Resumo: Os arranjos societários, em especial os das sociedades limitadas, se dão pelo agrupamento de pessoas comuns que contratualmente entre si têm acordado o conjunto de esforços e recursos combinados para atingir um fim comum. A essas sociedades e seus administradores cabem direitos e, sobretudo responsabilidades quanto à sua administração. Embora os sócios estejam protegidos pelo princípio da independência e autonomia entre si e a empresa, estão sujeitos à desconsideração da personalidade jurídica, fato este que pode incorrer na possibilidade de penhora dos bens pessoais dos sócios. Desse modo, a presente pesquisa tem por escopo abordar as possibilidades cabíveis para a penhorabilidade dos bens pessoais dos sócios frente à desconsideração da personalidade jurídica.
Palavras-chave: Sociedades, personalidade jurídica e penhorabilidade.
1 INTRODUÇÃO
Os sócios quando da constituição da sociedade empresaria, integralizam o capital social dando surgimento a uma nova pessoa, a pessoa jurídica. Embora essa “pessoa” não possua atributos físicos, terá direitos e deveres. Seu surgimento garante a autonomia e independência dos sócios e da empresa. Sob essa perspectiva, os sócios teriam seus bens pessoais protegidos. Entretanto, o que se observa de modo prático é que a proteção da personalidade jurídica não ocorre de modo pleno e rígido. Com intuito de coibir a fraude e o abuso na utilização da pessoa jurídica, nasceu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, princípio que retira o invólucro que protege o patrimônio dos sócios e lhes dá autonomia em relação a sociedade, para atrair a responsabilidade pessoal dos sócios e/ou administradores por obrigações contraídas pela empresa. Portanto, em caso de ilícito civil, administração temerária, débitos tributários e trabalhistas, os bens dos sócios podem ser atingidos. A desconsideração da personalidade jurídica se mostra como instrumento para obstar a má gestão da pessoa jurídica e evitar o prejuízo de terceiros, ou em outras situações apontadas em lei. Desse modo, o presente artigo tem por objetivo demonstrar quando a desconsideração da personalidade jurídica ocorrerá, bem como evidenciar em quais situações práticas os bens dos sócios responderão pelos débitos da empresa.
2 SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
Também conhecida como sociedade limitada ou sociedade por cotas, refere-se à natureza jurídica de uma empresa constituída como sociedade entre “duas ou mais pessoas […], formando uma sociedade empresária, através de um contrato social, em que constarão seus atos constitutivos, forma de operação, as normas da empresa e o capital social. Esse por sua vez será dividido em cotas de capital, o que indica que a responsabilidade pelo pagamento das obrigações da empresa, é limitada à participação dos sócios”. (COELHO, 2003).
A sociedade limitada geralmente tem como característica o uso da expressão "& Cia Ltda.", ou com o objeto social no nome da empresa, seguindo-se da expressão "Ltda", nos termos do art. 1158 do Código Civil Brasileiro. Para os casos em que tal expressão não figure a razão social da empresa, infere-se que esta será de responsabilidade ilimitada, tendo características jurídicas de uma sociedade em nome coletivo.
As empresas limitadas representam 90% (noventa por cento) dos registros nas juntas comerciais. O alto índice se dá devido às características deste tipo de sociedade, a contratualidade e a responsabilidade limitada. No tocante a contratualidade, as relações entre os sócios neste tipo de sociedade, poderão ser pautadas na vontade dos sócios, sem necessariamente ter o balizamento dos rigores inerentes a exemplo, das sociedades anônimas. Outro fator preponderante para a escolha desta modalidade societária é a limitação da responsabilidade dos sócios, que respondem pelo capital integralizado (quotas), nos casos de insucesso da empresa. Tal arranjo tem por objetivo proteger o património pessoal dos sócios, quando do insucesso da sociedade empresária.
Embora as resoluções relativas às sociedades limitadas figurem capitulo próprio no Código Civil de 2002 (arts. 1.052 a 1.087). Acredita-se que tais normativos dispostos nestes artigos, não suprem as necessidades das Ltda’s, dado o significativo número de demandas judiciais a cerca destas. Nesses casos, cabe a aplicação das regras pertinentes às sociedades simples, dispostas no art 1.053 do Código Civil.
