Resumo: A presente obra aborda a prescrição penal sob a visão das teorias do delito, dirigindo-se a atualizar o seu conceito e aplicá-la aos casos em que se afigurem necessários, de modo que o referido instituto ganhe mais relevo com relação ao tempo em que foi assunto de severas críticas. Além disso, será conduzida de forma menos radical possível, mas sempre apoiada em argumentos de autoridades jurídicas, a fim de interligá-la às teorias que conceituem o injusto penal, acrescendo ao seu conteúdo inovadoras perspectivas acerca da finalidade da pena, sempre objetivando emoldurá-la às novas necessidades da sociedade hodierna. Ademais, será explicitado o emprego da prescrição penal no campo prático forense, muitas das vezes, tema este tormentoso para os estudantes de Direito, em especial, àqueles que não têm tanto traquejo nesta seara, sem se esquecer, é claro, do seu modo de contagem de prazo; dos seus aspectos peculiares, dentre as modalidades de prescrição do ordenamento jurídico brasileiro – punitiva e executória – e, ainda, trazendo à baila fundamentos que explanem o seu nascedouro até a sua aplicação nos casos concretos. Conclui definindo a sua importância para o Direito Penal e sua modificação frente à nova realidade da sociedade brasileira, de modo a facilitar à sua aplicação e, consequentemente, atenuar os inúmeros processos que atolam o judiciário brasileiro.
Palavras-chave: Prescrição Penal. Teorias do delito. Direito Penal. Atualização. Necessidade. Sociedade.
Resumen: Este trabajo se centra en la prescripción penal desde la perspectiva de las teorías de la delincuencia, dando vuelta al día su concepto y aplicarlo a los casos que puedan ser necesarios, por lo que el Instituto recibe más alivio con respecto al momento en que fue objeto de severas críticas. Además, llevará a cabo de una manera menos radical, pero siempre con el apoyo de los argumentos de las autoridades judiciales con el fin de interconectar a las teorías que conceptualizan el penal injusto, añadiendo a su contenido pensamiento innovadoras sobre el propósito del castigo, siempre con el objetivo de marco a las necesidades cambiantes de la sociedad actual. También se explicó el uso de la prescripción de la práctica forense penal en el campo, a menudo el tema de este tormentoso estudiantes de derecho, especialmente aquellos que no son tan la práctica en este ámbito, sin olvidar, por supuesto, su forma de Cálculo del tiempo, sus características peculiares, entre las modalidades de prescripción de la legislación brasileña – punitivas y de obligado cumplimiento – y también la educación de las fundaciones que le explicará su inicio hasta su aplicación en casos concretos. Concluye mediante la definición de su importancia para el Derecho Penal y su modificación por la nueva realidad de la sociedad brasileña, con el fin de facilitar su aplicación y, en consecuencia, reducir muchos casos que pesan en poder judicial brasileño.
Palabras clave: Prescripción Penal. Las teorías de la delincuencia. Derecho Penal.Update. Necesidad. Sociedad.
Sumário: Introdução. 1.aspectos históricos acerca da prescrição penal. 2. Funcionalismo penal. 3. Prescrição penal. 3.1. As principais teorias fundamentadoras da prescrição penal. 3.1.1. Teoria do esquecimento. 3.1.2. Teoria da expiação moral do criminoso. 3.1.3. Teoria da emenda.3.1.4. Teoria da dispersão das provas. 3.1.5. Teoria da presunção da negligência. 4. Tipos e efeitos da prescrição penal no direito pátrio. 4.1. Prescrição da pretensão punitiva. 4.1.1. Prescrição em abstrato. 4.1.2. Prescrição retroativa. 4.1.3. Prescrição intercorrente. 4.2 Prescrição executória. 5. Prescrição funcionalista. 5.1. Prescrição antecipada ou virtual. 6. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O tema a ser tratado é a prescrição penal sob o panorama das teorias do delito. Trata-se de um assunto que se caracteriza como habitual e provecto e, ao mesmo tempo, instigante e hodierno, para os operadores do direito. Revelando-se como uma das matérias que mais provocam celeumas na comunidade jurídica e traz consigo peculiaridades intertemporais.
A prescrição penal é um instituto jurídico que se originou no Direito Romano, sendo um dos mais antigos na história do Direito Penal, eis que surgira em data anterior ao nascimento de Cristo, perpassando a idade média, donde se sucederam várias críticas de jurisconsultos clássicos de grande tomo, como BECCARIA, BENTHAM, GARÓFALO e FERRI, todos a espezinharam em razão de sua fragilidade de adequação no ordenamento jurídico, isto é, não havia proporcionalidade na sua aplicação aos crimes da época.
Hodiernamente, a prescrição penal vem sofrendo inúmeras mudanças, seja no campo legislativo, seja no modo de interpretação realizada pelo judiciário brasileiro, de maneira que o supracitado instituto mereça um olhar mais atualizado, interligando com as teorias do delito, a fim de que se coadune com a nova sistemática do Direito Penal moderno e supra as necessidades do interesse da sociedade com relação aos fatos que perturbem o bem-estar social.
O presente trabalho irá analisar a prescrição penal não só sob suas feições peculiares, mas também combiná-la com institutos que desmistificam o delito, tanto nos aspectos metodológicos quanto epistemológicos, de modo a encontrar novos caminhos para os operadores do direito. Outrossim, trará à baila as últimas interpretações dos Tribunais Superiores e as novas normas promovidas pelo legislativo acerca da prescrição penal.
Pode-se dizer que a denominada prescrição virtual se consagrou através da teoria funcionalista, que tem como objetivo conceituar delito, destacando-se o Direito Penal numa visão aberta, ao revés, do pensamento de outras teorias do delito, que pugnam por um panorama fechado, unicamente formal, delineando o crime, exclusivamente, no quê a lei prevê. No entanto, consoante será visto, a prescrição antecipada, que chegou a vingar no direito pátrio, cujo fundamento se norteou através dos princípios constitucionais da economia e da celeridade processual, veio a ser subjugada no terreno jurídico, visto que os Tribunais Superiores preteriram sua aplicação por entender que afetava o princípio da individualização da pena.
Em vista disso, o presente trabalho esmiuçará o tema em pauta, questionando estas decisões dos Tribunais de superposição, mas sempre com base científica e apoiado em pensamentos de jurisconsultos de tomo que perfilhem da mesma forma.
Também proporá uma análise desarraigada do formalismo do Direito, tratando a prescrição penal como instituto a ser modificado, como foi, paulatinamente, desde a sua criação no período de antanho. Desta forma, é digna de continuidade a sua crescente evolução.
Não obstante, necessário não se apensar totalmente ao liberalismo, a fim de que se evite insegurança jurídica ao sistema penal brasileiro. Com efeito, deve-se sopesar o formalismo juntamente com a visão aberta do Direito Penal, não prescindindo das regras impostas pelo ordenamento jurídico pátrio, até porque nosso sistema romano-germânico é positivista, e não como o anglo-saxão, que é regido pelo common law.
1. ASPECTOS HISTÓRICOS ACERCA DA PRESCRIÇÃO PENAL
Têm-se notícia que o texto de lei mais antigo acerca do instituto jurídico prescrição penal surgiu no direito romano através da Lex Julia de Adulteriis no século XVIII a.C., “com o objetivo de que os processos penais não se dilatassem excessivamente nos seu prazos”.[1] Esta lei se referia ao crime de adultério, traçando o prazo prescricional de cinco anos em virtude de aspectos religiosos que em determinada época o acusado deveria estar imaculado.
“A escolha do prazo qüinqüenal, segundo relatam os historiadores, ocorreu em decorrência das festas lustrais comemoradas a cada cinco anos. Fulcrada na idéia de perdão e da purificação do homem, a festa lustral impedia a punição do delinqüente, visto que purgado pelo tempo. O tempo, segundo os romanos, não só isentava os indivíduos, ou as cidades, lavando-lhes as culpas religiosas, por meio das festas lustrais, mas também bastava para a expiação do criminoso”.[2]
A prescrição penal passou-se, então, a se estender no tempo, integrando vários ordenamentos jurídicos, ou seja, o presente instituto se eternizou após a sua criação pelo Direito Romano, como vários outros institutos jurídicos que se originaram deste clássico sistema. “O desenvolvimento do instituto da prescrição processou-se lentamente, através dos séculos, sendo admitido no direito germânico e de outros povos”.[3]
No entanto, havia no direito romano alguns crimes que ficavam intangíveis aos prazos prescricionais, visto serem delitos que à época eram considerados horrendos, de grande reprovação da sociedade, v.g., parricídio, lesa-majestade, moeda falsa. Destarte, eram crimes não sujeitos à prescrição penal, isto é, imprescritíveis.
O célebre jurista Cesare Beccaria era contra a prescrição no que tange a certos delitos, conforme segue:
“Quando se trata de crimes horrendos, cuja lembrança perdura por muito tempo na memória dos homens, se os mesmos forem provados, não deve ocorrer qualquer prescrição em favor do culpado que se subtrai ao castigo pela fuga. Tal não é, contudo, o caso dos crimes ignorados e pouco importantes: é necessário determinar um prazo após o qual o criminoso, bastante punido pelo exílio voluntário, possa retornar sem temer novos castigos.”[4]
Ademais, o referido instituto, no decorrer do tempo, modificou-se, inovando com relação às modalidades de prescrição penal, pois no período de sua criação, a legislação de antanho se referenciava, tão-somente, ao que se conhece hodiernamente como prescrição em abstrato, logo, não subsistia a denominada prescrição em concreto. Esta erige através do Código Penal Francês de 1791. “A Revolução Francesa parece ter favorecido êsse acontecimento. Outros países, em seguida, adotaram essa outra espécie de prescrição”.[5]
Cabe salientar que a prescrição quase foi abolida do sistema jurídico penal da Idade Média, tendo em vista que neste período se reduziram drasticamente os prazos prescricionais, fazendo com que muitos acusados ficassem impunes em razão do decurso do lapso prescricional que era diminuto. Em decorrência disso, emergiram várias vozes contra o supramencionado instituto, pois se revelou de modo negativo em virtude da constante impunidade que acobertavam os acusados, exortando-os a reiterarem a prática de atos ilícitos.
Com efeito, os jurisconsultos da época ampliaram os prazos prescricionais, mas de maneira errônea, visto que o albergaram, indiscriminadamente, de modo fixo, não subsistindo proporcionalidade entre os delitos. “A legislação Toscana nos idos de 1562-1563 é a maior prova da desproporcionalidade entre os prazos prescricionais e as condutas delituosas”.[6]
Já com passar dos anos, a prescrição penal adquiriu novas concepções, diminuindo gradativamente o prazo prescricional, desde que também o acusado, durante aquele período, demonstrasse bom comportamento, ou seja, se estava ressocializado, apto para conviver em sociedade; semelhante, ao que temos atualmente, aos institutos jurídicos do livramento condicional e do sursis. Esta maneira de pensar foi abarcada pela teoria da emenda, que será objeto de estudo no presente trabalho.
No entanto, mesmo nos códigos penais mais modernos, v.g., a legislação inglesa, o instituto da prescrição penal foi veementemente repelido, pois entendiam que o ius puniendi do Estado não era em prol da sociedade, e sim ao rei.
“A máxima dominante de que nullum tempus occurrit regi, corolário do princípio de que as acusações criminais são intentadas em nome do rei, para quem não corre o tempo, permitiu processos muitos anos depois de cometido o crime”.[7]
No Brasil, a prescrição penal só adquiriu corpo no ordenamento jurídico pátrio através do Código Criminal do Império do Brasil no ano de 1830, especificamente, em seu artigo 65 “As penas impostas aos réos não prescreverão em tempo algum”.[8]
Vale ressaltar que até a supracitada data não existia na legislação pátria o instituto jurídico ora em estudo, de modo que se passaram as regras indígenas, as Ordenações do Reino, Afonsinas, Manuelinas, Filipinas e o Direito do Brasil-Holandês.
Em relação aos povos indígenas existiam normas entre eles, isto é, pode-se falar, sem sombra de dúvidas, que o Direito Consuetudinário Indígena regrava a vida dos índios, logo, entre eles subsistiram algumas noções de Direito. “O direito, como um todo, e também o direito penal, era encontrável na consciência dos índios, e que, forjado nos costumes e tradições, era sempre religiosamente respeitado.” [9]
Em que pese este direito ainda ser rústico, pois os índios, pertencentes de uma sociedade ainda primitiva, exerciam o ius puniendi em razão da vingança privada, onde o ofendido ou membros de sua família reagiam imediatamente contra a ofensa promovida pelo ofensor, ou seja, atributo este que persistira em período remoto, anterior a Lei de Talião. “A primeira limitação ao exercício da vingança privada deveu-se à fixação diferente de graus de mal, isto é, de castigo, permitindo retribuir ao ofensor o dano sofrido. Esta possibilidade era prevista na Lei de Talião…”[10].
Destarte, o instituto da prescrição penal era totalmente desconhecido pelos índios, uma vez que não havia controle estatal. Em consonância com as pesquisas realizadas pelos nossos historiadores:
“Uma importante particularidade do direito costumeiro dos nossos índios era o total desconhecimento do instituto da prescrição. Os nossos historiadores, no geral, apontam que a vingança não era esquecida, ou seja, não esqueciam os nossos indígenas dos delitos praticados e nem das penas que deviam ser impostas.”[11]
Já nas Ordenações, que permearam no ordenamento jurídico brasileiro por várias décadas, permaneceu ausente o instituto da prescrição penal. Até porque, não vigia a época o princípio da legalidade, ou seja, perseverou a figura do tirano, existindo assim as penas arbitrárias. Como bem salientado,
“Nas Ordenações não vigia o que hoje denominamos de princípio da legalidade: nullum crimen nulla poena sine lege. Por tal razão, compreende-se que para alguns delitos fosse cominada a chamada pena crime arbitrária, exatamente aquela que ficava ao talante do julgador, que a fixava como “lhe bem, e direito parecer, segundo a qualidade da malícia, e a prova que dela houver” (Livro V, Tit. CXVIII, parágrafo 1º – Ordenações Filipinas).”[12]
A regulamentação da prescrição penal ocorreu com o Código de Processo Criminal de 1832, variando de um a dez anos, conforme a natureza do crime e/ou se o acusado estava ausente ou presente no lugar em que se tramitava o processo.
