Resumo: Das interfaces possíveis entre o Direito Ambiental e a História ambiental, o presente artigo problematiza o modo como o meio ambiente foi significado pelas Constituições Federais promulgadas ao longo história do Brasil. Com base em tal apreciação, constatou-se que, com finalidades de exploração econômica, os temas ambientais passaram a ser tutelados desde a Constituinte de 1823. Entretanto, somente a partir da Constituição de 1988, passou-se a defender o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.
Palavras-chave: Direito Ambiental, Environmental History, Constituições brasileiras
Abstract: Of possible interfaces between the Environmental Law and Environmental history, this article discusses how the environment was significance by Federal Constitutions promulgated throughout Brazil’s history. Based on this assessment, it was found that, for purposes of economic exploitation, environmental issues began to be protected from the Constituent Assembly of 1823. However, only the Constitution of 1988, it moved to defend the right to an ecologically balanced environment, imposing upon the Government and the community the duty to defend it and preserve it.
Key-Words: Enviromental law, Environmental History, brazilians constitutions texts
Sumário: 1. Primeiras palavras. 2. Direito Ambiental: Alguns fundamentos teóricos. 3. O meio ambiente na história das constituições brasileiras. 4. Interfaces possíveis: Os biomas de mata como temas da história ambiental e do direito do meio ambiente no Brasil 5. Considerações finais. Referências.
1. Primeiras palavras
As questões ambientais exercem enorme presença na atualidade e incidem diretamente no ofício realizado pelos historiadores, na medida em que eles costumam ser chamados à apreciação crítica dos problemas que envolvem as sociedades humanas no tempo. O discurso ecológico, entretanto, é uma invenção de forma gramática recente, legatária, mas, não redutível às suas correspondentes dos séculos anteriores ao século XX. Um novo questionamento sobre os modos de vida humana e sua reordenação, nesse início de século XXI, sugere, também, a busca de novos métodos e abordagens de investigação histórica. Vale lembrar que o estudo das questões ambientais no Brasil, em perspectiva histórica, remete ao enfrentamento de uma inquietante e recorrente indagação: Como um país abundante em recursos naturais tem seu quadro social secularmente assolado pela desigualdade social e a espoliação econômica dos mais humildes, corporificadas em extensões fome, pobreza, desemprego, violência institucionalizada, entre outras manifestações aparentemente contraditórias? Como, no Brasil, exclusão social e degradação ambiental, historicamente, se relacionaram?
Nesse cenário, como resultado de reflexões preliminares entre juristas e historiadores em torno das questões ambientais, o artigo que ora apresentamos destina-se a um público de primeira hora, sobretudo a alunos e pesquisadores das humanidades e das ciências naturais que cotidianamente se deparam com a necessidade de estabelecer um diálogo com a instigante história ambiental e com o inovador Direito do ambiente. Participando recentemente de grupos de pesquisas e de projetos de extensão, no âmbito da Universidade Federal de Campina Grande, que buscam transcender as fronteiras disciplinares das ciências da natureza e interagir com os estudos da cultura e do direito históricos, fomos confrontados ante o desafio de esboçar didaticamente um trabalho que lance luz sobre as indagações que partem desses campos do saber para pensar o meio ambiente e sua sustentabilidade em cada sociedade.
Cada cultura em épocas distintas institui um significado para a natureza e representa seus elementos de um modo particular. Tais significações imaginárias e históricas são mediadoras das práticas sociais de interação com o ambiente. Nesse sentido, torna-se imperioso analisar, no âmbito da história ambiental, como cada sociedade, no interior de seu espaço natural delimitado, de acordo com a sua concepção de mundo e modo de pensamento, sancionou um conjunto de regras e normas jurídicas que limitem ou permitem a exploração de determinados recursos naturais.
Por isso, considerando a importância de exemplares estudos de historiadores como Capistrano de Abreu, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, de sociólogos atentos à história brasileira, a exemplo de Gilberto Freyre e até de literatos como Euclides da Cunha que, com as preocupações de seu tempo, articularam, simultaneamente, história, sociedade e meio ambiente, entrelaçando arte e ciência e constituindo-se como uma rica fonte de estudos históricos, constatamos que a maior parte da história ambiental brasileira ainda está por ser feita.
Destarte, apreciando a diversidade natural que perpassa a imensidade territorial do Brasil, realizamos neste artigo um levantamento sobre a ocorrência de temas ambientais em nosso aparato jurídico-institucional ao longo da história do país, problematizando o momento um tanto tardio a partir do qual um ambiente equilibrado passou a ser considerado como direito fundamental dos cidadãos brasileiros e quando a preservação do meio ambiente pelo seu valor estrito como patrimônio histórico-cultural brasileiro passou a ser efetivamente considerado pela legislação. Segue-se uma historicização do direito ambiental do país com uma reflexão crítica sobre os interesses hegemônicos, em geral, políticos e econômicos que o permearam desde a chegada dos portugueses até a proclamação da República.
