Responsabilidade administrativa por dano ambiental

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Nenhum Jurista pode dispensar o contingente do passado afim de bem compreender as instituições jurídicas dos dias atuais. Ninguém é capaz de dar passo à vanguarda, adiantando em sem deixar o outro pé na retaguarda. (Waldemar Ferreira)


Resumo: A responsabilidade por danos ambientais pode se dar em três diferentes esferas: a civil, a administrativa e a penal. Muita confusão ainda se faz, no entanto, quando se trata de diferenciar a responsabilidade civil por dano ambiental, objetiva, e a responsabilidade administrativa por dano ambiental, subjetiva. Este breve estudo pretende traçar a diferença entre uma e outra a partir do estudo da responsabilidade administrativa especificamente. Pretende, ainda, abordar duas questões polêmicas envolvidas na problemática, quais sejam: a competência para o exercício do poder de polícia e o princípio do bis in idem, ambos na responsabilidade administrativa por dano ambiental.


Résumé: La responsabilité pour dommage environnemental se produit dans trois sphères differentes : la civile, l´administrative et la criminelle. Beaucoup de confusións sont encore faîtes quand il faut différencier la responsabilité civille, objective, et la responsabilité administrative, subjective. On propose, dans cette breve étude, d´établir la difference entre lune et l´autre en partant d´étude sur la responsabilité administrative. On propose, aussi, d´étudier deux questions polémiques dans cet univers, qui sont: la compétence pour l´exercice du pouvoir policier et de la prohibition de la pénalisation double pour une même action nuisible.


Sumário: Introdução; 1. As Esferas de Responsabilidade por Dano Ambiental; 2. Responsabilidade Administrativa por Dano Ambiental; 3.1. Problemática; 3.2. Fundamentos; 3.3. Da Responsabilidade Administrativa: Responsabilidade Extracontratual Subjetiva; 4. Da Competência para a Aplicação de Sanções Administrativas; 5. O Princípio do Non Bis in Idem na Responsabilidade Administrativa por Dano Ambiental; Conclusão; Bibliografia.


Palavras-chave: Direito ambiental; Responsabilidade por dano ambiental; Responsabilidade civil; Responsabilidade administrativa; Responsabilidade Extracontratual subjetiva; Poder de polícia; Bis in idem; Competência ambiental.


INTRODUÇÃO


A responsabilidade por dano ao meio ambiente ainda é uma matéria que gera dúvidas, controvérsias e, por vezes, confusão.


A interdisciplinaridade do Direito Ambiental exige conhecimentos amealhados de diversas áreas do Direito (Administrativo, Constitucional, Urbanístico, Civil, Penal e outras) e, ainda, de áreas estranhas a este, tais como engenharia, agronomia, etc. Tal interdisciplinaridade é o fator responsável pela dificuldade que se nota para diferenciar a responsabilidade civil da responsabilidade administrativa por danos ambientais, tema este que será objeto desse breve artigo.


A confusão mais comum consiste em ignorar a separação entre as esferas nas quais a responsabilização por dano ao meio ambiente pode ocorrer: penal, administrativa e civil.


Quanto ao tipo de sanção, verifica-se que ela pode ser: de ordem moral (advertência), patrimonial (multa ou a indenização decorrente da responsabilidade civil), ou a limitação da liberdade.


Assim, cada um dos três âmbitos de responsabilidade tem características próprias e é regido por normas específicas. Vale dizer mais: os três tipos de responsabilidade são independentes entre si, resultando em sanções próprias de cada tipo. Esta característica, aliás, não constitui peculiaridade do dano ambiental ou ecológico, pois qualquer dano causado a um bem de interesse público pode gerar os três tipos de responsabilidade.


Feitas essas considerações, passemos a uma analise mais detida da esfera administrativa de responsabilização por dano ao meio ambiente, que é a que nos interessa diretamente nesse breve estudo, estabelecendo, ao longo da pesquisa, as diferenças entre esta e a responsabilidade civil.


Vale ressaltar que foram escolhidas apenas essas duas esferas de responsabilização – excluindo-se a penal – porque se constatou que os equívocos e dúvidas eram mais freqüentes exatamente nesse âmbito.


1. AS ESFERAS DE RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL


Observe-se, inicialmente, o que dispõe o § 3º, do artigo 225, da Constituição Federal:


“§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”


Do texto constitucional depreende-se, com facilidade, o quanto já apontado: a responsabilidade em matéria ambiental pode ocorrer em três esferas distintas – a penal, a administrativa e a civil.


Quanto ao tipo de sanção, essa pode ser de ordem moral (advertência), patrimonial (decorrente da responsabilidade civil) ou limitativa de liberdade, sendo que a responsabilidade adquire características e normas próprias dependendo do âmbito no qual se a analisa.


A propósito disso, merecem atenção as palavras de José Afonso da Silva[1] a esse respeito:


“18. RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS. (…) O dispositivo constitucional, como se vê, reconhece três tipos de responsabilidade, independentes entre si – a administrativa, a criminal e a civil -, com as respectivas sanções. O que não é peculiaridade do dano ecológico, pois qualquer dano a bem de interesse público pode gerar os três tipos de responsabilidade.


Responsabilidade administrativa. Resulta de infração a normas administrativas, sujeitando-se o infrator a uma sanção de natureza também administrativa: advertência, multa, interdição de atividade, suspensão de benefícios etc.


