Resumo: Assim como demais elementos da vida social, o fenômeno jurídico evolui ao longo das décadas graças à crescente complexidade das relações sociais. A conjuntura político-social de uma civilização muitas vezes representa importante impulso nas modificações do Direito, a exemplo de grandes revoluções no mundo, como a Francesa, que resultou na primeira Constituição Francesa (1791), e a Inglesa, que coroou a criação da Bill Of Rights, enquanto no Brasil, pode-se destacar a Revolução de 1930, que culminou na Constituição de 1934. Destarte, o presente artigo busca a defesa da consideração da História como uma disciplina essencial nos currículos dos cursos jurídicos, ao entender que seu estudo leva a uma compreensão do Direito desde o embrião formador dos institutos jurídicos fundamentais de hoje até os elementos da atualidade que podem fomentar futuras modificações legislativas.[1]
Palavras-chave: História. Historicismo Jurídico. História do Direito.
Sumário: Introdução. 1. Breve evolução da História como disciplina. 2. A disciplina História do Direito 3. A corrente do Historicismo Jurídico 4. Como a História influenciou na evolução da legislação brasileira? 4.1 De 1808 a 1824. 4.2 De 1824 a 1891. Considerações Finais
INTRODUÇÃO
O transcorrer do tempo provoca modificações adaptativas em fenômenos como a linguagem. Por exemplo, as necessidades de um povo em vista de inovações tecnológicas fazem surgir novos vocábulos, bem como extinguir os obsoletos, a mudança nos costumes faz por modificar regras antes usuais e criar novos padrões. Inexoravelmente ligada à evolução histórica, não é a vida social que se adapta à linguagem, mas esta que se adapta à vida social.
Analogamente, assim o é com o fenômeno jurídico. A evolução do Direito está carregada de precedentes sociais, econômicos e políticos. Fundamentando-se no princípio do parentesco, o Direito tem seu embrião nas sociedades primitivas, baseando-se em laços de consanguinidade e nas práticas de convívio familiar de um grupo social unido por crenças e tradições. (LUHMANN, 1983, p.182,183). Com o desenvolvimento das sociedades, a destribalização e consequente criação de cidades, o Direito se vê obrigado a evoluir, passando da oralidade presente nas sociedades primitivas para a criação de códigos escritos. A simples transmissão oral da cultura começa a se tornar insuficiente para a preservação da memória e identidade dos primeiros povos urbanos, que já possuem uma estrutura religiosa, política e econômica mais diferenciada (WOLKMER, 2011, p.20).
É de se notar como a evolução do fenômeno jurídico está quase sempre acompanhada de conjunturas favoráveis a este processo. Por exemplo, na Inglaterra da Revolução Industrial o trabalhador não possuía direitos trabalhistas, como à greve e à férias, entretanto, a demanda social levou à criação de uma legislação para a classe trabalhadora. Trazendo tal realidade ao Brasil pós-independência, pode-se analisar a associação de História e Direito na evolução da legislação trabalhista. As Ordenações do Reino, assimiladas ao Direito brasileiro, traziam consigo normas trabalhistas que são incorporadas por leis especiais. Em 1850, o Código Comercial brasileiro começa a legislar pela primeira vez sobre o trabalho rural, (VILLAR, 2006), uma adaptação do comportamento legislativo à conjuntura política do Brasil visando abarcar com excelência a maioria da população do país.
Já no século XX, a queda da República Velha, 1930, coroa os riscos da não evolução concomitante do Direito e da sociedade. A partir do momento que o operariado brasileiro foi se tornando urbano, (apesar dos operários rurais ainda representarem a maioria), a reivindicação por direitos aumentou, trazendo a necessidade de uma nova Constituição, a de 1934, que veio a coroar as leis trabalhistas já existentes a fim de dar-lhes força constitucional. (CASTRO, 2007, p.460)
Apresentados brevemente alguns clássicos exemplos que demonstram relações histórico-jurídicas desde a Antiguidade à Época Contemporânea, o presente estudo traz como problemática: Qual a importância do estudo da História para a compreensão da evolução do fenômeno jurídico no Brasil e no mundo? O objetivo é demonstrar como os acontecimentos históricos influenciaram nas modificações legislativas, bem como levar à compressão de pontos de intersecção existentes entre o Direito e a História. Inicialmente, aborda-se brevemente a evolução da História e da História do Direito, como disciplinas, e a corrente denominada Historicismo Jurídico, sendo assim, por fim, demonstrar-se-á um breve panorama da evolução legislativa brasileira, permeada por acontecimentos históricos, da Independência à Proclamação da República.