Assim, descortina-se como com a chegada dos portugueses ao Brasil instaurou-se uma legislação que visava apenas assegurar e consolidar a exploração das riquezas e a fomentação dos lucros para a Coroa, destacando-se as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas do período colonial; em seguida, destaca-se no período imperial a promulgação de Cartas, Regimentos, a criação de Institutos e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1808, com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, que visavam a preservação das florestas e madeiras brasileiras consideradas como patrimônio da realeza e que, no entanto, ainda eram permeados por objetivos meramente econômicos e comerciais; por fim, há uma consistente abordagem sobre aspectos recentes da legislação ambiental brasileira, destacando-se que não obstante os temas ambientais fossem tutelados desde a Constituinte de 1823, somente a partir da Constituição de 1988, passou-se a defender o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à preservação do patrimônio natural pelo seu valor intrínseco, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.
Nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir da década de 1970, a ocorrência de sucessivas catástrofes ambientais, em diversas partes do mundo, colocou em pauta uma ampla discussão que gravitava em torno da busca de soluções para tais problemas. À época, a exploração intensa e contínua dos recursos naturais e a invenção de técnicas e processos de produção cada vez mais eficazes e avançados, consequentes da expansão frenética do sistema industrial moderno, em geral, considerados como progresso, passaram a ser questionados. Percebia-se que, do ponto de vista ecológico, essa habilidade crescente das sociedades humanas para controlar e modificar o meio ambiente aparecia como uma sucessão de meios complexos e ambientalmente nocivos para preencher e suprir seus anseios e necessidades.
Questionava-se: seria possível ecologicamente as sociedades industrializadas modernas, com seus índices elevados de consumo de energia e de recursos naturais e altos níveis de poluição, e a população rapidamente crescente no resto do mundo, continuarem a manter o seu estilo de vida e de atendimento as “necessidades” por elas mesmas criadas sem comprometerem o espaço vital das gerações futuras? Ou a desilusão ante as conseqüências desse modelo de desenvolvimento sem limites deveria ser repensada, em direção a um maior interesse pela conservação e proteção do meio ambiente, tornando viável a continuidade da vida humana na Terra?[1]
Em face desses questionamentos, no final da década de 1970, um grupo de historiadores norte-americanos ressaltou a importância de se compreender como, ao longo da história, as sociedades humanas se relacionaram com a natureza, enfatizando que esse conhecimento podia contribuir para se pensar os rumos que a humanidade iria tomar. De que forma as experiências passadas podiam contribuir para a estabilidade e continuidade da sociedade humana contemporânea com melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e preservação ambiental? Compreendia-se que era possível refletir sobre o papel da disciplina de história na questão ecológica não apenas do ponto de vista de uma interpretação do fenômeno da destruição ambiental, promovida pelas relações de apropriação da natureza pelo homem ao longo do tempo, mas, também, sob o aspecto de como o exame destas mesmas transformações podia ajudar-nos a entender o atual contexto das catástrofes ambientais contemporâneas: terremotos, secas, enchentes, furacões, pandemias, etc.
Criava-se, assim, um novo domínio no campo dos estudos historiográficos designado pela expressão composta environmental history.[2] O surgimento desse novo campo de conhecimento denominado História Ambiental sinalizava, por um lado, que os processos e os problemas socioambientais haviam se tornado uma preocupação incontornável e, de outro, que, para além de velhas fronteiras disciplinares, todos os especialistas começaram a dedicar maior esforço na produção de um renovado saber preocupado com a questão ambiental.
Por intermédio do estudo da história, é possível perceber que não há uma única atitude das sociedades humanas em relação ao meio natural. É óbvio que os homens sempre tiraram dali a sua sobrevivência, mas eles o fizeram de formas diferentes, com perspectivas e valores muito diversos. O mundo natural não se constitui em uma mera invenção humana, mas os sentidos dados a ele são criações culturais elaboradas pelas várias sociedades ao longo do tempo e nas diversas partes do mundo.[3]
Nesse contexto, apresentar-se-á, ao longo deste trabalho, através das interfaces possíveis entre a Environmental History e o Direito do Meio ambiente, algumas contribuições que esses dois campos de estudo colocam para a produção desse saber ambiental.
Delinear-se-á, inicialmente, algumas informações introdutórias acerca do Direito Ambiental, a partir das quais, dialogar-se-á com a história do meio ambiente no Brasil, fazendo referência, particularmente, à forma como os temas ambientais passaram a ser tutelados pelas Constituições brasileiras, apontando-se alguns aspectos inerentes à legislação política implementada, ao longo da história, em defesa do meio ambiente.
2.Direito Ambiental: Alguns Fundamentos Teóricos
A doutrina jurídica não é conivente com o uso terminológico de Direito Ambiental. Os autores se utilizam de diversas expressões, tais como, direito do entorno, direito dos recursos naturais, direito ecológico, direito do ambiente ou direito ambiental, dentre outras denominações.
Para Barbosa (2003), a expressão direito do entorno (direito del entorno, na língua espanhola) não foi bem recepcionada pela doutrina jusambiental, daí porque não o considera objeto de detalhamento em sua discussão introdutória. Quanto ao direito dos recursos naturais, explicita que é um conceito limitado, por não integrar o meio ambiente cultural nem o ambiente construído ou artificial. Para ele, Sérgio Ferraz[4] merece elogio por ter sido um dos primeiros a se preocupar, no Brasil, com a conceituação do relacionamento do jus com o ambiente. Utilizando a expressão direito ecológico, foi quem o definiu como sendo “O conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos organicamente estruturados, para assegurar um comportamento que não atente contra a sanidade mínima do meio ambiente”. Outro autor, Neto, não menos importante, também utilizou o termo direito ecológico, e assim o conceituou como sendo um “Conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenham por fim a disciplina do comportamento relacionado ao meio ambiente”.[5]
Não obstante essa expressão seja limitada para disciplinar e regulamentar o meio ambiente, visto que o termo ecológico é menos amplo que o termo ambiental, não desmerece por completo o conteúdo do conceito, pois, tanto Ferraz quanto Neto, ao detalharem seus conceitos, abarcam a dimensão ambiental.
