Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras no ordenamento brasileiro, tendo em vista a Lei nº 9.307/96.
Palavras-chave: Sentença arbitral estrangeira – Homologação – Lei de Arbitragem – Lei 9.307/96 – Convenção de Nova York.
Abstract: This article aims to analyze the procedure for the homologation of foreign arbitral decisions at Brazilian legal system, considering the Law n. 9.307/96.
Keywords: Foreign arbitral decisions – Homologation – Arbitration Law – Law n. 9.307/96 – New York Convention.
Sumário: Introdução. 1. A sentença arbitral estrangeira. 2. A territorialidade das sentenças arbitrais. 3. A necessidade da homologação da sentença arbitral estrangeira. 4. O juízo de homologação. Conclusão. Referências.
Introdução
Durante muito tempo, apesar de expressamente prevista pela legislação brasileira, a arbitragem foi muito pouco utilizada. Quer no âmbito do direito interno, ou no âmbito do direito internacional o maior obstáculo à utilização deste método de solução de controvérsias era o entendimento de que as decisões arbitrais não passariam de meros laudos e por essa razão só poderiam produzir seus efeitos após a chancela judicial.
No caso das sentenças arbitrais estrangeiras o problema era mais grave, pois para que fossem reconhecidas utilizava-se o sistema do duplo exequatur, segundo o qual antes de passar pelo processo de homologação no território brasileiro a sentença arbitral estrangeira deveria passar pelo crivo do judiciário de seu país de origem. Ocorre que, em muitos países a sentença arbitral não era condicionada à apreciação do Estado para produzir seus efeitos. Por essa razão, esses julgados jamais poderiam ser admitidos no ordenamento interno do Brasil.
Felizmente a Lei de Arbitragem foi redigida de forma a sanar este e outros entraves à larga utilização da arbitragem no país. Assim, a exemplo da Convenção de Nova York de 1958 sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras e da Lei Modelo da UNCITRAL, a nova lei reconheceu como sentenças as decisões emanadas da arbitragem e eliminou de uma vez por todas o sistema do duplo exequatur.
Ainda assim, existem dificuldades a serem superadas no reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras.
1. A sentença arbitral estrangeira
A Lei nº 9.307, de 26 de Setembro de 1996, conceitua a sentença arbitral estrangeira em seu artigo 34, parágrafo único, como aquela proferida fora do território nacional. [1] Por seu turno, a Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 10 de junho, de 1958, parte do mesmo princípio; porém, em seu art. 1°, amplia essa definição, permitindo que o país no qual é requerido o reconhecimento e a execução da sentença arbitral alienígena aplique suas regras a todas as decisões tidas como estrangeiras conforme sua legislação interna.
2. A territorialidade das sentenças arbitrais
A determinação da nacionalidade das sentenças arbitrais estrangeiras depende do sistema no qual se pretende o reconhecimento, pois varia conforme a lei do Estado em que se pretende fazer valer o decisum.
Existem, no contexto internacional, diversos critérios com o intuito de determinar se um laudo é nacional ou estrangeiro. O primeiro, já praticamente abandonado, é o do domicilio das partes envolvidas na arbitragem. Em segundo lugar, encontramos o critério da lei de regência da arbitragem, segundo o qual a sentença teria a mesma origem da lei escolhida para reger o processo arbitral. Por fim, temos o critério da territorialidade, que prevê que as sentenças prolatadas fora do território nacional são estrangeiras.
O critério da territorialidade tem, hoje, larga predominância em relação aos demais. Foi adotado pela maioria dos países, além de ter sido consagrada na Convenção de Nova York.[2] A supremacia deste critério se justifica por sua relativa objetividade e simplicidade.
No entanto, a determinação da territorialidade do laudo pode ser inferida de mais de uma maneira. Há países que determinam a nacionalidade da sentença conforme o lugar em que se sucedeu a arbitragem, enquanto outros se baseiam no lugar em que foi proferido o laudo. Normalmente estes lugares coincidem, porém é possível que a sentença seja prolatada em um país diferente daquele aonde correu o processo arbitral. Nestes casos, é possível que um laudo seja considerado doméstico ou estrangeiro por mais de um país, simultaneamente, de modo que seus efeitos podem ser invocados em mais de um país, independentemente de homologação.