“Os prazos de um e três anos eram aplicáveis aos crimes e contravenções de julgamento definitivo dos juízes de paz, sendo o de um ano para os presentes e o de três para os ausentes, em lugar sabido. Para os delitos afiançáveis, o prazo era de seis anos, quando o delinqüente estava presente, sem interrupção no termo da culpa. Para os mesmos crimes quando o agente estivesse ausente, em lugar conhecido, dentro do Império, o prazo passaria para dez anos, também de dez anos era o prazo prescricional para os delitos inafiançáveis, quando o delinqüente estivesse no lugar da culpa ( arts. 54,55 e 56).”[13]
Quanto à prescrição em concreto ela só tomou corpo, no ordenamento jurídico brasileiro, com o Decreto n.º 774, de 20 de setembro de 1890. Este diploma legal abarcou várias benesses aos acusados, ou seja, era de cunho extremamente liberal para época, conforme lição do Profº. Aloysio de Carvalho Filho:
“Êsse dec. n.º 774, como se sabe, é notável diploma liberal: abolia a pena de galés, reduzia ao máximo de 30 anos as penas perpétuas, mandava computar, na execução da pena, o tempo da prisão preventiva. A prescrição das penas, desconhecida, até então, no nosso direito, é uma das mostras do seu sentido liberal.”[14]
Como foi dito anteriormente, sempre se mantiveram em discussão a imprescritibilidade de alguns crimes. No direito romano, não estavam sujeitos a prescrição os crimes de apostasia (abandono de religião), parto suposto e parricídio. Beccaria foi uma das vozes da idade média a levantar a imprescritibilidade acerca dos delitos considerados horrendos.
Já no Brasil não foi diferente, pois no Código Penal de 1890, através da lei n.º 515, de 3 de novembro de 1898, estipulou que certos delitos eram imprescritíveis.
“a não-prescrição do crime de moeda falsa, quando o réu domiciliado ou homiziado no estrangeiro, princípio que o dec. n.º 4.780, de 27 de dezembro de 1923, repetiria no art. 53, e o dec. n.º 4.811, de 29 de setembro de 1924, estenderia, pelo art. 3.º, aos crimes políticos definidos nos arts. 107 a 118 do Código”
Hodiernamente, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 5º, incisos XLII e XLIV, a imprescritibilidade dos crimes de racismo e de ação de grupos armados contra a ordem constitucional e ao Estado Democrático. Isso porque, o legislador constituinte considerou que tais delitos afetam os institutos basilares da Carta Magna, merecendo assim reprovação social a qualquer tempo.
2. FUNCIONALISMO PENAL
O funcionalismo surge das críticas feitas ao neokantismo e finalismo, ligando-se fortemente com os ideais do neokantianos, mas com este não se confunde, pois primam por um sistema penal aberto, a fim de absorver acepções do meio social, mantendo-se sempre atualizado.
“No campo do Direito Penal, as bases funcionalistas remontam aos postulados advindos do neokantismo, contudo com ele não se confundindo pelo fato de o funcionalismo absorver do meio social as aspirações necessárias para manter-se atualizado e pronto a dar à sociedade uma resposta que melhor compatibilize os seus anseios; diferente pois do neokantismo, talhado a partir de uma base fechada, tendo como premissa maior o apriorismo dos conceitos e proposições.”[15]
O quê diferencia o funcionalismo do neokantismo são os conceitos dos institutos jurídicos penais, que se interligam entre si, tendo em vista que todos se dirigem para a mesma finalidade, que é a proteção dos bens jurídicos. Já no neokantismo, os conceitos são analisados de forma independente.
Outra dessemelhança refere-se à ligação do sistema jurídico com outras ciências sociais, esta peculiaridade é própria do funcionalismo penal.
“O funcionalismo pretende não apenas explicar o sistema jurídico, mas compor também uma análise global de todo o sistema social. O objeto do sistema social é evidentemente a ação humana. O fundamento da análise sistêmica reside justamente no fato de que as ações se vêem regidas por expectativas, as quais encontram nos sistemas seus marcos delimitadores, correspondentemente a diversas variáveis, das quais uma delas estaria constituída pelas normas jurídicas.”[16]
O funcionalismo teve grande importância no Direito Penal, em especial, com as vertentes de Claus Roxin – com o funcionalismo teleológico – e Günther Jakobs – funcionalismo sistêmico. Em ambos, a culpabilidade se apóia nos princípios da teoria dos fins da pena e o delito é visto como algo que traz danosidade a sociedade. Analisa-se o crime sob a perspectiva da tipicidade – através da imputação objetiva na ação e no resultado – e da responsabilidade – culpabilidade e necessidade preventiva da pena.
Para haver a imputação objetiva, examina-se um fato, correlacionando-o com a vontade do agente e o acontecimento causal. Desta forma, a ação, que tinha somente feição subjetiva – conforme teoria finalista – agrega-se uma face objetiva, que, por sua vez, verificará se houve a criação ou aumento de um risco juridicamente desaprovado. Outrossim, o resultado no tipo é analisado sob perspectiva da realização deste risco.
“A teoria da imputação objetiva complementa ambas as dimensões de desvalor com novos aspectos. O desvalor da ação, até agora subjetivo, mera finalidade, ganha uma face objetiva: a criação de um risco juridicamente proibido. Somente ações intoleravelmente perigosas são desvaloradas pelo direito. Também o desvalor do resultado é enriquecido: nem toda causação de lesão a bem jurídico referida a uma finalidade é desvalorada; apenas o será a causação em que se realize o risco juridicamente proibido criado pelo autor.”[17]
Destarte, se X querendo, intencionalmente, matar Y fala para ele pular de pára-quedas e este pula e morre em virtude da quebra do equipamento. Não há que se falar em fato típico, pois dizer a alguém para pular de pára-quedas, que é uma modalidade esportiva, não gera perigo nenhum. No entanto, para os finalistas, este mesmo exemplo, X cometeria um injusto penal, safando-se, tão-somente, na culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta diversa.
Com efeito, indaga-se, na ação do agente, se é um risco permitido ou não-permitido, sendo aquele quando se amolda às normas jurídicas – consoante entendimento de Jakobs – ou, em virtude de um juízo prévio de valoração – segundo pensamento de Roxin.
“Importa notar aqui que o risco permitido em Jakobs é construído sob uma perspectiva normativa. À diferença de Roxin, não há um momento prévio à valoração jurídica, em que se deve verificar se a conduta cria ou incrementa o risco de lesão ao bem jurídico”.[18]
Averigua-se, conforme pensamento de Roxin, a criação ou o aumento de um risco não permitido, mediante uma prognose póstuma objetiva, ou seja, um juízo de valor ex ante, dados conhecidos pelo observador objetivo – “homem prudente” situado no meio social que o agente reside – até a prática da ação, e ex post, valorada pelo julgador, após a conduta do agente. Vale ressaltar que inexistindo normas jurídicas para examinar o risco permitido ou não-permitido, Jakobs perfilha na mesma perspectiva de valoração de Roxin. Conforme ensinamento de Jakobs, “Mas, nos âmbitos em que não há regras de nenhum tipo (nem jurídicas, nem de outra natureza), a construção do papel toma como referência o padrão (standard) de comportamento de uma pessoa prudente”.[19]
“Prognose, porque é um juízo formulado de uma perspectiva ex ante, levando em conta apenas dados conhecidos no momento da prática da ação. Objetiva, porque a prognose parte dos dados conhecidos por um observador objetivo, por um homem prudente, cuidadoso – e não apenas por um homem médio – pertencente ao círculo social em que se encontra o autor. Póstuma, porque, apesar de tomar em consideração apenas os fatos conhecidos pelo homem prudente no momento da prática da ação, a prognose não deixa de ser realizada pelo juiz, ou seja, depois da prática do fato”.[20]
Portanto, uma vez produzido o resultado naturalístico, mas não transpondo os limites delineados pelo risco permitido, a ação torna-se atípica. Explica Bacigalupo:
“Os riscos que uma sociedade tolera, porque os considera necessários para o bem estar e desenvolvimento social, não podem ser alcançados pela tipicidade, que implica um primeiro elemento correspondente a uma perturbação intolerável da ordem social. A instalação de um reator atômico envolve sérios riscos, mas de modo algum pode ser considerada uma ação típica, posto que a sociedade o considera necessário para seu desenvolvimento”[21]
No modelo de Roxin, a ação é traduzida como exteriorização da personalidade do agente (teoria personalista da ação).
“A ação, entendida funcionalmente como exteriorização da personalidade, constitui um elemento básico e geral que abrange todas as formas de conduta delitiva (supraconceito). A ação omissiva (não-ação) é concebida, em princípio, como a falta de atuação corporal – uma pessoa inconsciente não pode realizar nada, tampouco pode omitir algo.”[22]
O paradigma de Jakobs acerca da ação é a teoria da evitabilidade individual, que se perfaz com possibilidade do agente em evitar o resultado, ou seja, ocorrendo um processo causal, verifica-se se o agente poderia evitar o evento danoso, mas está análise é averiguada já na ação, e não na culpabilidade, como é feita na teoria finalista, ao examinar a exigibilidade de conduta conforme o direito.
“A ação é, portanto, a expressão de um sentido. Essa expressão de sentido consiste na causação individualmente evitável, isto é, dolosa ou individualmente culposa, de determinadas conseqüências; são individualmente evitáveis aquelas causações que não seriam produzidas se concorresse uma motivação dirigida a evitar as conseqüências.”[23]
Roxin e Jakobs norteiam a culpabilidade sob o escopo dos fins da pena, mas a examinam de forma diversa, visto que aquele defende a prevenção geral positiva limitadora da pena, cujo campo de atuação delimita o ius puniendi estatal, no qual este só punirá quando ela for necessária, justa e proporcional com a gravidade da culpabilidade do agente. Outrossim, desde que não haja outra maneira de apaziguar o bem-estar social. Assevera Claus Roxin, os três efeitos principais de uma pena:
“Em primeiro lugar, o efeito de aprendizagem, que consiste na possibilidade de recordar ao sujeito as regras sociais básicas cuja transgressão já não é tolerada pelo Direito Penal; em segundo lugar, o efeito de confiança, que se consegue quando o cidadão vê que o Direito se impõe; e, por derradeiro, o efeito de pacificação social, que se produz quando uma infração normativa é resolvida através da intervenção estatal, restabelecendo a paz jurídica”.[24]
Já Jakobs abraça a ideia da prevenção geral positiva fundamentadora da pena, que tem como fito reafirmar as expectativas da norma, quando transgredidas, isto é, mostra às pessoas da sociedade que elas devem respeitar as regras jurídicas, obrigando-as a serem fiéis ao Direito, sob pena de se verem compelidas.
“A finalidade da pena é a manutenção estabilizada das expectativas sociais dos cidadãos. Essas expectativas são o fundamento das normas, ou seja, dos modelos de conduta orientadores do contato social. A pena, conseqüentemente, tem a função de contradizer e desautorizar a desobediência da norma. O direito penal, portanto, protege a validade das normas essa validade é “o bem jurídico do direito penal”.[25]
Cabe salientar que ambas as teorias, preventiva geral positiva limitadora e fundamentadora, tiveram seus anseios ligados às criticas da teoria mista ou eclética, que permeiam na maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo, inclusive no Brasil, no qual englobam as concepções da teoria absoluta ou retributiva e relativa (especial e geral), naquela a pena é fundada numa exigência de justiça, nesta procuram um fim utilitário para pena, de modo que na esfera especial tem o caráter de ressocialização do deliquente, já na feição geral “dirige-se à sociedade, tem por escopo intimidar os propensos a delinqüir, os que tangenciam o Código Penal” (grifo nosso).[26]
Em suma, o funcionalismo penal está tomando corpo na doutrina e na jurisprudência moderna, cada vez mais ganha novos adeptos à sua corrente. Não obstante, como toda teoria, tem suas falhas, que necessitam ser corrigidas, pois a supracitada concepção não tratou das consequências jurídicas do delito, dentre elas a prescrição penal. Porém, o presente trabalho elucubrará, apoiado em argumentos de autoridades jurídicas, a prescrição sob o olhar da teoria funcionalista, no capítulo apropriado para tal.
3. PRESCRIÇÃO PENAL
A prescrição penal é um dos institutos jurídicos mais antigos que ainda subsiste, visa a impedir que o Estado exerça o ius puniendi em virtude do decurso do tempo, consequentemente, caso não iniciada a persecução criminal por certo prazo, obsta também o exercício do ius persequendi.
Os jurisconsultos se divergem acerca da natureza jurídica da prescrição penal, uns entende que ela pertence ao direito material, outros discernem ser parte do direito instrumental e, por derradeiro, parte da doutrina afirma que a sua natureza é mista, isto é, tem relação tanto com o Direito Penal quanto com o Direito Processual Penal.
Primeiro será explicitado a diferença que reside entre direito substancial e adjetivo, conforme lição de Miguel Reale:
“O Direito Processual objetiva, pois, o sistema de princípios e regras, mediante os quais se obtém e se realiza a prestação jurisdicional do Estado necessária à solução dos conflitos de interesses surgidos entre particulares, ou entre estes e o próprio Estado. […] O Direito Penal estuda, mais propriamente, as regras emanadas pelo legislador com a finalidade repressiva do delito e preservativa da liberdade.”[27]
Com efeito, a prescrição penal acarreta o impedimento do ius puniendi estatal em razão do decurso do tempo, preservando a liberdade do indivíduo em virtude deste lapso temporal, acarretando consequências sobre a ação penal, que é instituto jurídico do Direito adjetivo. Desta forma, a natureza jurídica da prescrição penal é de direito material, pois, aloca-se neste e se reflete sobre a liberdade do agente. Esta é a posição dominante no direito pátrio, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Em vista disso, traz ao supramencionado instituto resultados de direito material, como, por exemplo, o termo inicial da contagem de prazo prescricional, consoante dispõem os artigos 111 e 112 do Código Penal, devendo incluir o dia do começo, conforme preceitua o artigo 10 do mesmo diploma.
Vale ressaltar ainda que, em decorrência de tal entendimento, caso advenha lei nova mais gravosa no que tange à prescrição penal, o indivíduo deverá se valer da lei antiga (art. 5º, XL, CF); e não experimentar os efeitos do princípio do processo penal – tempus regit actus -, que preceitua a aplicação imediata da lei nova (art. 2º, do CPP).
Insta salientar que tal primado já foi referendado pela jurisprudência em razão do advento da Lei n.º 9.271 de 17 de abril de 1996, que tratou de normas de processo penal, a qual, em seu bojo, continha o instituto jurídico da prescrição penal, denominam-se, pela doutrina, de normas processuais penais materiais. Desta forma, aos crimes ocorridos anteriormente à vigência da Lei n.º 9.271/96, aplica-se a regra da lei antiga, pois aquela é mais gravosa que esta, não havendo neste caso retroatividade da lei.
“O disposto no art. 366 do CPP, com a redação dada pela Lei 9.271/96 ("Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes…"), não deve ser aplicado às infrações penais cometidas antes da vigência da nova lei, visto que compreende norma processual mais benéfica — suspensão do processo contra o revel — e regra de direito penal mais gravosa — suspensão do prazo prescricional. Não opera, deste modo, o princípio da retroatividade da lei mais benéfica (CF, art. 5º, XL).”[28]
Em suma, embora seja um instituto muito antigo e, em muitas das vezes, é questionada a sua própria existência, ele repercute no Direito Penal com desígnio elevadíssimo.