1 BREVE EVOLUÇÃO DA HISTÓRIA COMO DISCIPLINA
No século V a.C, nasce na Cária, atual Turquia, Heródoto de Haliscarnasso, considerado o “pai da História” (BENEDICTIS, 2005). Trata-se de um homem que dá início ao desenvolvimento da disciplina ao retratar importantes conflitos, como as Guerras Médicas, sob enfoque filosófico e antropológico. Deve-se destacar que, à sua época, era notável o aspecto mitológico permeando não apenas os fenômenos naturais, mas, sobretudo, as relações sociais na Antiguidade, logo, iniciar uma disciplina de enfoque essencialmente antropológico, como a História, exigia um distanciamento gradativo de certos aspectos religiosos. Tratava-se de notar o homem como si, e neste trajeto a historiografia nascente contou não apenas com Heródoto, mas também com Xenofontes, Filisto, Timeu, Teopompo, entre diversos outros nomes (MARUTTI, 2008).
Como disciplina sistemática, a História acompanhou os trilhos da Humanidade. Evoluiu de maneira lenta e passou por percursos de retrocesso. Com a Idade Média, a História se viu curva perante o poderio da Igreja Católica e assistiu, então, ao retorno da associação dos aspectos divinos aos acontecimentos sociais, pois o teocentrismo obscureceu o olhar sobre o homem como construtor de seu próprio caminho e de sua civilização. A chegada do século XIII d.C, com o movimento Renascentista e seu desmembramento Humanista, fez ressurgir na Historiografia o interesse pelo indivíduo, não obstante ainda persistirem grandes autores com um olhar teocêntrico sobre a História, como o bispo francês Jacques-Benigné Bossuet, doutor em Teologia e autor de "A Política tirada da Sagrada Escritura", obra na qual defende a origem divina do poder dos reis.
O período que antecedeu e acompanhou grandes movimentos políticos foi marcado pela mudança de prisma intelectual. Cinco séculos após o Renascimento, o Iluminismo fez surgir importantes nomes que influenciaram toda uma sociedade e múltiplas disciplinas no século XVIII d.C., entre elas a História e as Ciências Jurídicas, como Montesquieu, Voltaire, François Fénelon e Edward Gibbon. As grandes marcas revolucionárias desse século, Revolução Francesa (1789) e Revolução Americana (1776), valeram-se de ideias de tais pensadores, que primaram pelo uso da razão e se rebelaram contra os abusos da Igreja e do Estado.
No século XIX, o francês Auguste Comte lança as bases do Positivismo, (MARUTTI, 2008), corrente segundo a qual se deve primar pela objetividade de métodos na disciplina histórica, que deve ter como fontes documentos legitimados pelo Estado, assim como, contar com a imparcialidade diante de seu objeto de estudo.
Atualmente, a Historiografia, ciência da História, conta com obras de grandes nomes. Eric Hobsbawm, britânico autor de “A Era das Revoluções”, Marc Bloch, francês notório por ser um dos fundadores da Escola dos Annales, Edward Thopmson, autor de “A Formação da Classe Operária Inglesa”, bem como os brasileiros, Gilberto Freyre, autor de “Casa Grande & Senzala”, Caio Prado Junior, autor de “Formação do Brasil Contemporâneo” e Sérgio Buarque de Holanda, autor de “Raízes do Brasil”.
2 A DISCIPLINA HISTÓRIA DO DIREITO
Não é difícil compreender que a História e o Direito se relacionam e vivem em um sistema de mútua influência. O Direito é fruto de uma demanda social, nasce no seio da civilização, estando relacionado a condições socioculturais e fatos históricos. Muitas das vezes a compreensão do direito exige um conhecimento específico de fenômenos econômicos, geográficos e sociais que apenas o estudo da História pode fornecer.
A História do Direito trata-se de uma disciplina que está presente no currículo dos cursos jurídicos desde 1891 (NADER, 2000, p.5), e que se ocupa em demonstrar como o fenômeno jurídico é construído por meio de camadas que não necessariamente sobrepõem-se, mas que estão indissoluvelmente ligadas pela realidade social. Tal disciplina propõe um estudo de sentenças judiciais, doutrina, costumes e demais fontes do Direito, bem como de institutos jurídicos, com os quais estabelece relações de iguais institutos em diferentes épocas, condicionando-os a diferentes conjunturas sociopolíticas.
