Com a ciência da possibilidade de sua escassez, é que aparece, em relação à água, uma nova visão sobre o seu valor. A doutrinadora Maria Luiza Machado Granziera[1] ensina que “recurso hídrico é bem de valor, à medida que há interesse sobre ele. Tornando-se escasso, esse valor passa a ter caráter econômico”.
Nos moldes do artigo 1º, incisos I e II, da Lei nº 9.433/1997, a água passou a ser vista como bem de domínio público, bem como recurso natural limitado dotado de valor econômico. Em outras palavras, o usuário passou a ter o dever de pagar para poder utilizá-la.
Nesse aspecto, jaz o grande problema da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, ou seja, afastar a ideia de que a instituição deste instrumento econômico enseje o uso indiscriminado da água.
Portanto, há de se atentar ao fato de que é imprescindível hastear a bandeira da economia juntamente ao processo de cobrança para que se combatam condutas concernentes a desperdício mediante a pecha da ideia “pago, logo poluo”.
No que toca à fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos deve-se ater ao volume e seu regime de variação da utilização das águas superficiais e subterrâneas, bem como ao lançamento de esgotos e resíduos líquidos, sólidos e gasosos e da toxidade física, química e biológica do material lançado nas redes hídricas.
Destaque-se que cabe à ANA a responsabilidade de elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição, pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, dos valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, com base nos mecanismos sugeridos pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, conforme preceitua o art. 38, inciso VI, da Lei nº 9.433/1997.
O consumidor está acostumado a pagar pela captação, tratamento e distribuição da água, ao passo que o produto água não entra na contabilização, haja vista que até então, trata-se de bem gratuito.
Veja-se o que dispõe o artigo 21 da Lei nº 9.433/1997 sobre a fixação dos valores, a serem cobrados pelo uso da água: “Art. 21. Na fixação dos valores a serem cobrados pelos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros: I – nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação; II – nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxicidade do afluente.
Pois bem. Uma família de quatro pessoas consome, em 30 dias, a média de 18 a 24 m3 de água. Estabelecida a cobrança pelo uso da água, esta mesma família teria um acréscimo, no fim de um mês, de valores compreendidos entre, no máximo, R$ 0,18 e R$ 0,24.
Observe-se que em razão do valor irrisório, na bacia do rio Piracicaba diversos municípios já se anteciparam e estão destinando ao Consórcio das Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ, a quantia de R$ 0,01 por m3 de água captada, sem repassar este valor aos consumidores.
Sob outra projeção, imagine-se uma indústria de refrigerantes que consome por dia um milhão de litros de água (30 mil m3 em um mês) sem hoje nada pagar. Com a instituição da cobrança, passaria, no máximo, a pagar R$ 300,00 por mês.
Tal montante parece insignificante para ser investido na despoluição da bacia, mas leve-se em conta também a cobrança referente aos esgotos, aos efluentes. Se forem despejados, sem tratamento, em algum curso de água, o valor a ser pago será quase 100 vezes maior, porque a cobrança não vai levar em conta o volume despejado, e sim a toxicidade, a demanda de oxigênio, a percentagem de sólidos suspensos. Este valor, com certeza, induzirá a indústria a instalar sua própria estação de tratamento, para ficar livre da cobrança.
Por fim, vale ressaltar que, embora sejam poucas, as experiências brasileiras com a cobrança pelo uso da água têm sido frutíferas, como é o caso, em especial, das Bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ e do Paraíba do Sul, que foram as primeiras a adotar tal instrumento da política nacional de recursos hídricos. A leitura acerca de tais Bacias e seus respectivos Comitês trazem a lume uma esperança de que a cobrança pelo uso da água é a solução mais plausível para a mitigação da poluição e geração de receitas na política de recursos hídricos brasileira.
Advogada, assessora do Tribunal de Contas do Estado de Goiás – TCE, professora do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento
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