Uma reflexão acerca dos Pactos e Convenções Internacionais e sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio – Parte II

Sumário: 3. A
natureza jurídica dos Pactos e Convenções Internacionais; 4. Momento a
partir do qual produz seus efeitos; 5. Pactos Internacionais que exercem
ingerência no processo penal brasileiro.  

3.
A
natureza jurídica dos Pactos e Convenções Internacionais.

Convém
ressaltar, agora, sob qual feição normativa, os tratados, pactos e convenções
internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico. Vale dizer, se como
normas constitucionais; como normas infraconstitucionais ordinárias; ou como
normas infraconstitucionais especiais. 

Como se vê,
trata-se de matéria, deveras espinhosa, visto que dá margem a várias exegeses
por parte da doutrina e dos tribunais, as quais, basicamente, como já se
adiantou acima, resumem-se em três posicionamentos doutrinários, a saber:

O primeiro
deles, que encontra apoio na maioria da doutrina[1]
e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[2],
tribunal este que tem como incumbência constitucional á guarda da Constituição
(CF, art. 102, caput), sustenta que
as normas estrangeiras ingressam em nosso ordenamento como normas
infraconstitucionais ordinárias. O que equivale a dizer que para essa linha de
pensamento (concepção dualista[3])
os tratados internacionais situam-se, dentro da pirâmide Kelseniana[4],
na mesma posição das leis ordinárias.

Os defensores
desta corrente ideológica sustentam este posicionamento, sob o fundamento de
que as normas estrangeiras não podem ser equiparadas às normas constitucionais,
pois tal procedimento afrontaria, em última análise a soberania nacional e,
quando menos, a ordem pública e os bons costumes praticados no Brasil (LICC,
art. 17).

Além disso,
argumentam que um tratado internacional, referendado que é por decreto
legislativo aprovado por maioria simples, não pode se equiparar, nem muito
menos revogar uma norma constitucional, a qual exige maioria qualificada de 3/5
(três quintos) para ser modificada (CF, art. 60, § 2º). O que acabaria por
proporcionar, segundo esses, um abalo na rigidez da Constituição.

Não fosse isso
suficiente, os estudiosos, que defendem tal linha de pensamento, lembram ainda
que outra demonstração de que as normas dos tratados internacionais são
equivalentes às normas ordinárias encontra-se na própria Constituição, em seu
artigo 105, inciso III, alínea a[5], ao conferir
tratamento igual a ambas as espécies de normas no que tange à interposição de
recurso especial apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça. Vale dizer, se a
Constituição quisesse atribuir feição diferenciada aos tipos de normas sub examine, teria deixado à
apreciação do Supremo Tribunal Federal as normas internacionais.

Com efeito, o
art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, na expressão do atual Presidente do
Supremo Tribunal Federal, o Min. Marco Aurélio de Mello, revela apenas
propósito “simplesmente pedagógico [do constituinte]” [6].

Nesse sentido,
também, é a lição de Paulo Gustavo Gonet Branco[7],
que, defendendo tal posicionamento, afirma:

“O acervo de jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal registra precedentes em que se discute se o Pacto de
S. José da Costa Rica, em vigor no Brasil a partir da década de 90 e que proíbe
a prisão civil, ressalvando apenas o caso de dívida alimentícia, teria
inviabilizado a prisão do depositário infiel, admitida pela Constituição, no
art. 5º, LXVII. Em diversas ocasiões, o STF confirmou a legitimidade dessas
prisões, a começar pela decisão do Plenário, de 23.11.95, no HC 72.131, a que se seguiram
diversas outras, como o RE 206.086, DJ 7.2.97, o HC 75.925-1/SP, DJ 12.12.97, e
o HC 77.387-7/SP, DJ 23.10.98”. 

Nesse
passo, por oportuno que é, convém transcrever um trecho do voto do Min. Moreira
Alves, quando da decisão do HC 77.387-7/SP, DJ 23.10.98:


Esta Corte, por seu Plenário (HC 72.131), firmou o entendimento de que, em face
da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do
depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como de que o
Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do
artigo 5º, LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional
geral as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do
depositário infiel
”.