O Direito do Ambiente é a terminologia adota por Milaré (2001, p. 109), que o define “Como o Complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações” .
Atente-se à amplitude desse conceito, pois aglutina em seu interior, além dos aspectos ecológicos, também os aspectos culturais e artificiais, em face de focar o ambiente, termo este mais amplo que o termo ecológico.
Antunes (1996, p. 8) se insere no debate e apresenta sua conceituação analiticamente, dividindo o direito em três vertentes fundamentais: direito ao meio ambiente, direito sobre o meio ambiente e direito do meio ambiente. Afirma que o Direito Ambiental é um direito humano fundamental que tem por escopo relacionar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais. Sem embargo do exposto, ipsis litteris, lavra:
“Direito Ambiental é uma concepção de aplicação da ordem jurídica que penetra, transversalmente, em todos os ramos do Direito. O Direito Ambiental, portanto, tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que se devem harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentável”.
Muito embora o conceito de Antunes seja atual e relevante, faz-se uma ressalva, na parte conceitual, in fine, quando centraliza o direito ambiental e o coloca sob a tutela do desenvolvimento sustentável, em face deste ser um desenvolvimento que ainda está para acontecer na realidade concreta. Mesmo assim, o conceito é por demais contributivo, porque não privilegia nenhuma das três dimensões, antes potencializa a existência do tripé: homem-ecologia-economia, mas sem esquecer que a tríade, ou seja, a “soma das partes”, seja menor do que a totalidade, o “Direito Ambiental”.
Em síntese, ainda que não se acate na íntegra à teoria antropocêntrica, não há como desvincular o meio ambiente do homem, visto que os aspectos do seu locus de vida, reprodução e relações sócio-culturais são elementos importantes do direito ambiental.
Desconectar o homem das práticas ambientais (negativas ou positivas) é não perceber a realidade. Mas, frise-se que não se deve sobrevalorizar o posicionamento do homem no planeta terra, pois, na atualidade, o ser humano depende dos outros seres vivos, do meio ambiente natural, cultural e construído ou artificial.
A partir dos argumentos apresentados, esboçamos um conceito sobre o Direito Ambiental.
Entende-se por Direito Ambiental um complexo de normas e princípios, tendo por propósito a preservação do meio ambiente natural, cultural, construído ou artificial e do trabalho; a viabilização harmonizadora do socialmente justo, economicamente eficaz e ecologicamente correto, utilizando-se coercitivamente das medidas administrativas e/ou jurídicas cabíveis no iminente ou concreto dano ambiental, ocorrentes nos mais diversos ecossistemas.
Apesar de o Direito Ambiental, em comparação com outros ramos do Direito, ser recente, a produção dos seus princípios é consistente, do ponto de vista quantitativo e qualitativo. A doutrina não é unânime, todavia, a corrente majoritária advoga a tese da autonomia do Direito Ambiental, em face de possuir princípios e normas próprias, além de interagir com outros ramos do Direito, por meio de inúmeras normas ambientais.
Visto pelo foco internacional, o Direito Ambiental tem sua autonomia reconhecida, na medida em que a Organização das Nações Unidas – ONU -, por meio da Conferência realizada em Estocolmo (1972), considerou o meio ambiente como direito fundamental.
Pode-se afirmar, portanto, com base nas proposições apresentadas pela Organização, que o Direito ao Meio Ambiente é essencial à vida humana. Diante da tamanha importância dada pela ONU, talvez o organismo internacional mais importante em matéria ambiental, à temática, depreende-se que Direito Ambiental, somente por este viés, já deveria ganhar o status da autonomia. Todavia, torna-se necessário que esta seja reconhecida no ordenamento jurídico interno.
Das lições de Vivanco,[6] a autonomia de um ramo do Direito, deve ser observada sob diversos ângulos, tais como: autonomia histórica, autonomia jurídica, autonomia científica, autonomia legislativa, autonomia didática, autonomia social e autonomia econômica. Ora, em todos os prismas, o Direito ambiental satisfaz as exigências, em busca do reconhecimento merecido. A lei federal nº. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e a própria Constituição Federal de 1988 têm lhe concedido um status relevante no ordenamento jurídico pátrio.
Sem embargo dos argumentos expostos, a Constituição Federal de 1988 recepcionou esse recente direito fundamental da pessoa humana: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Diante das informações descritas, torna-se imperioso a obrigatoriedade de acatar o Direito Ambiental como direito fundamental da pessoa humana e por conseqüência conceder por merecimento o status de autonomia ao Direito Ambiental.
