accordance with the constitutional rule that assigns the common federative competence to protect the environment.
Keywords: Article 17 of the Supplementary Law nº. 140, December 8th, 2011. Interpretation according to the 1988 Federal Constitution.
Sumário: Introdução. 1. A tarefa de proteção ao meio ambiente na Constituição Federal de 1988. 2. O artigo 17 da Lei Complementar nº 140, 08 de dezembro de 2011 e a sua leitura constitucional. Conclusões. Referências.
INTRODUÇÃO.
O Poder Constituinte originário de 1988 ao dispor sobre as matérias administrativas de competência dos entes federativos elencou em seu artigo 23 aquelas a todos comum, fixando ainda a edição de leis complementares as quais competiriam a fixação de normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Dentre as matérias de competência comum dos entes encontra-se a tarefa de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (art 23, inciso VI), e, a de preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, inciso VII).
Ocorre que, até a edição da Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, as atribuições de zelar pelo meio ambiente eram regidas por regras esparsas como, por exemplo, a Lei nº 6.983, de 1981, e a Resolução CONAMA nº 237, de 1997. Diante de tal cenário, muito se debatia sobre a legitimidade dos entes federativos em atuar diante de determinado caso concreto, trazendo certa instabilidade jurídica e social.
A Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, foi publicada com a seguinte ementa:
“Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981.”
Com efeito, a edição da Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, buscou, dentre outras providências, estabelecer as hipóteses nas quais os entes federativos devem (prioritariamente) atuar, entregando-os o dever-poder de agir nas ações elencadas nos artigos 7º a 10, sem, contudo, tal rol de ações significar o engessamento da atuação subsidiária de um ou outro como veremos a seguir.
Com a vigência da Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, em especial, com a regra disposta no art. 17 e seus parágrafos, vozes elevaram-se para defender a total exclusão do ente não licenciador da atividade em exercer o poder de polícia ambiental, posto que, no entender daqueles, a ação fiscalizatória e repressora estaria reservada de forma exclusiva ao ente responsável pelo processo de licenciamento ou autorização ambiental.
Porém, o presente estudo tem por objetivo traçar os fundamentos jurídicos capazes de demonstrar que a regra disposta no art. 17 da Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, deverá ser interpretada em conformidade com o texto constitucional, o qual, conforme acima exposto, atribui a todos os entes federativos a proteção ao meio ambiente.
1. A TAREFA DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
O princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana vem expresso no caput do art. 225 da Constituição Federal:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º – Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º – São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas”.
O artigo constitucional acima transcrito é vetor que conduz a atuação do Poder Público nas questões ambientais e deve ser lido em conjunto com o art. 23 da Constituição Federal, que estabelece o dever de todos os entes federativos de promover a proteção do meio ambiente, em especial, da fauna e flora, bem como controlar a poluição. Vejamos:
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…)
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; (…)
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII – preservar as florestas, a fauna e a flora; (…)
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
Édis Milaré, ao comentar o disposto nos artigos 23, inciso VI e 24, inciso IV da Constituição Federal, assim escreve:
“A Constituição da República estabelece que a União, os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente para legislar sobre a proteção do meio ambiente. Acresce, ainda, que todos os entes federativos têm competência comum para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; isso envolve atribuições na esfera administrativa, com fulcro no poder de polícia”[1].
Nesses termos, o poder de polícia ambiental, fundado no artigo 225 da Constituição Federal, assegura a todos os entes federativos a adoção de providências no sentido de possibilitar o controle de atividades e empreendimentos de que possam decorrer poluição ou agressão à natureza, de forma a garantir a máxima efetividade à proteção ao meio ambiente.
Assim, a repartição da atuação entre os entes federativos surge como um processo natural e necessário para viabilizar o exercício da atribuição comum de cuidar do meio ambiente, evitando-se sobreposição de atuações ou omissões e a, dessa forma, assegurar a observância aos princípios da eficiência, da cooperação e da economia processual.