Àqueles que contestam a existência da prescrição penal, por entender que ela cria um direito ao acusado, respalda-se em argumentos impróprios e sem base científica, sendo levados a pensamentos puramente emotivos. “O argumento não subsiste, pois o direito à prescrição não surge da prática do delito, mas da renúncia do Estado à punição”. [29]
3.1 AS PRINCIPAIS TEORIAS FUNDAMENTADORAS DA PRESCRIÇÃO PENAL
Em consonância com o quê foi dito anteriormente, a prescrição penal é um dos institutos jurídicos mais antigos no direito, erigida do Direito Romano, ela foi se aperfeiçoando ao longo do tempo até se estabelecer na maioria dos ordenamentos jurídicos contemporâneos.
Nesta subseção, será deslindada a razão do surgimento da prescrição penal, através de teorias que tentam explicar como esta se originou e por quais motivos ela foi contemplada no direito.
Cabe salientar que explanaremos só algumas teorias, tanto do período clássico quanto positivista, até porque o restante não há um silogismo válido, ficando a mercê de argumentos sem fundamentação ou já consubstanciados em outra teoria, isto é, tornam-se às ideias repetitivas.
Dentre as teorias fundamentadoras da prescrição penal, serão esclarecidas as seguintes: Teoria do Esquecimento, da Expiação Moral do Criminoso, da Emenda, do Transcurso do Tempo e da Presunção da Negligência. Isto porque, estas foram agasalhas pela maioria da doutrina estrangeira e brasileira, embora, muita das vezes, estes acumulam mais de uma teoria para fundamentá-la.
Ademais, tais teorias ligam-se intimamente com os fins da pena, mais precisamente com a teoria relativa, tendo em vista que a teoria absoluta ou retribucionista não se coaduna com a prescrição penal, pois aquela se baseia na pena como exigência de justiça (retribucionista), não importando se houve esquecimento da sociedade, arrependimento do ofensor ou negligência das autoridades. Já na teoria relativa, há uma conciliação entre os institutos jurídicos, visto que ela procura dar utilidade para pena, seja intimidando os cidadãos a não cometerem crime (prevenção geral) ou enlaçando-se com o delinquente, a fim de que a pena o ressocialize (prevenção especial).
3.1.1 TEORIA DO ESQUECIMENTO
A teoria do esquecimento envereda o pensamento de que o tempo faz com que a sociedade esqueça, vagarosamente, o crime, não se recordando mais do delito; logo, inexiste razão para aplicação da pena, pois esta perderá seu caráter de exemplaridade. “Tôda infração à lei atenta contra a paz pública e perturba o meio social, mas com o tempo é esquecido o fato, e dá-se o mesmo quanto à execução da pena, pois decorridos vários anos ela deixará de ser exemplar”.[30]
Enrico Pessina argumenta:
“É evidente que a sociedade deva rechaçar as negações de ordem jurídica contidas no delito, e deve fazê-lo mediante castigo. Porém deve fazer isto em tanto e quanto tenha consciência do mal realizado. O tempo, não destrói, tampouco cria o Direito. Porém tem uma eficácia: a de trocar as impressões precedentes por novas impressões no espírito humano, de tal modo que a inércia da autoridade penal, não expressada durante certo lapso de tempo, a debilita e chega até a extinguir a consciência do delito.”[31]
Os partidários deste pensamento perfilham o entendimento da teoria da prevenção geral negativa da pena, esta é utilizada de forma intimidatória aos cidadãos que compõem a comunidade que vive o agente. Portanto, embora seja o fato criminoso e punível, a pena perderá à sua eficácia em virtude do grande lapso temporal, ou seja, o ato transgressor não surtiu mais efeitos perante a sociedade, pois o ilícito pereceu no esquecimento das pessoas.
“Tal apuração visa à não-aplicação de punição desnecessária e inútil, com conseqüência muitas vezes mais prejudiciais do que a própria prática do delito. Segundo os adeptos dessa teoria, o Estado, após muitos anos, já não exige mais a punição, porquanto tranqüilizada a comunidade. Esquece-se da antiga perpetuação delituosa, não se justificando a imposição de punição desnecessária, pois constitui insegurança para a sociedade já apaziguada, recordando momentos esquecidos e corrigidos por seus autores.”[32]
Alguns doutrinadores afirmam:
“que a pena não perde, em tempo algum, a sua exemplaridade, visto que a sociedade se alarma não é com o crime cometido, mas com a existência, no seu seio, de malfeitores, que o mesmo crime revelou, e que podem vir a reincidir, ou, pelo menos, a constituir permanente ameaça à vida, à honra e à propriedade dos indivíduos, assim não incida sobre eles a pena. A ineficácia da repressão tardia é uma presunção que nem sempre corresponde à realidade.”[33]
No entanto, não merece respaldo tal argumento, pois o agente não pode ficar eternamente sujeito à punição pelo resto de sua vida. O ius puniendi deve ter prazo de validade, sob pena de se converter em castigo perpétuo, contrário ao Estado Democrático de Direito e ao princípio da proporcionalidade da pena.
Merece registro um caso presenciado pelo Professor Aloysio de Carvalho Filho:
“Um evadido da prisão, autor de crime passional de morte, foi encontrado e identificado , dezoito anos depois, numa das capitais brasileiras, onde se instalara, exercendo atividade lícita. Prêso e recambiado para a Bahia, a cumprir a sua pena, voltou munido de excelentes atestações de comportamento individual e social, durante os 18 anos de foragido da justiça pública. […] Difícil seria sustentar, dadas as circunstâncias atuais do caso, um interesse concreto da sociedade, ou qualquer utilidade prática, em recolher de novo à penitenciária aquêle criminoso, que prescindira da pena para se integrar, como parcela prestante, no convívio social. Assim, o tempo construíra, de um lado, uma nova vida, e é certo que dissipara, de outro, a lembrança do crime, de que muitos agora se inteiravam, pelas reminiscências que o fato da prisão, e só ele, despertava.”[34]
A teoria do esquecimento foi precursora dentre as teorias fundamentadoras da prescrição penal, dela se extraiu várias outras teorias, mas o seu pensamento foi e é prevalente sobre as demais. Isso porque, ela traduz o entendimento basilar que motivou a criação da prescrição penal, que é o decurso do tempo conjugado com a falta de interesse de punir em razão do esquecimento do delito pela sociedade.
3.1.2 TEORIA DA EXPIAÇÃO MORAL DO CRIMINOSO
Esta teoria presume que o acusado sofre pela culpa que pesa sobre ele, durante todo lapso temporal percorrido no processo criminal, e, neste ínterim, é castigado psicologicamente em razão do remorso que o atinge, de modo que impor outra pena, além desta, significaria atentar contra o princípio non bis in idem.
A corrente que propugnava este pensamento entendia que o tempo exigido para prescrever é o suficiente, por si só, para atender a finalidade da pena, que é retribuir o mal à sociedade (teoria retribucionista), pois o remorso é uma pena equivalente à prisão. Ademais, a acusação por tempo infinito denota caráter perpétuo da pena, “o sofrimento já seria suficiente a não necessitar outro tipo de sanção, pois a perpetuidade do andamento processual já constituiria padecimento contínuo do indivíduo.” [35]
Não obstante, a supramencionada teoria recebeu diversas críticas, por confundir pena com suposto remorso do acusado, sem falar que, caso considere tal entendimento, deve-se analisar a priori o arrependimento do indivíduo antes de aplicar a prescrição penal, tudo isso em virtude da própria razão de ser do referido pensamento. Conforme lição do Prof.º Aloysio de Carvalho Filho:
“Se o fundamento da prescrição fosse o suplício do acusado, compensando a falta da pena, substituído o castigo, que esta é, pela tortura moral, que a condição de foragido implica, seria indispensável, para decretar-se a medida, a prova da contrição no culpado. Sem isso, impossível afirmar-se a existência do remorso. Dispensar a verificação, seria assentar a prescrição num simples presumir do remorso, quando o mais comumente observado é a ausência de arrependimento, como características, até, dos mais perigosos delinqüentes.”[36]
Destarte, tal teoria não é digna de argumento válido, tendo em vista que o Direito Penal não adota conjecturas, de modo que supor o imaginável é insurgir em desfavor do princípio da busca verdade real. Noutras palavras, é dizer que todos que responde a um processo criminal, na realidade, estão cumprindo pena.
A teoria da expiação se assemelha mais a outros institutos jurídicos do Direito Penal do que propriamente a prescrição penal, como bem ensina Eduardo Ferrari Reale:“O remir significa, assim, a base da teoria expiatória, compreendendo-se a prescrição da ação como um instituto muito semelhante ao da graça, o que nos parece completamente desvirtuado das razões justificadoras da prescrição da ação.”[37]
3.1.3 TEORIA DA EMENDA
Já a teoria da emenda acredita que decorrido certo lapso temporal, presume-se juris et de jure que o criminoso se corrigiu, desde que durante este período o acusado não cometa delito.
“A ausência de outras condutas delituosas, durante o processo, para essa teoria, seria a demonstração de que o indivíduo se regenerou, ou está ressocializado à comunidade, a não fazer mais sentido a injunção da sanção”.[38]
A diferença desta teoria com a da expiação moral do criminoso reside que nesta o indivíduo, durante o processo, esteja cumprindo pena em razão da perturbação moral que ele sofre, já naquela presume-se que o delinquente, após certo período, esteja regenerado e apto a conviver em sociedade, ou seja, foi cumprida a finalidade da pena, que é ressocializar o criminoso (teoria da prevenção especial da pena), não havendo mais motivos para puni-lo. “Trata-se de uma presunção de recuperação e emenda sem a participação do Estado, inexistindo, portando, razão para a intervenção da coerção penal”.[39]
Críticas advieram a tal teoria, pois exigir, tão-somente, a boa conduta do criminoso para considerá-lo recuperado é no mínimo incongruente, visto que a reincidência delituosa serve de fundamento para interromper a prescrição penal (conforme legislação penal brasileira), e não como pressuposto de extinção de punibilidade a sua inocorrência.
“A boa conduta reforça a evidência da desnecessidade da punição, até porque a reincidência, via de regra, interrompe a curso da prescrição. Se o fundamento da prescrição fôsse a emenda presumida do acusado, não se justificariam as prescrições de curto prazo, insuficiente, que este é, para a suposição, ao menos, da corrigibilidade.”[40]
Desta forma, os delinqüentes habituais e enfermos mentais estariam preteridos do benefício da prescrição penal, uma vez que para estes faltaria consciência suficiente para discernir o quê é boa conduta, já àqueles não poderiam ser contemplados pelo referido instituto em virtude da sua continuidade em praticar delitos, consequentemente, inábeis de se regenerarem. Com efeito, atentaria flagrantemente contra a Constituição federal, em especial, o princípio da isonomia encartado em seu artigo 5º, caput.
3.1.4 TEORIA DA DISPERSÃO DAS PROVAS
Esta teoria defende a ideia de que, com o passar do tempo, as provas se perdem, tornando-se incerto o fato delituoso, logo, não há motivos para prosseguimento de investigação criminal, pois são iminentes os riscos de um eventual erro judiciário, acarretando, consequentemente, injustiças irremediáveis.
Como bem salienta o Prof.º Antonio Rodrigues Porto, “com o perpassar do tempo, os meios de prova vão se tornando mais difíceis, quiçá impossíveis. Assim, a apuração do fato delituoso torna-se mais incerta, e a defesa do acusado, mais precária.”[41]
Vê-se que o fundamento desta concepção é eminentemente de cunho processual em trâmite na esfera inquisitorial, ou seja, baseiam-se em elementos comprobatórios anteriores a ação penal, visto que esta só será promovida se tiver prova de materialidade delitiva e indícios de autoria. Desta forma, esta teoria só se inclina para prescrição punitiva em abstrato, refugando-se em se alicerçar sobre as outras modalidades de prescrição (em concreto e executória), tendo em vista que estas não prescindem de prolação da sentença penal, diferentemente, daquela. Ademais, não se explica nos casos das prescrições de tempo reduzido, eis que em prazo diminuto dificilmente perecerá as provas do ilícito.
“Como podem rarear, se fôr o caso, os elementos comprobantes da irresponsabilidade penal do indigitado. É bem de ver que uma tal deficiência dependerá, porém, da espécie da prova, e deixará de existir em curtos períodos, não explicando, pois, as prescrições de breve prazo. E ainda que justificasse a prescrição da ação, não justificaria a da pena, porque o cumprimento desta é efeito de uma sentença escrita, documentada, arrazoada, que se profere em face de provas constantes de um processado, que o tempo não destrói. Serviria, assim, o fundamento para uma espécie de prescrição, e não para outra, o que demonstra a sua improcedência.”[42]
Portando, apoiar-se nesta concepção é enveredar em devaneios, uma vez que estabelece conceitos só para uma parte do problema, esquecendo-se em nortear todo o instituto. Além disso, tem como supedâneo o desaparecimento das provas, que, muitas das vezes, é desenvolvida pelo próprio delinquente, a fim de se livrar de uma imputação criminosa, merecendo assim o fato ser provado por indícios, que é uma modalidade probatória emanada do ordenamento jurídico brasileiro.
“Os indícios são perfeitos tanto para sustentar a condenação, quanto para a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados – a grande maioria – que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real.”[43]
Como bem salientado, trata-se de concepção estritamente processual, em especial, na seara comprobatória dos fatos, desarraigando-se, desta forma, do seio do Direito material, por conseguinte, afasta-se inexoravelmente do instituto prescricional. Por outras palavras, a dificuldade de se provar determinado fato não justifica a extinção da punibilidade.
3.1.5 TEORIA DA PRESUNÇÃO DA NEGLIGÊNCIA
Consiste na ideia de que o acusado deixa de ser punido em razão de negligência dos agentes da máquina estatal, pois o ius persequendi é atributo do Estado acossá-la (nos casos de ação penal pública), por meio dos seus servidores incumbidos para tal finalidade, ou seja, a inércia em alcançar a prolação da sentença penal decorre exclusivamente por culpa das autoridades públicas, que não foram eficientes nos seus obséquios, em consonância com o tempo estipulado no ordenamento jurídico.
Esta teoria capta o entendimento da prescrição aquisitiva de propriedade do Direito Civil, que, por sua vez, preconiza a indolência do senhorio em resguardar sua propriedade com diligência, acarretando sua perda, por meio de usucapião, para o esbulhador. Analogicamente, permuta o senhorio da propriedade pela autoridade pública encarregada de promover o ius persequendi, para fundamentar a prescrição penal. “Por essa opinião, a punição só se justificaria se o Estado atuasse com o intuito de perseguir o crime e o criminoso. Fulcrar-se-ia no fato de que, passado certo lapso temporal, presumida restaria a negligência por parte do Estado.”[44]
Foi duramente criticada esta concepção, primeiro por abarcar, tão-somente, os casos de ação penal pública, não se explicando nos crimes em que a ação penal é exclusivamente privada, no qual o ius persequendi é exercitado de forma privativa pelos particulares, não havendo ingerências estatais. Em segundo, mesmo nos casos em que a diligência é atribuída ao Estado, há situações que a notitia criminis não chega ao conhecimento deste, por conseguinte, é rechaçada a ideia de inércia.