O efeito mais grave, porém, ocorre quando dois países se consideram competentes para julgar demandas voltadas à invalidação da sentença arbitral ocasião na qual existe o risco de serem emitidos pareceres contrastantes a respeito da validade de uma mesma sentença, o que acaba por trazer insegurança jurídica para as partes.
Para que pudesse ser aplicada a todos os países signatários, independentemente do critério que utilizam para estabelecer a territorialidade ou extraterritorialidade dos laudos, a Convenção de Nova York determinou que suas disposições também se aplicam às sentenças não consideradas como domésticas no Estado onde se pretende o seu reconhecimento e execução. Com isso, a Convenção garantiu que suas regras fossem aplicadas também na recepção de sentenças não consideradas nacionais pelo país em que se busca o reconhecimento, mesmo que tenham sido proferidas em seu território.
A Lei de Arbitragem brasileira buscou adotar a postura mais objetiva possível, tendo por escopo evitar as principais dificuldades encontradas na determinação da origem da sentença arbitral. Desta forma, em seu artigo 34 identificou como estrangeira a sentença arbitral “proferida fora do território nacional”. Ainda com este intuito, a Lei 9.307/96 deixou de definir um regime de homologação para a terceira classe de arbitragem, a arbitragem internacional.
Assim, para o ordenamento brasileiro, não importa o objeto da arbitragem, sua natureza transnacional ou puramente doméstica, a nacionalidade das partes, a lei de regência do processo ou a sede do tribunal arbitral. O único critério relevante para determinar se uma sentença arbitral é nacional ou estrangeira é o resultado da arbitragem, ou seja, a própria sentença da qual se pretende a homologação. Tendo sido proferida em território nacional é nacional e, portanto, dispensa o reconhecimento. Se prolatada fora do território nacional, é estrangeira e os seus efeitos estão condicionados à homologação.
3. A necessidade de homologação da sentença arbitral estrangeira
Apesar de constar expressamente no artigo 35 da Lei de Arbitragem[3] a obrigatoriedade da homologação dos laudos arbitrais estrangeiros para que estes possam produzir efeitos no ordenamento jurídico interno, preceito que decorre da equiparação feita por esta mesma lei dos laudos arbitrais às sentenças judiciais, ainda existe na doutrina posicionamento que defende que a eficácia dos laudos estrangeiros no Brasil não está sujeita à homologação do judiciário nacional. [4]
Tal posicionamento tem como embasamento o fato de serem os laudos arbitrais atos privados praticados por estrangeiro eleito pelas partes – o árbitro – para que decida controvérsia entre elas versando sobre direitos patrimoniais disponíveis. Sendo assim, estariam equiparados a contratos celebrados no exterior, pois tratam de relação jurídica privada e disponível, devendo ser eficazes no Brasil independentemente de reconhecimento pelo Judiciário. Ao contrário as sentenças judiciais são atos oficiais, emanados de órgão público, tendo, portanto natureza estatal, o que justifica a necessidade de autorização do Judiciário brasileiro para produzir efeitos no Brasil.
No entanto, não é por seu caráter estatal ou judicial que se exige a homologação das decisões emanadas do exterior, mas sim pelos efeitos materiais e processuais que ele pode vir a produzir no ordenamento interno. O laudo arbitral não pode ser comparado ao um contrato, pois não é um acordo de vontades e sim a decisão de um processo no qual estão previstas garantias como o direito de informação, o contraditório, a ampla defesa. É um ato de julgamento em sentido material, que resolve uma lide em definitivo, aproximando-se da sentença judicial e não de um mero contrato entre as partes.
Ademais, se fosse permitido ao vencedor da arbitragem realizada no exterior utilizar os mecanismos estatais de coerção para a execução da obrigação prevista no laudo, sem submetê-lo a um controle prévio, mesmo que restrito, da autoridade judiciária interna, estariam sendo conferidos aos laudos efeitos e autoridade superiores àqueles concedidos às sentenças judiciais estrangeiras, sendo que estas últimas são submetidas em seu país de origem a instrumentos de controle aos quais não são submetidas às decisões arbitrais.