Ocorre que, como visto acima, a falta de regras claras acerca da atribuição de cada um dos entes em atuar nas questões ambientais trouxe instabilidade jurídica (posicionamentos e decisões jurisprudenciais divergentes) e social (dificuldade do administrado em identificar o órgão competente). A dificuldade na prática de separar as competências dos entes políticos nos casos concretos teve especial atenção de Vladimir Freitas que assim escreveu:
“A insegurança que se cria com a indefinição a todos prejudica. Ao meio ambiente, porque não sabe a quem dirigir-se para a solução de suas pretensões e até mesmo para reinvidicar ao Poder Judiciário (federal ou estadual, dependendo do órgão ambiental)”.[2]
Também nesse sentido, ao comentar o cenário existente no período anterior à edição da Lei Complementar nº 140, de 2011, esclarece Vieira[3]:
“Acontece que essa lei complementar apenas teve o seu processo legislativo concluído e entrou em vigor em 12 de dezembro de 2011, data de sua publicação. Até então pairava um contexto de indefinição e de constantes conflitos positivos e negativos de competência administrativa para realizar a proteção do meio ambiente. Tal indefinição sempre prejudicou a ideal relação harmônica entre os entes da federação bem como submeteu os demais setores sociais a uma situação de insegurança jurídica. A prática cotidiana demonstrava grandes dificuldades e percalços para o exercício dessa competência comum dos entes da federação nos casos concretos, de forma que se verificava claramente uma inegável disputa de poder entre órgãos ambientais, redundando em constantes conflitos de competência”.
Em que pese a necessidade de se definir áreas de atuações, a fim de se conferir maior segurança jurídica e social, entende-se que, em matéria ambiental, a especificação não poderá levar a uma divisão rígida de tarefas a ponto de inviabilizar o exercício do poder de polícia atribuído igualmente a todos os órgãos ambientais. O que se deve buscar é a cooperação entre todos de forma a melhor concretizar a proteção ambiental. Ao legislador caberá elencar hipóteses de atuação prioritária sem, contudo, afastar o exercício da competência comum de outros entes, sob pena de ferir o texto constitucional.
E é nesse contexto que a Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, deve ser interpretada, pois elaborada com o objetivo de harmonizar as políticas e as ações administrativas para evitar a sobreposição de atuações e os conflitos antes noticiados. Ademais, a divisão de áreas garante uma atuação administrativa eficiente (art. 3º), e, portanto, de toda coerente com o modelo de federalismo cooperativo e de ampla descentralização administrativa, adotados pelo Estado brasileiro em 1988.
Oportuno desde já destacar que, da leitura da Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2012, extrai-se uma série de institutos capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos ambientais, dentre os quais se destacam a conceituação de atuação supletiva e subsidiária (art. 2º) e a possibilidade de intervenção voluntária dos entes federativos nos processos de licenciamento em trâmite em órgão de ente federativo diverso (art. 8º, § 1º).
Pelo o que até aqui exposto, fica evidenciado a imposição constitucional aos entes federativos na promoção do meio ambiente sustentável e a possibilidade de cooperação entre eles, tudo como forma de garantir a melhor eficiência e economia dos recursos públicos.
2. O ARTIGO 17 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 140, DE 08 DE OUTUBRO DE 2011, E A SUA LEITURA CONSTITUCIONAL.
A Lei Complementar nº 140, de 2011, elaborada para atender norma constitucional disposta no parágrafo único do artigo 23, nasce com o fim de organizar e aclarar o exercício das competências administrativas comuns, bem como para otimizar a aplicação e uso dos recursos e a de promover eficiência na gestão pública ambiental.
Em capítulo reservado às ações de cooperação após elencar as atuações administrativas de cada um dos entes federativos e a possibilidade de ação supletiva nos processos de licenciamento e na autorização ambiental (arts. 15 e 16), a Lei Complementar trata do exercício da atividade de fiscalização e a atribuição para a lavratura de auto de infração pela prática de ilícitos ambientais. Oportuna a transcrição do artigo em estudo para melhor entendimento:
“Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§ 1o Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.
§ 2o Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.
§ 3o O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput”.
Pela leitura da cabeça do artigo acima transcrito tem-se que a competência para licenciar está diretamente ligada à competência para fiscalizar. Assim, a regra geral é a de que cada órgão integrante do SISNAMA deve concentrar esforços em sua respectiva área de atribuição (artigos 7º a 10).
A razão mais evidente para se aproximar a atribuição de licenciar e de fiscalizar, surge da presunção de que aquele que expediu a licença detém melhores condições técnico-administrativas para fiscalizar o cumprimento das condições e os limites impostos, pois conhecedor dos termos do ato autorizativo.
Outra razão seria a de evitar intromissões indevidas no mérito administrativo praticado pelo órgão licenciador, conduta esta incompatível com o objetivo traçado pela Lei Complementar de harmonizar as ações administrativas, evitando-se sobreposição e conflitos e, por consequência, uma atuação administrativa eficiente (art. 3º).