A responsabilidade administrativa fundamenta-se na capacidade que tem têm as pessoas jurídicas de direito público de impor condutas aos administrados. Esse poder administrativo é inerente à Administração de todas as entidades estatais – União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, nos limites das respectivas competências institucionais.


Responsabilidade criminal – Emana do cometimento de crime ou contravenção, ficando o infrator sujeito à pena de perda da liberdade ou pena pecuniária. Há, pois, dois tipos de infração penal: o crime e contravenção. (…)


Os crimes ecológicos só existem na forma definida em lei, e só quando definidos em lei. (…)


Responsabilidade civil – É a que impõe ao infrator a obrigação de ressarcir o prejuízo causado por sua conduta ou atividade. Pode ser contratual – por fundamentar-se em um contrato – ou extra-contratual – por decorrer de exigência legal (responsabilidade legal) ou mesmo de ato ilícito” (responsabilidade por risco).


Passemos à análise da responsabilidade administrativa por dano ambiental.


2. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANO AMBIENTAL


2.1 Problemática


“Não obstante seu papel marcadamente preventivo, aliado aos inúmeros benefícios procedimentais a ela inerentes, tais como maior celeridade e menor formalismo, o agigantamento desmedido do papel conferido à responsabilidade administrativa ambiental, em comparação com outras formas  de resposta jurídica às atividades atentatórias ao equilíbrio ecológico, acabou por induzir concepções dogmáticas imperfeitas acerca dos exatos contornos dados a essa matéria, subvertendo sua correta utilização como ferramenta punitiva, além de obstaculizar uma adequada compreensão sobre seus pressupostos e princípios fundamentais”[2].


Desta constatação de Ricardo Carneiro, depreende-se a questão a ser aqui discutida: os fundamentos e contornos da responsabilidade administrativa ambiental, as peculiaridades que a diferenciam da responsabilidade civil objetiva, discutindo, ainda, a competência para a aplicação de sanções administrativas e a proibição do “bis in idem” em matéria de responsabilidade ambiental.


2.2 Fundamentos


O fundamento constitucional da responsabilidade administrativa ambiental encontra-se no parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição Federal, cujo texto é o seguinte:


“Art. 225. (…)


§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. (Grifos Nossos)


O dispositivo constitucional faz clara distinção entre as três esferas de responsabilidade (civil, administrativa e penal), fornecendo-nos a diretriz de interpretação das normas infraconstitucionais, qual seja: a da independência destas esferas de responsabilização em razão da diferença do objeto que cada qual tutela, dos regimes jurídicos que as revestem e dos órgãos que impõem sanções dentro de cada esfera.


Outro fundamento constitucional da responsabilidade ambiental, independente de ser esta civil, penal ou administrativa, é o artigo 24, inciso VIII e Parágrafo 1º da CF/88, que disciplina a competência para legislar em matéria de responsabilidade por dano ao meio ambiente e cuja redação é a que segue:


“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…)


VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”; (…)


Este dispositivo tem suscitado uma série de interpretações equivocadas, razão pela qual sua interpretação deve ser realizada à luz do § 1º do mesmo artigo 24 e à luz do artigo 23 da Constituição Federal, que disciplina a competência para a proteção do meio ambiente. Aprofundaremos esta discussão abaixo, quando analisarmos a competência para o exercício do poder de polícia.


Vejamos, agora, os fundamentos da responsabilidade administrativa ambiental na legislação infraconstitucional.


O artigo 70 da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) define infração administrativa como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.


Depreende-se, daí, que a infração administrativa, ao caracterizar uma VIOLAÇÃO de regras jurídicas, tem como conseqüência o exercício do ius puniendi estatal, ou seja, do poder de polícia conferido à Administração Pública a fim de possibilitar o exercício do múnus público.


Pode-se, ainda, encontrar um conceito de infração administrativa no artigo 1º do Decreto nº 3.179/99, que dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, segundo o qual:


“Art. 1º. Toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente é considerada infração administrativa ambiental e será punida com as sanções do presente diploma legal, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades previstas na legislação.”


Já o artigo 14 da Lei 9.638/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) elenca os tipos de sanções administrativas às quais estão sujeitos os violadores das regras jurídicas discriminadas no artigo 70 – 2ª parte (de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente). Aqui cabe a observação de que toda e qualquer sanção deve estar prevista em lei, em atenção ao princípio constitucional da legalidade[3], que informa os atos administrativos de forma geral:


“Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:


I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.


II – à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;


III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;


IV – à suspensão de sua atividade. (…)


§ 3º. Nos casos previstos nos incisos II e III deste artigo, o ato declaratório da perda, restrição ou suspensão será atribuição da autoridade administrativa ou financeira que concedeu os benefícios, incentivos ou financiamento, cumprindo resolução do CONAMA (…)”. (Grifos nossos)


Além disso, há um dispositivo no Código Civil cuja leitura nos permite interpretar, quanto à responsabilidade, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a responsabilidade subjetiva e, portanto, dependente da caracterização de uma conduta culposa ou dolosa por parte do agente e do nexo de causalidade entre esta e o dano ambiental verificado[4]. Trata-se do art. 186, segundo o qual: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.