O estudo histórico do Direito é abrangente, e, nas palavras de Flávia Lages de Castro: “O valor do estudo da História do Direito não está em ensinar-nos não somente o que o direito tem “feito”, mas o que o direito é. Tendo isto em mente, podemos avançar neste estudo, buscando compreender não somente as regras de povos que viveram no passado, mas sua ligação com a sociedade que a produziu para assim, e somente assim, entender o “nosso” Direito. (CASTRO, 2007, p.5) “
3 A CORRENTE DO HISTORICISMO JURÍDICO
Desta forma define o Direito, Friedrich Carl von Savigny, notável jurista alemão do século XIX, um dos principais representantes da Escola Histórica do Direito: “O Direito é um produto de forças interiores, que operam em silêncio e está profundamente enraizado no passado da nação, e as suas verdadeiras fontes são a crença popular, os costumes e a consciência do povo” (SAVIGNY, 1970). A Escola Histórica nasce na Alemanha do século XIX, trazendo consigo uma análise diferenciada do fenômeno jurídico. O Historicismo Jurídico tem suas raízes em Marx, Spencer e Hegel, dos quais retira um caráter anti-racionalista e anti-metafísíco que o leva de encontro ao forte movimento jurídico defensor da Teoria do Direito Natural.
O movimento alemão busca valorizar, no estudo do Direito, a análise dos elementos que compõem a realidade cultural, ou histórica, de um povo, defendendo que a lei é uma emanação das aspirações da sociedade, cujas evoluções levam ao progresso do Direito. Desta forma, a análise do Direito deve ocorrer concomitantemente ao estudo das fontes jurídicas, como o Direito consuetudinário, as sentenças judiciais e obras doutrinárias. (NADER, 2000, p.11)
Há uma clara oposição do movimento alemão ao processo de codificação, pois para essa Escola, o Direito é um fenômeno mutável, que se forma e se transforma espontaneamente, tido inicialmente sob a forma do costume, denominado como fonte das fontes. A codificação, portanto, seria uma petrificação do Direito, pois as necessidades sociais evoluiriam e o código permaneceria estático.
Os principais nomes do Historicismo Jurídico são Gustav Hugo, Karl Savigny, fundadores da Escola Histórica, e Friedrich Puchta, discípulo de Savigny na Universidade de Berlim. Segundo estes nomes, o Direito, da mesma forma que a língua e os costumes, é peculiar a cada povo, estando inexoravelmente ligado a outros fenômenos socioculturais. (GUSMÃO, 1986, p.462)
4 COMO A HISTÓRIA INFLUENCIOU NA EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA?
É sabido que a primeira Constituição Brasileira foi de 1824, a Constituição do Império do Brasil, mas é importante compreender os porquês relacionados a esta Constituição outorgada. Como se deu o período anterior a 1824?
Bem como todas as leis, decretos e alvarás, as Constituições Brasileiras vieram carregadas de precedentes históricos, como uma pilha de situações que vieram se avolumando de tal forma que obrigaram os governantes a proceder na criação de bases sustentadoras deste conjunto que ameaçava desabar. Serão abordadas brevemente as situações mais fáticas de cada período da história do Brasil Império ao Brasil República e suas respectivas transformações legislativas como forma de exemplificar a importância da compreensão da conjuntura política brasileira para o pleno entendimento do fenômeno jurídico brasileiro.
4.1 De 1808 a 1824
O Brasil tornou-se independente em 7 de setembro de 1822, entretanto, as movimentações emancipacionistas se deram em um período anterior ao supramencionado. O processo tem início em 24 de janeiro de 1808, quando a Corte Portuguesa atraca nos portos brasileiros motivada pelo avanço das tropas de Napoleão em direção a Lisboa. Iniciam-se as mudanças do panorama colonial que culminariam em um Brasil independente. “Com a transferência da Corte novas necessidades e uma nova mentalidade estavam presentes.” (CASTRO, 2007, p.326)
A economia paralisada ganhou um impulso com a Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, o chamado Decreto de Abertura dos Portos a Nações Amigas. Antes deste, todo produto saído do Brasil, bem como aqueles que viriam a chegar na colônia, passavam obrigatoriamente pelos portos lusitanos, mas a partir de então, um país invadido por tropas inimigas, Portugal, não poderia mais intermediar qualquer comércio.
