1. Introdução
O presente artigo foi elaborado com o desiderato de trazer algumas considerações sobre os malfadados crimes tributários – ou crimes fiscais -, que pululam nos noticiários e, por vezes, nas Varas Criminais de todo o território brasileiro.
Em verdade, o foco do estudo é noticiar a possibilidade real de suspender o processo criminal e, até mesmo, extinguir a demanda em decorrência do pagamento ou parcelamento do débito fiscal, antes ou depois de aceita a denúncia.
É importante destacar que as considerações colacionadas não são inéditas, pois já há pelo menos duas decisões no STF e uma no STJ corroborando a tese da extinção da punibilidade nos crimes de “sonegação fiscal” e apropriação indébita previdenciária. Ademais, no Juízo Criminal Federal de primeira Instância no Rio de Janeiro, testemunhamos dezenas de decisões que vêm acolhendo a tese ora alardeada.
2. Noções Gerais
O crime de sonegação fiscal era definido pela Lei n.º 4.729, de 14.07.65. A partir da promulgação da Lei n.º 8.137, de 27.12.90 todos aqueles comportamentos considerados crimes de sonegação fiscal passaram a receber a denominação de crimes contra a ordem tributária.
Já o crime de apropriação indébita previdenciária era defino na Lei n.º 4.357, de 16.07.64. A partir da promulgação da Lei n.º 9.983, de 14.07.2000, o crime foi tipificado no artigo 168-A do Código Penal Brasileiro.
Atualmente, portanto, temos que o crime de sonegação fiscal, hoje denominado crime contra a ordem tributária está definido na Lei n.º 8.137/90 e o crime de apropriação indébita previdenciária está previsto no artigo 168-A do Código Penal.
3. Crimes tributários
Nos artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.137, de 27.12.90, encontramos o rol de condutas que podem constituir crime contra a ordem tributária (sonegação fiscal). Senão vejamos:
“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”
Já o crime de apropriação indébita previdenciária, atualmente, é definido no artigo 168-A do Código Penal, in verbis:
“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.”
4. Extinção da punibilidade
A extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária (sonegação fiscal) era disciplinada pelo artigo 14 da Lei n.º 8137/90 que determinava que o pagamento do débito tributário feito antes do recebimento da denúncia criminal era causa excludente da punibilidade, mas foi revogado pelo art. 98 da Lei n.º 8.383/91. O art. 34 da Lei n.º 9.249/95, contudo, voltou a admitir a mencionada extinção da punibilidade.
Quanto a extinção da punibilidade do crime de apropriação indébita previdenciária, temos que § 2o , do artigo 168-A do Código penal determina que “é extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.”
Neste diapasão, é importante observar que ao autor de um crime contra a ordem tributária (sonegação fiscal) poderia ter extinta a sua punibilidade, desde que pagasse o débito tributário até o recebimento da denúncia. Quanto ao crime de apropriação indébita, o autor do crime só teria a extinção de sua punibilidade se efetuasse o pagamento do débito fiscal até o início da ação fiscal.
Ocorre que a partir da promulgação da Lei n.º 10.684, de 30 de maio de 2003 a extinção da punibilidade nos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária ganhou novo regramento. O dispositivo que trouxe a inovação foi o artigo 9º, in verbis:
“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”
Frise-se que o dispositivo legal supracitado não faz qualquer menção ao recebimento da denúncia, silenciando, outrossim, quanto ao momento processual em que o pagamento integral do débito pode ser feito, com a conseqüência extinção da punibilidade.
Neste sentido, aquele contribuinte que cometeu qualquer um dos crimes acima mencionados poderá ver sua punibilidade extinta, desde que ultime o pagamento do tributo devido, mesmo que seja após o recebimento da denúncia.
5. Decisões de vanguarda
Recentemente, os Ilustres Ministros do STF e STJ prolataram decisões que seguem os apontamentos aqui sopesados, demonstrando que há uma luz no fim do túnel para aqueles que estão respondendo por crimes fiscais. Senão vejamos:
“EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário.” (HC 81929 / RJ – RIO DE JANEIRO. Rel. Acórdão Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 16/12/2003. Publicação: 27.02.2004. Votação: unânime. Órgão Julgador: Primeira Turma do STF)
3. Ordem concedida.” (HC 36628/DF. Ministro HAMILTON CARVALHIDO. Julgamento: 15/02/2005. DJ 13.06.2005. Votação Unânime. Sexta Turma do STJ)
Vale lembrar que, embora existam as supracitadas decisões favoráveis, há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o n.º 3002-7, protocolada no STF no dia 24/09/2003, pela Procuradoria Geral da República, cujo objeto é justamente questionar a constitucionalidade do artigo 9º, da Lei n.º 10.684/2003. Até a presente data, contudo, não há decisão nos autos da ADIN em comento.
Conclusões
O artigo 9º da Lei n.º 10.684/2003 possibilita que o contribuinte acusado do cometimento de um crime fiscal, possa requerer a extinção de sua punibilidade, desde que efetue o pagamento do tributo devido.
Cabe frisar que o simples parcelamento da dívida fiscal acarretará a suspensão do processo criminal até o final pagamento. Comprovando o contribuinte que quitou sua dívida com o fisco, poderá requerer a extinção do feito em decorrência da quitação da dívida.
É interessante notar que o artigo 9º, da Lei n.º 10.684/2003 pode ser aplicado tanto para pessoas físicas (ex: IRPF) quanto para dirigentes e sócios de pessoas jurídicas.
Neste sentido, atualmente, os devedores do fisco que são acusados de crimes fiscais, podem requer a extinção da punibilidade, mesmo que já estejam condenados, pois, após a Lei n.º 10.684/2003, todas as dívidas tributárias – sejam elas federais, estaduais ou municipais, anteriores ou posteriores a Lei n.º 10.684/2003 -, são passíveis de serem pagas integralmente ou parceladamente, com a conseqüente extinção da punibilidade.
Advogado Especializado em Direito Tributário; Professor de Pós-Graduação em Direito Material e Processual Tributário; Mestre em Direito Empresarial e Tributário; Pós-Graduado em MBA de Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade; Pós-Graduado em Direito Tributário e Legislação de Impostos; Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil; Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior; Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT; Filiado à Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT; Sócio-Pleno da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF; Associado Máster da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET; Sócio-Professor do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT; Membro da International Fiscal Association – IFA
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