Ocorre, porém, que, em consonância com o disposto na Carta Magna, o parágrafo terceiro do artigo 17 afasta a regra geral ao deixar consignado que, não obstante o dever primário do órgão licenciador de acompanhar o cumprimento dos termos da licença expedida, todos os demais entes federativos poderão exercer o poder de polícia ambiental sobre as atividades licenciadas, seja impondo medidas cautelares nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental como, por exemplo, a apreensão de bens, a suspensão de atividades e embargo da área[4], seja promovendo a autuação do infrator, esta nos termos do artigo 96 do Decreto nº 6.514, de 2008[5].
O parágrafo terceiro do artigo 17 dispõe ainda que deverá prevalecer o auto de infração lavrado pelo órgão licenciador mesmo que posterior ao lavrado por órgão ambiental sem atribuição para expedir licença. A predominância do auto de infração lavrado pelo órgão licenciador evita a ocorrência de dupla autuações e restabelece o dever primário daquele em acompanhar as atividades por ele outorgadas.
A regra disposta no parágrafo terceiro do art. 17 nada mais é do que a expressa previsão na Lei Complementar da atuação supletiva do órgão não licenciador, posto que estará autorizado a agir se caso aquele originariamente detentor da atribuição de fiscalizar e autuar (no caso, o órgão licenciador) restar inerte.
A regra da atuação supletiva está expressamente disposta no art. 2º, inciso II da Lei Complementar nº 140, de 2011[6], e encontra-se em perfeita consonância com o dever do Estado de agir para proteger os bens jurídicos de índole constitucional, sob pena de sua omissão ou atuação deficiente configurar lesão ao próprio direito fundamental entregue aos seus cuidados.
Ao tratar do princípio da proporcionalidade e seus elementos, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes escreve sobre o dever de proteção dos direitos fundamentais e a proibição da proteção insuficiente (Untermassverbot):
“Ao lado da ideia da proibição do excesso tem a Corte Constitucional alemã apontado a lesão ao princípio da proibição da proteção insuficiente. Schlink observa, porém, que se o Estado nada faz para atingir um dado objetivo para o qual deva envidar esforços, não parece que esteja a ferir o princípio da proibição da insuficiência, mas sim um dever de atuação decorrente de dever de legislar ou de qualquer outro dever de proteção (…) Daí concluiu que ‘a conceituação de uma conduta estatal como insuficiente (untermässig), porque ‘ela não se revela suficiente para uma proteção adequada e eficaz’, nada mais é, do ponto de vista metodológico, do que considerar referida conduta como desproporcional em sentido estrito (unverhältnismässig im engeren Sinn)”.[7]
Para o caso específico da fiscalização ambiental, tratada no parágrafo terceiro do artigo 17 da Lei Complementar nº 140, de 2011, a atuação supletiva mostra-se de toda proporcional e necessária, pois mantém a atuação de outros entes federativos e evita que, diante da omissão ou atuação deficiente do ente competente, não fique comprometido ou em risco o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.
Em outras palavras, a não observância ao dever de proteção pelo ente federativo não licenciador ensejará a própria lesão ao direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado para presentes e futuras gerações (art. 225 da CF), razão pela qual fica obrigado a agir ou inibir a ação danosa ao meio ambiente mesmo que não seja responsável pelo licenciamento ou a autorização da atividade.
A regra disposta no parágrafo terceiro do artigo 17 também traz implícito o princípio da subsidiariedade, este imanente à competência constitucional comum, ao estabelecer que “todas as atribuições administrativas materiais devem ser exercidas, de modo preferencial, pela esfera mais próxima ou diretamente vinculada ao objeto de controle ou da ação de polícia”[8] (grifo nosso).
Frise-se que, embora a Lei Complementar nº 140, de 2011, traga como regra geral a fiscalização e autuação pelo órgão licenciador, em momento algum afasta a possibilidade de atuação pelos demais órgãos ambientais. Nem se poderia interpretar de outra forma, pois como vimos a Constituição Federal de 1988 entregou a todos os entes o dever de proteção dos recursos ambientais.
Importa destacar que a doutrina e a Lei Complementar nº 140, de 2011, ao tratar do exercício do poder de polícia ambiental e a autuação pelo órgão ambiental utilizam-se do verbo “prevalecer”, a qual tem por sinônimos os verbos “preponderar”, “sobressair” e “predominar”. Ora, se o órgão não licenciador estivesse impedido de lavrar auto de infração como defendem alguns, aquele expedido pelo órgão licenciador iria predominar sobre quem exatamente. Somente se prepondera ou se sobressai de algo existente, no caso, o auto de infração do órgão licenciador da atividade irá predominar sobre aquele lavrado pelo órgão não licenciador.