3. O meio ambiente na história das constituições brasileiras
A história do Direito relacionado com o Meio ambiente no Brasil é marcada por questões específicas a diversas experiências vivenciadas durante o período Colonial, no Império e na atual República. Em face dessas singularidades sócio-históricas, não poderíamos deixar de desvelar aspectos relacionados às diversas formas de se pensar o ambiente, ao longo das sete Cartas Mater, quais sejam: a Constituição Imperial de 1824, a Constituição Federal de 1891, a Constituição Federal de 1934, a Constituição Federal de 1937, a Constituição Federal de 1946, a Constituição Federal de 1967 e a atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Assim, torna-se imprescindível, com o objetivo de lançar luz ao conhecimento sobre a temática em alusão, debater como as Constituições Brasileiras, ao longo do tempo, abordaram e atualmente abordam a questão ambiental. Também serão desnudadas, com base nos dispositivos contidos no Texto Mater de 1988, aspectos relativos às competências ambientais.
Inicialmente, levando-se em consideração que o sentido jurídico de Constituição pauta-se em uma complexidade de facetas que devem ser pensadas intimamente conectadas com a vida social e com o conjunto da comunidade, indaga-se: as Constituições pátrias inseriam em seu bojo questões relativas ao meio ambiente?
Refletir ao questionamento proposto requer uma interpretação de todos os Textos Constitucionais elaborados ao longo da história do Brasil. Assim, a seguir, por meio da hermenêutica normativo-compreensiva, observar-se-á a conduta dos legisladores no tocante aos assuntos ambientais no país.
Observa-se que o Texto Constitucional de 1824, elaborado quando a sociedade brasileira passava pela experiência Imperial, não se preocupou em disciplinar e promulgar leis relacionadas com o meio ambiente. Reconhecemos que é demasiado forçoso tentar encontrar nessa Carta Mater, o debate de um assunto que ainda não era discutido no cenário brasileiro nem no âmbito internacional. Talvez seria demais cobrarmos para esse período um assunto que é pauta de preocupações de nosso presente e ainda não o era naquele contexto de historicidade.
Mas é importante compreendermos, de antemão, que a Constituição de 1824 teve longa durabilidade na história do Brasil, vigorando desde o período Colonial até o início da República, o que leva-nos a inferirmos que, durante muito, o meio ambiente não foi pauta das discussões político-jurídicas no cenário constitucional.
Mesmo após a proclamação da República, uma vez elaborado o Texto Federal de 1891, observa-se que também não houve preocupações com o meio ambiente.
Um aspecto interessante nessa Constituição, é reconhecer que através dela foi introduzido um preceito que defendia: “Art. 63[7]. Cada Estado reger-se-á pela Constituição e pelas leis que adaptar, representando os princípios constitucionais da União”.
Apesar dessa premissa, entende-se que, na prática, não houve mudanças significativas no panorama das constituições estaduais, pois havia uma centralização de poder, enfeixadas nas “mãos das oligarquias locais”.
Estas considerações são necessárias para compreender que, através da interpretação da Constituição Federal, é possível descortinar, aligeiradamente, o caminhar dos Textos Estaduais Constitucionais na abordagem ou negligência das questões relacionadas com a preservação ambiental.
Na Constituição de 1981, no art. 72, §17, explicitava que o direito de propriedade mantém-se em toda plenitude, salvo a desapropriação por necessidade de utilidade pública, mediante indenização prévia. As minas pertencem ao proprietário do solo, salvo as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo da indústria. A Carta Mater de 1891 também apregoava que a competência de legislar sobre minas e terras competia privativamente ao Congresso Nacional (Art. 34).
Entretanto, é necessário não confundir estes preceitos constitucionais sobre minas e terras, com matéria relacionada à proteção ambiental. Essa Constituição Federal de 1981 não englobava a Ordem Social nem a Ordem Econômica. Assim, apenas de forma pontual se encontrava referências a questões dos recursos naturais. Em síntese, essa era uma Constituição Liberal desprovida de conteúdo sócio-econômico e ambiental, ao menos de forma sistematizada e não pontual.
O prelúdio da Carta Federal de 1934 já se diferenciava do texto anterior ao introduzir a expressão “bem-estar social e econômico”, como uma das principais diretrizes que deveriam ser respeitadas.[8]
Sua ideologia não seguiu o rito das constituições anteriores, pois se distanciou da tônica liberal e se aproximou de uma Ordem Sócio-Econômica. Assim, o Estado passou a intervir na economia.
Todavia, no que se refere às questões ambientais, também ficou ainda muito a desejar, muito embora a Carta Federal de 1934, no art. 5º, inciso XIX, alínea j, explicite que compete privativamente à União legislar sobre bens de domínio federal: riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidroelétrica, florestas, caça e pesca e a sua exploração.
Em outro preceito, mais precisamente no art. 118, determinava que: “As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial”.
Enquanto no art. 119, in verbis: “O aproveitamento industrial das minas e jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei”.
Já o § 1º desse mesmo artigo afirmava que:
“As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil, resalvadas ao proprietário preferência na exploração ou co-participação nos lucros”.
O § 2º determinava que: “o aproveitamento de energia hidráulica, de potência reduzida e para exclusivo do proprietário, independe de autorização ou concessão”.
Por sua vez, no art. 130 descrevia, ipisis litteris:
“Nenhuma concessão de terras, de área superior a dez mil hectares, poderá ser feita sem que, em cada caso, proceda autorização do Conselho Federal.