Neste último caso, Eduardo Reale Ferrari ensina:
“A nosso ver, seu equívoco é evidente porquanto não se pode atribuir culpa ao Estado quando é sabido que inúmeros crimes sequer chegam ao conhecimento dos órgãos estatais – especificamente da polícia -, não se pode, por isso, atribuir culpa a seus agentes.”[45]
Com outros argumentos, o ilustre Antonio Rodrigues Porto desmascara a falácia da supracitada teoria, ao comparar a prescrição do âmbito civil com a prescrição da seara penal,
“Embora não sejam essencialmente diversos, esses dois institutos jurídicos diferem muito entre si, quer no mecanismo de sua aplicação, quer nos seus efeitos, e principalmente na própria razão de ser de cada um deles. Assim, o direito civil não considera a obliteração dos fatos; deseja firmar a estabilidade das relações jurídicas. Também, a prescrição civil constitui um castigo à negligência do titular, o que, em absoluto, não existe na prescrição penal. Por outro lado, a prescrição civil extingue exclusivamente a ação que protege o direito, e não o próprio direito; já a prescrição penal extingue diretamente o direito de punir, de que é titular o Estado.”[46]
Em suma, todas as teorias não divergem quanto a imprescindibilidade do lapso temporal para sobrevir à prescrição penal, e sim se antagonizam em razão de uma condição complementar ao tempo, seja pelo remorso do acusado, esquecimento da sociedade, a emenda do delinquente e, por fim, a negligência da autoridade. Se não bastasse isso, legitimam a necessidade dos ordenamentos jurídicos incorporá-la em seus preceitos.
Há ainda que se destacar o entendimento deste trabalho acerca da fundamentação da prescrição penal, acompanhando a doutrina prevalente sobre o supracitado tema, a qual declina pelo interesse de ordem pública à sua aplicação no caso concreto, não beneficiando o acusado, e sim visando ao interesse social, que faz espraiar a concepção da prescrição penal, conforme lição do Prof.º Aloysio de Carvalho Filho: “A prescrição criminal atende, primordialmente, ao interêsse social. Não há, por isso, esperar que a requeira o acusado ou condenado. Não é favor ao indivíduo, mas medida de ordem pública.”[47]
4. TIPOS E EFEITOS DA PRESCRIÇÃO PENAL NO DIREITO PÁTRIO
Vimos que o delito é composto por três elementos para configurá-lo (fato típico, antijurídico e culpável), conforme entendimento da doutrina majoritária, sendo que a prescrição atinge diretamente a punibilidade, que é pressuposto para aplicação da pena, de modo que o referido instituto não afasta o fato criminoso, mas tão-somente o emprego da coerção penal, ou seja, mesmo nos casos em que se forma o delito na sua magnitude, muitas das vezes, não ensejará a punibilidade deste mesmo fato delituoso, em virtude da política criminal adotada por certo país. Conforme lição de Zaffaroni:
“Punibilidade pode significar possibilidade de aplicar a pena, no sentido da palavra alemã strafbar; neste sentido, nem todo o delito é passível da aplicação de uma pena, isto é, não se pode dar a todo delito o que teria merecido.” [48]
No ordenamento jurídico brasileiro, existem duas espécies de prescrição penal: prescrição executória e punitiva, esta última subdivide-se em prescrição em abstrato e em concreto, esta, por fim, preceitua às seguintes modalidades de prescrição: retroativa e superveniente ou intercorrente.
Para elucidar melhor o quê foi dito, oferecemos o seguinte quadro sinóptico:
Assunto de grande valia são os efeitos penais secundários e extrapenais da prescrição penal, que dentre as causas de extinção de punibilidade é umas das que mais chamam atenção juntamente com a anistia e o abolitio criminis.
Cabe primeiro esclarecer, quais são os efeitos penais secundários e extrapenais de uma sentença penal condenatória?
São efeitos penais secundários: lançamentos do nome do réu no rol dos culpados e folha de antecedentes; pode gerar reincidência, nos termos do artigo 64 do CP; pagamento das custas processuais; obrigação de reparar o dano; o confisco das coisas apreendidas (art. 91, II, a, do CP) e dos bens sequestrados (art. 91, II, b, do CP); dá ensejo ao pedido de reabilitação; suspende os direitos políticos do condenado (art. 15, III, do CF); dentre outros efeitos.
Efeitos extrapenais: Ação civil ex delicto a ser promovida pelo ofendido e nos casos delineados pelo artigo 92 e incisos do Código Penal, desde que declarados pelo juiz na sentença penal condenatória (artigo 92, parágrafo único, do CP).
Em todas as causas de extinção de punibilidade os efeitos são ex nunc, exceto a anistia e o abolitio criminis, pois nestes sempre se operam para o passado (ex tunc), apagando-se todas as suas consequências penais, principais e secundárias, e extrapenais, ou seja, transparece de forma extrínseca como se o delito nunca tivesse existido.
Já a prescrição penal, como foi dito, seus efeitos operam-se para o futuro (ex nunc), sendo que o ponto nevrálgico da questão é saber se houve o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, eis que, caso seja anterior a esta, não há quaisquer efeitos secundários e extrapenais, ao contrario sensu, refletir-se-ão todas às suas consequências jurídicas próprias, neste último caso, amolda-se a prescrição penal executória.
No entanto, há doutrinadores que pensa de forma contrária a tal entendimento, pois consideram que as custas processuais – efeito penal secundário-não são elididas pela prescrição penal retroativa (será visto, em capítulo próprio, que a prescrição retroativa ocorre antes do transito em julgado da sentença penal condenatória), conforme consignado na lição do Prof.º Damásio de Jesus: “Nos termos dos princípios da sucumbência e da causalidade, o réu favorecido pela prescrição retroativa, no regime do § 2º do art. 110 do CP, fica responsável pelo pagamento das custas.”[49]
Em que pese o argumento do respeitável jurista, discordamos do seu posicionamento, pois não reflete a posição majoritária da doutrina e jurisprudência:
“EMENTA:PROCESSUAL E PENAL. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. PERDÃO JUDICIAL. SENTENÇA DE NATUREZA DECLARATORIA.
1. CONTRARIA O DISPOSTO NO ARTIGO 110 E PARAGRAFOS A DECISÃO QUE, SENDO A PENA ABSTRATAMENTE CONSIDERADA INFERIOR A UM ANO, DEIXA DE ATENTAR PARA A EPOCA DO FATO E A DO RECEBIMENTO DA DENUNCIA O QUAL FOI SUPERIOR A DOIS ANOS. 2. A SENTENÇA QUE CONCEDE O PERDÃO JUDICIAL E DE EFEITO DECLARATORIO DESCABENDO A INCLUSÃO DO NOME NO ROL DOS CULPADOS E A CONDENAÇÃO EM CUSTAS.[50]
EMENTA: Habeas corpus. 2. Ação penal pública. A interposição de qualquer recurso a ela referente não depende do pagamento prévio de custas e não está, assim, sujeita à deserção por falta de preparo. 3. O pagamento das custas, ônus da condenação criminal (CPP, art. 804), deve efetuar-se na fase da execução do julgado. 4. Habeas corpus deferido para cassar o acórdão da Corte indigitada coatora, no Recurso em sentido estrito n.º 96.001187-8 – Campina Grande, determinando seja processada a apelação criminal interposta pelo paciente”. (grifo nosso)[51]
Há os que pensam que a folha de antecedentes deve mencionar o fato da extinção de punibilidade (efeito penal secundário),isto é, mesmo havendo prescrição da pretensão punitiva, exige-se a constatação do fato criminoso naquele documento. Conforme se depreende do ensinamento do Prof.º Guilherme de Souza Nucci:
“O réu, condenado em primeira instância, crendo-se inocente e pleiteando ao tribunal que assim o reconheça, havendo prescrição, não terá seu pedido analisado. Continuará o registro na folha de antecedentes de ter havido condenação em primeiro grau, embora com prescrição em segundo grau, o que difere, logicamente, de uma absolvição por inexistência do fato […]”. (grifo nosso)[52]
Tal não é o entendimento da jurisprudência balizada na doutrina dominante:
“EMENTA: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. ART. 748 DO CPP. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. FOLHA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS.
Esta Corte Superior tem entendido que, por analogia ao que dispõe o art. 748 do Código do Processo Penal, que assegura ao reabilitado o sigilo das condenações criminais anteriores na sua folha de antecedentes, devem ser excluídos dos terminais dos Institutos de Identificação Criminal os dados relativos a inquéritos arquivados, a processos em que tenha ocorrido a reabilitação do condenado e a absolvições por sentença penal transitada em julgado, ou, ainda, que tenha sido reconhecida a extinção da punibilidade do acusado pela prescrição da pretensão punitiva do Estado. (Precedentes). Habeas Corpus concedido”.[53] (grifo nosso)
É, também, o pensamento da doutrina:
“Extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, por aplicação analógica do art. 748 do CPP, a eventual condenação anterior não deve ser mencionada na folha de antecedentes do réu, nem em certidão extraída dos livros do Juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal”.[54]
4.1. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
Como já foi dito anteriormente, a prescrição da pretensão punitiva subdivide-se em abstrato (artigo 109, caput, do CP) e em concreto. Esta, por sua vez, forma a prescrição penal retroativa e intercorrente (artigo 110, § 1º, do CP, conforme a nova regra da Lei n.º 12.234/10).
Os autores vetustos separam às espécies de prescrição, como prescrição da ação (refere-se à prescrição da pretensão punitiva) e prescrição da condenação (faz alusão à prescrição executória). Tais termos, embora sejam didáticos, prescindem de precisão técnico-jurídica, visto que a prescrição penal, ocorrida após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, também surgiu de uma ação penal e esta jamais prescreve, e sim o ius puniendi estatal; por isso, não se pode dizer prescrição da ação.
Esta espécie de prescrição tem ligação imediata com o exercício do poder-dever do Estado em punir o criminoso, através da movimentação de toda máquina estatal, que se contextualiza com investigação criminal a ser operada, em regra, pela atividade policial, perpassando pela ação penal erigida do órgão de acusação do Estado, cujo mister é do Ministério Público (nos casos de ação penal pública), até se chegar à prolação do provimento jurisdicional a ser desenvolvido pelo Estado-Juiz.
“Praticado o fato típico, nasce a punibilidade, isto é, o Estado passa a ter o direito de utilizar-se dos meios próprios para iniciar a persecução criminal, que culminará na aplicação da pena ou da medida de segurança. Assim, até o trânsito em julgado da decisão, o Estado tem apenas uma pretensão punitiva. De outro modo, o trânsito em julgado da condenação autoriza o Estado a executar a pena imposta. Dessa forma, após a decisão irrecorrível, falamos em pretensão executória.”[55]
Com efeito, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória se estará diante da pretensão punitiva, após aquela fase, pode-se falar em pretensão executória, que nada mais é do que a execução penal de um título já constituído em juízo. Em vista disso, não subsistirá nenhum efeito penal ou extrapenal à prescrição penal da pretensão punitiva, de modo que transparecerá, aos olhos da sociedade, como se o delito nunca tivesse existido. “Na esfera criminal, conforme afirmamos, a prescrição da pretensão punitiva faz com que a condenação, se concretizada, seja desconsiderada, como se jamais tivesse existido”.[56]
Vale ressaltar que delineamos o trabalho da prescrição penal no que tange à pena privativa de liberdade, pois existe a prescrição da pena de multa, que prescreve em 02 anos, quando cominada isoladamente (artigo 114, inciso I, do CP); já, quando aplicada cumulativamente ou alternativamente com pena privativa de liberdade, o prazo da prescrição será idêntico a esta (artigo 114, inciso II, do CP).
Outrossim, a prescrição da pena de multa só se aplica nos limites da pretensão punitiva, isto é, os prazos estabelecidos no artigo 114 do CP, só se empregam até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; logo, não há prescrição da pretensão executória para pena de multa. Tendo em vista que para se executar a multa penal, deve ser seguido o rito da Lei n.º 6.830/80, que trata da cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, eis que ela, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, será considerada dívida de valor em favor do ente federativo (artigo 51, do CP). Desta ilação, pode-se entender que não sendo procedida a execução da multa no âmbito penal, a obrigação do pagamento não se transmite aos sucessores do condenado (artigo 5º, XLV, da CF).
“Nos termos da lei nova, transitada em julgado a sentença condenatória, o valor da pena de multa deve ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública. A execução não se procede mais nos termos dos arts. 164 e s. da LEP. Devendo ser promovida pela Fazenda Pública, deixa de ser atribuição do Ministério Público, passando a ter caráter extrapenal a sua execução.”[57]
Cabe salientar que se a pena privativa de liberdade for substituída por restritivas de direito, estas seguem o prazo prescricional daquela, conforme estipula o artigo 109, parágrafo único, do Código Penal.
Tema de grande celeuma na comunidade jurídica é a prescrição da pretensão punitiva na aplicação da medida de segurança, pois esta, juntamente com a pena, é uma das espécies do gênero sanção penal.
A minoria dos doutrinadores entende que é imprescritível a imposição de medida de segurança, visto que esta visa afastar o indivíduo perigoso da sociedade, ademais, o seu período de tratamento ou internação é por prazo indeterminado, de modo a ser aquilatado em consonância com a periculosidade do agente, seja inimputável ou semi-imputável, conforme se depreende dos artigos 97, § 1º, e 98, ambos do Código Penal.
Há três formas de aplicação da medida de segurança: para o inimputável – o juiz o absolve e aplica a referida sanção penal – medida de segurança – (absolvição imprópria), pois este era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato (artigo 26, caput, do CP); já para o semi-imputável – o juiz aplica a pena e a substitui, na sentença, por medida de segurança (art. 98, do CP) e, por fim, o juiz converte a pena por medida de segurança em virtude da incapacidade superveniente à condenação (art. 41, do CP).
Nestes casos, há consequências especificas para cada uma, no que tange à prescrição da pretensão punitiva. Para o semi-imputável, não tem grandes dificuldades, pois até a fixação da pena (prescrição em abstrato), a prescrição tem como paradigma o máximo da pena cominada ao delito, após a estabilização da pena (prescrição em concreto) ela segue a pena aplicada na sentença condenatória combinada com os prazos do artigo 109 do CP.
A profunda discussão, no seio da comunidade jurídica, refere-se à prescrição da pretensão punitiva para o inimputável, tendo em vista que inexiste aplicação de pena, pois o indivíduo é absolvido e simultaneamente é imposta medida de segurança (absolvição imprópria), não havendo o quantum da pena que serviria de supedâneo para a contagem dos prazos do art. 109 do CP.