Por fim, mas não menos importante,
os defensores desta primeira linha de pensamento aduzem, ainda, a título de
argumento, a circunstância de que se os tratados internacionais forem
considerados normas infraconstitucionais ordinárias, possível será estabelecer
um controle de constitucionalidade dos mesmos, seja quanto ao seu sentido
expresso (ou formal), seja quanto ao seu significado essencial (ou material). O
que, em contrapartida, ainda segundo aqueles, não será possível caso se admita
a equivalência dos tratados às normas constitucionais, por não poder haver
normas constitucionais inconstitucionais.

No que concerne à segunda forma de
entendimento acerca da natureza jurídica dos tratados internacionais, estes são
equivalentes às normas infraconstitucionais especiais. Logo, ao contrário dos
defensores da primeira corrente, os quais sustentam que entre os tratados
internacionais e as leis ordinárias deve-se observar o princípio de que a norma
posterior revoga a anterior, para estes (defensores do segundo posicionamento)
deve prevalecer outro princípio, qual seja, o de que a lei especial revoga a
geral.

Desta forma, nota-se, desde já, o
primeiro dos pontos de divergência entre a primeira e a segunda linha de
pensamento, qual seja, enquanto para o primeiro entendimento prevalece a regra
temporal em caso de conflito entre os tratados internacionais e a lei
ordinária, para o segundo, impõe-se a regra de aplicação da norma especial em
caso de conflito, desconsiderando-se, portanto, o fator tempo.

Os defensores[8]
desta segunda corrente ideológica, que tem em Kelsen[9]
um de seus maiores expoentes, sustentam que os tratados equivalem-se às leis
especiais, por se tratar de norma que, além de aprovada pelo Congresso Nacional
(CF, art.49, I), resulta de acordo internacional celebrado entre Estados em
forma escrita e regido pelo direito internacional[10].
Ou seja, enquanto as leis ordinárias são fruto apenas da intelecção do Congresso
Nacional (CF, art. 61 usque 69), os tratados são produto de um pacto
internacional que, para entrarem vigor em nosso ordenamento jurídico, ainda
terão que ser ratificados pelo Congresso Nacional, após a assinatura do Chefe
de Estado (Cf, art. 84, VIII).

Mas esse não é o único motivo que
fundamenta tal posicionamento, merece ainda destaque o fato de que por se
tratar à convenção do resultado de um acordo internacional entre diferentes
Estados, esta não pode, simplesmente, ser revogada por leis ordinárias nacional
posteriores, pois, de outra forma, além de se retirar à eficácia e importância
dessas normas internacionais admitida será, também, a responsabilização do
Estado na Ordem Internacional, maculando não só a imagem do país transgressor
no cenário mundial, como também se criando uma crise de credibilidade em torno
deste nas futuras convenções e relações internacionais. Em uma só palavra,
acabar-se-ia por se instalar uma situação de mal-estar, com repercussão
internacional.   

Convém ressaltar, nesse passo, o
entendimento da Corte Permanente de Justiça Internacional, em parecer proferido
em 31.07.1930, afirmando a natureza especial dos tratados e a sua superioridade
perante as leis ordinárias, o qual é lembrado por Luís Roberto Barroso, nos
seguintes termos:

“É princípio geral reconhecido, do
direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um
tratado, as disposições de uma lei não podem prevalecer sobre a de um
tratado
” (grifo nosso)[11]

Os
estudiosos que sustentam tal modo de entender aduzem, ainda, que o próprio
ordenamento jurídico nacional dá, em diversas oportunidades, mostras de ser
este o melhor entendimento[12].
Aliás, outro não é o espírito do Código Tributário Nacional (Lei nº5.172/66),
que em seu artigo 98 (tal artigo deve ser entendido com certas reservas,
segundo Luciano Amaro[13])
dispõe:

“Art.
98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a
legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha
(grifo nosso).

Outros
são os exemplos identificados no ordenamento jurídico no mesmo sentido, são
eles: a) os casos de extradição, onde se considera que a lei interna (Lei
nº6.815/80), que é geral, cede vez ao tratado, que é regar especial[14];
b) a situação prevista no art. 178 da Constituição Federal (alterado pela
Emenda nº7/95), o qual trata da ordenação dos transportes internacionais[15].

Entretanto,
para a maioria dos juristas, dentre os quais pode-se citar, a título de
exemplo, os nomes de Luís Roberto Barroso[16]
e Jacob Dolinger[17],
estes casos são apenas exceções, que, como tais, apenas confirmam a regra
geral, isto é, de que os tratados equivalem-se às leis ordinárias.