“Fundamental reconhecer, nesse propósito, que a responsabilidade em direito é, em regra, sempre subjetiva, não correspondendo ao estágio atual de evolução do sistema jurídico político a imposição de qualquer sorte de conseqüência sancionatória sem que o agente tenha praticado ou concorrido voluntariamente para a consecução da conduta antijurídica. Como anota EDUARDO FORTUNATO BIM, apenas o que decorre da vontade humana pode sujeitar-se a um juízo de reprovabilidade, não sendo possível punir-se alguém que não tinha condições de saber o que estava fazendo ou, mesmo sabendo, não podia, nas circunstâncias, se comportar de maneira diversa”[5].


Do contrário, quando a lei pretende excepcionar a regra da responsabilidade subjetiva, esta é sempre expressa[6], “fazendo cessar a necessidade de verificação do dolo ou da culpa como elementos identificadores e balizadores da volição do agente”[7].


Especificamente quanto à responsabilidade administrativa ambiental, há uma corrente interpretativa que entende que o artigo 37, II, “c” do Decreto 99.274/90, que regulamentou a Lei 6.938/81, reconhece a culpabilidade como pressuposto da responsabilidade administrativa ao estabelecer que o dolo, mesmo quando eventual, é circunstância agravante para a gradação do valor da multa. Primeiramente, vale transcrever o dispositivo: “Art. 37. O valor das multas será graduado de acordo com as seguintes circunstâncias: (…) II – agravantes: (…) c) dolo, mesmo eventual; (…)”.


Ricardo Carneiro é adepto de tal interpretação e a fundamenta do seguinte modo:


“(…) o Decreto nº 99.274, de 06.06.1990, ao regulamentar especificamente a Lei 6.938/81, inseriu a culpabilidade como índice de configuração da responsabilidade administrativa, ao elencar, no art. 37, inciso II, alínea “c”, o dolo, mesmo quando eventual, como circunstância agravante para a gradação do valor da penalidade de multa. Bem de ver, destarte, que se a prática de uma conduta dolosa tem o condão de agravar a pena pecuniária, há que se concluir que a culpa se perfaz como elemento indispensável e estrutural para a configuração da responsabilidade administrativa. Trata-se do princípio da subsidiariedade do dolo em relação à  culpa no processo administrativo sancionatório, bem assente no direito espanhol (…)”[8].


Diante destes fundamentos, vejamos como se estrutura a responsabilidade administrativa no ordenamento pátrio.


3. DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL SUBJETIVA


A responsabilidade administrativa é uma manifestação do poder de polícia do Estado, denominada por Édis Milaré de “o poder de polícia administrativa ambiental, definido como incumbência pelo art. 225 da Constituição federal, a ser exercido em função dos requisitos da ação tutelar[9].


Para José Afonso da Silva[10]:


A responsabilidade administrativa fundamenta-se na capacidade que têm as pessoas jurídicas de direito público de impor condutas aos administrados. Esse poder administrativo é inerente à Administração de todas as entidades estatais – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – nos limites das respectivas competências institucionais. Dentre os poderes administrativos, interessa ao nosso assunto de modo especial, o poder de polícia administrativa, “que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade”. Todas as entidades estatais dispõem de poder de polícia referentemente à matéria que lhes cabe regular. Como cabe às três unidades proteger o meio ambiente, também lhes incumbe fazer valer as providências de sua alçada, condicionando e restringindo o uso e gozo de bens, atividades e direitos em benefício da qualidade de vida da coletividade, aplicando as sanções pertinentes nos casos de infringência às ordens legais da autoridade competente. (Grifos do Autor)


Para Américo Luís Martins da Silva[11]


“A responsabilidade por danos causados ao meio ambiente (…) diz respeito à obrigação de determinada pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responder por um fato ou ato omissivo que causa dano ou lesão ao meio ambiente e reparar tal dano de maneira in natura ou pecuniária”[12].


 “As legislações federal, estadual e municipal definem, cada qual no âmbito de sua competência, as infrações às normas de proteção ambiental e as respectivas sanções”[13]. A título de exemplo, pode-se citar a Lei 9.605/1998, (supra mencionada) que disciplina as sanções penais e administrativas decorrentes de condutas lesivas ao meio ambiente, e que constitui norma geral, ou seja, disposições gerais aplicáveis na ausência de normas específicas.


A responsabilização administrativa, assim, decorre da infração às normas administrativas de proteção ambiental e enseja a imposição de uma sanção ao sujeito infrator. Ambas, a infração e a sanção, devem estar previstas em lei em atenção ao princípio da legalidade, que deve necessariamente reger os atos administrativos.


Com relação às sanções administrativas impostas ao causador de dano ambiental, comecemos pela lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[14]:


“Infração e sanção administrativa são temas indissoluvelmente ligados. A infração é prevista em uma parte da norma, e a sanção em outra parte dela. Assim, o estudo de ambas tem que ser feito conjuntamente, pena de sacrifício da inteligibilidade quando da explicação de uma ou de outra.


Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade competente no exercício da função administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera.


Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações administrativas e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boamente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta. Com efeito, é disto que resulta o regime jurídico que lhes confere a própria feição, a identidade jurídica que lhes concerne, como acentuaram Régis Fernandes de Oliveira e Daniel Ferreira, enfatizando um critério formal.


Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. Isto não significa, entretanto, que a aplicação de sanção, isto é, sua concreta efetivação, possa sempre se efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer à via judicial para efetivá-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada”.