O legislador não se olvidou do inimputável no que tange à aplicação da prescrição penal, consoante preceitua o artigo 96, parágrafo único, do CP. Não obstante, não estabeleceu critérios cristalinos para contagem dos prazos extintivos de punibilidade, após a sentença absolutória imprópria, ensejando grandes discussões sobre o referido tema.
Uns entende que para o caso da absolvição imprópria, da qual prescinde a quantidade de pena, a declaração de extinção da punibilidade pela prescrição deve ser apurada com base na pena mínima do delito praticado pelo inimputável. “Com efeito, ocorrendo a hipótese de absolvição imprópria, a prescrição correrá, a contar do trânsito em julgado para o MP, tomando-se por base a pena mínima cominada em abstrato.”[58]
Sob o argumento de que para o semi-imputável haverá a diminuição da pena (art. 26, parágrafo único, CP), podendo resultar redução abaixo do mínimo legal da pena cominada ao delito e, por conseguinte, refletir-se-á no cálculo do prazo prescricional; já para o inimputável não haverá nenhuma causa de diminuição, logo, o prazo prescricional terá como base pena maior, tornando-se desproporcional o sistema, pois neste a falta de discernimento é total, naquele é parcial. Além disso, o legislador constituinte inibe o tratamento desigual aos iguais (princípio da isonomia).
“O semi-imputável terá em seu favor a redução da pena, autorizando o juiz a fixá-la abaixo do mínimo cominado na lei. Ora, se a redução da pena favorece o semi-imputável no cálculo prescricional, maior razão existirá para a redução do prazo em relação ao inimputável, pois a capacidade para o entendimento do caráter ilícito do fato será ainda menor.”[59]
No entanto, a jurisprudência caminha no sentido contrário, entendo que o cálculo do prazo prescricional, no caso de absolvição imprópria, terá como pedestal a pena máxima cominada ao delito, senão vejamos:
“EMENTAS: AÇÃO PENAL. Réu inimputável. Imposição de medida de segurança. Prazo indeterminado. Cumprimento que dura há vinte e sete anos. Prescrição. Não ocorrência. Precedente. Caso, porém, de desinternação progressiva. Melhora do quadro psiquiátrico do paciente. HC concedido, em parte, para esse fim, com observação sobre indulto. 1. A prescrição de medida de segurança deve ser calculada pelo máximo da pena cominada ao delito atribuído ao paciente, interrompendo-se-lhe o prazo com o início do seu cumprimento. 2. A medida de segurança deve perdurar enquanto não haja cessado a periculosidade do agente, limitada, contudo, ao período máximo de trinta anos. 3. A melhora do quadro psiquiátrico do paciente autoriza o juízo de execução a determinar procedimento de desinternação progressiva, em regime de semi-internação” (grifo nosso).[60]
Algo de grande importância são as causas suspensivas de prescrição da pretensão punitiva, elas “apenas impedem o curso da prescrição. Resolvidas, o curso da prescrição recomeça. O tempo anterior à suspensão não fica perdido e vai ser somado com o tempo que recomeça a correr, após o fim da suspensão”.[61]
Subdividem-se em legais e constitucionais. São causas legais: questões prejudiciais (art. 116, I, do CP); cumprimento de pena do agente no estrangeiro (art. 116, II, do CP); suspensão condicional do processo (art. 89, §6º, da Lei nº9.099/95); suspensão do processo (art. 366, do CPP); suspensão em razão da citação por carta rogatória (art. 368, do CPP); suspensão da prescrição em razão de acordo de leniência (art. 35-C, caput, da Lei nº 8.884/94), suspensão do prazo prescricional em virtude do parcelamento do débito com a Receita Federal do Brasil (art.68, Lei nº 11.941/09), entre outras causas descritas em Lei.
É causa constitucional: Imunidade parlamentar processual penal (art. 53, §§3º e 5º, da CF).
Em síntese, esmiuçaremos algumas destas causas, as que mais se afloram no dia-a-dia da prática forense. Comecemos pelas questões prejudicais, estas fazem sustar o prazo prescricional, enquanto não elidida a questão controvertida noutro processo, isto é, elas têm por finalidade decidir questões que dependem de provimento jurisdicional e que refletirão na decisão sobre a existência ou inexistência de crime do processo que tramita no juízo criminal.
Dividem-se em prejudicais homogêneas – cuja matéria versada se trata de tema penal a ser elidida no juízo criminal, v.g., decisão sobre o crime de roubo, que irá refletir no julgamento do crime de receptação -, e prejudiciais heterogêneas – a matéria versada não se trata de tema penal, além de ser julgada no juízo cível, estas, por sua vez, subdividem-se em obrigatórias (causas que se referem ao estado civil das pessoas, art. 92 do CPP) e facultativas (causas que não se referem ao estado civil, art. 93 do CPP).
A jurisprudência e parte da doutrina têm entendido que só as prejudiciais civis (ou heterogêneas) obstam a suspensão do prazo prescricional. “Nos crimes contra a honra, a oposição da exceção da verdade não constitui causa suspensiva da prescrição, uma vez que não se trata de prejudicial civil e sim penal. Não há prejudiciais penais.”[62] Argumento com as quais não comungamos, pois mesmo nas prejudiciais penais (ou homogêneas), deve-se aguardar a apuração do processo prejudicado para não haver decisões contraditórias.
“Se naquele processo ficar provada a inexistência do furto, por exemplo, porque o bem não era alheio, mas próprio, não se poderá falar na existência de receptação. De todo importante que o juiz aguarde o deslinde do primeiro processo, para só depois decidir o que está sob sua presidência”.[63]
Outra causa de suspensão do prazo prescricional ocorre quando o agente cumpre pena no estrangeiro, cuja fundamentação se encontra na soberania dos países, visto que não se pode extraditar para o Brasil, o indivíduo que ainda esteja enclausurado noutro país, devendo, neste caso, suspender o processo e o prazo extintivo de punibilidade, a fim de que estejam garantidos o contraditório e a ampla defesa.
Vale ressaltar que a referida suspensão só abrange o indivíduo que se submete a pena no estrangeiro, logo, cumprindo sanção penal no Brasil, não haverá impedimento no transcurso do prazo prescricional.
Embora já falado, em síntese, no presente trabalho, a Lei nº 9.271/96 trouxe mais uma causa de suspensão do prazo prescricional, quando o réu citado por edital não comparecer em juízo nem constituir advogado. Há uma grande celeuma entre os jurisconsultos pátrios com relação ao tempo em que ficará suspenso o processo, assim como o prazo prescricional, pois a referida lei não estabeleceu o período de suspensão.
Uns argumentam que em razão da omissão da lei, entende-se que o legislador infraconstitucional quis suspender o processo por tempo infinito, até que se encontre o réu.
No entanto, tal entendimento foi fortemente assolado pela grande maioria dos juristas, as quais refutaram a ideia de eternidade da suspensão do prazo prescricional nas hipóteses do artigo 366 do CPP, arguindo inconstitucionalidade, caso seja considerado tal pensamento, até porque os casos de imprescritibilidade já fora delimitado pelo legislador constituinte.
“Permitindo-se a suspensão da prescrição sem limite temporal, esta, não comparecendo o réu em juízo, jamais ocorreria, encerrando-se o processo somente com a sua morte, causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, I). Não se trata, como se tem afirmado, de haver o legislador, aceita a tese da eternidade, criado indevidamente mais uma causa de imprescritibilidade.”[64]
Este último pensamento foi ganhando força na jurisprudência, através de reiterados julgados neste mesmo sentido, vindo a repudiar àquele pensamento que, até então, prevalecia nas decisões jurisprudenciais. Com o advento da Súmula nº 415 do STJ, jogou-se uma pá de cal sobre o supramencionado assunto, conforme prescreve: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.”[65]
Com isso, recebida a denúncia ou a queixa-crime pelo juiz e citando o acusado por edital (estando em lugar incerto e não sabido) e este não comparecendo nem constituindo advogado, suspendem-se o processo e o prazo prescricional pelo tempo correspondente aos prazos delineados pelo art. 109 do CP, tendo como base a pena máxima cominada abstratamente ao delito, após este período volta a correr o prazo prescricional, computando-se o tempo transcorrido entre o recebimento da denúncia ou da queixa-crime e a data do despacho que suspendeu o referido processo. Em suma, duplica-se a aplicação do prazo prescricional do artigo 109 do CP, visto que um terá como finalidade limitar o tempo de suspensão do processo e o outro visará ao escoamento do lapso temporal da prescrição penal propriamente dita.
E, por fim, foi criado o instituto jurídico da suspensão condicional do processo, denominado de sursis processual, que surgiu com o advento da Lei nº 9.099/95, aplicando-se aos crimes cuja pena mínima cominada abstratamente seja igual ou inferior a um ano (art. 89, caput, do referido diploma), ou, no caso de concurso de crimes, o somatório das penas mínimas não ultrapassarem o limite de 01 ano, conforme preceitua a Súmula nº 243 do STJ:
“O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano”.[66]
No período de prova, a ser proposto pelo Ministério Público, ficará suspenso o processo e não correrá a prescrição penal durante este prazo (art. 89, § 6º, da Lei nº 9.099/95).
Outra questão interessante, que veio a suscitar dúvidas na comunidade jurídica, é a hipótese do acusado descumprir a transação penal, nos termos em que foi proposta pelo Ministério Público (art. 76, da Lei nº 9.099/95), uma vez que o legislador não abarcou tal situação no seu período de prova, isto é, tornou-se lacunoso o texto de lei sobre a suspensão do prazo prescricional.
Sabe-se que o instituto da transação se originou do direito norte-americano, no qual o membro do parquet oferta uma proposta para o acusado, e, este aceitando, o Ministério Público deixará de promover a ação penal em face do acusado. Caso este cumpra integralmente o termo proposto, extingue-se a punibilidade, não havendo nenhum dos efeitos de sentença penal condenatória (art. 76, §§ 4º e 6º, da Lei nº 9.099/95). A contrario sensu, não cumprindo a proposta aceita, o parquet promove a ação penal, caso o delito não esteja prescrito – visto que não há previsão legal de suspensão do prazo prescricional -, ou, mesmo assim extinguirá a punibilidade?
Por incrível que pareça subsistem as duas posições, nesta última encabeçada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entende-se que a sentença que homologa a transação penal faz coisa julgada material, resolvendo o descumprimento através da inscrição da multa aplicada na proposta em dívida ativa da União, senão vejamos:
“EMENTA: PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL LESIVO. LEI 9.099/95.TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA. DESCUMPRIMENTO. DENÚNCIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1.O descumprimento da transação penal, em razão dos efeitos da coisa julgada material e formal do acordo, não permite o oferecimento de denúncia por parte do ministério público e, muito menos, rende ensejo ao crime de desobediência. 2. Não sendo possível deflagrar persecutio penal em caso de descumprimento, resolve-se pela inscrição da pena (pecuniária) não paga em dívida ativa da União, nos termos do art. 85 da Lei nº 9.099/95 combinado com o art. 51 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.286/96. 3. Ordem concedida para, tornando sem efeito a condenação pelo crime de desobediência, trancar a ação penal.”[67]
O presente trabalho discorda deste posicionamento, eis que não se pode resolver o descumprimento tão-somente pela inscrição da multa em dívida ativa, até porque a proposta de transação pode não abarcar a multa, e, sim, somente restritiva de direitos, consoante estabelece o artigo 74, §4, da Lei nº 9.099/95, que descreve a conjunção: ou, entre a pena de multa e a restritiva de direitos. Além disso, o legislador não quer dar o mesmo tratamento para o quê cumpre a medida proposta, e para o quê descumpre o acordo transacionado, extinguindo-se, igualmente, a punibilidade para ambos.
Já o outro posicionamento, encabeçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e com a qual concordamos, entende que uma vez descumprido o acordo transacionado, o parquet deverá promover a ação penal em face do acusado-inadimplente, desde que não esteja prescrito o delito, conforme preceitua:
“EMENTA: RE 581201 AgR / RS AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA CRIMINAL. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. TRANSAÇÃO PENAL. ART. 76 DA LEI Nº 9.099/95. CONDIÇÕES NÃO CUMPRIDAS. PROPOSITURA DE AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. 1. De acordo com a jurisprudência desta nossa Corte, que me parece juridicamente correta, o descumprimento da transação a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória. Precedente: RE 602.072-RG, da relatoria do ministro Cezar Peluso. 2. Agravo regimental desprovido.”[68]
Neste tópico, serão esmiuçadas as causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva, que estão explanadas no artigo 117, incisos I a IV, do Código Penal:
“Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:
I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;
II – pela pronúncia;
III – pela decisão confirmatória da pronúncia;
IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatório recorríveis;”[69]
O recebimento da denúncia ou da queixa-crime interrompe o prazo prescricional, fazendo com que este recomeça a contar novamente, não computando o tempo transcorrido antes de sua interrupção, ou seja, reinicia-se a contagem do prazo do marco zero. Exemplo:
TI______________________RDQ_____________________DP
A———————2 anos———-|B————————2 ano———-|C
TI= Termo inicial do prazo prescricional (art. 111, do CP)
RDQ= Recebimento da denúncia ou queixa
DP= decisão da pronúncia
Do ponto A inicia-se a contagem do prazo prescricional, interrompendo-o no ponto B, logo, recomeça-se a contagem, desconsiderando o prazo anterior, até o ponto C.
Do Termo inicial do prazo prescricional até o recebimento da denúncia só poderá ocorrer a prescrição da pretensão punitiva em abstrato, em consonância com a novel Lei nº 12.234/10.
O recebimento da denúncia ou da queixa-crime pode decorrer do despacho do juiz a quo ou da decisão reformadora do Tribunal ad quem, que foi rejeitada por aquele.
“EMENTA: PRESCRIÇÃO. CAUSA INTERRUPTIVA DO RESPECTIVO PRAZO. TANTO INTERROMPE O PRAZO PRESCRICIONAL O DESPACHO DO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU QUE RECEBE A DENUNCIA (ART. 117, I, DO C.P.), QUANTO O ACÓRDÃO QUE, REFORMANDO A DECISÃO DO JUIZ SINGULAR QUE REJEITARA A DENUNCIA, A RECEBE DETERMINANDO A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL.”[70]
Caso haja anulação da sentença que recebera a denúncia ou a queixa-crime, v.g., em virtude da incompetência absoluta do juízo, o despacho de recebimento não surtirá efeito algum para interromper a prescrição penal. “O recebimento de denúncia posteriormente anulada não interrompe o prazo prescricional. Oferecida nova denúncia, é de seu recebimento que se conta o prazo prescricional.” [71]
Caso o delito seja daqueles de competência do Tribunal do Júri (crimes dolosos contra a vida), a decisão do sumário de culpa que pronuncia (primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri) interrompe o prazo prescricional, bem como na hipótese do acórdão confirmar a pronúncia, que foi atacável por recurso em sentido estrito (RESE). Desta ilação pode-se concluir que, caso a decisão, no sumário de culpa, seja a impronúncia, atacável por recurso de apelação (art. 416 do CPP), a prescrição não será interrompida, mesmo que o Tribunal ad quem a confirme, mas se o acórdão for reformatório, pronunciando-se o réu, haverá interrupção do prazo prescricional.
