Resumo: O presente estudo examina o instituto da prova ilícita,
iniciando-se pelos princípios processuais relativos à prova, destacando-se,
aqui, o sistema de avaliação do livre convencimento motivado. No que tange ao
assunto propriamente dito, a Lei Fundamental preconiza a vedação dos meios de
prova obtidos ilicitamente, tendo a doutrina e a jurisprudência, de forma
majoritária, adotado o entendimento da relativização do texto constitucional,
baseados no princípio da proporcionalidade, que deve ser o norteador das
soluções das demandas apresentadas no meio jurídico, servindo, também, para os
casos de prova ilícita por derivação. Neste contexto, tem-se como propósito,
também, estudar a ilicitude de elementos probatórios na esfera processual
civil, enfatizando-se a gravação clandestina ambiental e de conversas
telefônicas, a fotografia e, ainda, aspectos atinentes à interceptação de
comunicações telefônicas. Esta somente pode ser autorizada para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal, e, conseqüentemente, por
um Juiz referente ao campo de apuração (criminal). Antes do advento da Lei nº
9.296/96 – responsável pela regulamentação do procedimento interceptatório –
todas as autorizações judiciais neste sentido são nulas, ensejando a ilicitude
da prova por este meio colhida. Além disso, demonstra-se a possibilidade de
utilização do material coletado desta forma no âmbito processual civil, desde
que tenha sido respeitado o princípio do contraditório na ação penal.
Sumário: Introdução;
1. Princípios processuais relativos à prova; 1.1 Princípio dispositivo; 1.2
Princípio do contraditório e da ampla defesa; 1.3 Princípio da imediação; 1.4
Princípio da identidade física do juiz; 1.5 Princípio do livre convencimento
motivado; 2 A prova ilícita; 2.1 A prova como direito do cidadão; 2.2 Conceito
de prova ilícita; 2.3 Correntes doutrinárias sobre sua admissibilidade; 2.3.1
Teoria obstativa; 2.3.2 Teoria permissiva; 2.3.3 Teoria intermediária; 2.4 A
prova ilícita por derivação no direito comparado; 3 A prova ilícita na
legislação brasileira; 3.1 A prova ilícita no sistema constitucional vigente; 3.2
A prova ilícita no processo civil; 3.2.1 Aspectos gerais; 3.2.2 As gravações
clandestinas no processo civil; 3.2.3 A fotografia como prova; 3.3 A
interceptação telefônica no Brasil; 3.3.1 Conceito de interceptação telefônica;
3.3.2 A interceptação telefônica na Constituição Federal de 1988; 3.3.3 A
interceptação telefônica após a Lei nº 9.296/96; 3.3.4 A utilização da prova
colhida mediante interceptação telefônica no processo civil; Conclusão.
Introdução
A
prova possui importância no processo judicial na medida em que contribui
diretamente para a formação do convencimento do julgador acerca da lide. Ela
pode ser produzida de várias formas, quais sejam, com a realização de perícia
(prova pericial), a oitiva de testemunhas (prova testemunhal), o depoimento das
partes, a juntada de documentos (prova documental), etc.
É
necessário, no entanto, que o juiz acolha e valore, em regra, apenas os meios
de prova considerados lícitos, sob pena de causar insegurança jurídica.
Primeiramente, tem o dever de observar os princípios atinentes à prova, sendo
este o ponto de partida do presente estudo.
Após
este exame, passar-se-á diretamente ao instituto da prova ilícita, argumentando-se
com o direito de todos os cidadãos de demonstrar os fatos por eles afirmados, o
denominado direito à prova.
Pretende-se,
posteriormente, conceituar a prova ilícita, tecer considerações sobre suas correntes
doutrinárias, analisando-se, profundamente, o princípio da proporcionalidade, e
mostrar aspectos concernentes à prova ilícita por derivação, conhecida pelos
juristas brasileiros como a teoria dos frutos da árvore venenosa ou envenenada.
Objetiva-se,
ainda, apresentar elementos a propósito da ilicitude da prova no ordenamento
jurídico brasileiro, iniciando-se com a previsão do sistema constitucional
vigente.