Atente-se para o fato de que a intenção do legislador quando do advento da Lei de Arbitragem foi retirar das decisões arbitrais o caráter de mero acordo de vontades, tendo em vista ser este um dos maiores entraves ao desenvolvimento da arbitragem no Brasil. Sendo um acordo de vontades era necessária a autorização do Judiciário do país onde foi proferida a decisão arbitral para que ela produzisse efeitos de sentença. Assim, para que produzisse efeitos no ordenamento interno os laudos tinham que passar pelo sistema da dupla homologação, que se transformava numa barreira intransponível nos casos em que o país de origem do laudo não previsse a homologação de suas próprias decisões arbitrais.
Além do argumento exposto acima se encontra na doutrina um segundo posicionamento contrário à necessidade de homologação dos laudos arbitrais. Trata-se da tese de inconstitucionalidade do artigo 35 da Lei de Arbitragem.
Segundo este posicionamento, ao atribuir à Suprema Corte a competência para homologação dos lados estrangeiros, a Lei de Arbitragem teria ampliado as competências originárias do artigo 102, inciso I da Constituição Federal, que previa apenas a homologação de sentenças judiciais, ao incluir a alínea “h”, o que só poderia ser feito através de Emenda Constitucional. Consequentemente a previsão do artigo 35 da supracitada lei seria inconstitucional.
Este entendimento foi transferido também para o Superior Tribunal de Justiça e o artigo 105, inciso I da Constituição Federal, após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº45/2004.
Existem dois argumentos que impedem a persistência desta tese.
O primeiro é que ela parte da falsa premissa de que a locução “sentenças estrangeiras” citada tanto no revogado artigo 102, inciso I, alínea “h” quanto no artigo 105, inciso I, alínea “i”refere-se apenas às sentenças judiciais estrangeiras.
É falsa esta premissa não apenas porque não existe no texto constitucional menção expressa às sentenças judiciais estrangeiras, como também porque é pacífico na doutrina nacional e estrangeira que, o que caracteriza um ato como sentença, para fins de homologação, nada tem a ver com requisitos formais, com o órgão emissor ou com sua denominação no sistema de origem. É decisivo que materialmente este ato corresponda a uma sentença nos parâmetros nacionais, ou seja, que caso o ato tivesse sido proferido no país em que se pretende homologá-lo seria tido como uma sentença, por possuir o mesmo conteúdo e produzir os mesmos efeitos.
Assim, tendo em vista que a Lei de Arbitragem equiparou os laudos arbitrais às sentenças judiciais, é nítido que a expressão “sentenças estrangeiras” contida no texto constitucional inclui os laudos arbitrais emanados em sistemas que não o brasileiro. Portanto, não há que se falar na inconstitucionalidade do artigo 35 da Lei nº 9.307/96.
Ademais, o segundo argumento que refuta esta tese é que, a norma constante do revogado artigo 102, inciso, alínea “h” e do atual artigo 105, inciso I, alínea “i”, tem a natureza de simples regra de competência, na qual está prevista uma das hipóteses de jurisdição originária do Superior Tribunal de Justiça (anteriormente do Supremo Tribunal Federal). A definição e modificação do conceito de sentença no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a determinação de quais atos serão submetidos à homologação judicial é tarefa do legislador ordinário, a quem compete criar normas sobre direito processual.
Pode-se concluir então que sendo a determinação do que é sentença atribuição das normas de direito processual e que estas mesmas normas equiparam os laudos arbitrais às sentenças judiciais, não resta dúvida de o artigo 35 da Lei de Arbitragem não conferiu uma nova hipótese de competência originária ao Superior Tribunal de Justiça e anteriormente à Emenda Constitucional nº 45/2004, ao Supremo Tribunal Federal, apenas incluiu no rol dos atos homologáveis as sentenças proferidas em sede de arbitragem.