3 RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
Nas sociedades limitadas, objeto do presente artigo, a responsabilidade dos sócios no tocante às obrigações societárias será limitada. Nessa modalidade, os sócios respondem pelas cotas de capital integralizadas. Ou seja, “se o património social for insuficiente para responder pelo valor total das dívidas que a sociedade contraiu na exploração da empresa, os credores só poderão responsabilizar os sócios, executando bens de seus patrimónios individuais, até certo montante. Alcançado este, a perda é do credor”. (COELHO, p. 156, 2007)
Segundo Coelho (p. 156, 2007):
“O limite da responsabilidade dos sócios, na sociedade limitada, é o total do capital social subscrito e não integralizado. Capital subscrito é o montante de recursos que os sócios se comprometem a entregar para a formação da sociedade; integralizado é a parte do capital social que eles efetivamente entregam. Assim, ao firmarem o contrato social, os sócios podem estipular que o capital social será de $ 100, dividido em 100 quotas no valor de $ 1 cada. Se António subscreve 70 quotas e Benedito, 30, eles se comprometeram a entregar respectivamente $ 70 e $ 30 para a formação da sociedade”.
Nesse sentido, conforme disposto no Código Civil (§ 1º do art. 1.055 do CC). Enquanto não ocorrer de modo efetivo a completa integralização do capital social, todos os sócios independente da integralização do capital social responderão solidariamente, inclusive com seus bens particulares, não só por todo o capital social, mas também pela exata estimação de bens conferidos ao capital social até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade limitada perante os credores.
Desse modo, entende-se que com a completa integralização do capital social, as obrigações societárias passam a ser limitadas. Em havendo falência da sociedade, e o patrimônio social auferido for insuficiente para o adimplemento das obrigações, caberá aos credores arcar com as perdas. Aparentemente, pode parecer injusto para com os credores a limitação da responsabilidade dos sócios frente às suas obrigações. Entretanto, diante dos riscos de insucesso intrínsecos às atividades empresariais, cabe ao direito o estabelecimento de dispositivos que limitem ou mesmo minimizem as perdas, servindo de estimulo aos investidores e empreendedores. Haja vista que, se o insucesso de um empreendimento representasse o sacrifício parcial ou total dos bens dos empreendedores de modo a comprometer o seu conforto e de sua família, bem como o que foi conquistado ao longo da vida, certamente estes se mostrariam bem mais reticentes em participar de uma atividade empresária. “O prejuízo seria de todos nós, já que os bens necessários ou úteis à vida dos homens e mulheres produzem-se em empresas”. (COELHO, p. 157, 2007).
Por outro lado, o risco se mostra inversamente proporcional aos ganhos, ou seja, quanto maior for o risco, de uma atividade, maior serão as perspectivas de ganhos, servindo de atrativo para os investidores. E seguindo esse mesmo raciocínio, se não houvesse os limites jurídicos sobre as responsabilidades dos sócios, a atividade empresaria se mostraria de alto risco e os lucros empresariais precisariam ser maximizados para dar equilíbrio e sustentabilidade na relação entre o sucesso e insucesso do negócio. Consequentemente, “também seriam maiores os preços dos bens ou serviços adquiridos no mercado. Se um país possui direito comercial que ponha limites às perdas dos sócios em pelo menos um dos seus tipos societários, as mercadorias nele produzidas não teriam competitividade no comércio internacional, frente às de outros países dotados de regras de limitação de responsabilidade”. (COELHO, p. 157, 2007).
Em sendo assim, acredita-se que não há injustiça em limitar a responsabilidade dos sócios, isso porque, os credores, a exemplos, as instituições bancárias, em suas negociações incidem nos seus créditos taxas de risco relacionadas ao inadimplemento ou mesmo possíveis perdas. Desse modo, os bancos ao concederem empréstimos às sociedades limitadas, deverão exigir garantias acessórias, (fiança), ou taxas mais elevadas que contemple tanto os riscos quanto o ágil da operação. E para os casos de falência da sociedade empresária, as instituições financeiras poderão ainda proceder com execução dos bens dos fiadores ou avalistas.
As regras atinentes às limitações das responsabilidades dos sócios frente às Ltdas encontram exceções. Nos casos excepcionais, os sócios responderão de modo subsidiário, mas ilimitado, pelas obrigações societárias quando:
a) Os sócios que adotarem práticas contrárias à Lei ou ao disposto no contrato social responderão de modo ilimitado pelas obrigações sociais.
b) A sociedade que na sua composição conste apenas o marido e sua mulher, sociedade marital, segundo o Código Civil de 2002, poderá ser entendida como nula vista a possibilidade de fraude contra o direito de família, sendo expressamente proibida para os casos em que “o regime de bens do matrimonio no casamento for o da comunhão universal ou separação obrigatória” (art. 977). E se ainda assim houver homologação na junta comercial deste tipo de sociedade, ambos responderão ilimitadamente pelas obrigações sociais.