Em relação ao sujeito, poder-se-á tratar de pessoas físicas ou jurídicas, de Direito Privado ou de Direito Público.


Aspecto extremamente importante da responsabilidade administrativa diz respeito às excludentes da infração ou da sanção, conforme dispõe o referido autor[15]:


“É corrente o uso da expressão ‘excludentes’ para referir hipóteses em que se considerará inexistente a infração, ou não sancionável a conduta, conforme o caso. São encontráveis menções ao (1) fato da natureza (força maior); (2) caso fortuito; (3) estado de necessidade; (4) legítima defesa; (5) doença mental; (6) fato de terceiro; (7) coação irresistível; (8) erro; (9) obediência hierárquica; (10) estrito cumprimento do dever legal; (11) exercício regular de direito. Em nosso entender, as oito primeiras hipóteses dizem com a falta de voluntariedade – logo, elidem o próprio cometimento da infração, uma vez que a voluntariedade é o mínimo elemento subjetivo que se exige para imputação de uma infração a alguém. Já as três últimas correspondem a uma exclusão de sanção, propriamente dita.” (Grifos nossos)


Dentre os princípios a que se sujeitam as infrações Administrativas, Celso Antônio Bandeira de Mello destaca o da legalidade, anterioridade, tipicidade, proporcionalidade, devido processo legal, motivação e, por fim, voluntariedade.


Com relação a este último princípio, cumpre-nos destacar[16]:


“O Direito propõe-se a oferecer às pessoas uma garantia de segurança, assentada na previsibilidade de que certas condutas podem ou devem ser praticadas e suscitam dados efeitos, ao passo que outras não podem sê-lo, acarretando conseqüências diversas, gravosas para quem nelas incorrer. Donde, é de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o  livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para tal caso previstas. Note-se que aqui não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.


É muito discutido em doutrina se basta a mera voluntariedade para configurar a exigência de um ilícito administrativo sancionável, ou seja haveria necessidade ao menos de culpa. Quando menos, até o presente, temos entendido que basta a voluntariedade, se prejuízo, como é claro, de a lei estabelecer exigência maior perante a figura tal ou qual.”


A partir desta lição é possível depreender que a vontade de praticar a conduta infratora (e, portanto, sujeita a sanção) é elemento imprescindível para a aplicação de uma sanção administrativa. A lição do autor não deixa dúvidas de que o agente deve ter a consciência do ato que está praticando ou deixando de praticar e as suas possíveis conseqüências.


Fábio Medina Osório[17], ao se deter no estudo da teoria da responsabilização do agente, coloca dentre os princípios que vinculam o intérprete da lei (agente administrativo) no campo do Direito Administrativo Sancionador o princípio da culpabilidade. É importante ressaltar que a despeito do autor mencionar a culpabilidade das pessoas jurídicas, a partir do momento que o art. 225 determinou a responsabilização tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas, não nos resta dúvidas de que a teoria da responsabilização do agente deve ser aplicada às duas categorias.


Com relação à culpabilidade, relevantíssimas são as considerações do autor[18] acerca da “evitabilidade do fato”:


“A idéia de culpabilidade traz consigo a noção de atribuir a algo, censuravelmente, a alguém. Confunde-se, não raro, com a culpa em sentido mais amplo.


Culpabilidade encerra um forte significado de ‘evitabilidade’. Sem adentrar o debate filosófico e metafísico sobre ‘livre-arbítrio’ e ‘determinismo’, concordo com Ferrajioli quando sustenta que a culpabilidade se baseia, fundamentalmente, em um juízo normativo e traduz, ademais, as noções de exigibilidade ou inexigibilidade de conduta diversa (…).


Para que alguém possa ser administrativamente sancionado ou punido, seja quando se trate de sanções aplicadas por autoridades judiciárias, seja quando se cogite de sanções impostas por autoridades administrativas, necessário que o agente se revele ‘culpável’.” (Grifos nossos)


Sobre as funções da culpabilidade, assevera o autor: “Parece-me que, ao ser um preceito contrário à responsabilidade objetiva, a culpabilidade fundamenta a pena e, ao mesmo tempo lhe serve de medida”[19].


“Pode-se afirmar, com efeito, que a culpabilidade, em um primeiro momento, aparece como princípio constitucional contrário à responsabilidade objetiva, daí derivando notáveis conseqüências teóricas e pragmáticas, a saber: a) não há responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) a responsabilidade penal é pelo fato e não pelo autor; c) a culpabilidade é a medida da pena. (…)


Nesse sentido, culpabilidade é um princípio amplamente limitador do poder punitivo estatal, aparecendo como exigência de responsabilidade subjetiva[20].” (Grifos nossos)


Em outro trecho, o autor corrobora o que se pretende concluir após todas estas ilações doutrinárias: que para fins de responsabilidade administrativa faz-se imprescindível a comprovação de dolo ou culpa:


“Evidentemente que se exige uma ação ou omissão do agente para efeitos de responsabilidade.


A omissão há de significar uma violação de um dever de agir, estabelecendo-se uma relação de causalidade puramente normativa entre a conduta e o resultado. O agente se omite de uma conduta que lhe era juridicamente exigível. Essa omissão, em regra, pode ser culposa, mas depende do tipo sancionador. (…) Na doutrina, também é pacífica a idéia de que a culpabilidade exige dolo ou ‘negligência’, inclusive nos ilícitos omissivos[21].”