Em outro artigo, de forma textual, afirma, in verbis:
“Art. 165. Dentro de uma faixa de cento e cinqüenta quilômetros ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras ou de vias de comunicação poderá efetivar-se sem audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional, e a lei providenciará para que nas indústrias situadas no interior da referida faixa, predominem os capitais e trabalhadores de origem nacional”.
Por meio do processo hermenêutico observam-se, dos preceitos explicitados, rápidas informações sobre os recursos naturais, mas sem nenhuma preocupação de proteger o meio ambiente.
Mais uma vez, salientamos que não se deve desmerecer o Texto Constitucional em alusão, por não tratar do meio ambiente. Nesta época, a questão ambiental ainda não estava posta na ordem do dia. Destaque-se, inclusive, que neste Texto os recursos naturais eram abordados no sentido da exploração, mas não na ótica da preservação.
A Constituição Brasileira de 1937 foi outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de Novembro de 1937, mesmo dia em que implantou a ditadura do Estado Novo. Não obstante apresentar conteúdo pretensamente democrático, ela seria, no entanto, uma carta política eminentemente mantenedora das condições de poder do presidente Getúlio Vargas. Isso porque o Governo Vargas, desde o início, caracterizou-se pela centralização do poder, que foi levada ao extremo com a ditadura de 1937-1945.
A Carta Mater de 1937 foi a primeira republicana autoritária que o Brasil teve, atendendo a interesses de grupos políticos desejosos de um governo forte que beneficiasse à alite política detentora do poder estatal, e mais alguns, que consolidasse o domínio daqueles que se punham ao lado de Vargas.
O Texto Federal de 1937, no que se refere a abordagem dos temas ambientais, também os apresentavam apenas com preocupações relacionadas com a exploração de seus recursos.
A Constituição Federal de 1937, no art. 143, determinava de forma transparente que:
“As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas, e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização federal.”
O Texto Mater em debate, ao centralizar o debate político de forma a não se permitir o funcionamento do Estado Democrático de Direito, direta ou indiretamente, freia a participação da sociedade em praticamente quaisquer matérias de caráter nacional.
A matéria ambiental não era item da agenda política, tão pouco, os recursos naturais inscritos na Carta Federal foram amplamente discutidos.
O término da Segunda Guerra Mundial favoreceu a produção do Texto Constitucional de 1946. Esta Carta continha um Título V, sobre a epígrafe, Da Ordem Econômica e Social, que se pautava nos princípios da justiça social, procurando conciliar a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.[9] Desta forma, há a intervenção do Estado em termos de assuntos econômicos.
Nesta Carta Federal explicitava-se que: “Art. 152. As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial”.
Por sua vez o art. 153 determinava que “o aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei”.
Nesse sentido, depreende-se que competia à União legislar sobre a exploração dos recursos naturais, todavia, nessa época, ainda não se fazia referência à importância da preservação do meio ambiente.
O Texto Mater de 1967 apresenta algumas semelhanças e inovações em relação ao que abordamos anteriormente. As continuidades pautam-se no fato de continuar descrevendo formas de o Estado intervir na economia dos recursos naturais; também foi mantido viés ideológico, isto é, “tudo em função da segurança nacional”.[10] Por outro lado, no que se refere às inovações, destaca-se a implementação da dimensão do “desenvolvimento”.[11]
Constata-se que no Texto Constitucional de 1967, igualmente como ocorrera nas Cartas de 1934 e 1946, a preocupação centrava-se na exploração dos recursos naturais e não na preservação do meio ambiente.
Assim, o art. 8º, inciso XVII, alínea h e i, da Constituição Federal de 1967, determinava que competia à União Federal legislar sobre jazidas, minas e outros recursos naturais, metalurgia, águas, energia elétrica, telecomunicações, florestas, caça e pesca.
Atente-se para o fato de que neste Texto os recursos naturais ainda eram considerados no sentido da exploração, mas não na ótica da preservação. Não foi ainda nesta Carta que a matéria ambiental ganharia o status de Direito Fundamental da Pessoa Humana.
A Carta Federal modifica significativamente o abordar das questões sobre os recursos naturais, visto que, ao invés de pensar exclusivamente em sua exploração, amplia o foco, disciplinando não somente os recursos naturais, mas o meio ambiente em suas várias manifestações.
Assim, abre-se de forma sistemática no Título VIII, Da Ordem Social, o Capítulo VI, Do Meio Ambiente. É necessário considerar, além disso, que as preocupações ambientais aí não se esgotam, pois, na Ordem Econômica, o Meio Ambiente é colocado em um patamar que deve ser respeitado pelas atividades econômicas. Ainda no art. 216, é apresentado como meio ambiente cultural; enquanto que, no art. 182 e 183, apresenta-se como meio ambiente construído ou artificial. Quanto ao meio ambiente do trabalho, também é previsto na Constituição Federal vigente, talvez não de forma direta, mas decorrente da regulamentação do art. 7º, inciso XXII, que prescreve a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meios de normas de saúde, higiene e segurança, expedida pela Portaria nº. 25/94 do Ministério do Trabalho.
É de bom alvitre reproduzir na íntegra o Capítulo VI, Do Meio Ambiente, da Constituição Federal de 1988:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – Preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º São indispensáveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.”
