Resumo: Um dos temas mais itneressantes e relevantes acerca da questão da limitação patrimonial é o relativo a limitação patrimonial do empresário individual. Assim, a Lei 12.441/2001 criou a figura da empresa individual na tentativa de inserir no ordemaneto jurídico a figura da limitação patrimonial amplamente difundida em outros sistemas legais.
Sumario: 1. Introdução; 2. Questionamento; 3. Justificativa; 4. Sugestão
1. Introdução
No dia 11 de julho de 2011 foi sancionada a Lei 12.441 que foi publicada no dia 12 de julho de 2011. Esta lei criou a figura da empresa individual ltda.
No art. 44, VI foi criada a pessoa jurídica denominada de empresa individual ltda.
2. Questionamentos
Primeiro questionamento colocado:
A empresa passou a ser considerada como pessoa jurídica, mas apenas no caso de ter apenas um sócio. Caso exista mais de um sócio a empresa não será pessoa jurídica?
Vejamos:
A Alberto Asquini definiu quatro perfis poliédrico para considerar a expressão empresa: “subjetivo, funcional, patrimonial (ou objetivo) e corporativo. Pelo primeiro, a empresa é vista como empresário, isto é, o exercente de prestação de serviço autônoma, de caráter organizativo e com assunção de risco. Pelo perfil funcional (hierárquico), identifica-se a empresa à própria atividade. Pelo terceiro perfil, corresponde ao patrimônio aziendal ou estabelecimento. E, por fim, pelo perfil corporativo (institucional), ela é considerada uma instituição, na medida em que reúne pessoas – empresário e seus empregados – com propósitos comuns”. [1]
Com a entrada em vigor do Código Civil podemos verificar que o perfil subjetivo e o objetivo se enquadram nas qualificações de empresário e estabelecimento. Assim, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços.” (art. 966, caput, do Código Civil). Da mesma forma, “considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresaria.” (art. 1.142, do Código Civil).
O perfil corporativo não é considerado como empresa por Fábio Ulhoa Coelho.[2] O corporativo não é elemento caracterizador da atividade, mas, é suma importância, visto que não é possível que o empresário seja considerado legalmente constituído sem a presença do contador, para auxilia-lo na sua constituição. O perfil funcional é mais importante por ser o elemento caracterizador da empresa, ou seja, empresa é atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou serviços. [3]
Neste sentido J. X. Carvalho de Mendonça[4] “empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com a esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade.”
Rubens Requião conclui que a empresa apenas é o exercício de uma atividade que surge da ação intencional do empresário em exercitar a atividade econômica. Nasce quando se inicia atividade sob a orientação do empresário, daí firmar-se o conceito de empresa “na idéia de que é ela o exercício de atividade produtiva”, da qual “não se tem senão uma idéia abstrata”.[5]
A Exposição de Motivos do Código Civil dispõe que “em linhas gerais, pode dizer-se que a empresa é, consoante acepção dominante na doutrina, a unidade econômica de produção ou a atividade econômica unitariamente estruturada para a produção ou circulação de bens ou serviços”. [6]
A empresa seria a força de movimento rotacional que implica a atividade empresarial dirigida para determinada finalidade produtiva, ou seja, é a própria atividade empresarial.
O conceito de pessoa jurídica tem merecido a atenção de inúmeros autores que tentam encontrar a sua natureza jurídica. Em sua obra José Lamartine Correia de Oliveira[7] classificou as concepções teóricas da pessoa jurídica num duplo critério, de visão da sociedade empresária e de noção de direito subjetivo[8].
Entre as teorias que explicam a natureza dos entes jurídicos temos: Teoria da ficção; Teoria da realidade objetiva e Teoria da doutrina orgânica; Teoria da realidade técnica; Teoria da destinação dos interesses; Teoria da propriedade coletiva; Teoria da vontade diretora; Teoria da propriedade de afetação; Teoria institucionalista; Teoria normativista ou da destinação das normas jurídicas; Teoria negativistas.[9]
Entre as teorias que explicam a natureza dos entes coletivos, destacam-se duas, as mais significativas.