O que se conclui, portanto, de todas as considerações acima expostas é que, para fins de responsabilização administrativa, é necessária a existência de, no mínimo, “voluntariedade”, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, que seria a ciência da atitude tomada. Em nossa humilde opinião, é imprescindível a comprovação da culpa ou dolo para a caracterização da responsabilidade administrativa por danos causados ao meio ambiente, ou seja, é necessário que a ação ou omissão do agente tenha sido praticada no sentido de produzir o resultado.


Acresça-se, ainda, a impossibilidade ou inexigibilidade de conduta diversa por parte do agente, o que configura, inclusive, uma excludente da culpabilidade.


A responsabilidade administrativa não se fundamenta na teoria objetiva, mas sim, na teoria subjetiva, com a necessidade de comprovação de dolo ou culpa, somente podendo-se falar em responsabilidade objetiva quando no âmbito da responsabilidade civil e para fins de reparação ou indenização.


Apenas a título de complementação, vale trazer para o âmbito deste estudo algumas considerações de cunho civilista no tocante à doutrina da responsabilidade subjetiva. Vejamos:


De acordo com Caio Mário da Silva Pereira[22],


“Em face do artigo 159 do Código Civil[23], o elemento subjetivo do ato ilícito, como gerador do dever de indenizar, está na imputabilidade da conduta à consciência do agente. Todo aquele que, por ação voluntária, diz o artigo, a significar que o agente responde em razão de seu comportamento voluntário, seja por ação seja por omissão.” (Grifos do autor)


Para Washington de Barros Monteiro, a responsabilidade subjetiva “pressupõe sempre a existência de culpa (lato sensu), abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar), e a culpa (stricto sensu), violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar[24].


Preocupado com a ausência do conceito de culpa na legislação, Caio Mário formulou o seguinte conceito: culpa é um “erro de conduta, cometido pelo agente que, procedendo contra direito, causa dano a outrem, sem a intenção de prejudicar, e sem a consciência de que seu comportamento poderia causá-lo”. E continua: “o conceito de culpa é unitário, embora a sua ocorrência possa dar-se de maneiras diversas” [25].


Feitas estas considerações, vale dizer, na seqüência, que a responsabilidade administrativa por dano ambiental deverá ser apurada, necessariamente, por meio de um processo administrativo (artigo 71 da Lei 9.605/98[26]), respeitando-se o contraditório e a ampla defesa em estrita observância do princípio insculpido no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal e ao § 4º do artigo 70 da Lei 9.605/98. Respeitando-se, sobretudo, o princípio da legalidade, não podendo haver sanção sem que esta esteja prevista em lei, conforme nos ensina Toshio Mukai: “pelo princípio da legalidade, antes de se atuar, há que se legislar”[27].


O artigo 72 da Lei 9.605/98 estabelece os tipos de sanções que podem ser aplicadas em matéria ambiental, quais sejam: advertência (inc. I), multa simples (inc. II), multa diária (inc. III), apreensão de animais, produtos ou subprodutos de fauna e flora (inc. IV), destruição ou inutilização de produtos (inc. V), suspensão de venda e de fabricação do produto (inc. VI), embargo de obra ou atividade (inc. VII), demolição de obra (inc. VIII), suspensão parcial ou total de atividades (inc. IX), sanção restritiva de direitos (inc. X).


Na prática, a caracterização da intencionalidade do agente não é fácil e há quem afirme que, em razão desta dificuldade de se demonstrar a culpabilidade, haveria uma presunção de culpabilidade em desfavor do agente[28]. Entretanto, esta discussão não será desenvolvida aqui por razão bastante simples: este estudo tem a intenção de ser breve e, não sendo esta a matéria central da presente análise, deixaremos para abordá-la em outra oportunidade.


Em resumo, então, pode-se dizer que a responsabilidade administrativa ambiental se diferencia da responsabilidade civil ambiental porque:


1. A responsabilidade administrativa se caracteriza pela imposição de uma sanção administrativa ao agente causador do dano ambiental, sanção esta que é expressão do ius puniendi do Estado, exercício do Poder de Polícia desencadeado pela infração às normas ambientais praticadas pelo agente; enquanto a responsabilidade civil ambiental se caracteriza pelo caráter reparatório, objetivando a recomposição do status quo do meio ambiente danificado – quando for possível – ou a indenização pelo dano provocado, o que deverá ser apurado através de um processo judicial de natureza civil, de competência do Poder Judiciário;


2. A responsabilidade administrativa ambiental, dentro da classificação dos tipos de responsabilidade, é extracontratual subjetiva, sendo esta a regra adotada pelo ordenamento pátrio; a responsabilidade civil ambiental, por sua vez, é objetiva, por força do artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/81, tendo o ordenamento consagrado, excepcionalmente neste ponto, a teoria da responsabilidade civil objetiva, independente da comprovação de culpa ou dolo. Tal mudança foi sugerida por Toshio Mukai: “Essa idéia foi de nossa autoria, quando efetuamos sugestões ao então projeto de lei, que nos foi solicitado para exame, no sentido de apresentarmos sugestões, pela então existente SEMA”[29].