Se neste mesmo sumário de culpa, o juiz que atua no judicium accusationis do processo do Júri desclassifica o crime para outro de competência do juiz singular, v.g, o réu é denunciado por homicídio doloso, após a audiência de instrução, verifica-se que na verdade houve homicídio culposo, o juiz deve desclassificar o crime, remetendo-se os autos ao juiz singular competente, desde que não seja também competente para apreciação do crime para o qual foi desclassificado (art. 419 do CPP). A referida decisão não tem efeito interruptivo da prescrição, pois não chegou a pronunciar o réu.
Todavia, se a desclassificação se der no Tribunal do Júri, isto é, na segunda fase do procedimento do Júri (judicium causae), a pronúncia realizada no sumário de culpa continua a ter efeito interruptivo para a prescrição, tal é o entendimento da jurisprudência, Súmula nº 191 do STJ: “A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime”.[72]
A causa interruptiva que mais tem reflexos na aplicação da prescrição é a publicação da sentença ou do acórdão condenatórios recorríveis (art. 107, IV, do CP), pois além de interromper o prazo prescricional, estes darão a existência da prescrição da pretensão punitiva da pena em concreto, visto que transitado em julgado para acusação, estabilizar-se-á o quantum da pena fixada pelo julgador.
Nota-se que a publicação do acórdão somente interromperá o prazo prescricional, se a sentença do juízo a quo houver absolvido o réu, e o tribunal ad quem tiver dado provimento ao recurso interposto pela acusação, no sentido de condenar o acusado. Ao réves, se tiver tão-somente confirmado a sentença condenatória, o acórdão não surtirá nenhum efeito interruptivo. Outrossim, não haverá interrupção, caso a decisão do Tribunal ad quem reforme a sentença, mas absolvendo o réu, assim como se esta for anulada pelo acórdão em razão de error in procedendo do juiz a quo, baixando-se os autos, a fim de que este profira nova decisão. Aí sim esta, se válida for, interromperá o prazo prescricional.
“Anulada, a sentença condenatória perde o efeito interruptivo. E como a nova sentença não poderá aplicar pena mais grave que a imposta na anterior uma vez proibida a reformatio in pejus indireta, a prescrição da pretensão punitiva, em seus períodos entre a consumação do crime o recebimento da denúncia ou entre esta data e a publicação da nova sentença, deve ser regulada pelo quantum da primeira (da sentença anulada)”.[73]
Em suma, só interromperá o prazo prescricional se o acórdão condenatório reformar a sentença absolutória, logo, se o recurso interposto pela acusação for unicamente de agravamento da pena ou de mudança de qualidade da pena (de detenção para reclusão), o acórdão não terá força para interromper a prescrição, ainda que provido o recurso ofertado pela acusação.
O acórdão que, em recurso da acusação, agrava a pena, não interrompe o prazo prescricional. Trata-se de acórdão confirmatório e não condenatório.[74]
Dispõe o artigo 117,§1º, do CP, da comunicabilidade das causas de interrupção de prescrição penal aos réus do mesmo processo em que há continência ou conexão, ressalvando a não comunicação nos casos de reincidência e cumprimento de pena, pois estes são de feição personalíssima.
“Assim, por exemplo, a pronúncia de um réu estende o efeito da interrupção ao co-réu no processo ainda que acusado de crime que, em regra, não é de competência do Júri, mesmo que aquele seja absolvido do homicídio. Estende-se também ao réu absolvido a interrupção do prazo prescricional provocada pela condenação de co-réu.”[75]
Tal hipótese, conforme exemplo acima, pode se dar no caso de concurso de agentes e um deles detém foro de prerrogativa de função e o outro não, de modo que, para este último caso, o julgamento será de competência do Tribunal Popular e para aquele do Tribunal que o nosso Texto Maior estipular, ainda que o delito seja doloso e contra a vida humana. (sobre competência especial de prerrogativa de função – ver súmulas STF: 396, 451, 704 e 72).
4.1.1. PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO
Como foram explanadas, no capítulo anterior, todas as minúcias da prescrição da pretensão punitiva, neste subcapítulo, bem como nos subcapítulos subsequentes (prescrição retroativa e intercorrente), serão detalhados somente os aspectos peculiares de tais modalidades de prescrição penal da pretensão punitiva.
Tal subespécie de prescrição penal terá por base a pena máxima cominada abstratamente para cada delito, até porque antes do término da persecução criminal é impossível determinar a pena justa que servirá de baluarte para contagem do prazo prescricional. Desta forma, o legislador estabeleceu, no Código Penal, qual o prazo a ser computado, bem como o seu enquadramento na pena máxima cominada abstratamente ao delito, que se consubstancia no fato narrado na peça acusatória, e não na sua capitulação legal, senão vejamos:
“Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.”[76]
Com efeito, até o trânsito em julgado para acusação ou de improvido o seu recurso, a prescrição regulará nos termos da proposição supramencionada, podendo ser arguida pelo membro do parquet (como custos legis), réu e decretada ex officio pelo juiz. Cabe ainda salientar que aqueles prazos serão reduzidos pela metade quando o agente for menor de 21 anos (menoridade relativa), ao tempo do cometimento do crime (aplicação da teoria da atividade), ou maior de 70 anos, na data da prolação da sentença, tudo consoante estabelece o artigo 115 do CP.
O termo inicial de contagem da prescrição penal da pretensão punitiva está explanado no artigo 111 do CP, quais sejam:
“Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
I – do dia em que o crime se consumou;
II – no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;
III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;
IV – nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.”[77] (grifo nosso)
Por ser matéria de direito material, na sua contagem se incluiu o dia que se iniciou uma das situações elencadas acima, ou seja, uma vez estabelecida tais ocorrências será computado o dies a quo (art. 10 do CP).
Nos crimes comissivos e omissivos impróprios, inicia-se a contagem do prazo prescricional a partir da consumação ou da cessação da atividade delituosa, neste último caso se o crime for tentado. Já para os crimes culposos, preterdolosos, omissivos puros e habituais, o prazo começa a correr tão-somente após a sua consumação, pois em tais delitos não se admite tentativa.
Nos crimes permanentes o prazo, em regra, inicia-se após a cessação da atividade delituosa, caso persista a permanência, mesmo inicializada a persecução criminal, ela só será considerada cessada após o recebimento da denúncia.
“Ementa: Crime permanente: termo inicial da prescrição. 1. A instauração do inquérito policial não implica necessariamente a cessação do crime permanente e o inicio consequente do prazo prescricional: se a abertura do inquérito e posterior, simultânea ou antecedente a cessação da permanência e questão de fato e não de direito, a ser deslindada a luz dos dados contingentes do caso concreto. 2. Afirmada na denuncia que a associação criminosa perdurava até a sua data, há de situar-se no seu recebimento a cessação de permanência do delito e o ponto inicial da contagem da prescrição.”[78] (grifo nosso).
E, por fim, nos crimes de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, a prescrição tem início na data em que o fato se tornou conhecido por qualquer autoridade pública. Nota-se que não se considera conhecido o fato a ciência do mero funcionário público, sem atribuição legal de autoridade pública.
“Assim, o termo inicial não se fixa na data do matrimônio incriminado, na bigamia, nem na data da falsificação ou alteração, mas sim naquela em que a autoridade pública toma ciência do fato (Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia etc.).”[79]
Percebe-se que o legislador descreve, para o crime de falsificação ou adulteração, assentamento de registro civil. Destarte, não se deve estender a outras situações não estipuladas por ele, v.g., assentamento de registro imobiliário, pois nosso ordenamento não contempla a analogia in malam partem.
Com efeito, o interprete deverá buscar, em outras normas, o significado de assentamento de registro civil (norma penal em branco). Tal resposta será encontrada na Lei nº 6.015/73, mais precisamente em seu artigo 29, que dispõe sobre as circunstâncias factuais que ensejam o assentamento de registro civil.
4.1.2. PRESCRIÇÃO RETROATIVA
Como foi dito anteriormente, a prescrição retroativa juntamente com a prescrição intercorrente são subespécies da prescrição da pretensão punitiva baseada na pena em concreto, ou seja, elas erigem após o trânsito em julgado para acusação, pois este considera o quantum da pena aplicado na sentença, pelo juiz a quo, justa. “Havendo trânsito em julgado do decisum para a acusação, a pena não poderá ser aumentada em grau de recurso, assim torna-se injusto cálculo que toma por base a pena máxima, pois, ao menos para a acusação, aquela será a pena justa”.[80]
Todavia, pode ser reconhecida a prescrição da pena mesmo com interposição de recurso da acusação, desde que este não vise ao agravamento da pena. “Não impede a prescrição retroativa, o apelo da acusação que vise a fim diverso que o da agravação da pena privativa de liberdade imposta na sentença condenatória, como, v. g., o que pretende alterar a qualidade da pena.” [81]
Insta salientar que, caso ocorra a emendatio libelli (quando o juiz não modifica o fato criminoso narrado na exordial acusatória, mas atribui outra classificação jurídica, na sentença, diversa da peça preambular – art. 383 do CPP), e uma das partes insurge contra esta desclassificação jurídica, a prescrição retroativa terá como base a pena da classificação jurídica inicial, logo, por não ter sobre esta decisão do juiz a quo, o quatum debeatur para este fim será a pena máxima da definição jurídica narrada na peça acusatória, ainda que se trate de prescrição retroativa.
“Em caso de desclassificação do delito pela sentença com a pena correspondente aplicada, insurgindo-se uma das partes contra a desclassificação, o efeito suspensivo do apelo manterá até a final decisão a classificação originária da exordial acusatória, de modo que o prazo prescricional é contado pela classificação dada na proemial, enquanto não transitar em julgado a sentença”.[82]
É imprescindível, para que se possa cogitar em prescrição retroativa, a existência de uma sentença condenatória ou um acórdão condenatório, ambos recorríveis, para este último caso, a sentença proferida pelo juiz a quo será absolutória e o juízo ad quem irá reformá-la, condenando o réu.
Outrossim, aplica-se a prescrição retroativa à sentença absolutória imprópria, porém, em tal caso, o prazo prescricional se pautará na pena máxima abstratamente cominada ao delito, pois não há dosimetria de pena para fixação da medida de segurança, ou seja, é uma exceção ao princípio individualização da pena, até porque a medida de segurança, que faz parte do gênero sanção penal, leva em consideração a periculosidade do indivíduo; ao revés da pena, que no direito brasileiro tem dupla finalidade, quais sejam, retribucionista e preventiva (geral e especial). Este é o entendimento majoritário da jurisprudência pátria:
“[…]II – "A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal" (STF, RHC 86888, Rel. Min. Eros Grau, DJU de 02/12/2005).O prazo para a prescrição da medida de segurança regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada ao delito. (Precedentes). II – In casu, a denúncia foi recebida em 31/03/1998 e a sentença absolutória imprópria foi proferida em 26/04/2000, tendo sido o paciente recolhido à casa de internação somente em 13/04/2007. Destarte, forçoso reconhecer que houve a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, porquanto decorreu o lapso temporal superior ao estabelecido no art. 30 da Lei nº 11.343/06 (2 anos). Habeas corpus concedido.”[83]
Todavia, há o entendimento minoritário que conclui pela observância da pena mínima cominada abstrativamente ao delito para os casos de sentença absolutória imprópria (conforme foi dito no capítulo 4.1 do presente trabalho).
Vale ressaltar que tanto a legislação penal quanto a jurisprudência pátria, constantemente, modificam a aplicação da prescrição retroativa, ora expurgando-a do meio jurídico, ora restringindo o seu campo de atuação, isto é, a sua existência sempre foi contestada na seara jurídica. Como bem observa o ilustre jurista Antônio Rodrigues Porto:
“Depois de alguns anos de vigência do Código Penal de 1940, uma corrente jurisprudencial começou a considerar retroativamente a pena aplicada pela sentença; ou seja, enquanto não havia sentença condenatória, a prescrição se orientava pela pena máxima em abstrato, mas depois de fixada a pena, o montante desta era utilizado para o cálculo da prescrição nas fases anteriores do processo. No STF o Min. Nélson Hungria era o defensor dessa retroatividade, e o seu maior opositor era o Min. Luiz Gallotti; a sustentação dos respectivos pontos-de-vista deu margem a eruditos debates. Essa corrente favorável à retroatividade veio a se tornar vencedora nessa Corte, e a final essa orientação foi cristalizada em súmula, que tomou o n. 146. Tamanho prestígio adquiriu tal súmula, que os juízes passaram a interpretá-la, e não à lei. Assim, a súmula substituiu a lei. E vários problemas despontaram na aplicação da referida súmula”.[84]
Com efeito, a prescrição retroativa é um instituto jurídico de origem nacional, cuja origem decorre de obra jurisprudencial, pacificando-se o seu emprego, tão-somente, com a edição da Súmula nº 146 do STF, que diz: “A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação”.[85]
Tal entendimento só incorporou o ordenamento jurídico pátrio através da Lei nº 6.416/77, que deu nova roupagem ao artigo 110 do CP, passando a prescrição retroativa ser um instituto jurídico de comando legal, e não mais uma mera elucubração jurisprudencial.
Todavia, o referido comando legal restringiu o seu alcance, se comparada com a extensão dada pela Súmula nº 146 do STF. Isso porque, a lei, ao entender que tal modalidade de prescrição se insere na espécie de prescrição executória, acabou por limitar sua extensão, até por que não se contemplou, na sua contagem de prazo prescricional, o lapso temporal anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa, isto é, entre esta e a data do fato criminoso, acabando por contrariar o entendimento consolidado pela Súmula nº 146 do STF.
Com a reforma do Código Penal em 1984, o legislativo reconsiderou a posição adotada pela jurisprudência, qual seja, de que a prescrição retroativa faz parte da prescrição da pretensão punitiva, bem como se atém aos prazos anteriores ao do recebimento da denúncia ou da queixa.
Não obstante, tal compreensão foi novamente refém do pensamento provecto do legislativo, tendo em vista que com a edição da novel regra estabelecida pela Lei nº 12.234/10, veio a arruinar àquela compreensão consagrada pela jurisprudência pátria, visto que desconsiderou o prazo da prescrição retroativa anterior ao recebimento da denúncia, restabelecendo assim o entendimento obsoleto da Lei nº 6.416/77.
Cabe salientar que esta regra contemplada na Lei nº 12.234, de 05 de maio de 2010, só valerá para os crimes cometidos a partir desta data, até porque tal comando legal é prejudicial ao réu – novatio legis in pejus -, aplicando-se assim o princípio da irretroatividade da lei penal, conforme preceitua o artigo 5º, inciso XL, do nosso Texto Maior.
