A Emenda Constitucional nº 49, de 8 de fevereiro de 2006.

Sumário: Introdução. Quebra de monopólio de radioisótopos. Art. 60, §3º da Constituição Federal. Art. 1º. Concessões e permissões de serviços públicos. Responsabilidade civil objetiva. Radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas. Art. 2º.  Art. 3º. Observações finais.

Introdução.

A Emenda Constitucional 49, de 8 de fevereiro de 2006, exclui do monopólio da União a produção, a comercialização e a utilização de radioisótopos de meia-vida curta, para usos médicos, agrícolas e industriais. A mais recente modificação da Constituição brasileira de 1988 se deu pela alteração da redação da alínea b, acréscimo de uma alínea c ao inciso XXIII do caput do art. 21 e pela nova redação dada ao inciso V do caput do art. 177.

Quebra de monopólio de radioisótopos.

Nascida da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 199/03, que retira da União o monopólio da produção, comercialização e da utilização de radioisótopos de meia-vida curta, a Emenda 49 poderá facilitar a criação de novos centros de medicina nuclear que ofereçam o serviço de tomografia à população.[1]

Os radioisótopos de meia-vida curta são produzidos por empresas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) como o Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) e como o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN).[2]

Art. 60, §3º da Constituição Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do artigo 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional.

O Artigo 60 da Constituição da República prevê e disciplina como devem ser realizadas as Emendas Constitucionais. As emendas à Constituição são previstas no artigo 59 como partes do processo legislativo brasileiro.

As emendas constitucionais promulgadas no Brasil a partir de 1992 explicitavam todas elas que haviam sido promulgadas nos termos do art.60, §3º da Constituição da República. Entretanto, a partir da Emenda Constitucional 48, de 10 de agosto de 2005, não foi mais feita referência ao parágrafo terceiro do referido artigo. O parágrafo em questão determina que a emenda à Constituição deva ser promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

Art. 1º.

O artigo 1º da Emenda 49 altera o inciso XXIII, do artigo 21 da Constituição Federal.

O artigo 21 trata das competências da União.

O caput do inciso XXIII determina que à União competente explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os princípios e condições que estabelece nas alíneas a seguir.

A primeira alínea (“a”) do inciso XXIII estabelece o princípio por meio do qual toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional.

A alínea “b”, modificada pela Emenda 49 estabelecia que sob regime de concessão ou permissão, era autorizada a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas.

Deve ser notada a modificação da alínea “b”, do inciso XXIII, do artigo 21 da Constituição Federal pela Emenda 49 que retirou a antiga previsão de que por meio de concessão ou de permissão, era autorizada a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas.

A partir da promulgação da Emenda 49, a alínea “b” estabelece que apenas sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais.

A retirada da concessão tem seus significados relevantes. Em sede de direito administrativo, é de se notar que a concessão de um serviço público ou de algo de competência do Estado é o instrumento utilizado pelo Poder Público para que empresas públicas ou particulares realizem aquele serviço ou aquela prestação. O mesmo acontece com a permissão. As diferenças que há, entretanto, entre concessões e permissões são relevantes. A concessão é realizada para empreendimentos maiores, mais duradouros e, principalmente, de valores econômicos e financeiros mais relevantes. As permissões são feitas para serviços não tão caros, não tão longos no tempo e, principalmente, podem ser desfeitas.

Concessões e permissões de serviços públicos.

O significado da palavra permissão é amplo e pode expressar o significado de ato administrativo unilateral, sem a natureza contratual, discricionário e precário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a execução de serviço público ou a utilização privativa de bens públicos por terceiros.

O objeto da permissão é a execução de serviço público ou a utilização privativa de bens públicos, chamados, respectivamente, permissão de serviço público e permissão de uso.

O art. 175 da Constituição Federal reza que “incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a exploração de serviços públicos”.

A principal forma de distinção de concessão e permissão é justamente a de que a concessão tem natureza contratual e a permissão é ato unilateral, discricionário e precário, sendo, portanto, despida de qualquer caráter contratual.

Celso Antônio Bandeira de Mello define a permissão de serviço público como “o ato unilateral e precário, intuitu personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço e sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de cobrança de tarifas dos usuários” e ainda “o Estado, em princípio, valer-se-ia da permissão justamente quando não desejasse constituir o particular em direitos contra ele, mas apenas em face de terceiros. Pelo seu caráter precário, caberia utilizá-la normalmente, quando o permissionário não necessitasse alocar grandes capitais para o desempenho do serviço ou quando poderia mobilizar, para diversa destinação e sem maiores transtornos, o equipamento utilizado ou, ainda, quando o serviço não envolvesse implantação física de aparelhamento que adere ao solo, ou, finalmente, quando os riscos da precariedade a serem assumidos pelo permissionário fossem compensáveis seja pela extrema rentabilidade do serviço, seja pelo curtíssimo prazo em que se realizaria a satisfação econômica almejada.”

Continuando a distinção entre concessão e permissão, devem ser ressaltados os seguintes aspectos decorrentes da precariedade desta última. Precariedade significa que tanto o ato é revogável a qualquer tempo pela iniciativa da Administração Pública, quanto outorga sem estabelecimento de prazo e revogável, a qualquer tempo pela Administração, sem direito a indenização.