4. DA COMPETÊNCIA PARA A APLICAÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS


Conforme já explicitado, a responsabilidade administrativa por dano ambiental caracteriza-se pela imposição de uma sanção administrativa ao agente causador do dano ambiental. Tal sanção é a expressão do ius puniendi do Estado, exercício do Poder de Polícia desencadeado pela infração às normas ambientais.


Vale lembrar que a proteção do meio ambiente, pelo Poder Público, se faz através do exercício do poder de polícia, que se desenvolve em duas fases: a preventiva (licenças, autorizações) e a repressiva (aplicação de sanções).


Para Toshio Mukai[30], poder de polícia


“é a faculdade, inerente à Administração Pública, mais rigorosamente, ao Poder Público, que estes detém, pelo só fato de assim se constituírem, para restringir e disciplinar as atividades, o uso e gozo de bens e de direitos, bem como as liberdades dos administrados, em benefício da coletividade.”


O Brasil é uma federação, razão pela qual, aqui, o exercício do poder de polícia é distribuído entre os diversos níveis federativos. Hely Lopes Meirelles[31] assim interpretou a distribuição constitucional da competência para o exercício do poder de polícia administrativa:


“Em princípio, tem competência para policiar, a autoridade que dispõe do poder de regular a matéria. Assim sendo, os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional sujeitam-se às normas e à polícia estadual, e os assuntos de interesse local subordinam-se aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal.


Todavia, como certas atividades interessam simultaneamente às três entidades estatais, pela sua extensão a todo território nacional (v.g., saúde pública, trânsito, transporte etc.) o poder de regular e de policiar se difunde entre todas as Administrações interessadas, provendo cada qual nos limites de sua competência territorial. A regra, entretanto, é a exclusividade do policiamento administrativo; a exceção é a concorrência desse policiamento.”


Celso Antônio Bandeira de Mello[32] também ensina que “como critério fundamental, procede o dizer-se que é competente para dada medida de polícia administrativa quem for competente para legislar sobre a matéria”, nesse tocante seguindo os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles.


Adiante, ele discrimina essas competências:


“Assim, a União exercerá em caráter exclusivo polícia administrativa sobre o que estiver arrolado no art. 22 da Constituição e concorrentemente com Estados e Distrito Federal sobre o que consta do art. 24. Estados irão exercitá-la em caráter exclusivo nas hipóteses abrigáveis no § 1º do art. 25 ou em concorrência com a União nas do art. 24, precitado. Municípios têm seu campo exclusivo de polícia administrativa no que disser respeito ao seu peculiar interesse, notadamente sobre as matérias previstas no art. 30”[33].


Quanto à competência concorrente, entende este autor que esta existirá quando o interesse das pessoas políticas diferentes se justapõe[34]. Entretanto, neste tocante, Toshio Mukai faz uma importante distinção: na competência concorrente há apenas o direito de legislar, como se vê do art. 24 em relação aos Estados, ao Distrito Federal e à União (sendo que ao Distrito Federal cabe legislar concorrentemente).


Nos filiamos à posição de Toshio Mukai[35], quando este defende que o artigo 23 da Constituição Federal não disciplina a competência para o exercício do poder de polícia, mas apenas


“questões de administração ambiental, no sentido de solucionar, com recursos financeiros e pessoal, os problemas ambientais que envolvam elaboração de obras, tais como estações de tratamento de resíduos sólidos, etc.”


O autor é muito claro ao afirmar, sobre o referido artigo 23:


“(…) Foi intenção do constituinte dispor atribuições de ordem administrativa, pois não se utilizou da expressão “legislativa”. (…) Não pode haver atuação a título de exercício do poder de polícia, posto que este tipo de competência só cabe no âmbito privativo de cada ente federativo[36].”


Expliquemos: segundo Toshio Mukai, o artigo 23 visa dar efetividade ao federalismo cooperativo, já que o seu parágrafo único dispõe que


“(…) lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional.”


A exigência de lei complementar e a inexistência desta até o momento não impede o pleno exercício deste tipo de competência, segundo o autor:


“Não cabe aqui falar em exercício do poder de polícia, em autuações, em aplicações de multas e penalidades. Neste tipo de competência, de acordo com o vetor disposto no parágrafo único do art. 23, só cabe atuação compartida, ou seja, em termos de cooperação[37].”


Desta forma, a competência para o exercício do poder de polícia se encontra no Poder Constitucional de regular a matéria[38]. Para Toshio Mukai,


“o constituinte, ao imaginar que haveria diferenças substanciais entre as competências administrativas e legislativas, portanto, entre o art. 23 e o art. 24, excluiu propositadamente o Município do art. 24, dizendo competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal, legislar concorrentemente sobre diversas matérias que elenca em 16 incisos (art. 24).


Contudo, permitiu que o Município suplementasse a legislação federal e a estadual no que coubesse (inc. II do art. 30); aqui, trata-se de o Município dar continuidade à legislação existente, federal ou estadual.


Assim, o Município pode legislar, p. ex., sobre proteção do meio ambiente (inc. VI), suplementando a legislação federal e estadual, em âmbito estritamente local[39].”


No âmbito da legislação concorrente, portanto, há uma hierarquia de normas, prevalecendo a lei federal sobre a lei estadual e a municipal, e a lei estadual sobre a municipal. Esta prevalência, é importante ressaltar, não significa desrespeitar o princípio federativo da autonomia dos entes políticos, ou seja: a União não pode, de modo algum, determinar a Estados e Municípios que ajam ou se abstenham de agir em determinado sentido, sob pena de inconstitucionalidade da lei federal que o faça.