Por outro viés, a colônia não necessitava apenas de comércio livre, mas também de desenvolvimento industrial, proibido desde o Alvará de 1785, para sustentar a nova conjuntura que se apresentava. Em 1º de abril de 1808, um Alvará permite o livre estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil, enquanto que no mesmo sentido, em 12 de outubro do mesmo ano, outro Alvará com força de lei cria o Banco do Brasil, que virá a emitir moeda própria e ampliar o tesouro real.
A Inglaterra, cuja produção industrial se avolumava graças ao Bloqueio Continental de Napoleão passa a pressionar a falida Família Real lusitana para que ocorra o estabelecimento de tratados comerciais favoráveis em troca de um apoio político e militar. A consequência desta pressão é a “Carta de Lei de 26 de Fevereiro 1810 – [que] Ratifica o Tratado de amizade e aliança entre o Principe Regente de Portugal e El-Rei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda.” (IMPRENSA NACIONAL, 1891, p.2)
Cinco anos depois, Napoleão Bonaparte é derrotado, ou seja, cessa a invasão francesa a Portugal. A consequência é a reunião das monarquias europeias em Viena, capital da Áustria, para discutir a situação política do continente europeu e reorganizar as fronteiras. Os princípios que permearam o Congresso de Viena, da legitimidade e do equilíbrio de poder, legitimaram a restauração da Casa de Bragança ao trono português, mas um problema havia se instaurado: D. João não estava em Lisboa e sim no Rio de Janeiro. A solução encontrada pelo príncipe regente foi elevar o Brasil ao status político de Portugal, daí a carta de Lei de 16 de dezembro de 1815.
“D. João por graça de Deus, Principe Regente de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber aos que a presente carta de lei virem, que tendo constantemente em meu real animo os mais vivos desejos de fazer prosperar os Estados, […] outrosim reconhecendo quanto seja vantajosa aos meus fieis vassallos[sic] em geral uma perfeita união e identidade entre os meus Reinos de Portugal e dos Algarves, e os meus Dominios do Brazil, erigindo estes àquella graduação e categoria politica que pelos sobreditos predicados lhes deve competir, e na qual os ditos meus domínios já foram considerados pelos Plenipontenciarios da Potencias que formaram o Congresso de Vienna […].”
Até o presente momento nota-se como os mais importantes tratados, leis e alvarás vieram carregados de precedentes históricos, que vão se avolumando ao longo dos anos. Destarte, em prosseguimento, no ano de 1820, ocorre a Revolução Liberal do Porto, “revolução em Portugal contra a dominação inglesa e a permanência da Corte no Brasil” (PEIXOTO, 1944, p.110) Para o Brasil, tal Revolução não era nada liberal, visto que pregava o retorno deste à condição de colônia reestabelecendo o monopólio comercial, mas para Portugal, os revolucionários queriam o retorno do rei e a elaboração de uma nova Constituição. Dom João, entretanto, só retornou à Europa após esta revolução, em 26 de abril de 1821, graças à pressão da burguesia mercantilista portuguesa e da nobreza lusitana. Como regente do reino do Brasil, Dom João nomeou seu filho mais velho e herdeiro, Dom Pedro.
Apesar de pressionado para retornar a Portugal, Dom Pedro decidiu em 9 de janeiro de 1822, famoso “Dia do Fico”, que permaneceria onde estava. Em 7 de setembro do mesmo ano, graças ao apoio da Inglaterra e da aristocracia rural brasileira, Dom Pedro proclama a Independência do Brasil. Ainda em junho de 1822, já era convocada uma Assembléia Constituinte, que só foi reunida em maio de 1822, como uma das reações às tentativas recolonizadoras portuguesas. (CASTRO, 2000, p.347)
Em setembro de 1823 foi apresentado o anteprojeto de Constituição, que refletia a situação política da época: domínio latifundiário e receio pelo fim da emancipação. Os principais pontos eram a restrição da participação de estrangeiros na política brasileira e o voto censitário baseado em alqueires de um produto usual na época, a farinha de mandioca, motivo pelo qual a Constituição de 1823 ficou conhecida como a “Constituição da Mandioca”. Desagradando ao Imperador, por pregar pela indissolubilidade da Câmara e supremacia brasileira na política, a “Constituição da Mandioca” foi vetada e uma comissão de confiança do D. Pedro I composta por dez membros, chamada Conselho de Estado, foi nomeada para elaborar dentro de quarenta dias uma nova Constituição.