A primeira é a teoria da ficção, que prevaleceu no século XIX e teve como defensor Savigny, que afirmava ser a personalidade jurídica fictícia, não decorrendo de ato natural, e, sim, legal. O ente jurídico nada mais é que uma criação artificial da lei, carecendo de realidade: sua existência teria por escopo apenas facilitar determinadas funções. A objeção de José. Lamartine Corrêa de Oliveira à teoria ficcionista é dupla. O voluntarismo inerente à noção de direito subjetivo é repudiado por Lamartine que, disciplina “a doutrina do Wollendürfen está hoje totalmente superada e leva à absoluta inexplicabilidade o caso dos loucos e dos menores impúberes”[10]. Contudo, “o velho vício do individualismo, de só enxergar duas realidades na sociedade, as realidades extremas – indivíduo e Estado – encontra magnífica acolhida em tal doutrina” [11] que, em última análise, deixaria os grupos intermediários reféns da arbitrariedade estatal pelo sistema da concessão que lhe é decorrente, ou ainda, não explicam a existência do Estado como pessoa jurídica.
A teoria da realidade, de origem germânica, sustenta que a vontade, pública ou privada, é capaz de dar vida a um organismo, que passa a ter existência própria, distinta da de seus membros, capaz de tornar-se sujeito de direito, real e verdadeiro. A idéia básica é que as pessoas jurídicas, longe de serem mera ficção, são uma realidade sociológica, seres com vida própria, que nascem por imposição das forças sociais. Pessoas jurídicas são corpos sociais, que o direito não cria, mas se limita a declarar existentes. [12]
José Lamartine Correia de Oliveira[13] entende a personalidade jurídica como uma realidade socialmente ôntica, analógica à personalidade humana.
A discussão mantém-se até o momento em aberto, sendo certo que a natureza da pessoa jurídica pode ser definida como um centro de imputação de normas jurídicas ou, então, seria encarada como novos atores na vida social. Iniciando a idéia de que o ente que o direito reconheceu como pessoa jurídica é um ser admitiu, entretanto, que aqueles se alteram de tal forma que a norma passa é a qualificar convenientemente o ser que regula. J. M. Coutinho de Abreu afirma que as pessoas jurídicas “são uma realidade jurídica, criação (recente) do direito”.[14]
Independentemente das considerações dogmáticas sobre a natureza da pessoa jurídica, certo é que a realidade social sofreu e vem sofrendo desenvolvimentos, com claras implicações no instituto da personalidade jurídica. [15]
Caio Mário da Silva Pereira afirma
“que todo homem é dotado de personalidade. O direito reconhece igualmente a personalidade aos entes morais, sejam os que se constituem de agrupamento de indivíduos que se associam para a realização de uma finalidade econômica ou social (sociedade e associações), sejam os que se formam mediante a destinação de um patrimônio para um fim determinado (fundações), aos quais é atribuída com autonomia e independência relativamente às pessoas físicas de seus componentes ou dirigentes.”[16]
Portanto, no que diz respeito às pessoas jurídicas tem-se que estas são criações do próprio direito, diferentemente das pessoas naturais. O sistema jurídico atua na atribuição de direito e deveres a todos estes entes, criados por ele próprio. Para o nosso direito, a pessoa jurídica tem realidade jurídica, pois o artigo 45 do Código Civil dispõe que a existência legal da pessoa jurídica começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
A inserção deste inciso no artigo 44 foi inserido sem observar o padrão metodológico e conceitual presente no Livro sobre Direito de empresas, em especial, os artigos 966 e 1.142 do CC.
Assim, a empresa só poderá ser considerada como pessoa jurídica se for constituida na forma individual seguindo a ideia da teoria da realidade jurídica adota pela doutrina dominante.
Segundo questionamento colocado:
O art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
a) O padrão de salário mínimo para caracterização da empresa limitada é inconstitucional, pois a constituição federal no art. 7, iv vedou a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Essa proibição tem a mesma finalidade de preservar o valor real do salário mínimo, pois a sua utilização como indexador econômico ou como fator de reajuste contratual impediria a sua efetiva valoração, salvo no caso de reajuste de obrigações que tenham o mesmo conteúdo salarial e alimentar.