Toshio Mukai, com a sua costumeira objetividade, explica a referida hierarquia:


“A única hierarquia existente na competência concorrente é esta: o Município, na sua legislação, terá que observar as normas gerais válidas da União e dos Estados; estes terão de observar, não podendo contrariar, as normas gerais dirigidas ais particulares, da União[40].”


Afirma, por fim, que os Estados têm competência plena, por força do § 3º do artigo 24, na hipótese de omissão legislativa da União, e mesmo que haja normas gerais federais, desde que as respeite (§ 4º). Podem ainda os Estados legislar normas gerais, suplementarmente à União, em matéria concorrente, por força dos §§ 1º e 2º do mesmo dispositivo[41].


Observação que entendemos importante deixar aqui é a de que a omissão do exercício do poder de polícia é infração administrativa, nos termos do artigo 70, § 3º da Lei 9.605/98[42] e, ainda, ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11, inciso II da Lei 8.429/92[43], ensejador de co-responsabilidade e até perda do cargo pelo funcionário omisso. Lembremos-nos, entretanto, que a caracterização da improbidade administrativa exige a conduta dolosa do agente.


5. O PRINCÍPIO DO NON BIS IN IDEM NA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANO AMBIENTAL


O princípio do Non Bis in Idem em matéria ambiental está insculpido no artigo 76 da Lei 9.605/98, que dispõe: “Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência”.


Confirma-se, ainda, pelo artigo 8º do Decreto nº 3.179, de 1999, cujo texto é o seguinte:


“Art. 8o  O pagamento de multa por infração ambiental imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a aplicação de penalidade pecuniária pelo órgão federal, em decorrência do mesmo fato, respeitados os limites estabelecidos neste Decreto.”


A interpretação dos dispositivos transcritos indica no sentido da impossibilidade de exercício paralelo e sobreposto do poder sancionador por parte de órgãos ambientais distintos, ou seja, impossibilidade de atuação simultânea dos entes federativos em razão de uma mesma conduta e um mesmo dano.


Assim, a autuação e a sanção devem ser únicas, assim como o é a pretensão punitiva do Estado. Isto porque a atuação dos órgãos ambientais, sejam estes federais, estaduais ou municipais, é regida por um só sistema, o SISNAMA, com fundamento no artigo 6º da Lei 6.938/81[44].


Para Ricardo Carneiro:


“Em concreto, a atuação simultânea das diversas instâncias federadas em relação a um mesmo empreendimento invariavelmente gera enorme insegurança jurídica, vez que, em tese, qualquer atividade fica submetida ao crivo da fiscalização e eventual sancionamento por parte de órgãos ambientais federais, estaduais, distritais ou municipais.


De resto, o exercício paralelo e indiscriminado do poder de polícia, co contrário do que poderia à primeira vista parecer, significa, na verdade, dispêndio desnecessário e inconveniente de esforços e recursos públicos, contrariando o princípio da eficiência administrativa consignado no caput do art. 37 da Carta Magna[45].”


Afirma, ainda, o autor:


“(…) o exercício do poder de polícia deve considerar o interesse preponderante de cada um dos entes políticos integrantes da federação, além de prestigiar a extensão geográfica do impacto ambiental ou da atividade sujeita a controle, cabendo ipso facto à União cuidar das questões de âmbito nacional ou que envolvam mais de um Estado-membro; aos Estados as matérias de espectro regional, e aos municípios as de contorno estritamente local[46].”


Paulo de Bessa Antunes corrobora este entendimento, afirmando:


“Se se admitisse que os órgãos públicos de diferentes esferas federativas pudessem, a seu talante, embargar, paralisar e contestar atividades que se encontram autorizadas regularmente pelos demais integrantes do SISNAMA, no uso normal e legal de suas atribuições, o sistema se tornaria completamente inviável. Aliás, a própria criação do Sisnama tem por finalidade última a organização de atribuições diferenciadas e a descentralização administrativa de forma cooperativa e harmônica[47].”


Conclui-se, por fim, que o poder de polícia deve ser exercido por um só órgão integrante do SISNAMA, não podendo a mesma conduta causadora de danos ao meio ambiente ser punida em diferentes esferas da Federação, especialmente em obediência ao princípio federativo, constitucionalmente garantido. Aí está a expressão do princípio do Non Bis in Idem no âmbito do Direito Ambiental.


CONCLUSÃO


Apesar da responsabilidade por danos ambientais poder se dar em três diferentes esferas (a civil, a administrativa e a penal), muita confusão ainda se faz, no entanto, quando se trata de diferenciar a responsabilidade civil por dano ambiental, objetiva, e a responsabilidade administrativa por dano ambiental, subjetiva.


Neste breve estudo, identificamos alguns elementos que diferenciam a responsabilidade administrativa ambiental da responsabilidade civil ambiental, dentre os quais:















Responsabilidade Administrativa


por dano ambiental



Responsabilidade Civil


por dano ambiental



Característica: aplicação de sanção administrativa pelo órgão competente ao agente causador do dano ambiental, o que constitui exercício do poder de polícia repressivo do Estado. Deve ser apurada em processo administrativo (artigo 71 da Lei 9.605/98);



Característica: caráter reparatório objetivando a recomposição do status quo do meio ambiente danificado, se esta for possível, ou indenização pelo dano provocado, que deve ser apurada em processo judicial de natureza civil, de competência do Poder Judiciário;



Responsabilidade extracontratual subjetiva dependente de prova da intencionalidade do agente (dolo ou culpa).



