Resumo: A compensação de tributos seguiu um ritmo lento e gradual de desenvolvimento. Por outro lado, a possibilidade de compensação de precatórios com tributos devidos à fazenda pública. foi recentemente alçada a nível constitucional com a promulgação da Emenda Constitucional nº 62, de 2009. No entanto, há atual e fundada dúvida acerca da autorização para compensação em relação a entidades pertencentes a fazenda pública, mas que não integraram a relação jurídica que originou o precatório. O objetivo do presente trabalho, desse modo, se direciona ao exame da divergência existente entre o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, à luz do princípio da celeridade processual e moralidade, tendo como foco os postulados da justiça tributária.
Palavras-chave: Compensação tributária. Precatório. Fazenda pública. Divergência jurisprudencial.
Abstract: The compensation of taxes followed a slow and gradual development. Moreover, the possibility of compensation of writ on taxes owed to the Exchequer. has recently been raised to constitutional level with the enactment of Constitutional Amendment No. 62, 2009. However, there are current and well-founded doubts about the authorization for compensation in respect of entities belonging to the Exchequer, but have not integrated the legal relationship that originated the precatory. The purpose of this study thus is directed to examine the difference between the the understanding adopted by the Supreme Court and the positioning of the Superior Court of Justice, under the principle of speedy trial and morality, focusing on the postulates of tax justice.
Keywords: Compensation Tax. Precatory. Exchequer. Judicial discrepancy.
Sumário: 1. Introdução. 2. O problema da compensação de tributos decorrentes de precatórios. 3. Conclusões. Referências
1. INTRODUÇÃO
A possibilidade de compensação de créditos e débitos decorre da reciprocidade entre o direito do credor e do devedor, fazendo-se com que um anule, total ou parcialmente, o outro, extinguindo a obrigação, na medida da compensação efetivada.
No campo do direito civil, essa noção já se encontra há muito sedimentada. Nesse sentido, o art. 1.009 do Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916) já fixava que “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. O dispositivo foi reproduzido no art. 368 do Código Civil vigente (Lei nº 10.476, de 10 de janeiro de 2002).
Na seara tributária, contudo, a evolução desse instituto foi lenta e gradual, de acordo com a legislação infraconstitucional anteriormente editada atingindo o ápice com a promulgação da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, com alteração da redação conferida ao art. 100 da Constituição da República de 1988.
Mesmo com a edição da referida alteração constitucional, renovou-se a discussão sobre a compensação entre precatórios, representativos de crédito com uma determinada entidade, e débitos com outras entidades jurídicas, ambas pertencentes à mesma fazenda pública.
O presente trabalho, dessa forma, avalia a divergência jurisprudencial existente entre o entendimento inicialmente fixado pelo Supremo Tribunal Federal e o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto.
2.O PROBLEMA DA COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS DECORRENTES DE PRECATÓRIOS DE PESSOAS JURÍDICAS DIVERSAS
O Código Tributário Nacional (CTN, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) consignou no seu art. 170 que “a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública”. É, por isso mesmo, modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, inciso II, do CTN).
Essa regra de compensação de tributos, de acordo com CARVALHO (2008, p. 496) está radicada no princípio da indisponibilidade dos bens públicos.
O tema era tratado no art. 7º do Decreto-Lei nº 2.287, de 23 de julho de 1986, que determinava à antiga Secretaria da Receita Federal, nas hipóteses de restituição ou ressarcimento de tributos, que “existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito”.
A Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, por sua vez, previu no seu art. 66 a possibilidade de compensação de tributos, a despeito da vedação contida no seu §1º:
“Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subseqüentes.
§ 1° A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.”
Observa-se que a compensação foi restrita a tributos (a menção a contribuições é redundante, considerando ser espécie de tributo) da mesma espécie. Sobre esse aspecto, colhe-se análise de ÁLVARES (2004. p. 685):
“A regra inserta no §1º do art. 66 da Lei nº 8.383/91 limitou a possibilidade da compensação entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie. Tem-se entendido que o dispositivo permite a compensação de imposto com imposto, taxa com taxa, contribuição social co contribuição social e assim por diante. De outra parte, interpretação mais restrita leva à conclusão de que tributos da mesma espécie são aqueles que têm o mesmo fato gerador.” (itálicos originais)
Essa solução foi modificada com a promulgação da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que definiu no seu art. 74 a compensação de créditos e débitos no âmbito da Secretaria da Receita Federal:
“Art. 74. Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuições sob sua administração.”
Essa norma, contudo, foi alterada pela Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002:
“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.”
Com a nova redação, verifica-se que foram estabelecidos quatro requisitos expressos para a compensação: a) existência de crédito e débito de tributos (aí consideradas as contribuições); b) administração dos tributos envolvidos pela Secretaria da Receita Federal; c) compensação em proveito do próprio contribuinte; e d) requerimento do contribuinte. Implicitamente, tem-se que o débito deve ser exigível.
Constata-se, desse modo, que, no âmbito da União Federal, a compensação estava restrita aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal. Se um contribuinte, por exemplo, possuísse créditos junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não poderia compensá-los com débitos junto a um Conselho Federal de Medicina, uma vez que são tributos administrados por entidades diversas, a despeito de integrarem a União Federal (Administração Direta, no caso da SRF e Indireta, na hipótese dos Conselhos Federais).