Todavia,
os defensores desse segundo modo de entender a natureza jurídica das convenções
internacionais aduzem que outra razão fundamental para que os tratados
internacionais sejam equiparados a leis especiais é o fato de que se
constituem, essencialmente, em acordos internacionais firmados entre
determinados Estados acerca de uma dada matéria, o que implica dizer que só devem
reger as relações entre os Estados assinantes do tratado, não se referindo,
portanto, aos outros Estados não participantes. Logo, são leis especiais porque
regulam especificamente as relações entre tais Estados e não toda e qualquer
relação mantida entre diferentes Estados.

De
outra forma, ainda segundo os defensores deste posicionamento, os tratados
equivaler-se-iam as leis ordinárias e seriam revogados ou poderiam revogar
essas, seja qual fosse a situação em exame, o que traria, ainda segundo os
mesmos, sérias inconveniências, pois não só estabeleceria igual tratamento com
todos os Estados, fossem ou não assinantes de determinado tratado, como também
tornaria, totalmente, inútil à celebração de futuros tratados, já que o
tratamento conferido seria uniforme, além do que criaria uma instabilidade no
ordenamento jurídico interno, no que concerne ás relações entre as pessoas
físicas e jurídicas do país, vez que estas teriam seus negócios, bens,
direitos, garantias e liberdades pessoais, ora regulados por tratados, ora
disciplinados por leis ordinárias.      

Por
fim, merece ser também trazido à baila o terceiro entendimento acerca da
natureza jurídica dos tratados, o qual acima nos referimos rapidamente e que
sustenta a equivalência dos tratados[18]
às normas constitucionais.

Os
defensores desta última linha ideológica defendem que o parágrafo 2º (segundo),
do artigo 5º, da Constituição Federal dá ensejo a que se assevere que se adotou
um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar
taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição.

Nesse
sentido, então, é legítimo cogitar, como sustenta José Afonso da Silva[19],
de direitos fundamentais expressos, direitos fundamentais implícitos e direitos
fundamentais decorrentes do regime e de tratados internacionais. Vale dizer, de
direitos fundamentais previstos, expressa ou implicitamente, no catálogo da Lex
Legum
e direitos materialmente fundamentais que estão fora do catálogo.
Direitos que, apesar de não rotulados expressamente como fundamentais no título
próprio da Constituição, podem ser como tais considerados, em razão da análise
do seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição de 1988.

Essa
sua fundamentalidade decorre diretamente da sua referência a posições jurídicas
ligadas ao valor da dignidade humana (CF, art. 1º, III), que, por sua
importância, não podem ser deixadas à disponibilidade absoluta do legislador
ordinário[20].
Isto porque os direitos fundamentais não são a sobra de tudo o que o homem não
pode fazer, mas o núcleo mínimo resistente no qual estão cristalizados os
direitos essenciais à dignidade de qualquer pessoa humana.

Entendidos
assim, os direitos fundamentais previstos nos tratados assinados e ratificados
pelo Brasil gozam, não apenas da condição de normas constitucionais
fundamentais, como também integram o rol das matérias constitucionais
imodificáveis por emenda constitucional (ou seja, das erroneamente designadas
cláusulas pétreas – CF, art. 60, § 4º, IV). Nesse sentido são os entendimentos
de Antônio Augusto Cançado Trindade[21]
e Flávia Piovesan[22]
e Ada Pellegrini Grinover[23].

Os
que advogam este entendimento ressaltam, ainda, que o texto do parágrafo 2º, do
artigo 5º é bastante claro neste sentido, uma vez que, após afirmar a
existência dos direitos e garantias expressos na Constituição, deixa claro que
estes não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Aliás,
nesse passo, releva notar que está em curso no Congresso Nacional proposta de
Emenda à Constituição (no contexto da chamada “Reforma do Poder Judiciário”)
que visa acrescentar ao artigo 5º da Constituição Federal um parágrafo 3º
(terceiro)[24]
com o escopo de confirmar, de forma definitiva, a qualidade de norma
constitucional às normas oriundas de tratados internacionais, bem como acaba
por ratificar, na sua inteireza, o presente entendimento, sendo esta, pois, a
tendência do legislador pátrio, seguido nisso pelo Superior Tribunal de Justiça[25].
     

Este
último entendimento ganha, ainda, maior relevância, quando se tomam em
consideração os tratados que estão a disciplinar direitos e garantias relativas
aos direitos penal e processual penal.

