A materialização dos preceitos constitucionais no Direito Civil e na aplicabilidade do patrimônio mínimo

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Do avanço do direito de proteção do devedor e da proteção constitucional ao patrimônio mínimo; 3. O novo Código Civil e suas inovações no Direito Obrigacional; 4. Da Constitucionalização do Direito Civil; 5. Considerações finais; 6. Bibliografia.

1. Considerações iniciais

O direito civil sempre foi encarado e interpretado de maneira mais distante possível das normas constitucionais, usando-as em raríssimos casos somente para confirmar ou legitimar algum princípio geral do direito. Com a consolidação da constituição de 1988, houveram novos princípios e mudanças na interpretação e aplicação das leis, tanto constitucionais quanto infraconstitucionais.

O que se tenta, acima de tudo, com todas essas novas idéias no espírito constitucional e na legislação ordinária, é conseguir dar um maior valor ao indivíduo, garantindo-lhe proteções e privilégios antes não havidos. Almeja-se diminuir o grande vão existente entre a nossa Carta Magna e o nosso Direito Civil, onde ambos devam zelar juntos principalmente pela dignidade e proteção das pessoas, estabelecendo novos valores e acabando com a chamada era das codificações e dos estatutos permitindo que não se adote mais as posturas liberais clássicas, superando as ideologias capitalistas e socialistas e buscando a proteção dos interesses relevantes para a sociedade: o da coletividade e os direitos personalíssimos.

2. Do avanço do direito de proteção do devedor e da proteção constitucional ao patrimônio mínimo

O direito das obrigações encontra-se relacionado com o pagamento de dívidas. Com a melhoria das técnicas de venda de produtos e serviços e o desejo natural do ser humano de consumir, acaba sendo trazido à tona o problema do superendividamento. Procurando conciliar a compra de produtos e a subsistência da família, a pessoa acaba comprando no crediário, e vê-se um tempo depois, impossibilitada de pagar essas dívidas, devido aos altos juros que são cobrados ou à expressiva quantidade do pagamento, que somado se torna intolerável para o orçamento de quem fez a compra.

A história revela que sempre um menor contingente de pessoas obtinha a maior totalidade das riquezas enquanto a maioria da sociedade se encontrava em estado de miserabilidade e subsistência.

Inicialmente, o devedor era tratado de forma humilhante pelo seu credor, podendo inclusive ser vendido como escravo. Com o passar dos tempos, fixaram-se normas que impediam atos de constrangimento à personalidade deste, mantendo-se assim apenas as penas civis patrimoniais. Então o devedor responderia somente com o seu patrimônio pelo não pagamento da obrigação.

Entretanto, este comprometimento patrimonial do devedor com o seu credor era ilimitado, o que acabava deixando muitas vezes o devedor sem qualquer meio de sustentabilidade.

Baseado nos princípios que regem a sociedade brasileira como a dignidade humana, que enaltece a pessoa e não o patrimônio, e no princípio da sociabilidade regido pelo Código Civil de 2002, que reconhece a prevalência de interesses coletivos sobre os individuais, tornou-se inadmissível permitir que a redução do patrimônio do devedor tornasse impossível a sua subsistência e a de sua família, defendendo então a teoria do patrimônio mínimo, criada por Aristóteles, que afirmava que o homem deveria ter garantido pelo estado sua subsistência, tornando assim a saúde, a educação, o vestuário, a alimentação e a habitação direitos personalíssimos e não simples objetivos políticos a serem alcançados pelo governo.

Além disso, o autor Roberto Senise Lisboa afirma que o patrimônio mínimo deve ser “valorizado como o razoável e justo ao caso concreto”1,ou seja, para cada ente familiar, existe uma definição de quais bens são indispensáveis para as suas necessidades básicas. Um exemplo marcante da aplicação desta teoria na realidade brasileira seria, segundo Lisboa, a do instituto do bem de família, que impede a penhora de imóvel residencial no qual ela habita, garantindo à família o seu patrimônio mínimo.