Em face da adoção do princípio da federação acolhido pela Constituição Federal de 1988, discutir-se-á sobre competências ambientais. De forma introdutória, Barbosa (2005) indaga: o que é competência? É a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Diante do exposto, essas modalidades de competências se aplicam em matérias ambientais.
De acordo com Barbosa (2005), entre os artigos que se referem às competências, é curioso observar o que expõe o art. 24, em alguns incisos da Carta Mater de 1988, in verbis:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre […] VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, turístico e paisagístico.”
O referido artigo traz como adendo alguns parágrafos que carecem ser mostrados:
“§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”
Após a exposição, interpretou-se que a União traça as diretrizes gerais sobre o meio ambiente, e faz por meio de técnica legislativa permitida pela própria Constituição Federal.
Em resumo, observe-se que aos Estados e ao Distrito Federal não foi dada permissão constitucional para legislar exclusivamente nem privativamente sobre matéria ambiental, apenas concorrentemente, muito menos aos Municípios que nem sequer foram citados no caput do art. 24. Contudo, ainda assim, os Municípios podem legislar sobre questões ambientais, via competência suplementar (art. 30, II).
4. Interfaces Possíveis: Os biomas de mata como temas da história ambiental e do direito do meio ambiente no Brasil
Como vimos nos capítulos anteriores, a História Ambiental constitui um domínio de saber relativamente novo nos campos da historiografia urdida ao sabor das questões pungentes trazidas à baila das discussões familiares às ciências do homem nas três últimas décadas. Esses decênios passados foram palco, na Europa, na Ásia e nas Américas de acirradas discussões sobre a manutenção dos ecossistemas, o aquecimento global e a sustentabilidade.
A tutela dos recursos naturais, sobretudo os florestais, mereceu destaque na legislação brasileira desde a Constituinte de 1823, cognominada, A da Mandioca, logo abortada pelo jovem Imperador Dom Pedro I e substituída pela carta outorgada de 1824. Então, ainda estávamos subordinados ao aparelho burocrático e às concepções jurídicas de Portugal, subordinadas, por sua vez, por séculos a fio, ao absolutismo monárquico.
Uma varredura atenta na documentação demonstra que, ainda na vigência das Ordenações Manuelinas, assim denominadas porque promulgadas pelo Rei Português Dom Manuel, já podiam ser observadas a presença de restrições ao uso de determinados recursos madeireiros. Em 1548, o uso do pau-brasil passou a ser de exclusividade da Coroa, tendo sido criado, posteriormente, no ano de 1605, o Regimento do Pau Brasil. Dois séculos depois, em 1757, as áreas localizadas numa área dentro da faixa de 10 léguas na costa e os rios adjacentes passaram a ser consideradas como propriedade real.[12]
Impulsionada pela premente necessidade, a Coroa, no ano de 1795, expediu Cartas Régias declarando ser de sua propriedade toda a madeira destinada à construção de suas embarcações. Esses recursos estavam se tornando escassos e a hegemonia da frota naval portuguesa estava ameaçada por exigüidade de matérias primas. Por conta dessa legislação, essas madeiras passaram a ser denominadas de “madeira de lei”. Contava-se entre elas espécies como o araribá, o vinhático e a sucupira, dentre outras.[13]
Após a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, iniciativas pragmáticas de reflorestamento passaram a ter espaço na política de incentivo do Estado. Em 1817, por exemplo, foi editada a Lei no. 9.139, que visava difundir o plantio e condicionava a exploração do pau-brasil, então já bastante escasso no litoral.
Entretanto, só no período republicano, sob o clima pós revolucionário de 1930 e, no interregno que antecedeu à instauração da ditadura varguista do Estado Novo, foi editado o nosso primeiro Código Florestal. Elaborado no ano de 1934, por meio do Decreto de n.º 23.793, instituiu um percentual de reserva das áreas cobertas de matas. Isso consta, em seu artigo 23, nos seguintes termos: “nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas da vegetação existente, salvo o disposto nos artigos 24 e 51”.
Cabe observar que a obrigatoriedade de se reservar ¾ da área do imóvel, estava associada apenas às propriedades cobertas por matas. Esta obrigação permaneceu em vigor até a edição do novo Código Florestal, criado pela Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, que estabeleceu a obrigatoriedade de se preservar 20% da área da propriedade com cobertura arbórea (art.16). Foi criado um percentual diferente para a Região Norte: 50% (art.44).[14]
Já na nova República, no ano seguinte ao da votação da Constituinte de 1988, o Código Florestal, teve sua redação alterada. Tratava-se da Lei n.º 7.803, de 18 de julho de 1989, que estabelecia em seu artigo 16, § 2º, que :
“A reserva legal, assim entendia a área de, no mínimo 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem de inscrição de matrícula do imóvel, no registro competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área”.[15]
A criação desse novo dispositivo inovava de forma criativa, ao impor a obrigatoriedade de se averbar, na matrícula do imóvel, a área destinada à reserva legal. Assim, por este meio, tornava-se público o ato da averbação e se estabelecia que a destinação das áreas declaradas, instituídas como Reserva Legal, passaria a ser inalterável. Não obstante, o manejo dessas áreas de floresta, desde que executado de maneira sustentável, foi autorizado, tendo sido proibida a prática do chamado “corte raso”. Outra inovação foi à extensão da Reserva Legal para o Cerrado, bioma que, até então, recebia, relativamente, pouca atenção do Estado e também das ciências naturais.