Responsabilidade objetiva (independente da comprovação de culpa ou dolo do agente) por força do artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/81.




Foram abordadas, ainda, duas outras questões que permeiam o tema: a competência para a imposição de sanções administrativas e o princípio do non bis in idem na responsabilidade administrativa por dano ambiental.


De modo bastante sucinto, competente para impor sanção administrativa – ou seja, para exercer o poder de polícia repressivo – é a autoridade que possuir competência constitucional para regular a matéria ambiental. E uma vez aplicada uma sanção por órgão de uma das unidades federativas, nenhuma outra sanção poderá ser aplicada em razão do mesmo evento danoso, por qualquer outro órgão do SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente. A sanção deve ser única, pois assim o é a pretensão punitiva do Estado.


 


Bibliografia

AGRELLI, Vanusa Murta. Coletânea de Legislação Ambiental. Vol. 2. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

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MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. Doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição de 1988. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

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SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

TAPAI, Gisele Melo Braga (coord). Novo Código Civil Brasileiro. Lei 10. 406, de 10 de janeiro de 2002. Estudo Comparativo com o Código Civil de 1916. Prefácio do Prof. Miguel Reale. São Paulo: RT, 2002.

 

Notas:

[1] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 846/847.

[2] CARNEIRO, Ricardo. Responsabilidade Administrativa Ambiental: Sua Natureza Subjetiva e os Exatos Contornos do Princípio do Non Bis In Idem. In: WERNECK, Mario. et. al. (Coord.). Direito Ambiental Visto por Nós Advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 586.

[3] “Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade (…)”.

[4] No Código anterior (1916), este artigo correspondia ao Artigo 159: “Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

[5] CARNEIRO, Ricardo. Responsabilidade Administrativa Ambiental: Sua Natureza Subjetiva e os Exatos Contornos do Princípio do Non Bis In Idem. In: WERNECK, Mario. et. al. (Coord.). Direito Ambiental Visto por Nós Advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 589.

[6] Exemplos podem ser encontrados nos seguintes dispositivos constitucionais: i) artigo 21, inciso XXIII, alínea “c” (responsabilidade no caso de danos nucleares); artigo 37, § 6º (responsabilidade por danos causados pelo estado na prestação de serviços públicos).

[7] CARNEIRO, Ricardo. Op. cit., p. 590.

[8] CARNEIRO, Ricardo. Op. cit., p. 592.

[9] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. Doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 260.

[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 301.

[11] SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. Vol. 1. São Paulo: RT, 2004, p. 682.

[12] Boas referências históricas sobre a evolução da teoria da responsabilidade administrativa podem ser encontradas na obra de SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. Vol. 1. São Paulo: RT, 2004, p. 682/684.

[13] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 302.

[14] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 823 e ss.

[15] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 826.

[16]Ibid., p. 831.

[17] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 317.

[18] Ibid., p. 319.

[19] Ibid., p. 320.

[20]Ibid., p. 321/322.

[21] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 322.

[22] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição de 1988. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 33.

[23] Caio Mário refere-se ao dispositivo do Código Civil de 1916, que encontra seu equivalente no Código Civil de 2002 no artigo 186.

[24] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. 5. p. 386, In:  PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição de 1988. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 69.

[25] PEREIRA, Caio Mário Mário da Silva. Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição de 1988. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 69/70.

[26] “Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os seguintes prazos máximos: I – vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação; II – trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação; III – vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação; IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação”.

[27] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 19.

[28] Neste sentido, ver Ricardo Carneiro e Edis Milaré, obras anteriormente citadas.

[29] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2004, p. 61.

[30] Ibid, p. 89.

[31] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Ed.Malheiros, 2000, p. 121.

[32] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 821.

[33] Ibid, p. 821.

[34] Ibid, p. 822.

[35] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2004, p. 20.

[36] Ibid, p. 19/20.

[37] MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 20.

[38] Ver: Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello.

[39] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 20.

[40] Ibid., p. 21.

[41] Ibid, p. 21.

[42] “Art. 70. (…) § 3º. A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade”.

[43] “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (…) II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; (…)”.

[44] “Art. 6º. Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA (…)”.

[45] CARNEIRO, Ricardo. Responsabilidade Administrativa Ambiental: Sua Natureza Subjetiva e os Exatos Contornos do Princípio do Non Bis In Idem. In: WERNECK, Mario. et. al. (Coord.). Direito Ambiental Visto por Nós Advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 597.

[46] CARNEIRO, Ricardo. Op. cit., p. 597.

[47] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 110.


Informações Sobre o Autor

Ana Cândida de Mello Carvalho Mukai

Advogada. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Especialista em Contratos pela PUC-SP. Membro do escritório Mukai Advogados Associados. Membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. Co-autora da Obra “Saneamento Básico: Diretrizes Gerais. Comentários à Lei 11.445 de 2007″, Editora Lumen Juris. Autora do Blog “Direito Público.com” (http://direitopublicopontocom.blogspot.com).


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