Está havendo nos dias de hoje uma despatrimonialização do direito privado, não tendo mais o patrimônio como centro, razão das coisas, e uma repersonalização da relação jurídica, enobrecendo a pessoa como motivo da tutela do direito, muito mais que o patrimônio. De acordo com Lisboa: “A pessoa não é o meio, é o fim. O direito foi estabelecido para servir o homem, permitindo-lhe o convívio social, e não para que o homem o servisse.” 2

3. O novo código civil e suas inovações no direito obrigacional

As codificações só começaram a surgir quando o Direito de um povo encontrava-se devidamente amadurecido, pois isto é preciso para estruturar uma codificação um conjunto de leis anteriores e técnicos capazes de captar as necessidades jurídicas de seu tempo. Passamos a entender o código como a palavra definitiva do direito e ainda hoje quando ocorre a promulgação de uma nova lei, primeiramente há apego ao seu texto e à medida que a lei envelhece as interpretações lhe dão a necessária flexibilidade.

A intensificação da vida econômica, provocada pelo desenvolvimento urbano e tecnológico, especialmente no campo das comunicações, provocou grande impacto nas relações humanas, exigindo regulamentação genérica e também específica, como a do Código de Defesa do Consumidor, alargando o âmbito do Direito das Obrigações.

O código deve acompanhar as mudanças que a sociedade sofre ao longo do tempo. Por isso, no Brasil em 2002 se fez necessário inovações no Código Civil que vigorava desde 1916. Enfatizaremos aqui as principais mudanças em relação ao Direito das Obrigações.

É importante frisar que foi mudado no Código Civil de 2002 a localização do Direito das Obrigações, atentando para o fato de que as relações jurídicas de natureza obrigacional podem ser estudadas independentemente do conhecimento das noções especiais pertinentes à família, à propriedade e a herança, já que esses no código de 1916 estavam distribuídos anteriormente ao Direito das Obrigações.

O atual Código Civil basea-se em três princípios, o da socialidade que representa a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, o da eticidade, o qual funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, priorizando a equidade, a boa-fé, a justa causa etc, e por último o da operabilidade, que se traduz da efetivação do direito, uma vez que o direito é feito para ser operado e eficaz.

Há um estreito ligamento dos Princípios do Novo Código e os modernos institutos do Direito das Obrigações, na medida em que esses modernos institutos buscam não levar o contratante a ruína relativizando o antigo e até então inatingível bocardo do pacto sunt servanda , agora muito mais fragilizado frente ao principio da função social do contrato, por exemplo. Em última instância essa função social do contrato significa a conjugação da livre iniciativa e da dignidade da pessoa humana, ambos previstos nos artigos 1º inciso III e 170 caput da Constituição Federal respectivamente, e que são valores informadores, por excelência da moderna teoria contratual.

É fundamental perceber que a atual relação obrigacional não segue um padrão, mas sim é complexa e dinâmica, já que o credor não tem apenas o direito de cobrar o crédito, mas também tem o dever de colaborar no adimplemento da obrigação, segundo as regras de conduta, buscando cooperar na consecução das legitimas expectativas do contrato, é por meio das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, podendo se afirmar que o direito das obrigações retrata a estrutura econômica da sociedade e compreende as relações jurídicas que constituem projeções da autonomia privada na esfera patrimonial.

4. Da constitucionalização do direito civil

A intervenção do Estado em uma área que somente interessava ao âmbito privado do individuo, é a tendência de atualmente, sendo que este acaba por direcionar a conduta dos mesmos, diminuindo a liberdade individual, e isto nota-se até mesmo na autonomia dos contratos, que tem sido enfraquecidos.

O Direito Civil, encaixa-se perfeitamente nesta situação, pois engloba tanto princípios de direito privado como de direito público. Através do avanço da sociedade, e da complexidade das relações, o centro do ordenamento jurídico transferiu-se do Código Civil para a Constituição Federal.Gustavo Tepedino 3, diz que o Código Civil acabou por perder seu papel de Constituição de Direito Privado, já que a Constituição define os princípios relacionados com os temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: os limites da atividade econômica e a função social da propriedade que passaram a integrar uma ova ordem constitucional.