Já a Lei nº. 8.171, estabeleceu em seu artigo 99, a obrigação da recomposição da Reserva Legal, num percentual de 1/30 a cada ano.
“Art. 99 A partir do ano seguinte ao de promulgação dessa lei, obriga-se o proprietário rural, quando na eventualidade de ser este o caso, a recompor em, sua propriedade, a Reserva Florestal Legal, prevista na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1.965, com a nova redação dada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1.989, mediante o plantio em cada ano, de pelo menos um trinta avos da área total para completar a referida Reserva Legal – RFL”.
Finalmente, ano de 1998, o artigo 99, foi revogado pela Medida Provisória de n.º 1.736/98, foi então, simultaneamente, revogada a obrigação da recomposição. Também no ano de 1998 passou a ser autorizado o cômputo da APP como Reserva Legal (1.736-31) pela inclusão do § 4º no art. 16.[16]
A partir do ano de 2000, por meio de uma Medida Provisória de n.º 1.956-50, desapareceu a revogação do artigo 99, ficando portanto restabelecida a obrigatoriedade da recomposição. O cômputo de áreas de preservação permanente para formação do percentual de Reserva Legal, com a nova redação do artigo 16, fica restrito às áreas em que a soma da APP e da Reserva Legal corresponderem a 50% do imóvel. Surgiu ainda a forma jurídica da reserva em condomínio, prevista no § 11 do citado artigo 16, instituto a ser regulamentado por esforços legislativos posteriores.[17]
É da citada Medida Provisória de n.º 1.956-50, a nova redação do art. 44, do Código Florestal que estabeleceu a recomposição de 1/10 da reserva a cada três anos, e criou o instituto da compensação em outras áreas. Foi criado ainda, pelo art. 44-A a servidão florestal: renúncia voluntária, temporária ou definitiva, de supressão nativa contida na RL ou na APP. O artigo 44-B, por sua vez, instituiu o sistema de Cota de Reserva Florestal. Ambos os institutos ainda não foram regulamentados na maioria dos estados brasileiros.
Atualmente, o conceito e os parâmetros para regularização da reserva legal, estão previstos na Medida Provisória de n.º 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que teve seus efeitos prorrogados em função do disposto na Emenda Constitucional de n.º 32, que alterou a redação do art. 44 do Código Florestal (Lei 4.771/65), passando este a vigorar nos seguintes termos, in verbis:
“Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas conjuntamente:
I- Recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente;
II- Conduzir a regeneração natural da reserva legal; e,
III- Compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento”.
Os percentuais a serem respeitados em cada propriedade, foram estabelecidos de acordo com as peculiaridades de cada região e do bioma inserido em cada uma delas. Esta delimitação encontra-se prevista no artigo 16 e seus incisos I, II, III e IV, que respectivamente estabelecem um percentual de 80% para a Amazônia Legal, 35% na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo 20% na mesma área e 15% na forma de compensação, e 20% situadas em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do país; e 20% na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do país.
5. Considerações finais
Diante do exposto, considera-se que, não obstante os recursos naturais do Brasil, tenham recebido tutela em sua legislação desde a constituinte de 1823, do diálogo aqui encetado entre a História da natureza e o Direito Ambiental, depreendemos que o destaque dado pelos legisladores aos temas relacionados com o Meio ambiente não apresentavam preocupações com a preservação dos bens ambientais. Isso porque as Constituintes estavam muito mais preocupadas em assegurar a exploração econômica dos recursos naturais do país do que com a preservação do meio ambiente.
Ressalta-se ainda que a questão ambiental, à época da elaboração de algumas dessas Cartas Federais, ainda não estava pautada como um problema que se colocava na ordem do dia. Os problemas ambientais são preocupações que, somente há algumas décadas, tornou-se uma preocupação de todas as sociedades e de saberes os mais diversos, tamanha a complexidade e a gravidade que tais questões passaram a assumir. Ademais, somente a partir da Constituinte de 1988, passou-se a defender, através da legislação do país, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Por meio da ética ambiental, distintas ações ou atividades deveriam ser praticadas com a finalidade de se alcançar um estado de bem-estar para os indivíduos que vivem em sociedade, bem como mudanças positivas na relação homem-natureza. A ética ambiental contemporânea clama por novos paradigmas, outras reflexões e comportamentos, mudanças de atitudes, em prol da natureza equilibrada e de relações sócio-econômicas respeitadoras dos ecossistemas.
Assim, a ética ambiental enlaça-se inicialmente com o direito natural, entre outras formas, por meio de princípios comuns atemporais. Princípios fundamentais, tais quais, direito à vida e ao direito do meio ambiente equilibrado. Posteriormente, com a positivação do direito, a ética ambiental também se relaciona com o direito positivo.