4.1.3. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
Também denominada de prescrição subseqüente ou superveniente, esta outra subespécie de prescrição da pretensão punitiva da pena em concreto, encontra-se expressamente contemplada no artigo 110, §1º, do Código Penal Brasileiro. Tal comando legal refere-se tanto para prescrição intercorrente, como também para prescrição retroativa.
Subsistem semelhanças entre a prescrição retroativa e a intercorrente, em razão da fixação da pena justa; é dizer, após o trânsito em julgado para acusação ou, quando houver recurso deste, ser improvido, ou, por fim, a impugnação não atacar o quantum do preceito secundário fixado na sentença condenatória. A seguir, ajusta-se tal prazo num dos incisos do artigo 109 do Código Penal:
“O fato de ter o decisum transitado em julgado para o Ministério Público não faz com que a prescrição ocorrida posteriormente à sentença penal condenatória seja considerada como da pretensão executória, pois que, aqui, como se percebe, o Estado não conseguiu formar o seu título executivo judicial. Por mais que quisesse, o Estado não poderia executar a sua decisão, razão pela qual a natureza de tal prescrição deverá ser considerada como da pretensão punitiva”.[86]
A prescrição retroativa e a intercorrente se diferenciam no modus operandi de contagem do prazo prescricional, uma vez que naquela a contagem retroagirá, levando-se em conta o prazo entre a sentença ou acórdão condenatórios recorríveis e a primeira causa de interrupção que a seguir, e, assim, sucessivamente até o primeiro marco inicial de interrupção (art. 117 do CP): pela pronúncia (se for procedimento especial do júri), pelo recebimento da denúncia ou da queixa (se for procedimento comum). Já para prescrição intercorrente a contagem se dará adiante, ou seja, fixada a pena, conta-se o prazo prescricional entre a sentença ou acórdão condenatório até o instante anterior ao transito em julgado da decisão condenatória definitiva, pois, a partir deste marco, só poderá ocorrer a prescrição executória.
Vejamos o quadro comparativo entre prescrição retroativa e intercorrente:
RDQ_____________________TJSCA_____________________TSCD
A——————————————–|B—————————————-|C
RDQ= Recebimento da denúncia ou queixa
TJSCA = Trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação
TSCD= Trânsito em julgado da sentença condenatória definitiva
Do ponto A ao ponto B conta-se o prazo prescricional, baseando-se na pena fixada na sentença ou acórdão condenatórios recorríveis, desde que transitada em julgado para a acusação (prescrição retroativa). Já para a prescrição intercorrente leva-se em consideração o quatum da pena, contando o prazo prescricional do ponto B até o instante anterior ao ponto C, se dentro deste interregno temporal for constatado prazo superior ao prazo prescricional calculado nos termos do art. 109 do CP, deverá ser declarada extinta punibilidade do agente em razão da prescrição intercorrente.
“O prazo prescricional superveniente à condenação não é interrompido pelo acórdão confirmatório nem pela interposição de embargos infringentes. De maneira que a prescrição da pretensão punitiva, na ausência de recurso da acusação, pode ser declarada quando decorrido o prazo respectivo entre a data da publicação da sentença condenatória e o termo ad quem, não se interrompendo pelo acórdão que julga a apelação ou os embargos infringentes, nem pela interposição de recurso extraordinário ou especial pela acusação.”[87]
Desta ilação, percebe-se que a prescrição da pretensão punitiva vai num só crescente, entrecortando-se desde a prescrição da pena em abstrato até se findar na prescrição intercorrente, que é a última modalidade de prescrição da pretensão punitiva, até porque, passada tal hipótese, só se cogitará em prescrição da pretensão executória, quando, então, será formado o título executivo judicial.
“A prescrição superveniente é assim denominada porque ocorre depois da sentença condenatória (ou absolutória imprópria), mas dependerá da inexistência de recurso da acusação tendente ao aumento da pena, sendo contada a partir da data da publicação da sentença, até o trânsito em julgado final da condenação”.[88]
Há de se destacar ainda que o aumento de 1/3 (um terço) do prazo prescricional para o caso de condenado reincidente, conforme preceitua a parte final do artigo 110, caput, do CP, somente será aplicado na hipótese de prescrição da pretensão executória, consoante entendimento da Súmula nº 220 do STJ: “A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva.” [89]
4.2. PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA
Até o presente momento foi estudado o instituto da prescrição da pretensão punitiva, que é a inércia do titular do jus accusationis em avistar o verdadeiro sujeito ativo do delito, que após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória definitiva não será mais considerado como presumidamente inocente (art. 5º, LVII, da CF).
A indolência do titular da ação penal em exercer o jus accusationis, que pode ser de natureza privada (ação penal exclusivamente privada ou ação penal privada subsidiária da pública) ou pública (ação penal pública condicionada ou incondicionada), acabará por prejudicar o exercício do jus puniendi, que é privativo do Estado.
Todavia, quando o titular do jus accusationis for ágil, não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva. Caso a inércia seja do Estado, no uso de suas atribuições do jus puniendi estatal, haverá a prescrição da pretensão executória.
“Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o direito de punir concreto se transforma em jus executionis: o Estado adquire o poder-dever de impor concretamente a sanção imposta ao autor da infração penal pelo Poder Judiciário. Pelo decurso do tempo o Estado perde esse poder-dever, i.e., perde o direito de exercer a pretensão executória.”[90]
Com efeito, superada a fase da pretensão punitiva, dá-se início a pretensão executória (art. 110, caput, do CP), dispondo o Estado dos mecanismos inerentes que dispõe para cumprir o determinado na sentença penal condenatória. Não obstante, este poder-dever não é ilimitado, devendo o Estado exercê-lo dentro de certo período, que é o cálculo sobre a pena imposta em definitivo, ajustando-a aos prazos prescricionais estabelecidos no artigo 109 do Código Penal.
“A prescrição da pretensão executória começa quando a sentença torna-se irrecorrível, tomando por base a pena aplicada. Os prazos são os do art. 109 do CP, os quais se sujeitam às causas de aumento e diminuição, a saber, idade, suspensão, interrupção.”[91]
Como foi visto anteriormente, a medida de segurança aplica-se à prescrição penal, seja de pretensão punitiva ou executória. Se for semi-inimputável o prazo prescricional terá como base a pena dosada pelo Juiz antes da substituição (art. 26, § único c/c art. 98, ambos do CP). Já no que concerne ao inimputável (art. 26, caput,c/c art. 97, ambos do CP) o prazo prescricional se pautará na pena máxima abstratamente cominada ao delito, conforme preceitua o entendimento pacífico da jurisprudência.
Reconhecida a prescrição da pretensão executória, esta irá suprimir tão-somente o efeito principal da sentença penal condenatória, ou seja, expurgará o preceito secundário do tipo penal que pesa sobre o sujeito ativo do delito. Com efeito, permanecerá subsistindo os efeitos penais secundários e extrapenais oriundos da sentença penal condenatória. Ao contrario sensu, admitida a prescrição da pretensão punitiva, nenhum efeito penal recairá sobre o réu.
A contagem do prazo da prescrição executória se inicia por três hipóteses elencadas no artigo 112 do Código Penal:
a) No dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação;
b) No caso do livramento condicional ou do sursis, na data em que transita em julgado a decisão revocatória; e
c) No dia em que se interrompe a execução da pena, salvo quando o tempo da interrupção deva ser computado.
Na hipótese “a” inicia-se a contagem da prescrição executória do transito em julgado da sentença condenatória para acusação, entretanto, valerá tal contagem só após o transito em julgado da sentença penal condenatória em definitivo. Por outras palavras, uma vez transitada em julgado para acusação, é conditio sine qua non o transito em julgado também para defesa, aí, sim, pode se pensar em prescrição executória, ainda que sua contagem se inicie com o trânsito em julgado daquele e não deste.
“Dessa forma, transitando a decisão em julgado para a acusação (Promotor de Justiça, querelante e assistente da acusação), é dessa data que se conta o lapso prescricional, ainda que não tenha sido intimado o réu. Isso, entretanto, depende de uma condição: que a sentença também tenha transitado em julgado para a defesa. Ocorrendo esse requisito a contagem se faz da data do trânsito em julgado para a acusação.”[92]
Não corre prazo prescricional durante o período de prova do sursis da pena e no livramento condicional. No entanto, uma vez transitada em julgado a decisão do juiz da execução que os revoga (pois, da decisão que revoga tais institutos cabe agravo em execução – art. 66, III, “d” e “e”, c/c art. 197, ambos da Lei nº 7.210/84), inicia-se a contagem do prazo prescricional da pretensão executória, razão pela qual a quantidade da pena a ser considerada será a da pena suspensa (sursis) ou o seu restante (livramento condicional- art. 88 c/c art. 113, ambos do CP).
Na hipótese “c” iniciará a contagem do prazo da prescrição executória, quando ocorrer alguma causa que a interrompe, quais sejam, pelo início ou continuação do cumprimento da pena (evasão do condenado) e pela reincidência.
Como é óbvio, se o condenado já estiver preso, não há que se falar em início de prazo prescricional, ainda que o seu início de cumprimento da pena interrompa o prazo prescricional. Tal situação está resguarda na parte final do inciso II do artigo 112 do Código Penal, que diz: “salvo quando o tempo de interrupção deva ser computado”.
Não obstante, a fuga do condenado dá ensejo a contagem do prazo da prescrição executória, que foi interrompida pelo início do cumprimento da pena e, caso resgatado o preso foragido, será novamente interrompido o prazo prescricional pela continuação da pena.
O lapso temporal que as autoridades estatais deverão se ater, ao realizarem a tentativa de resgate do preso foragido, será o restante da pena a ser cumprido por este (art. 113 do CP), ajustando-se tal período ao disposto do artigo 109 do CP. Para configurar àquele restante de pena, abate-se o período em que o condenado foragido esteve preso em razão do cumprimento de pena imposta em definitivo. Em vista disso, não se aplicará os preceitos do instituto jurídico da detração, razão pela qual não será descontado o período que, eventualmente, o réu esteve preso em virtude de prisão cautelar.
“Convém salientar que não se aceita a detração penal do período de prisão provisória do condenado na pena concretizada pela sentença como base de cálculo para a contagem do lapso prescricional e eventual redução do período liberatório com fulcro no tempo residual, prevalecendo para este efeito, conseqüentemente, o quantum efetivamente aplicado.”[93]
A jurisprudência pensa da mesma forma, senão vejamos:
“PENAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. DETRAÇÃO PARA FINS DE CONTAGEM DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça o período em que o réu permanece preso provisoriamente, em razão de flagrante, serve apenas para desconto da reprimenda a ser cumprida, não se empregando a detração para fins prescricionais. 2. Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a execução penal”.[94]
E, por fim, a reincidência é causa de interrupção do prazo da prescrição executória relativa a delito anterior, incidindo-se também o aumento de 1/3 no lapso prescricional em tal hipótese (art. 110 do CP).
“Assim, se determinado condenado encontrar-se foragido e vem a praticar novo crime, o lapso prescricional que está em curso interrompe. O momento da interrupção será a data do novo crime, mas como militará em favor do réu o estado de inocência deverá ser aguardado o julgamento do novo fato para que se possa falar em reincidência.”[95]
A prescrição executória não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo (art. 116, parágrafo único, do CP), ficando, neste período, suspenso o prazo prescricional. Portanto, se o réu estiver preso, seja por motivo de prisão cautelar, seja por cumprimento de pena no Brasil ou no estrangeiro, o prazo prescricional da pretensão executória ficará suspenso durante tal período.
5. PRESCRIÇÃO FUNCIONALISTA
Ao longo do presente trabalho, foram analisadas as teorias do crime, bem como o instituto jurídico da prescrição penal. Neste capítulo, será percebida a adequação de tais teorias ao instituto jurídico prescricional.
Será seguido, principalmente, o pensamento da teoria funcionalista, até porque sua concepção de Direito Penal é decorrente de uma visão mais ampla e humanizada, isto é, com o seu entendimento, serão descobertas novas opções de aplicação para prescrição penal aos casos concretos, que, diga-se de passagem, é um dos institutos jurídicos mais antigos do Direito contemporâneo.
Hodiernamente, a prescrição penal do ordenamento jurídico brasileiro está ligada a atual teoria do delito adotada por nós, que é a teoria finalista, e que, outrora, já se filiou à teoria causalista, quando esta foi a teoria perfilhada pelo Direito Penal Brasileiro.
Todavia, as teorias causalista e finalista são talhadas por uma metodologia de base fechada do Direito Penal, muito atentas ao formalismo apriorístico que cercam as proposições positivistas do Direito, diferentemente pois do funcionalismo, que se pauta sob o panorama de uma teoria sistêmica, enxergando o ordenamento jurídico como algo límpido, nas quais as normas não se contrapõem umas as outras, e sim caminham na mesma direção, já que são conteúdos do mesmo continente.
Além disso, tal pensamento advém da sociologia, que é uma ciência que acompanha as transmudações sofridas pela sociedade. Portanto, a teoria funcionalista vem a aprimorar institutos jurídicos em consonância com as necessidades contemporâneas de certa comunidade. “O funcionalismo pretende não apenas explicar o sistema jurídico, mas compor também uma análise global de todo o sistema social.” [96]
Como já foi abordado, no funcionalismo penal existem duas correntes: uma mais radical, que é o funcionalismo normativista de Jakobs, e outra mais comedida, que é o funcionalismo teleológico de Claus Roxin. Embora haja uma pequena diferença entre ambas as concepções, erigem, entre elas, mais pontos de semelhanças, quais sejam, a teoria da imputação objetiva e a culpabilidade, assim como os fins da pena.
Uma vez adotada a teoria funcionalista, apoiando-a num ideal de político-criminal pelo Direito Penal Brasileiro, e, como a prescrição penal é um instituto jurídico de índole constitucional, até porque está inserida nos postulados do Estado Democrático de Direito, notadamente à dignidade da pessoa humana, ela enveredará por caminhos mais amplos no que concerne à sua aplicação, pois esta deverá ser conjugada, não só pelas proposições positivistas, como também pelo juízo de valor a ser empreendido pelos órgãos acusatório e julgador do Estado. Enfim, poderá tal instituto jurídico extintivo de punibilidade ser referenciado a título de prescrição antecipada.
“A partir da adoção do fundamento constitucional-democrático, com identificação político-criminal da prescrição, e conseqüentemente presente o modelo funcionalista, conceitos metafísicos são afastados, sendo prescrita uma metodologia empírica orientada às conseqüências, logo, as questões de interesse da prescrição quanto a sua aplicação merecem ser revistas, e refiro-me aqui necessariamente à prescrição antecipada”.[97]
O funcionalismo penal prega por um Direito Penal eficiente, de modo que a máquina Estatal só deverá ser acionada, quando houver um interesse de agir do Estado em punir determinado indivíduo, ou seja, quando subsistir o binômio: interesse-adequação e interesse-utilidade, até porque existem custos operacionais a serem tolerados pela sociedade para aplicação do Direito Penal ao caso concreto.