O próprio supremo tribunal federal já decidiu sobre a questão da vinculação do salário mínimo, ao assim prelecionar: “salário mínimo – vinculação proibida. A razão de ser da parte final do inciso iv do artigo 7º da carta federal – “…vedada a vinculação para qualquer fim;” – é evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado. Agravo – caráter infundado – multa. Surgindo do exame do agravo a convicção sobre o caráter manifestamente infundado do recurso, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil.” (RE n° 236958 AGR / ES – AG. Reg. No recurso extraordinário relator(a): Min. Marco Aurélio, publ. 08/10/1999)
“Salário mínimo – vinculação proibida – previdência – contribuição. A razão de ser da parte final do inciso iv do artigo 7º da carta federal – “…vedada a vinculação para qualquer fim;” – é evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado”. (RE 197072 / SC – Santa Catarina. Relator(a): Min. Marco Aurélio, publ. 08/06/2001).
Terceiro questionamento colocado:
O parágrafo 6º do art. 980-A prevê que “aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”.
A questão que se coloca é o que cabe de aplicação neste caso?
a) Esta empresa individual será constituida por contrato social ou será por um formulário, igual ao do empresário individual?
b) Poderá ter regência supletiva pelas regras das sociedades anônimas, se possível ficará restrita as regras da subsidiária integral?
c) O capital social poderá ser consituído por bens e/ou serviços?
d) O capital será consituído em quotas?
e) A administração poderá ser exercída por terceiros?
f) Poderá ter conselho fiscal?
g) As regras sobre deliberações dos sócios serão as mesmas no caso da empresa individual?
h) A empresa individual ltda poderá se transformar em sociedade? E a sociedade poderá se transforma em empresa indivudla ltda?
Quarto questionamento:
a) A limitação patrimonial da empresa individual ltda deverá observar qual parametro? Será o valor de 100 salários mínimos vigente na época da constituição ou na epoca do fato?
b) O sócio casado de uma empresa limitada poderá vender ou mesmo onerar de onus reais os seus imóveis?
3. Justificativa
O que se procura, basicamente, é o que o titular individual de ativade empresarial, ao exercer a sua atividade empresarial, tenha protegido o patrimonio pessoal, e que a responsabilidade da sua atividade recai sobre os bens específicos afetados a sua atividade.
Assim, no momento de iniciar a sua atividade empresarial o empresario separa economicamente parte de seus bens e destina a sua utilidade para aatividade. Contudo a lei brasileira desconsidera essa sepração, pois o art. 591 CPC prevê que “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. A restrição da lei se constitui quando a limitação de aplicação subsidiária e solidária na responsabilidade pelas dívidas, ou seja, em alguns casos em que o sócio responda de forma limitada.
A lei 12.441/2011 tentou esta limitação ao criar a seguinte regra:
“§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.”
Contudo, ocorreu o veto deste parágrafo com as seguintes razões:
“Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ’em qualquer situação’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio.”
Compreendo o veto, mas não concordo, pois o legislador pretendeu na afirmação ’em qualquer situação’ apenas confirmar a criação ou limitação do patrimônio do empresário de maneira a excluir das dívidas da atividade empresarial os bens patrimoniais não adstritos a empresa. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica está com os seus alicerces bem sedimentados no abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, ou mesmo em casos de prejuízo para o consumidor.
4. Sugestão:
Seria mais correto e mais fácil se houvesse a criação de um patrimônio de afetação descrito no ato de inscrição do empresário individual, de maneira desvincular o patrimônio pessoal do patrimônio empresarial. Este patrimônio de Afetação poderia ser consituído bens e direitos diretamente afetados ao exercício de sua atividade empresaria, facilitando inclusive a venda de bens próprios ao exercício da empresa, sem a necessidade de autorização conjugal, na forma do art. 978 do CC.
A questão do patrimonônio de afetação já se encontra presente no ordenamento empresarial. O art. 974, § 2º prevê que “Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.”
Queiramos ou não, em todas as esferas onde vive o homem concreto, continua válida a XI Tese de Marx sobre Feuerbach: “até hoje os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de diversas maneira, mas o de que se trata é de transforma-lo.
Advogado. Mestre em Direito. Especialista em Processo Civil e em Direito Empresarial todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Cimbra Portugal. Pos graduado em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor dos Livros: Direito Empresarial: Teoria geral e Direito Societário e Legislação aplicável à Engenharia
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