Vistas estas características iniciais da permissão, indiquemos, ainda, outras também presentes:

a)      precariedade no ato e delegação;

b)      natureza contratual adesiva (contrato de adesão);

c)       revogabilidade unilateral pelo poder concedente;

d)      possibilidade de a permissão ser feita a pessoa física, o que não está previsto para a concessão;

e)      a possibilidade de que o serviço público seja precedido de obra pública está prevista somente para os casos de concessão haja vista a incompatibilidade do instituto da permissão para obras públicas.

Em se tratando de autorização de serviço público, a atual Constituição Federal, em seu art. 175 vem incompleta ao referir-se tão somente a concessões e permissões. Entretanto, no art. 21, inciso XII, encontram-se arrolados os serviços que a União pode executar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão. Também na legislação ordinária, isto é, nas leis ordinárias, a autorização vem mencionada, ao lado da permissão e da concessão como forma de delegação de serviços públicos.

É ela ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração Pública faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a prática de ato que necessite deste consentimento para ser legítimo, ou seja, trata-se da autorização como ato praticado no exercício do poder de polícia.

Em resumo, podemos dizer que classicamente mediante a permissão e a autorização, também a Administração transfere a execução de serviços públicos a particulares.

Nunca foi fácil proceder à distinção substancial entre concessão e permissão de serviço público, posto que ambas implicam em prestação de serviços públicos por particulares, por remuneração assegurada pela tarifa que os usuários pagam para a utilização do serviço.

Tanto a permissão quanto a concessão admitem alto grau de exigência e complexidade. O critério da maior ou menor relevância do serviço não oferece, igualmente, critério diferenciador.

No ordenamento legal brasileiro, um ponto de diferença entre concessão e permissão situa-se na possibilidade conferida aos concessionários de promover desapropriações, desde que existente prévia autorização expressa, constante de lei ou contrato. Tal possibilidade decorre do art. 3º do Dec. Lei 3.365, de 21/06/41 (Lei Geral de Desapropriações), não extensiva, ressalte-se, aos que ganham uma permissão de serviço público.

Ainda outros critérios diferenciadores extraídos do modo de expressão das duas figuras é que a concessão se dará por meio de contrato e a permissão por meio de ato administrativo, discricionário, precário e revogável, em princípio, a qualquer tempo. Entretanto a Constituição Federal de 1988 ao exigir o procedimento da licitação para ambas as figuras, aproximou a permissão da forma contratual. Finalmente, a Lei nº 8.987/95, em seu art.40 determinou que a sua formalização se dará através de contrato e adesão, observadas a precariedade e a revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente.

Em respeito à autorização, podemos concluir que permanece a sua formalização através de ato administrativo precário e discricionário, recomendando-se a sua utilização para os serviços que apresentem menor complexidade, nem sempre remunerados por meio tarifário. Exemplificando-se temos o caso da autorização para conservação de praças, jardins ou canteiros de avenidas, em troca da afixação e placas com propaganda da empresa. Ainda, a autorização não é objeto de regulamentação legal pela Lei nº 8.987/95.

Responsabilidade civil objetiva.

A anterior alínea “c” previa que a responsabilidade civil por danos nucleares não era dependente da existência de culpa, ou seja, era objetiva.

A partir da Emenda 49, a alínea “c” passou a determinar que sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas.

A alínea “d”, incluída pela Emenda 49, herdou a previsão de responsabilidade civil objetiva por danos nucleares, ou seja, a responsabilidade civil independente da existência de culpa.

Radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas.

Os radioisótopos de meia vida curta são produtos da energia nuclear que podem ser utilizados em exames médicos para detectar o câncer e doenças do coração, além de outras doenças de origem metabólica ainda em seu estágio inicial.[3]

Os radioisótopos são elementos químicos que se desintegram emitindo radiação ionizante. A meia-vida de um elemento radioativo é o tempo necessário para que a metade de seus átomos se desintegre.[4]

Art. 2º.

O artigo 2º da Emenda 49 altera a redação do inciso V do caput do artigo 177 da Constituição Federal. O artigo 177 estabelece os monopólios da União. O inciso V declarava que eram monopólios da União a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o re-processamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

Doravante, o inciso V determina que, dentro dos monopólios da União, a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 da Constituição Federal.

O que deve ser observado é que a alteração na competência da União gerou uma modificação no seu artigo que prevê o monopólio do governo federal sobre algumas atividades. Doravante, a produção, comercialização e utilização de radioisótopos poderão ser realizadas sob regime de permissão.

Art. 3º.

O último artigo da Emenda 49 estabelece a sua imediata produção de efeitos assim que for publicada. Isto quer dizer que a partir do dia 9 de fevereiro de 2006, data de sua publicação no Diário Oficial da União, as determinações da Emenda Constitucional 49 já estão em vigor no ordenamento jurídico brasileiro.

Observações finais.

A competência da União para explorar os serviços e as instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal sobre pesquisa, lavra, enriquecimento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados decorre da importância e do perigo que representa os assuntos relacionados à energia nuclear.

O primeiro princípio que deve ser observado pelo nosso país é aquele por meio do qual toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional.

Esta é uma questão de suma importância para a paz mundial posto que, conforme estamos assistindo, nações obstinadas a produzir energia nuclear são impedidas de fazê-lo por pressão da Sociedade das Nações. O poder de destruição e de contaminação da energia atômica mal utilizada justifica tais previsões normativas.

A flexibilização do monopólio federal da produção, comercialização e utilização de radioisótopos autorizadas sob regime de permissão deve ser realizada sob critérios de segurança em face da relevância do material nuclear.

Notas:
[2]Idem.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Francisco Mafra.

 

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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