Por
derradeiro, não se diga que este último entendimento não pode prosperar por
criar a inconveniente possibilidade de normas constitucionais
inconstitucionais, como se destacou linhas atrás, uma vez que os tratados, além
de poderem ser declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (CF,
art. 102, III, b), poderiam determinar a inconstitucionalidade de regras, já
previstas na Constituição, antes havidas como constitucionais.

A
presente argumentação, segundo os causídicos desta linha de pensamento, não
merece prosperar, pois, como assinala Otto Bachof[26],
é possível, sim, haver normas constitucionais inconstitucionais, não havendo
nisso nenhum absurdo[27].

Ademais,
como os tratados internacionais só se prestarão a não abolir (como também a não
restringir, no nosso entender) os direitos e garantias, não há porque não
admiti-los como normas constitucionais. Vale dizer, se é certo que as normas
restritivas devem ser interpretadas restritivamente[28],
também é certo que as normas garantidoras devem ser interpretadas
extensivamente.

Além
disso, se os tratados internacionais versam sobre direitos fundamentais e
garantias individuais (e institucionais, no nosso entender), definindo os
mesmos, estes, na qualidade de normas constitucionais, têm aplicação imediata,
consoante dispõe o artigo 5º, parágrafo 1º (primeiro), da Constituição Federal.

Em
síntese bem apertada de tudo quanto até aqui foi exposto, podemos, segundo o
nosso entender, acentuar que os tratados internacionais, segundo a matéria e
princípios que os norteiam, são, no que concerne às matérias em geral (direito
civil, comercial e outras), equiparados às leis ordinárias; no que se refere ao
direito tributário, aos transportes internacionais (CF, art. 178) e a algumas
legislações especiais (Lei nº6.815/80), equiparados às leis especiais e, quanto
aos direitos fundamentais, às garantias (individuais e institucionais) e alguns
ramos do direito (como, por exemplo, os direitos penal e processual penal),
equivalentes às normas constitucionais.      

4.
Momento a partir do qual produz seus efeitos.

O momento em que o tratado
internacional passa a possuir eficácia deve ser estudado cindindo-se o mesmo em
duas partes: a) o momento da assinatura do tratado e b) o momento da
ratificação do tratado.

O
primeiro momento, o da assinatura (ou celebração) do tratado, como ato de
soberania que é, requer, segundo dispõe a Constituição Federal, que seja
praticado, privativamente, pelo Chefe de Estado, ou seja, pelo Presidente da
República, na qualidade de representante da República Federativa do Brasil nas
questões relativas à seara internacional.

Aliás,
esse é o comando contido no artigo 84, inciso VIII da Magna Carta, que assim
dispõe:

“Art.84.
Compete privativamente ao Presidente da República: (…)

VIII
– celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos ao referendo do
Congresso Nacional”.
 

Convém
assinalar, entretanto, que apreciado, ainda neste momento, o tratado ou
convenção internacional não obriga o país assinante a observá-lo e cumpri-lo
perante as relações jurídicas que forem travadas dentro do seu foro interno, ou
seja, ainda não se encontra vigente e integrado ao ordenamento jurídico
interno, obrigando apenas o país, no que concerne às relações internacionais
que venha a manter com os outros países assinantes[29].

Sendo
assim, para que os tratados possam obter vigência e produzir todos os seus
efeitos no ordenamento jurídico interno, mister se faz que estes sejam
referendados (ou ratificados) pelo Congresso Nacional (CF, art. 49, I)[30],
por meio de decreto legislativo.

Mas
não é só isso. Após a aprovação pelo Congresso Nacional, a eficácia depende,
ainda, da futura edição de decreto do Presidente da República.

Como
se vê, trata-se de ato complexo, sujeito à conjugação de vontades do Congresso
Nacional, que resolve definitivamente mediante a aprovação por decreto
legislativo, e do Presidente da República, que celebra o acordo como Chefe de
Estado para promulgá-lo após o referendo do Parlamento (STF, CR 8.279-4,
Rel. Min. Celso de Mello, DJU, 14 de maio 1998, p.35-6).

Vê,
por conseguinte, que é a conjugação dos Poderes Legislativo e Executivo,
independentes e harmônicos entre si (CF, art. 2º), que permite aos tratados
produzirem seus efeitos. E, nisto, estes se assemelham às leis ordinárias, vez
que obedecem a processo de aprovação muito semelhante ao processo legislativo
daquelas (CF, art. 61 usque 69).