Resta ainda um último argumento contrário à necessária homologação das sentenças arbitrais no Brasil. Este, mais recente, defende que, com a entrada em vigor no território nacional da Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, em 2002, foi revogada a imperatividade do juízo delibatório, de modo que os laudos estrangeiros teriam eficácia automática no território nacional.
Esta corrente tem como fundamento o artigo III do Tratado que prevê que os Estados signatários não devem impor para o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras condições substancialmente mais onerosas ou taxas mais altas do que as previstas para o reconhecimento ou execução das nacionais. Segundo este pensamento, tendo em vista a equiparação feita pela Lei nº 9.307/96, entre sentenças e laudos arbitrais, acabando com a necessidade da chancela judicial, o mencionado artigo III da Convenção de Nova York teria revogado a disposição do artigo 35 da Lei de Arbitragem.[5]
Uma análise sistemática do artigo III demonstra que este pensamento é equivocado.
Primeiramente, temos que recordar que é esta mesma norma que prevê que cada Estado regule o reconhecimento e a homologação das sentenças estrangeiras de acordo com suas próprias regras processuais. E como já visto a Lei de Arbitragem brasileira, em seu artigo 35 exige a homologação das decisões provenientes de arbitragens realizadas fora do território nacional.
Além disso, o Tratado estabelece em seu texto as normas sobre o juízo delibatório, prescrevendo os requisitos para o reconhecimento e execução dos laudos estrangeiros em outro território. Assim, não faria sentido a Convenção estabelecer todos estes procedimentos se ela mesma os considerasse demasiadamente onerosos para o reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, especialmente porque o escopo deste pacto é facilitar ao máximo a produção dos efeitos das sentenças arbitrais em território estrangeiro.
O objetivo do artigo III é simplesmente impedir que durante o procedimento homologatório imponham-se requisitos ou encargos mais onerosos ao reconhecimento dos laudos estrangeiros do que os cobrados para as nacionais, exceto, por óbvio, aqueles requisitos já previstos pela própria Convenção. Até porque se esta quisesse dispensar a necessidade de homologação das sentenças arbitrais estrangeiras nos países em que as sentenças arbitrais prescindem de tal requisito, teria determinado a dispensa expressamente, em disposição inequívoca, diante da relevância de tal restrição na aplicação das normas contidas em seu texto assim como do controle soberano da entrada de sentenças estrangeiras em território nacional.
A observação dos sistemas estrangeiros também corrobora o posicionamento defendido neste trabalho, porquanto são diversos os países estrangeiros, signatários da Convenção de Nova York que, a exemplo do Brasil, dispensam seus laudos de qualquer homologação, mas ainda assim submetem as sentenças arbitrais proferidas fora de seu território ao juízo de delibação. Entre estes países temos Espanha, Portugal e Finlândia. Em nenhum deles manifestou-se a doutrina confrontando a previsão do artigo III com seus sistemas de reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras.
Há que se ressaltar, ainda, que a Lei de Arbitragem brasileira foi calcada na Convenção de Nova York, bem como na Lei Modelo da UNCITRAL de 1985 e também na Convenção do Panamá de 1975, de modo que seus autores tiveram como propósito incorporar ao texto legal as principais disposições sobre o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras destes três tratados. Este esforço foi feito para inserir o Brasil no contexto internacional, pois à época da edição desta lei o Brasil relutava em ratificar a Convenção de Nova York, reconhecendo, ainda que indiretamente as disposições da Convenção, que é o regramento hegemônico em matéria de reconhecimento de laudos estrangeiros.
Portanto, a entrada em vigor da Convenção não poderia causar tamanha ruptura no sistema homologatório brasileiro. Entendimento este que tem sido compartilhado pela jurisprudência, conforme se nota nos pronunciamentos da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça[6], especialmente nos transcritos abaixo.