Para PAULSEN (2003, p. 1002), a identidade subjetiva é requisito lógico da compensação, pelo que “deve haver, necessariamente, identidade entre os sujeitos da relação”.
O debate doutrinário foi levado ao Poder Judiciário. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o tema foi discutido no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 550400/MS (Diário de Justiça, edição de 18.09.2007, p. 80). O núcleo da decisão combatida pode ser extraída do seguinte trecho:
“3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei [artigo 78, caput e § 2º, do ADCT à CB/88].”
O julgamento foi afeto ao plenário, diante do acolhimento da proposta do Min. Eros Grau, então relator do processo. Com a aposentadoria do Ministro Relator, o julgamento ainda não foi finalizado.
O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, possui posicionamento diametralmente oposto, como se constata do seguinte precedente, representativo do entendimento da Corte:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. DÉBITO DE ICMS. CRÉDITOS DECORRENTES DE AUTARQUIA. PRECATÓRIO DEVIDO POR PESSOA JURÍDICA DISTINTA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE LEI ESTADUAL. ART. 78, § 2º, DO ADCT. PRECEDENTES.
1. A compensação de débito fiscal estadual (ICMS) com crédito de precatório de natureza distinta e entre pessoas jurídicas diversas não é possível quando não previsto em legislação especial.
2. O art. 78, § 2º, do ADCT, é expresso ao referir-se a “tributos da entidade devedora”. A inexistência de identidade entre o devedor do precatório (DER) e o credor do tributo (Estado) afasta a aplicabilidade do dispositivo constitucional.
3. Precedentes: AgRg no RMS 29.939/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 20/10/2009, DJe 29/10/2009;AgRg no Ag 1174142/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Primeira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 28/10/2009; RMS 28.500/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/09/2009, DJe 23/09/2009; RMS 30.229/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 17/12/2009, DJe 18/02/2010; RMS 28.942/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, julgado em 2/6/2009, DJe 12/6/2009; AgRg no REsp 1.089.665/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 24/3/2009, DJe 20/4/2009; RMS 24.450/MG, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, julgado em 8/4/2008, DJe 24/4/2008.
4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no RMS 28.983/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/08/2010, DJe 27/08/2010)
Com o advento da Emenda Constitucional nº 62/2009, contudo, o art. 100 da Constituição teve sua redação alterada, pelo que se incluiu o §9º, assim redigido:
“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim(…)
§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.”
Observa-se que a modificação do texto constitucional não fixou limites ou restrições para a compensação de tributos, não sendo razoável diminuir o alcance do texto constitucional, notadamente diante do princípio da celeridade processual que ilumina a questão e tendo em conta, ainda, o princípio da máxima efetividade da Constituição.
Dentro desse contexto, não se pode ignorar a lição de TORRES (2005, p. 24) quando reflete:
“Prática altamente comprometedora do princípio da moralidade fiscal é a de retardar a Administração financeira a restituição dos tributos indevidamente pagos”. Sem dúvida, o contribuinte percorre uma verdadeira via crucis para conseguir obter o direito ao seu crédito e, assim, a impossibilidade de compensação com eventuais débitos se revela inconcebível.
Transportando o entendimento doutrinário acima transcrito ao exame da matéria, conclui-se que não se justifica a restrição da compensação apenas de forma recíproca entre o credor e aquela entidade que figurou na correspondente relação jurídica na qual se formou o crédito do contribuinte. A compensação deve abranger todas as entidades que integram a fazenda pública correspondente, como medida de de atendimento ao ideal de justiça, objetivo fundamental da República (art. 3º, inciso I, da Constituição de 1988), no campo tributário.
3. CONCLUSÕES
A compensação de tributos, inicialmente, foi restrita às hipóteses de anulação, total ou parcial, relativamente a exações da mesma espécie. Progrediu-se para a compensação entre tributos arrecadados pelo mesmo ente.
Atualmente, reside divergência jurisprudencial entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. No STF, por meio do julgamento do AgR 550400/MS, afastou-se, em medida liminar, a restrição de compensação entre crédito e débito mesmo que relativamente a entidades jurídicas diversas, sendo ambas da integrantes da mesma fazenda pública. A decisão foi submetida ao plenário da Corte mas ainda não julgada, diante da aposentadoria do Ministro Relator. O STJ, por seu turno, caminha em sentido diverso.
Pensamos que o princípio da celeridade processual, aliado ao princípio da moralidade no âmbito fiscal autorizam a compensação de créditos com débitos tributários mesmo que de espécies distintas e alusivos a pessoas jurídicas distintas, devendo, contudo, integrarem a mesma fazenda pública.
Servidor Público Federal do Ministério Público Federal. Engenheiro Civil, Engenheiro Eletricista e Bacharel em Direito, todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Telecomunicações. Concluinte do Curso de Especialização em Ministério Público, Direito e Cidadania da Fundação Escola Superior do Ministério Público no Rio Grande do Norte – FESMP/RN.
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