c) Na relação entre empregador e empregado a justiça do trabalho tem entendido que se trata de uma relação de hipossuficiência, e para proteger o empregado, muitas das vezes deixa de aplicar as regras de limitação da responsabilidade dos sócios.
d) Para os casos em que for constatado fraude por parte do(s) sócio(s), a responsabilidade ocorrerá de modo ilimitado, cabendo ainda conforme disposto no (CC, art. 50), a desconsideração da personalidade jurídica.
e) Débitos relativos ao (INSS), disposto no art. 13 da Lei n. 8.620/93, poderão ser cobrados de qualquer um dos integrantes da sociedade limitada.
3.1 Responsabilidade do Sócio sem poderes de gestão
A responsabilidade da limitada perante os credores será plena, respondendo de modo ilimitado com o seu patrimônio. Os sócios por sua vez, responderão subsidiariamente até a integralização do capital. Os sócios quotistas sem poderes pela administração da limitada, responderam apenas pelo capital ainda não integralizado. Desse modo, os bens particulares dos sócio quotistas, alheios à administração da Ltda, após integralizarem sua parte cabível, não respondem por dividas dessa, sejam dividas comuns ou mesmo fiscais.
3.2 Responsabilidade do Sócio administrador
O administrador da sociedade limitada seja ele um gerente, administrador, diretor ou mesmo um dos sócios previsto no contrato social. Poderá responder com seus bens particulares por dividas da empresa. Tal responsabilidade é atribuída de modo subsidiário, não pelo fato de ser sócio, mas por gerir a sociedade limitada. Tal penalidade se aplica quando a administração ocorrer de modo fraudulento ou com abuso, infringindo o contrato social ou a lei. Para esse casos cabe o princípio da desconsideração da personalidade jurídica da empresa
4 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Essa teoria segue regramento excepcional, desconsiderando a regra geral da autonomia patrimonial da sociedade limitada, sendo cabível quando constatado a celebração do negocio jurídico em nome da pessoa jurídica, sem que as vantagens do negócio sejam por ela percebidas, restando, contudo, apenas suportar as obrigações, em que pese a possível aparência de legalidade. O que configura o cristalino abuso de direito cabendo a desconsideração da personalidade jurídica.
A jurisprudência demonstra essa posição:
“Desconsideração da personalidade jurídica. Para a aplicação dessa regra de direito, que é excepcional, é necessário que haja deliberada intenção do sócio na utilização fraudulenta da pessoa jurídica, não bastando que sobrevenha prejuízo a terceiro em decorrência da autonomia patrimonial. Com efeito, se não há bens no patrimônio social, suficientes para o pagamento de um credor, não poderá a personalidade jurídica de a sociedade devedora ser desconsiderada somente por força deste prejuízo que sofrerá o credor, sendo imprescindível que o prejudicado prove ter ocorrido a utilização, fraudulenta ou abusiva, intencional da pessoa jurídica. Sem este elemento subjetivo, não se poderá invocar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.” (Agravo de Instrumento nº 318.310 – 5/6-00 do E.Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, rel. Guerrieri Rezende, v.v., em 16/06/2003, LEX/JTJ 269/309).
Para que os bens patrimoniais dos sócios respondam pelas dívidas da sociedade limitada, é imprescindível a comprovação, sem lacunas, de que houve administração temerária, com abuso de poderes, descumprimento do contrato social ou da lei.
O código Civil Brasileiro, em seu art. 50, dispõe sobre a desconsideração da personalidade jurídica para os casos em que ocorre abuso da Pessoa Jurídica desviando sua finalidade ou apresentando confusão patrimonial. Havendo desconsideração dessa personalidade, o credor pode executar os bens do sócio para satisfazer dívida contraída com a sociedade, ou ainda, o credor pessoal do sócio ir buscar os bens da empresa, caso fique comprovado que para se livrar da execução pessoal, o sócio desviou bens para o patrimônio da pessoa jurídica.
“Confusão patrimonial” ocorre quando pessoas, jurídica e física, que deveriam ter personalidade e patrimônio distintos, embaralharam-se. Salienta-se que é ônus do credor fazer prova da confusão patrimonial para que ocorra a desconsideração e que mesmo com isso, ó sócio pode exigir que sejam executados primeiramente os bens da sociedade, arguindo o benefício de ordem, conforme preceitua o art. 1024, do CC e o art. 596, do CPC.