Em outras palavras, o Direito Ambiental, em face do seu dinamismo e da sua rápida evolução sistêmica, é motivo de observação e estudo das ciências, tal como a ética, que, por sua vez, se debruça sobre o Jusambiental e lhe exige observância aos procedimentos de boa conduta, das práticas não degradantes e deteriorantes, entre outras ações ecologicamente saudáveis. Todavia, os princípios e normas do Direito Ambiental são muitas vezes negligenciados, e é aí que se necessita, mais fortemente, da ciência ética, em busca de orientações e (re) organizações das condutas sócio-ambientais.
O direito e o meio ambiente podem e devem ser mediados pela ética. Mediar, aqui não significa neutralidade arbitral, mas sim, elemento de ligação entre termos distintos com o propósito de permitir condutas que harmonizem a relação homem-natureza.
Ao lado do repertório de técnicas, instrumentos e equipamentos que intermedeiam a intervenção do homem sobre a natureza, o Direito, historicamente localizado e datado, coloca-se como uma força decisiva na moldagem e na configuração do meio ambiente das sociedades. Todas as culturas, circunscritas em regimes de historicidade os mais diversos, forjaram um conjunto de regras, normas e tradições para darem um contorno específico à maneira como os homens deveriam se apropriar dos recursos naturais, estabelecendo um conjunto de limites e condições.
Necessário se faz, entretanto, entender que essa legislação não se constituiu, em última instância, como práticas sociais efetivas de inter-relação com o ambiente natural, de modo que o historiador possa através da leitura delas transformadas em fontes da escritura histórica, escrever tal qual a história ambiental do período em que determinada em que foi promulgada e esteve em vigor. Conforme foi ressaltado ao longo desse artigo, os homens e as mulheres, no interior de cada devir histórico, usufruíram da liberdade de criar e instituir práticas particulares de apropriação e representação do ambiente natural, instituindo visões diferenciadas e autônomas a respeito do significado da natureza para a sua sociedade.
Não obstante, é através da leitura critica e problematização dos temas ambientais que versaram ou foram silenciados pela pauta desse aparato jurídico-institucional ao longo da história brasileira, que podemos nos arvorar a esboçar o pensamento ambiental da época, os significados estritos atribuídos por determinada sociedade ao ambiente natural, os critérios hegemônicos de poder político e econômico que perpassaram a elaboração dessa legislação.
As preocupações com a preservação dos ecossistemas como parte do patrimônio nacional e a um meio ambiente equilibrado como direito fundamental para os cidadãos só passaram a fazer parte da legislação brasileira recentemente, com a instauração da Constituição de 1988. Até então, a legislação promulgada no país não tinha a intenção de preservar o ambiente pelo seu valor intrínseco, no sentido como hoje essa prática se torna inadiável, mas de proteger os recursos econômicos que gerariam lucros à Coroa. Contudo, isso não significa que, à margem do aparato jurídico-institucional do país, não se tenham efetivado práticas sociais e históricas de preservação do ambiente natural por determinadas culturas ditas tradicionais, como é o caso, por exemplo, das sociedades indígenas ou identidades culturais que elaboraram visões diferenciadas em relação à natureza no interior do espaço territorial brasileiro.
Sabe-se que o meio ambiente é construído segundo processos complexos e variados de relação/apropriação das sociedades com as naturezas. Essa interação inscreve-se em práticas inerentes à cultura econômica, política, educacional e ética e são sancionadas em forma de parâmetros legal-institucionais. No entanto, quando a história se detém ao estudo das particularidades culturais, permite-nos delinear todo o conjunto de tensões e conflitos que permearam essa normatividade e consequentemente, de práticas sociais que permaneceram a sua margem.
Nesse contexto, esta obra, resultado de diálogos e debates entre historiadores e juristas em torno da questão ambiental propôs apresentar, ao público interessado em ambos os campos, considerações introdutórias sobre o papel de cada um desses saberes para compreender a inter-relação entre homem e natureza ao longo da história do Brasil, delineando os limites e as possibilidades que cada um deles encerra para pensar a “questão ambiental”.
Por fim, asseveramos que o nosso intuito consistiu em apresentar possibilidades de estudos que dialoguem com os dois campos de pesquisas e que superem as fronteiras disciplinares para refletir sistematicamente sobre a importância da preservação do meio ambiente na contemporaneidade.
Doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Professor Adjunto II da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, no Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais. Professor e Orientador do Mestrado e Doutorado em Recursos Naturais da UFCG/PPGRN e de Especialização em Direito do CCJS/UFCG. Autor dos livros: Direito Constitucional: uma abordagem histórico-crítica; Direito Ambiental: em busca da sustentabilidade. Introdução ao Direito Ambiental. Introdução ao Estudo do Direito. História Ambiental e Direito Ambiental: diálogos possíveis. Direito Ambiental e dos Recursos Naturais: biodiversidade, petróleo e águas (no prelo). Capítulo do livro – Trabalhador Rural, intitulado: O Trabalhador Rural na Região Nordeste. Capítulo do livro – Água Doce: Direito Fundamental da Pessoa Humana. Experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito Ambiental, Direito Econômico, Direito de Águas.
Pós-doutorando em História pela UFPE; Doutor em história e culturas políticas pela UFMG; professor do curso de graduação, do Programa de Pós-graduação (Mestrado) em História e do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais (mestrado e doutorado) da UFCG.
Mestranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História da UFCG; Graduada em jornalismo pela UEPB e concluinte do curso de Licenciatura em História da UFCG; Bolsista pela Capes.
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