5.
Pactos Internacionais que exercem ingerência no processo penal brasileiro.

Como
se sabe o Brasil é assinante de diversos pactos, tratados e convenções
internacionais. Contudo, interessa-nos, no momento, ressaltar dois dos mais
importantes no que tange à sua influência no processo penal brasileiro, quais
sejam, o Pacto de São José de Costa Rica e o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (ou Pacto de Nova York).

O
primeiro foi aprovado pelo decreto legislativo nº27, de 1992 (DO de
28.5.1992) e promulgado pelo decreto nº678, de 1992. Tal pacto proporciona
sensíveis avanços garantistas[31]
para os direitos penal e processual penal brasileiro, permitindo, não só uma
leitura mais constitucional desses ramos do direito, como também uma visão mais
humanista dos mesmos. Isto, aliás, é o que se constata a partir da leitura dos
artigos 4º a 9º, além dos artigos 11, 12, 13, 22, 24, 25, 27, 74, 75, 76, 77 e
78.         

O
mesmo se diga acerca do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos –
aprovado pelo decreto legislativo nº226, de 1991 (DO de 13.12.1991) e
promulgado pelo decreto nº592, de 1992 – que, a exemplo de seu artigo 9º,
proporciona a proteção e extensão dos direitos e garantias da pessoa humana.


Notas:

[1] Luiz David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Júnior, dentre outros, em seu manual de Direito Constitucional defendem ta
posicionamento. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, tratando do tema, destaca: “É
pacífico no direito brasileiro que as normas internacionais convencionais têm
força hierárquica de lei ordinária. Em conseqüência, se o Brasil incorporar
tratado que institua direitos ‘fundamentais’, estes terão força de lei
ordinária” – FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Hmanos
Fundamentais
. São Paulo. Saraiva, p. 99.  

[2] STF, Pleno, ADIn 1.480-DF, Rel. Min. Celso de Mello, transcrito no HC
78.375-2 – Informativo STF, nº135, de 7 a11/12/98: “(…) PARIDADE NORMATIVA
ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO
.

Os tratados ou convenções
internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno,
situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de
eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em
conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera
relação de paridade normativa. Precedentes.

No sistema jurídico
brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as
normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções
internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente
se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico
impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério
cronológico (“lex posterior derogat priori”) ou, quando cabível, do critério da
especialidade. Precedentes.”

Medida Liminar, decisão
do Min. Celso de Mello, DJ, 10 fev. 1999, p. 23, e CR 8.279-4, Rel. Min. Celso
de Mello, DJ, 14 de maio de 1998, p. 35-6.

[3]A doutrina lembra que, em contraposição a
concepção dualista, existe a concepção monista acerca d natureza jurídica dos
tratados.  

[4] KELSEN,
Hans. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, 1999.

[5] CF, “Art.105. Compete ao Superior Tribunal
de Justiça:

(…)

III – julgar, em
recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal,
ou negar-lhes vigência; (…)” (grifo nosso).

[6] Em voto vogal, quando do julgamento, em
22.11.1995, no STF, do HC 72.131-1/RJ.

[7]  GONET
BRANCO
, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira e COELHO,
Inocêncio Mártires.  Hermenêutica
Constitucional e Direitos Fundamentais.
Brasília Jurídica. 2000, p.164.

[8] Filiam-se a esse entendimento José Carlos
de Magalhães (O Supremo Tribunal Federal e as relações entre direito interno
e direito internacional, Boletim Brasileiro de Direito Internacional
,
61-69:53, 1975-79, p.56), Celso Albuquerque de Mello (Direito Constitucional
Internacional, Rio de Janeiro, Renovar, 1994, p. 344), Haroldo Valladão
(Direito Internacional Privado, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1974, v.3, p.
93 e ss.), Luciano Amaro (Direito Tributário Brasileiro, São Paulo, Saraiva,
2000, p.169-71), dentre outros. 

[9] Ob. Cit., p.437 e ss. e,
especialmente, p.442-447.

[10] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação
e Aplicação da Constituição.
Saraiva, São Paulo, 1999, p.21.

[11] Ob. Cit., p.16.

[12] MACHADO, Hugo de Brito. Tributação
no Mercosul
, no Caderno de Pesquisas Tributárias, Nova Série, nº3,
p.87.

[13] Ob. Cit., p. 171.