Como se vê, a desconsideração da personalidade jurídica surge como um mecanismo para coibir ações fraudulentas, ignorando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para os casos que comprovadamente ocorrem confusão patrimonial.
Nesse sentido, o credor da sociedade que pretende a desconsideração devera provar a fraude ou indícios para tanto, do contrário, suportará o dano da insolvência da devedora. E em não havendo comprovação do uso indevido da autonomia patrimonial, não se procederá com a desconsideração da pessoa jurídica. Segundo Farias (2009, p. 377) “é estabelecida, assim, uma espécie de blindagem patrimonial, através da qual a pessoa jurídica responde pelas suas dividas e obrigações com o seu próprio patrimônio”.
O código Civil, no art 50, versa sobre dois requisitos atinentes à desconsideração da personalidade jurídica: Quando ocorrer abusos da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, assim, somente estas situações justificariam a desconsideração, que deve ser reconhecida por decisão judicial. Outro requisito para a desconsideração trata-se de execuções fiscais e trabalhistas em todos os âmbitos.
Paralelo aos tópicos supracitados tem-se ainda, o código de defesa do consumidor, que segundo o art 28, são abusos de direito; excesso de poder; infração da lei; ato e fato ilícito e; violação dos estatutos e contratos. Há também a modalidade de desconsideração trazida pela má administração da empresa que seria: falência; insolvência; encerramento e; inatividade. Segundo o CDC, art. 28, §5º, poderá ocorrer a desconsideração da Personalidade Jurídica quando esta for obstáculo ao ressarcimento do dano no consumidor, para esses casos, poderá o juiz despachar de ofício.
Constata-se que a desconsideração da personalidade jurídica tem por base evitar o desvirtuamento da pessoa jurídica no tocante de não ser utilizada por seus sócios para causar prejuízo a terceiros. Haja vista que o uso, quando de modo subversivo da pessoa jurídica pelos sócios, corriqueiramente resultará no esvaziamento patrimonial, bem como o uso fruto da pessoa física sobre a pessoa jurídica, causando confusão patrimonial. “sempre que o ônus ficar para a pessoa jurídica e a vantagem for para os titulares das quotas sociais ou terceiros por eles beneficiados, embora a aparência de legalidade estaremos diante de um caso que comporta desconsiderar a personalidade jurídica”. (BRUSCATO, 2008).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que os princípios de autonomia entre as pessoas, físicas e jurídica, tem por base a autonomia patrimonial, bem como amparar a cada um desses agentes dentro da relação empresarial. Tal separação serve para delimitar os direitos e especialmente os deveres inerentes à administração da sociedade empresaria.
Contudo, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica só ocorrerá de pleno direito, quando os sócios consumarem a completa integralização dos seus quinhões como disposto no contrato social, antes disso, eles responderam subsidiariamente, pelos débitos da sociedade limitada, inclusive com seu patrimônio pessoal.
Tais princípios têm por objetivo o fiel cumprimento do que foi celebrado no contrato social, isso porque a pessoa jurídica foi criada pelo ordenamento Jurídico tendo por base o favorecimento do exercício de atividades econômicas, no entanto, em várias situações ela é utilizada com a intenção de prejudicar terceiros ou para obtenção de vantagem. Nesses casos, quando ocorrer comprovada confusão patrimonial, onde não se consegue distinguir onde começa e termina a as pessoas físicas e jurídicas, ou mesmo nos casos de usufruto do patrimônio da pessoa jurídica pela física caberá a desconsideração da personalidade jurídica.
Os abusos da personalidade conforme aludido pelo presente trabalho, são caracterizados pelos desvios de finalidade, e confusão patrimonial, o primeiro, diz respeito ao desvirtuamento do objeto social, para se perseguirem fins não previstos contratualmente ou proibidos por lei, e o segundo, se refere a atuação do sócio ou administrador confundiu-se com o funcionamento da própria sociedade, não se podendo identificar a separação patrimonial entre ambos.
Desse modo, Nota-se que a personalidade jurídica não é absoluta e é considerada como um direito relativo, pois, havendo o desvio de função da pessoa jurídica, pode o juiz derrubar a separação entre a sociedade e seus membros através da desconsideração da personalidade jurídica.
Conclui-se que a desconsideração da personalidade jurídica remove a barreira protecionista que separa a pessoa física e a jurídica, coibindo atos de má fé contra terceiros e a própria sociedade empresaria fazendo valer o fiel cumprimento da lei.
MBA Em gestão empresarial FGV. Pos em Direito Empresarial LFG. Pos em Gestão de pessoas UNISEB. Livre docente
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