“SEC Nº 507 – EX (2005/0209540-1)
HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. CAUÇÃO. DESNECESSIDADE. LEI 9.307/96. APLICAÇÃO IMEDIATA. CONSTITUCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO DA ARBITRAGEM COMO SOLUÇÃO DE CONFLITOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ORDEM PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO MÉRITO DA RELAÇÃO DE DIREITO MATERIAL. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA. REGRA DA EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. ART. 20, § 4º DO CPC. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DEFERIDO. (…)
II – A sentença arbitral e sua homologação é regida no Brasil pela Lei nº 9.307/96, sendo a referida Lei de aplicação imediata e constitucional, nos moldes como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. (…)”
“SEC Nº 802 – EX (2005/0032132-9)
SENTENÇA ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À ORDEM PÚBLICA, À SOBERANIA NACIONAL E AOS BONS COSTUMES.
1. Sentença arbitral que decorreu de processo sem qualquer vício formal.
2. Contestação da requerida no sentido de que não está obrigada a cumprir o seu encargo financeiro porque a requerente não atendeu à determinada cláusula contratual. Discussão sobre a regra do exceptio non adimpleti contractus, de acordo com o art. 1.092 do Código Civil de 1916, que foi decidida no juízo arbitral. Questão que não tem natureza de ordem pública e que não se vincula ao conceito de soberania nacional.
3. Força constitutiva da sentença arbitral estrangeira por ter sido emitida formal e materialmente de acordo com os princípios do nosso ordenamento jurídico.
4. Homologação deferida. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.”
4. O Juízo de Homologação
4.1. Sistema da delibação
Consagrado pela Convenção de Nova York de 1958, o sistema da delibação é adotado pela grande maioria dos países para a homologação dos laudos estrangeiros, apesar de existirem outros sistemas[7] para cumprir com esta mesma finalidade.
Conforme ensina Amílcar de Castro, “Delibação, que vem do latim (delibatio-onis), é tirar, colher um pouco de alguma coisa; tocar de leve, saborear, provar no sentido de verificar, experimentar, examinar; e, portanto, o que pretende significar em direito é que o tribunal, tomando conhecimento da sentença, para mandar executá-la, toca de leve apenas em seus requisitos, examinando sua legitimidade, sem entrar no fundo, ou no mérito do julgado.”[8]
O sistema da delibação surgiu com o Código de Processo Civil Italiano de 1865. Segundo este método, o órgão de controle, responsável pela importação dos efeitos da sentença estrangeira, deve restringir-se à verificação da presença de “expressos, limitados e bem definidos requisitos” [9].
Trata-se da verificação de algumas condições, ou garantias mínimas, sem que se invada o mérito já decidido pelo laudo prolatado no juízo de origem. É vedado ao juízo ad quem fazer um reexame das questões de fundo decididas na arbitragem realizada fora do território nacional. Não se pode invocar em sede de delibação nenhuma das hipóteses que não esteja prevista no direito objetivo.
Tais hipóteses, ou requisitos são normalmente formais ou exteriores à decisão estrangeira, porém também se faz uma análise superficial do conteúdo da sentença, com o intuito de verificar se ela não fere princípios fundamentais do país no qual será recepcionada, ou seja, se ela não fere a ordem pública deste país. Não se trata de novo juízo, nem da invasão do mérito da sentença a quo.
No Brasil as matérias a serem fiscalizadas pelo juízo delibatório são aquelas listadas taxativamente pela lei 9.307/96, nos artigos 38 e 39, conforme veremos com mais atenção adiante.
4.2. Procedimento
A homologação deve ser requerida através de petição inicial, obedecendo aos requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil. Deverá vir acompanhada do laudo arbitral e da convenção de arbitragem em versões originais ou cópia certificada pelo consulado brasileiro e traduzida oficialmente. É possível cumular no mesmo processo os pedidos de homologação de mais de um laudo arbitral proferido contra o mesmo réu, conforme previsto no artigo 292 do Código de Processo Civil.
Cabe ao presidente do Superior Tribunal de Justiça examinar a presença dos requisitos da petição inicial e em sua ausência determinar que o autor a emende ou adite, sob pena de extinção do processo. Para tanto o autor tem prazo de dez dias, passíveis de prorrogação.