De todo modo, para os casos de inexistir licença ambiental expedida e, logo, sem atuação prévia do órgão licenciador, não há que se falar em prevalência de atuação daquele, restando todos os entes federativos, através de seus órgãos, autorizados a atuar por força de mandamento constitucional. A ausência de licença autoriza o exercício em iguais condições por todas as entidades federativas, devendo prevalecer o auto de infração que primeiro identificar a conduta ilícita. Para tais casos, afasta-se a aplicação da regra disposta no parágrafo terceiro do artigo 17 da Lei Complementar nº 140, de 2011.
Importa ainda enfatizar que o artigo 23 da Constituição Federal exigirá que a atuação posterior do ente licenciador seja capaz de impedir ou fazer cessar o dano ambiental. Caso mostre-se insuficiente para tal mister, afastar-se-á a prevalência do auto de infração ambiental lavrado pelo órgão licenciador, regra disposta na parte final do parágrafo terceiro do artigo 17 da Lei Complementar nº 140, de 2011, mantendo-se incólumes e ativos os atos praticados pelo ente responsável pela fiscalização e autuação.
É possível, no entanto, que ocorra o arquivamento dos atos praticados pelo ente não detentor da atribuição de licenciar caso o ente originariamente competente para aquela determinada ação administrativa venha a promover a devida autuação. Em outros termos, somente um auto de infração deverá existir para cada conduta infracional, arquivando-se preferencialmente aquele expedido pelo órgão não-licenciador, sob pena de se incorrer em bis idem.
Exemplo de atuação de dois órgãos ambientais sobre o mesmo fato poderá se dar nos casos de omissão ou desconhecimento pelo órgão licenciador da prática de conduta infracional. Nesses casos, em atenção ao disposto no artigo 23, inciso VI da Constituição Federal, qualquer dos órgãos integrantes do SISNAMA poderá fiscalizar e autuar os infratores, expedindo-se, ato contínuo, imediata comunicação do fato ao órgão licenciador. Este, por sua vez, caso promova a fiscalização e autuação eficaz sobre o mesmo fato, verá prevalecer os seus atos sobre os demais praticados pelos órgãos ambientais supletivos.
Se nenhuma medida for adotada pelo órgão licenciador, o auto de infração lavrado pelo órgão ambiental supletivo deverá seguir seu curso normal, com a instauração de procedimento administrativo ambiental e julgamento pelas autoridades ambientais (art. 124 e seguintes do Decreto nº 6.514, de 2008).
CONCLUSÃO.
Como acima exposto, a Lei Complementar nº 140, de 2011, nasce da imposição constitucional da elaboração de norma infraconstitucional que fixe regras de promoção da cooperação entre os entes federativos nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum de proteção do meio ambiente.
Em seu artigo 17 estabelece como regra a fiscalização e a autuação por ilícitos administrativos ambientais pelo órgão licenciador, o qual se presume mais capacitado a analisar a infringência às condições estabelecidas na licença ou autorização ambiental.
Porém, em atenção ao artigo 23 da Constituição Federal e aos princípios da subsidiariedade e da proibição de proteção insuficiente do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em seu parágrafo terceiro dispõe ser igualmente competente para a fiscalização e a lavratura de auto de infração por ilícitos administrativos ambientais os entes federativos não envolvidos no processo de licenciamento ou autorização.
De maneira alguma, a Lei Complementar nº 140, de 2011, afastou a possibilidade de atuação de outros entes federativos de exercer o poder de polícia ambiental, em especial, de atuar na prevenção e fiscalização de condutas contrárias à preservação dos recursos ambientais. Buscou somente dar racionalidade ao exercício de tal competência constitucional, vinculando a atribuição de licenciar à de fiscalizar o cumprimento das normas e condições impostas no ato administrativo.
A fiscalização e autuação pelo ente não licenciador será legítima, posto que decorrente de competência comum assegurada pela Constituição Federal e deverá ser mantida até que sobrevenha ato lavrado pelo órgão que detenha a atribuição para o licenciamento ou autorização.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Procuradora Federal desde 2008. Coordenadora Estadual da Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA no Estado de Roraima
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