Em 25 de março de 1824, D. Pedro I outorga a primeira Constituição do Império do Brasil. Destacam-se alguns artigos com a grafia original:
“Art. 3. O seu Governo é Monarchico, Hereditario, Constitucional e Representativo. Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial. Art. 90. As nomeações dos Deputados, e Senadores para a Assembléia Geral, e dos Membros dos Conselhos Geraes das Provincias, serão feitas por Eleições indirectas, elegendo a massa dos Cidadãos activos em Assembléas Parochiaes os Eleitores de Provincia, e estes os Representantes da Nação, e Provincia. Art. 91. Têm voto nestas Eleições primarias: I. Os Cidadãos Brazileiros, que estão no gozo de seus direitos políticos. II. Os Estrangeiros naturalizados. Art. 92. São excluídos de votar nas Assembléas Parochiaes. I. Os menores de vinte e cinco anos, nos quaes se não compreendem os casados, e Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um anos, os Bachares Formados, e Clerigos de Ordens Sacras. II. Os filhos famílias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem Officios públicos.[…] V. Os que não tiverem de renda liquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, commercio, ou Empregos. [BRASIL, Constituição, 1824, grifo nosso]”
4.2 De 1824 a 1891
D. Pedro I enfrentou uma situação complexa ao assumir o trono brasileiro. Houve diversas revoltas internas, a guerra com a Argentina em 1825, a morte de D. João VI em 1826, trono do qual era herdeiro, a desvalorização da moeda e a consequente falência do Banco do Brasil em 1829. No âmbito legislativo, a pressão também era enorme, o Imperador sabia que não bastava outorgar uma Constituição naquele momento, era preciso em caráter de urgência criar uma legislação penal e civil para o novo país.
Em 1830, é sancionado o Código Criminal brasileiro, cujo projeto foi realizado por Bernardo Pereira de Vasconcelos. Pode-se destacar neste código o princípio da legalidade, expresso no art. 1º, “não haverá crime, ou delicto (palavras synonimas neste Codigo) sem uma Lei anterior, que o qualifique.”; a imputabilidade penal dos loucos, menores de catorze anos, (art. 10); a previsão de pena de morte no art. 28, “a pena de morte será dada na forca.”, bem como a proibição constante no art. 276, “celebrar em casa, ou edifício, que tenha alguma forma exterior de Templo, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra Religião, que não seja a do Estado.”
Como destaca Boris Fausto, a partir de 1830, a situação de D. Pedro I ficou insustentável e, por fim, ele foi obrigado a abdicar em favor de seu filho de apenas cinco anos, Dom Pedro II, em 7 de abril de 1831. (FAUSTO, 1996, p.158) De 1831 a 1840 o Brasil foi governado por diversos regentes enquanto D. Pedro II ainda era menor de idade. O período foi extremamente instável pelo fato de ocorrem diversas revoluções como a Revolução Farroupilha, a Revolta dos Malês, a Sabinada, a Balaiada e a Cabanagem, que culminaram no Golpe da Maioridade de 1840, que se tratou de uma busca por estabilidade política no Brasil a partir da imposição de uma “figura real.”
Dentro desta conjuntura política conturbada, nasce o primeiro Código de Processo Criminal do Brasil, em 1832. “O Código de Processo Penal foi saudado por Pandiá Calógeras como a mais brilhante vitória do domínio da justiça, e por Aureliano Leal como o mais formoso monumento do saber jurídico do espírito liberal.” (BOSCHI, 2002, p.12)
Após o golpe da maioridade, passa-se para o período do Segundo Reinado, no qual Brasil transforma-se em uma economia cafeeira, na qual um importante fator começa, legislativamente, a se destacar. “Ao se analisar o Brasil e a maior parte de sua história, […], veremos um elemento formador da Nação brasileira que sempre é deixado de lado nas análises –por mais genéricas que sejam – da legislação do País: o escravo.” (CASTRO, 2007, p.383) Durante o período de 1840 a 1889, importantes transformações na legislação brasileira ocorreram em prol do escravo, mas sempre carregadas de precedentes a serem analisados.
