A cobrança de juros de mora no Brasil

I – Introdução.

A discussão sobre a limitação constitucional dos juros em 12% ao ano, está na memória de todos.

A Lei n° 10.406, de 11 de janeiro de 2002 – novo Código Civil – reacendeu as discussões e divergências sobre o montante dos juros de mora e sua taxa aplicável. Desde então, diversos doutrinadores expuseram diferentes opiniões, e até hoje o entendimento não é pacifico, mesmo porque todo preceito legal comporta uma pluralidade de entendimentos.

A cobrança de juros no Brasil sempre foi objeto de disputas judiciais, quer esses juros fossem cobrados por instituições financeiras ou por empresas não financeiras.

Antes de iniciarmos, é interessante entender os diferentes tipos de juros.

Podemos classificar os juros como compensatórios ou moratórios. Os juros compensatórios consistem em rendimento remuneratório do capital. Já os juros moratórios, constituem a pena imposta ao devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação. Funciona como uma indenização pelo retardamento na execução do débito. Os juros podem ser convencionados entre as partes ou, na ausência de convenção, serão aplicados os juros determinados em lei.

No antigo Código Civil de 1916, a taxa de juros de mora, quando não convencionada, era de 6% ao ano, conforme dispunha o artigo 1.062. Se convencionada, deveria observar o limite estabelecido pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626, de 1933) a qual determinava que os juros convencionados pelas partes não poderiam ser “superiores ao dobro da taxa legal”. Ou seja, não poderiam exceder o percentual de 12% ao ano.

Por essa razão, o limite de juros que poderiam ser cobrados em empréstimos entre empresas não financeiras, não poderia ultrapassar 12% ao ano.

II – A Específica Norma Legal em Exame.

Com o advento do novo Código Civil, a disciplina de cobrança de juros moratórios sofreu alterações. Dispõe a este respeito o artigo 406, in verbis:

 “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”

A partir da leitura deste artigo, alguns juizes passaram a aplicar a taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) para títulos federais, também como taxa de juros moratórios nas condenações judiciais em todos os processos, qualquer que fossa a matéria discutida nos autos.

Entretanto, vale observar que a taxa SELIC não tem natureza de juros moratórios e sim de juros compensatórios. Além da finalidade da atualização monetária, essa taxa visa remunerar o capital representado pelos títulos federais.

Não obstante, existe controvérsia acerca da constitucionalidade da taxa SELIC, inclusive envolvendo julgados do Superior Tribunal de Justiça.

Independente da controvérsia acerca da sua natureza, uma coisa é certa: os juros calculados com base na taxa SELIC não podem ser considerados unicamente como juros moratórios, visto que sua composição também reflete os efeitos inflacionários da moeda.

O artigo 406 do novo Código Civil determina que os juros moratórios legais “serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

Tratando o dispositivo especificamente de juros moratórios, é evidente que a expressão “taxa que estiver em vigor” diz respeito à taxa de juros de mora, e não a qualquer outra.

O artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, dispõe que:

se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês”.

Tendo a SELIC natureza dúplice (juros + correção monetária), a solução mais razoável é a de que a única taxa de juros de mora prevista em lei, inclusive para fins de integração do artigo 406 do Código Civil, é aquela prevista no artigo retro mencionado, no percentual de 1% ao mês.

Ademais, o enunciado que resultou dos estudos durante o Seminário sobre o novo Código Civil, realizado pelo Conselho da Justiça Federal em Brasília, em setembro de 2002 confirmou tal entendimento.

Os juros de mora têm finalidade de desestimular o inadimplemento das obrigações. Não devem ser fixados em patamar extremamente baixo, de modo a que seja vantajosa para o devedor a discussão leviana do débito em juízo, ante a melhor remuneração do capital no mercado financeiro. Mas, por outro lado, não podem ser muito altos, inibindo até o devedor com direito discutível de pleitear a revisão da sua obrigação.

A questão de taxa de juros convencionada pelas partes também não deixa de ser um assunto controverso. A discussão acerca deste tema é sobre a vigência da Lei de Usura (Decreto nº 22.626, de 1933).

Parte da doutrina afirma que a Lei de Usura foi revogada tacitamente pelo novo Código Civil. Estes doutrinadores fundamentam a revogação da Lei de Usura no fato do Código Civil de 2002 regular novamente por inteiro a matéria de juros. Neste caso, a taxa convencionada entre as partes de juros moratórios não possuiria limites, desde que tivessem sido livremente acordadas.

Entretanto, outra parte da doutrina afirma que a Lei de Usura não foi revogada pelo novo Código Civil. Neste caso, a taxa convencionada entre as partes de juros moratórios não poderia ser superior ao dobro da taxa legal.

Conforme exposto acima, a taxa de juros moratórios legais é de 1% ao mês, i.e. 12% ao ano. Desta forma, o limite para a taxa convencionada seria de 2% ao mês, ou 24% ao ano.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) não dispõe de forma expressa sobre a taxa aplicável à juros de mora. A doutrina e a jurisprudência indicam o valor de 1% ao mês, ou 12% ao ano, a mesma taxa legal de juros moratórios estabelecida pelo artigo 406 do Código Civil vigente.

Diversas são as discussões acerca dos juros moratórios, seja sobre a taxa legal aplicável, seja sobre o limite da taxa que pode ser convencionada entre as partes. A própria jurisprudência apresenta julgados com diferentes entendimentos a esse respeito.

Fato é que não se pode afirmar categoricamente que a Lei da Usura foi revogada, ou que as partes possuem plena liberdade contratual no que diz respeito aos juros adotados.

III – Conclusão.

Diante da posição predominante da doutrina e da tendência jurisprudencial, é possível concluir que a interpretação que se adequou melhor ao espírito do Código Civil em vigor é a de que a taxa de juros legais referida no seu artigo 406 é a de 1% ao mês, perfazendo o percentual de 12% ao ano.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Camillo Soubhia Netto

 

Advogado, especializado na área do Direito Público, pós graduando em Direito Tributário, sócio do escritório Soubhia Netto Advogados Associados, membro da Associação dos Advogados de São Paulo.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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