[14] A propósito, convém assinalar que o
Supremo Tribunal Federal já decidiu acerca da matéria, neste mesmo sentido: “No
sistema brasileiro, ratificado e promulgado, o tratado bilateral de extradição
se incorpora, com força de lei especial, ao ordenamento jurídico interno, de
tal modo que a cláusula que limita a prisão do extraditando ou determina a sua
libertação, ao termo de certo prazo (45 dias, contados do pedido de prisão
preventiva), cria direito individual em seu favor, contra o qual não é oponível
disposição mais rigorosa da lei geral (90 dias, contados da data em que
efetivada a prisão – art. 82, §§ 2º e 3º da Lei nº6.815/80)
” (RTJ,
162:822
, 1997, Extr. 194 – República Argentina, rel Min. Sepúlveda
Pertence).

[15] CF, Art. 178. “A lei disporá sobre a
ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à
ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União,
atendido o princípio da reciprocidade
”. 

[16] Ob. Cit., p.19-20.

[17] DOLINGER, Jacob. Direito
internacional privado;
parte geral. 2º ed., Rio de Janeiro, Renovar, 1993,
p.102.

[18] Note-se, entrementes, que, segundo os
defensores deste último entendimento, não será todo e qualquer tratado que
possuirá tal natureza jurídica, mas, tão-somente, aqueles que regulam,
exclusivamente, direitos fundamentais e garantias individuais e institucionais,
ou seja, normas internacionais fundamentais, emanadas dos princípios gerais do
direito e dos costumes dos povos civilizados. Nesse sentido, confira-se o
art.38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

[19] Ob. Cit. p. 178.

[20] Paulo Gustavo Gonet Branco lembra que a
Constituição de 1969, em seu artigo 153, § 36 já dava azo a deduzir-se a
existência de outros direitos fundamentais além dos expressamente previstos no
texto constitucional.

[21] CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A
Proteção dos Direitos Humanos e o Brasil.
Brasília, Ed. da UnB, 1998, pp.
133-134.

[22] PIOVESAN, Flávia. Direitos
Humanos e o Direito Constitucional Internacional
. São Paulo, Max Limonad,
1996, pp.94 e 98.

[23] GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES
FILHO
, Antônio Magalhães e FERNANDES, Antônio Scarance.  As nulidades no processo penal, RT, 6ª
ed., São Paulo, 1999.

[24] Art. 5º, § 3º. “Os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por 3/5 (três quintos) dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, condicionada à
aplicação pela outra parte
”.

[25] STJ: cf. DJU, 11 mar. 1996,
RHC 4.849-PR, p. 6664, rel. Min. Adhemar Maciel; e DJU, 19 mar. 1997,
RHC 5507-PR, rel. Min. Anselmo Santiago.  

[26] BACHOF, Otto. Normas
constitucionais inconstitucionais?.
Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa,
Coimbra, Livraria Almedina, 1994. 

[27] É o que ocorre, por exemplo, com as normas
constitucionais (assim consideradas porque se encontram no texto da
Constituição) que apresentam algum vício formal na sua elaboração, sendo,
portanto, inconstitucionais. Nesse sentido, Ada Pelegrinni Grinover, em artigo
publicado na Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº17 de
1999, págs. 112-126, informa que o inciso XII, do artigo 5º da Constituição
Federal, que trata do sigilo das correspondências e das comunicações
telegráficas, de dados e telefônicas, teve sua redação modificada durante a
confecção da redação definitiva do dispositivo sem ter sido, como impõe a lei,
submetida à apreciação da Assembléia Constituinte. 

[28] MAXIMILIANO, Carlos. Ob. Cit.
p.45.

[29] Conforme dispõe o artigo 2º do Pacto de
São José da Costa Rica: “Se o exercício dos direitos e liberdades
mencionados no art.1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas
ou de outra natureza, os Estados-Partes comprometem-se a adotar, de acordo com
as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas
legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos
tais direitos e liberdades
”.

[30] CF, Art. 49. “É da competência
exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados,
acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos
ao patrimônio nacional
”.

[31] FERRAJOLI, Luigi. Derechos y
garantías
. Editorial Trotta. Madri, 2000.


Informações Sobre o Autor

Bernardo Montalvão Varjão de Azevêdo

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Ciências Criminais pela UFBA. Professor de Processo Penal da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Professor de Direito Penal da Universidade Salvador (UNIFACS). Analista Previdenciário junto à Procuradoria Federal Especializada do INSS na Bahia.


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