Deferida a inicial será determinada a citação do réu, para que apresente sua contestação no prazo de quinze dias Em se tratando de réu domiciliado no Brasil via de regra ela será feita pelo correio, podendo também ser efetuada por mandado, mediante requerimento do autor. Caso o réu não resida no território nacional a citação deverá ser feita através de carta rogatória. Se o réu for desconhecido ou tiver paradeiro incerto será citado por edital. Em qualquer dos casos acima, se o demandado for incapaz, ou tornar-se revel ser-lhe-á nomeado curador especial, nos termos do artigo 9º, § 3º da Resolução nº 9/2005.
Diante da natureza meramente delibatória do juízo de homologação, as matérias de defesa passíveis de serem aduzidas pelo réu em sede de contestação limitam-se àquelas elencadas nos artigos 38 e 39 da Lei de Arbitragem, quais sejam:
“a) incapacidade das partes na convenção de arbitragem;
b) a invalidade da convenção de arbitragem perante a lei a qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, a lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;
c) quando o réu não foi notificado da decisão arbitral, ou havendo violação ao princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;
d) quando a sentença arbitral for proferida em desacordo com a convenção de arbitragem e não sendo possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;
e) instituição da arbitragem em desacordo com a compromisso arbitral ou com a cláusula compromissória;
f) quando a sentença arbitral não for, ainda, obrigatória para as partes, tendo sido anulada ou suspensa por órgão judicial do país onde foi proferida;
g) o objeto do litígio não é, segundo a lei brasileira, suscetível à arbitragem;
h) a decisão arbitral fere a ordem pública.”
Além das matérias acima, poderá, também, demandado alegar, preliminarmente, a falta de algum pressuposto de admissibilidade do julgamento de mérito.
Tendo em vista tratar-se a arbitragem de processo de jurisdição contenciosa não há impedimento para que seja apresentada, no prazo da contestação, reconvenção, com o objetivo de reconhecer laudo ou parte de laudo arbitral estrangeiro conexo àquele que constitui o pedido feito pelo demandante.
À época em que a homologação de sentenças estrangeiras era de competência da Corte Suprema, havia previsão expressa, em seu Regimento Interno, do prazo de cinco dias para réplica. No entanto, após a delegação da competência para o Superior Tribunal de Justiça, este silenciou quanto a esta questão, devendo ser aplicadas as regras do Código de Processo Civil sobre o tema. Assim, o demandante tem o direito de se manifestar sobre a contestação no prazo de cinco dias, ou dez dias, caso o réu tenha alegado preliminares.
Independentemente da apresentação de contestação, os autos serão remetidos ao Procurador-Geral da Republica, que atuando como fiscal da lei, poderá impugnar o pedido de homologação, invocando as matérias do artigo 39 da Lei de Arbitragem, ou seja, a ausência dos requisitos legais aos quais está condicionada a homologação, matérias essas que podem ser reconhecidas de ofício pelo juízo. As matérias dispostas no artigo 38 da mencionada lei, são reservadas ao demandado.
Não havendo oposição do réu, de seu curador, ou do Ministério Público a homologação será decidida pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça e de sua decisão cabe agravo regimental no prazo de cinco dias, tanto para o acolhimento quanto para a rejeição do pedido. Caso o Presidente não reconsidere sua decisão o agravo será Julgado pela Corte Especial. Desta decisão não caberá mais nenhum recurso.
Havendo a impugnação o processo será distribuído entre os membros da Corte Especial, e será por eles julgado. A partir deste momento cabem ao relator os atos de andamento e instrução do processo. O acórdão proferido pelo órgão colegiado não admite recurso interno ao Superior Tribunal de Justiça, salvo embargos de declaração, com o intuito de sanar omissões, obscuridades ou contradições.
Com a transferência para o Superior Tribunal de Justiça, da competência que uma vez pertenceu ao Supremo Tribunal Federal, tornou-se possível impugnar as decisões da Corte Especial através de recurso extraordinário dirigido ao Supremo, nas hipóteses previstas no artigo 102, inciso III da Constituição Federal, por se tratar, evidentemente, de causa decidida em única instância. Uma vez levada a questão ao Supremo Tribunal Federal as partes podem se valer dos recursos internos admissíveis no âmbito interno dessa Corte, quais sejam embargos de declaração, agravo regimental e embargos de divergência.