O fenômeno da constitucionalização é um processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do Direito Civil, onde tais princípios básicos emigram do Código Civil para a Constituição.

Cristiano Chaves de Farias 4, diz que no momento da erosão do Código Civil, uma verdadeira migração dos princípios e regras gerais ocorreu, e todas atinentes às instituições privadas para o Texto Constitucional, e dessa forma a Constituição assumiu seu papel reunificador do sistema, passando a demarcar os limites da autonomia privada, da propriedade, da proteção dos núcleos familiares e do controle de bens.

O direito constitucional deve ser aplicado a todos os ramos, e nas relações entre Estado e individuo e entre relações interindividuais, e para que isso ocorra é inevitável empreender a releitura do Código Civil à luz da Constituição.

A nova fase do Direito Civil é influenciada por alguns fundamentos constitucionais, como no caso da família, da propriedade e do contrato. Os mais importantes princípios constitucionais regentes das relações no âmbito familiar são: o da dignidade da pessoa humana, o da liberdade e o da igualdade.

O principio da dignidade da pessoa humana pode ser tido como estruturante e conformador dos demais, nas relações familiares, constituindo pressuposto básico de todo ordenamento jurídico, já a liberdade, diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, e por fim, a igualdade, que relaciona à paridade de direitos entre os cônjuges ou companheiros e entre os filhos.

Com relação à propriedade, esta ganha novo conteúdo, pois é afirmada pela função social como motor de impulsão que além de limitar o direito de propriedade, exige nova compreensão do conceito de propriedade.

Por fim, trata-se do contrato, sendo que o modelo clássico deste que era de forma individualista e voluntarista, dá lugar a um modelo novo, privilegiando a concretização material de princípios e valores constitucionais, voltados à efetivação da dignidade da pessoa humana, terminando com a idéia de ser o contrato apenas um instrumento da realização da autonomia da vontade privada, para desenvolver uma função social.5

5. Considerações finais

As mudanças ocorridas no âmbito do Código Civil atual, durante a história da evolução do direito no Brasil, eram observadas com pequena mutabilidade e influenciabilidade do Código em relação ao que acontecia na sociedade. Porém, com o surgimento do Novo Código Civil de 2002, trazendo estas inovações no que tange principalmente a adoção de cláusulas gerais de variados estilos, que se refletem nos modernos paradigmas do Direito Obrigacional, consubstanciando, em último, os próprios Princípios Estruturantes do Novo Código Civil, os quais influenciam como um todo e ao todo em uma perspectiva constitucional.

Podemos observar através do presente trabalho, que o Novo Código Civil, busca grande inspiração na Constituição Federal. E torna- se de grande importância a análise crítica sobre a relação do direito positivo às novas realidades, devendo ser cuidadoso o trabalho de adequação da legislação civil aos valores constitucionais.

Mas, enfim, não podemos esquecer o principal, é o Código Civil que tem que se adaptar a Constituição Federal, e não esta ao Código Civil, pois é a Carta Magna a lei maior.

6. Bibliografia

DALLAGNOL. Deltan Martinazzo. Um novo Código Civil? Breve análise do Novo Código frente à constitucionalização e fragmentação do Direito Civil. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3263. Acesso em: 26 mar.2007.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral das Obrigações. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
LISBOA, Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
_____________________.Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507. Acesso em 26 mar. 2007.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

Notas:

1 Teoria Geral do Direito, p.30
2 Teoria Geral do Direito, p.32.
3 GustavoTepedino.Temas de direito civil, p.7.
4 Direito Civil, parte geral, p.48.
5 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Camila Farias Ferreira

 

Acadêmica do curso de Direito da FURG/RS

 

Ana Paula Vidal

 

Acadêmica do Curso de Direito da FURG

 

Lidiane Soares Oliveira

 

Acadêmica do curso de Direito da Furg/RS

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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