Destarte, o Estado deve analisar o custo/benefício em manter um processo criminal, quando, sabiamente, compreende-se que ocorrerá a prescrição penal até final julgamento, isto é, o ônus financeiro a ser suportado pela sociedade será mais elevado com relação à mera insistência Estatal em perseguir vorazmente o réu, que, ao fim de todo custo desenvolvido pelo Estado através da polícia, Ministério Público, Magistratura, serviços auxiliares da justiça, e, em alguns casos, Defensoria Pública; será contemplado pela prescrição penal, logo, por que não antecipá-la?
“A idéia de eficiência do Direito Penal surge da análise econômica do Direito, mormente no âmbito do Direito privado, sendo objeto de análise a relação custo/benefício na elaboração das políticas jurídicas e na justificação das decisões judiciais. Afirma-se, igualmente, que a consideração de eficiência no âmbito do Direito Penal resulta mais próxima do utilitarismo, isto é, quando se pensa em eficiência do Direito Penal, tem que se pensar naquela conduta cujos benefícios globais (sociais) superam os custos com independência de que estes recaiam sobre alguém em concreto, e nessa medida lhe prejudiquem”.[98]
5.1. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU VIRTUAL
A prescrição antecipada, conhecida também por virtual ou em perspectiva, podendo ser reconhecida antes do processo ou durante seu trâmite, neste último caso se denomina também por prescrição retroativa antecipada, obra de uma construção jurisprudencial e doutrinária, vem trazendo grandes celeumas na esfera jurídica.
Os que preconizam serem avessos à sua aplicação, pugnam que tal prescrição carece de dispositivo legal, bem como atenta contra os princípios da individualidade da pena e do estado de inocência do réu, até porque tem como supedâneo dados aleatórios e inseguros, que, em última análise, afrontam também o princípio do devido processo legal. Conforme se verifica em alguns arestos jurisprudenciais colacionados pelo Prof.º Fábio Guedes de Paula Machado:
“Suposta data de trânsito em julgado de sentença condenatória, ou de hipotética condenação, não podem fundamentar o reconhecimento da prescrição, havendo evidente obstáculo constitucional, qual seja o desrespeito ao princípio do devido processo legal, visto ser necessário desenvolver o processo em todas as suas etapas, pois que só a sentença gera o status de condenado e do estado de inocência presumido, retirando do réu a possibilidade de ver proclamada sua inocência. Por fim, reconhece-se que, enquanto não houver trânsito em julgado da sentença condenatória, a prescrição se regula in abstracto” (art. 109, V, c/c o art. 117, I, do Código Penal).[99]
Já os que se manifestam favoravelmente ao emprego da prescrição antecipada, argumentam que o interesse de agir, que é um dos elementos da condição para propositura da ação penal, restará prejudicado quando se antevê o reconhecimento da prescrição penal antes mesmo de uma eventual condenação ou absolvição do réu. Por tal motivo, não haverá utilidade em prosseguir com o processo criminal se ele não trará nenhuma consequência jurídica relevante, pois o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva ceifará quaisquer efeitos condenatórios que poderiam erigir.
Além disso, rebatem com a alegação de que o dispêndio de tempo e o desgaste do prestígio da Justiça Pública, assim como o custo financeiro a ser alocado no processo criminal, são situações que poderiam ser evitadas, eis que todos que participam do processo criminal, de forma precedente, sabem se ele vingará ou não, ou seja, se o processo criminal será afetado pelos prazos prescricionais, os quais extinguem o feito sem o julgamento do mérito. Desta forma, elegem os princípios constitucionais da economia processual, celeridade processual e dignidade da pessoa humana, para nortear a aplicação da prescrição antecipada no ordenamento jurídico brasileiro.
“Por outro lado, sempre sustentamos a inexistência do interesse de agir, em face daquilo que se convencionou chamar ‘prescrição antecipada’ ou ‘prescrição virtual’, ou seja, quando se verifica que em face de a pena ser concretamente aplicada ocorrerá a ‘prescrição retroativa’ (art. 110, §§ 1º e 2º, CP). Isso porque, tendo embora o acusado direito a uma sentença de mérito, nosso sistema processual penal, inspirado no princípio da economia processual, determina, como regra, o encerramento do processo, antes mesmo do julgamento de mérito, sempre que ocorrer causa extintiva da punibilidade, ou outra causa que prejudique o exame do mérito da ação, como, verbi gratia, na hipótese da inutilidade de virtual provimento jurisdicional.”[100]
Hodiernamente, com a edição da Súmula nº 438 do STJ, que diz: "É inadmissível a extinção pela punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.[101] O pensamento contrário à aplicação da prescrição antecipada ganhou força, pois os órgãos julgadores começaram a acatar o posicionamento da referida Súmula, pacificando-se o entendimento da inaplicabilidade da prescrição em perspectiva no Direito Penal Brasileiro.
Contudo, este debate está longe de terminar, visto que existe o projeto de Lei nº 156/2009 do Senado Federal (reforma do Processo Penal), que está em vias de aprovação no Congresso Nacional, e, no seu artigo 260, inciso II; contempla a extinção do processo criminal sem julgamento do mérito, quando a ação penal descrever fatos criminosos prestes a serem acoimados pela prescrição penal. Portanto, o dispositivo supramencionado consagra a possibilidade de reconhecimento da prescrição penal antecipada ou em perspectiva, conforme preceitua:
“Art. 260. A peça acusatória será desde logo indeferida:
I – quando for inepta;
II – quando faltar interesse na ação penal, por superveniência provável de prescrição;
III – quando ausentes, em exame liminar, quaisquer das demais condições da ação ou de pressupostos processuais;
Parágrafo único. Considera-se inepta a denúncia ou a queixa subsidiária que não preencher os requisitos do art. 265, ou, quando da deficiência no seu cumprimento, resultarem dificuldades ao exercício da ampla defesa” (grifo nosso)
Com isso, aquilo que era obra jurisprudencial passará a ser instituto jurídico legal, reforçando a ideia de que faltará para o Estado, bem como para o ofendido (nos casos de ação privada ou subsidiária da pública), interesse de agir para promover a competente ação penal, quando, verificado todo o conjunto probatório constante nos autos do inquérito policial, assim como procedendo a uma análise antecipada de todas as circunstâncias judiciais, além das circunstâncias agravantes e atenuantes, seguindo-se às causas de aumento e diminuição de pena; o juiz poderá concluir, se for o caso, o reconhecimento da superveniência provável de prescrição penal, extinguindo-se o feito in limine sem examinar o seu mérito, nos termos do artigo 260, inciso II, do supracitado projeto de Lei.
Convenhamos, é salutar a aplicação da prescrição antecipada em alguns casos, até porque, de forma antecedente, as partes e o Juiz já preveem que determinado processo se sucumbirá em virtude da superveniência da prescrição penal, verbi gratia, na hipótese de um filho, ao ver seu pai tendo um ataque cardíaco em sua residência, apavorado com a situação, apanha a chave do veículo de seu pai para levá-lo a um hospital, no percurso, entre sua residência e o pronto socorro, conduz o veículo numa velocidade de 180 Km/h, sendo que o limite da via terrestre são 100 Km/h, e nela vem a atropelar uma vítima. Esta apresentou sua representação contra o agente, perante a autoridade policial, que, por sua vez, instaurou inquérito policial, iniciando-se assim as investigações policiais. Somente depois de 2 anos e 9 meses dos fatos é que as investigações policiais foram encerradas, lavrando-se o respectivo relatório do processado. O Promotor de Justiça verifica que o julgador jamais poderá, neste caso, aplicar a pena máxima para o delito de lesão corporal culposa, qual seja, 01 ano de detenção (art. 129,§ 6º, CP), em virtude das circunstâncias judiciais, causas agravantes e atenuantes, e causas de aumento e diminuição, que permeiam entorno dos fatos.
Ao examinar todas estas circunstâncias, o juiz não aplicará a pena máxima ao supracitado caso em concreto. Em vista disso, a pena a ser cominada será inferior a 1 ano, prescrevendo-se, assim, em 3 anos contados da data dos fatos (art. 109, VI, c/c art. 111,I, ambos do CP), por já ter se passado 2 anos e 9 meses, restam apenas 3 meses para que o processo criminal transite em julgado definitivamente, o que é impossível de acontecer.
Com efeito, o Promotor de Justiça requererá o arquivamento dos autos em razão da ausência de interesse de agir, faltando-lhe, neste caso, justa causa para promover a competente ação penal.
“Qual seria a utilidade da ação penal, que movimentaria toda a complexa e burocrática máquina judiciária, quando, de antemão, já se tem conhecimento de que ao final da instrução processual, quando o julgador fosse aplicar a pena, a quantidade seria suficiente para que fosse declarada a extinção da punibilidade com base na prescrição da pretensão punitiva estatal? Seria fazer com que todos os envolvidos no processo penal trabalhassem em vão, pois que, desde o início da ação penal, já se saberia que seria impossível a formação do título executivo penal.”[102]
Vale ressaltar que a prescrição penal antecipada deve ser aplicada de forma comedida, uma vez que, os exageros em sua aplicação, poderão transformar o processo criminal numa fábrica de impunidade, o que desvirtuaria todo o sistema jurídico penal brasileiro.
Deve-se, de forma precedente, ser examinado todo o conjunto probatório dos autos pelo juiz e pelo parquet, seja ação penal pública ou privada. Em seguida, ao vislumbrarem a inocorrência de qualquer modificação dos fatos delituosos, até porque a mutatio libelli é outro instituto jurídico que o ordenamento jurídico contempla e, por isso, não poderá ser preterido. O juiz e o parquet, em tal hipótese, poderão questionar um possível reconhecimento de prescrição antecipada.
Destarte, poderá a prescrição em perspectiva ser reconhecida antes mesmo de uma ação penal (o promotor de justiça requererá o arquivamento dos autos), ou após a sua propositura (assim que ofertada, o juiz indefere in limine – art. 260, II, PLS nº 156/09). Há ainda outra hipótese, logo após a instrução criminal, mais precisamente nos memoriais escritos ou nos debates orais, tendo em vista que, terminada a instrução criminal, as partes e o juiz saberão se houve alguma modificação dos fatos criminosos narrados na exordial acusatória, em caso positivo, o promotor aditará a denúncia. A contrario sensu, não poderá ser mais ventilada nova definição jurídica aos fatos criminosos, visto que a mutatio libelli não é cabível em sede de recurso (ver Súmula nº 453 do STF). Em vista disso, o parquet requererá, nos memoriais escritos ou nos debates orais, que seja declarada extinta a punibilidade do agente em razão da prescrição antecipada.
Não há que se cogitar em prescrição retroativa antecipada, eis que contraria a própria definição do instituto. Isso porque, para se falar em prescrição retroativa, necessário será uma sentença ou acórdão condenatórios recorríveis (ver capítulo 4.1.2). “A declaração da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa pressupõe a existência de uma sentença condenatória. Em face disso, não pode ser reconhecida antes da condenação.” [103]
Em suma, só ocorrerá a prescrição penal antecipada ou virtual antes da propositura da ação penal, ou após esta, mas precedentemente à prolação da sentença condenatória recorrível (seja através dos memoriais escritos ou debates orais, seja no exame realizado pelo juiz no recebimento ou não da peça acusatória).
6. CONCLUSÃO
Ao longo do presente trabalho, foi estudada a criação da prescrição penal, que é um dos institutos jurídicos mais antigos do Direito Penal, bem como suas nuances de transformação e aplicação no perpassar de séculos. Originária do Direito romano-germânico, veio a ser abarcada por legislações pretéritas e contemporâneas, variando conforme o tipo de governo que era seguido em determinado país.
Com esta ilação, os estudiosos perceberam que a aplicação da prescrição penal pode variar em consonância com a teoria do delito perfilhada por certo ordenamento jurídico, ou seja, faculta-se numa visão aberta ou fechada do Direito Penal. Naquela a teoria do delito é a funcionalista, nesta se refere a sistemas extremamente formalísticos, como as teorias do crime: causalista e finalista.
Mesmo nos sistemas formalistas do Direito Penal, eles acabam por importar institutos jurídicos dos sistemas menos formais – que interligam a ciência jurídica com outras ciências (sociologia, economia, etc.) -, entre tais institutos podemos citar: o princípio da insignificância, as causas supralegais de exclusão de antijuridicidade, entre outros.
O funcionalismo penal, que é uma teoria de crime com visão mais aberta do Direito Penal, destina-se a encontrar critérios de maior racionalidade, guiando-se por soluções justas e equilibradas, que se amoldem aos objetivos estatais, quais sejam, preocupar-se com os delitos que realmente ofendam a sociedade, além do que sejam eficientes ao Estado para que ele puna àquele que o pratica, isto é, leva-se em consideração o custo/benefício à sociedade, pois movimentar toda uma máquina estatal para um resultado inócuo, revela-se algo impensável, atraindo elevados prejuízos a ela, até porque é o cidadão que arcará com o ônus financeiro alocado na persecutio criminis, através dos encargos tributários compulsoriamente dirigidos a todos.
Vale ressaltar que a prescrição penal sempre se mostrou, ao longo do tempo, como um instituto jurídico controvertido, uma vez que já sofrera imposições de jurisconsultos de tomo que entendiam que ela deveria ser aniquilada do ordenamento jurídico, mas mesmo nos períodos de maior turbulência acerca de sua existência, manifestou-se consistente e apta a mudanças, a fim de ensejar melhoramentos para a sociedade e manter-se útil a esta.
Com a devida máxima vênia, o presente trabalho defende o acatamento da prescrição antecipada, eis que o primeiro passo já foi inicializado pelo Projeto de Lei nº 156/2009 de iniciativa do Senado Federal, que vem a contemplar mais uma vez a figura da prescrição penal em perspectiva que, outrora, era considerada pela jurisprudência pátria e, ulteriormente, veio a ser suprimida pelo atual entendimento dos nossos Tribunais de Superposição.
Em suma, mesmo nos ordenamentos jurídicos que não se enveredem por teorias do delito com visão mais ampla do Direito Penal, não devem deixar de importar conceitos e aplicação de institutos jurídicos teorizados no âmbito destes, até porque, conforme já abordado, a passagem de uma diretriz teórica a outra completamente distinta se realiza de forma paulatina. Não obstante, constata-se que nosso pensamento político-criminal está em crescente evolução, pois, aos poucos, vem agasalhando institutos jurídicos fomentados por teorias do delito com anseios de maior grau acerca do Direito Penal, das quais visam a priorizar os aspectos humanitários que circundam a sociedade, capaz de interligar a ciência jurídica com outras ciências, principalmente a sociologia, o que vem a prestar maior solidez ao princípio da dignidade da pessoa humana cujo fundamento se encontra nas Constituições que lutam para assegurar “O Estado Democrático de Direito”.
Servidor Público – Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP
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