Primeiramente, retornando ao Primeiro Reinado, 1822 – 1831, a elite brasileira estava concentrada no Nordeste açucareiro, entretanto, diversos fatores como a concorrência internacional levaram à queda do açúcar e à ascensão do café. A elite passou a se tornar cafeeira e a localizar-se no Sudeste do país, assim a mão-de-obra também se concentrou na economia cafeeira. O problema surge quando a Inglaterra, ainda das recentes mudanças provocadas pela Revolução Industrial, contesta a escravidão no Brasil, já visando um grande mercado consumidor na América do Sul. Sendo assim, a Grã-Bretanha promulga em 1845 a Lei Bill Alberdeen, que proibia o comércio de escravos entre a América e a África. Tal lei levou a promulgação em 1850 da Lei Eusébio de Queirós, agora pelo próprio governo brasileiro, que reforçava a proibição de tráfico negreiro interatlântico.
A Lei de 1850 não gerou efeitos imediatos, ficando conhecida como “Lei para Inglês ver”, pois a estrutura econômica brasileira exigia um grande aporte de mão-de-obra. Inicia-se, então, o tráfico ilegal de escravos. Foi de passo em passo que se deu o processo abolicionista no Brasil, através do acompanhamento de uma certa evolução da sociedade. O aumento demográfico da Europa, que passava pela segunda fase da sua Revolução Industrial, auxiliou este processo, pois a imigração para trabalhar nas lavouras começou a se tornar intensa, apesar dos conflitos entre produtores e empregados.
Em 1871, do gabinete de Visconde do Rio Branco, pertencente ao Partido Conservador, é proclamada a Lei do Ventre Livre, segundo a qual os filhos de escravos serão considerados livres. Em 1885, é promulgada a Lei dos Sexagenários, segundo a qual os escravos após os 65 anos seriam considerados livres, e, finalmente, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea é proclamada pela princesa Isabel, visto que o Imperador estava na França. A partir da abolição, foi a monarquia que se tornou insustentável perante as vistas da elite brasileira.
“Havia um consenso geral de que não haveria um terceiro reinado, a Princesa Isabel era vista com desconfiança, principalmente por ser casada com um estrangeiro. Mas o Movimento Republicano estava longe de ser popular, a maioria da população apoiava o Regime Monárquico que havia acabado com a escravidão. (CASTRO, 2007, p.407)”
A República nasce de um golpe militar no dia 15 de novembro de 1889. O Governo Provisório muda o nome do país para Estados Unidos do Brasil, instala um regime federalista e depois de muita pressão política, em 1890, Deodoro da Fonseca convoca as eleições para uma Assembléia Constituinte. A nova Constituição, promulgada em 1891, extingue o Poder Moderador, estabelece o voto “universal”, o Estado Laico e se a Constituição anterior por muitos é considerada como de influência francesa, a atual, pode ser vista como fruto de uma influência norte-americana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo precípuo do Direito é a obtenção da justiça, sendo assim, não seria ideal considera-lo como um conjunto de normas rígidas e socialmente isoladas, e sim, como um fenômeno multidisciplinar que deve valer-se da maior gama possível de conhecimentos que auxiliem na sua trajetória. Dentre eles estão não só as, já consolidadas, Filosofia e Sociologia, mas também a História.
Incluir a História do Direito nos currículos dos cursos significa compreender a relação dos institutos ao longo dos séculos; compreender que as civilizações não são blocos isolados e monolíticos, e sim, estruturas compostas de fragmentos que suportaram diversos séculos e que, ainda hoje, integram a realidade contemporânea, como os institutos jurídicos fundamentais: família, propriedade, contratos etc.
Como compreender a atual conjuntura política sem estudar os processos que transformaram a sociedade? Assim o é no fenômeno jurídico. Compreende-lo como um todo exige um estudo dedicado às suas origens e aos seus protagonistas, visto que Direito é um fenômeno complexo que tem como um de seus elementos construtores e ferramenta de estudo, a História, disciplina que estuda e faz parte das evoluções da sociedade. Destarte, finalizo este breve estudo a afirmar que a relação histórico-jurídica traz muitos exemplos que convergem no pensamento de Joseph Louis Elzéar Ortolan: “Todo historiador deveria ser jurisconsulto, todo jurisconsulto deveria ser historiador.” (NADER apud ORTOLAN, 2000, p.11)
Referências
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Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Rodrigo Leal Teixeira, Professor de História do Direito da Unimontes, Procurador da Prefeitura Municipal de Montes Claros, pós graduado em Direito Tributário e mestrando em Direito Público.
Acadêmica de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES
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