No entanto, apesar do entendimento doutrinário manifestado acima[10], deve se considerar que, nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça os recursos interpostos não foram admitidos, pois se entendeu que não existe previsão legal do cabimento desta via impugnativa contra acórdãos proferidos no processo homologatório.[11]
Ressalte-se que apesar de sua possibilidade teórica, na prática, esta via impugnativa aplica-se apenas nos acórdãos em que for declarada a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ou que afrontem a Constituição da República, o que raramente ocorre nos processos de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. Ademais, com a Emenda Constitucional nº 45/2004, foi acrescentado aos requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário a repercussão geral das questões alegadas e ainda não existe um posicionamento da Suprema Corte no tocante a esse requisito em tema de reconhecimento de decisões estrangeiras.
Por fim, há que se esclarecer que o princípio da sucumbência aplica-se a qualquer das partes apenas nos casos em que houve impugnação da pretensão homologatória pelo demandado ou quando este deu causa ao processo homologatório, por deixar de satisfazer a prestação a ele imposta no laudo arbitral estrangeiro. Nestes casos o vencido será condenado a pagar ao patrono do vencedor os honorários advocatícios. Conforme o artigo 1º da Resolução 9/2005 a parte sucumbente está isenta de responsabilidade pelas custas processuais.
4.3. A Resolução nº 9, de 4 de Maio de 2005 do STJ
Publicada em 4 de Maio de 2005 pelo Superior Tribunal de Justiça, esta resolução dispõe, em caráter transitório, sobre a competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional n. 45/2004.
Nos termos da Resolução, a homologação de sentença estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações constantes da lei processual, e ser instruída com a certidão ou cópia autentica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados.
O processo de homologação de sentença estrangeira, como qualquer processo judicial, necessita ser feito por meio de uma petição assinada por advogado com registro profissional na Ordem dos Advogados do Brasil.
A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente.
Referida resolução prevê que serão homologados os provimentos não judiciais que, pela lei brasileira, teriam natureza de sentença. As decisões estrangeiras, podem, ainda, ser homologadas parcialmente.
Dentre os requisitos para a homologação da sentença arbitral estrangeiras, a Resolução determina que são indispensáveis:
“Art. 5º – Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:
a) Haver sido proferida por autoridade competente.
b) Terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia.
c) Ter transitado em julgado.
d) Estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.”
Contendo todas as peças processuais e não havendo contestação, o tempo médio para a tramitação será de 2 meses. O provimento final será uma decisão, homologando ou não a sentença estrangeira.
Conclusão
Vimos que, em razão da soberania dos Estados, um julgado proferido em território estrangeiro deve passar pelo crivo da autoridade interna, para que possa adquirir eficácia neste sistema. É o que se denomina homologação de sentença estrangeira.
No Brasil, a homologação das sentenças arbitrais estrangeiras enfrentava diversos obstáculos, que impediam uma maior utilização da arbitragem, especialmente da arbitragem comercial internacional, tendo em vista que não raras vezes a eficácia do laudo proferido no exterior não era admitida em nosso ordenamento.
Um dos maiores entraves ao reconhecimento das sentenças estrangeiras era a necessidade do duplo exequatur, ou seja, para ser admitida no ordenamento interno, uma sentença arbitral estrangeira tinha que ser previamente homologada pelo poder judiciário de seu país de origem. Porém muitos países não previam essa chancela judicial dos laudos arbitrais, de modo que estes jamais poderiam ser admitidos no Brasil.
Esta questão foi superada com edição da Lei nº 9.307/96, criada para inserir o Brasil no contexto internacional da arbitragem e que para tanto foi elaborada em consonância com a Convenção de Nova York de 1958 sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras, que foi ratificada em 2002 e a Lei Modelo da UNCITRAL.
Mestranda em Direito das Relações Econmicas Internacionais na PUC/SP Certificada no Program on Negotiation pela Harvard Law School Pós Graduada em Métodos Alternativos para a Resolução de Conflitos pela Escola Paulista de Magistratura Graduada em Direito pela PUC/SP
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