Adentra-se,
em seguida, na esfera processual civil, onde há importância no estudo do
comando legal constante do Código de Processo Civil, nas gravações clandestinas
e na fotografia.
Investiga-se
o instituto da interceptação de comunicações telefônicas no Brasil, seu
significado e abrangência, sua licitude ou não como meio de prova com o advento
da Constituição Federal de 1988, como também no lapso entre esta e a Lei nº
9.296/96, responsável por sua regulamentação.
Busca-se
examinar referida lei, apresentando-se quais as formas aceitas e não admitidas
pelo sistema jurídico brasileiro de captação de comunicações telefônicas.
Por
fim, almeja-se investigar a respeito da possibilidade da utilização da prova
obtida mediante interceptação telefônica no processo civil veiculada por prova
emprestada.
Houve
a necessidade da realização de pesquisa bibliográfica e legislativa nas áreas
do Direito Processual Civil, Constitucional e Processual Penal.
Para
o desenvolvimento do assunto, escolheram-se os métodos dedutivo e analítico.
Este, pelo fato de serem apresentadas posições doutrinárias e jurisprudenciais
sobre os institutos mais relevantes, no intento de corroborar ou criticar
normas legais e/ou constitucionais. Aquele, pelo motivo de se iniciar o estudo
no sistema probatório brasileiro, seguindo-se na ilicitude da prova lato
sensu e, ao final, perquirindo-se a legalidade ou não de algumas de suas
modalidades, especificando-as. Em vista disso, partiu-se do geral para o
particular.
Esse
é o objetivo do estudo, o que se aguarda tenha logrado êxito.
1 Princípios processuais relativos à prova
1.1
Princípio dispositivo
O
princípio dispositivo significa que as partes devem ter a iniciativa de levar
ao processo as alegações e o material probatório que serão utilizados pelo
julgador para a formação do seu convencimento.
Os
países que consagram de forma absoluta aludido princípio vedam que o juiz, por
exemplo, determine ex officio a produção de uma prova que entenda
necessária e que não tenha sido requerida, sendo que, nestes casos, as partes
possuem o poder exclusivo de fazerem suas afirmações e trazerem as provas que
entenderem pertinentes.
Os defensores
deste entendimento afirmam a exigência de preservar a imparcialidade do
magistrado, que poderia ser quebrada, caso lhe fossem concedidos maiores
poderes investigatórios.[1]
O
direito processual pátrio determina a iniciativa exclusiva das partes no que
tange aos fatos alegados no processo, não se admitindo que o juiz profira a
sentença com base em situação fática estranha à lide.
Contudo,
tendo em vista a autonomia do direito processual, seu enquadramento no ramo do
direito público, como também o poder-dever que tem o Estado de prestação
jurisdicional, nosso sistema processual não adota o princípio dispositivo de
maneira irrestrita, passando o juiz de mero espectador para uma posição ativa
no processo.
Em
decorrência disso, o julgador pode ordenar de ofício as provas necessárias à
instrução do processo, consoante os termos do artigo 130 do Código de Processo
Civil Brasileiro, sempre observando o tratamento igualitário às partes. Pode-se
afirmar, portanto, que a aplicação do princípio dispositivo em relação à
produção das provas foi atenuado no nosso sistema processual.[2]
Não
obstante os termos do artigo 130 do Código de Processo Civil Brasileiro, em
regra, incumbe à parte provar o fato por ela alegado, consoante regra do artigo
333 do citado diploma legal, que enuncia o seguinte:
O
ônus da prova incumbe:
I –
ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II –
ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito do autor;
Assim,
tanto o autor, a partir de sua petição inicial, quanto o réu, em sua defesa,
possuem o ônus de provar os fatos por elas alegados. Por exemplo, caso o réu
apresentar sua contestação tempestivamente limitando-se a negar o fato alegado
pelo autor, o ônus da prova certamente incidirá sobre este, uma vez que cabe ao
postulante demonstrar a veracidade do fato alegado na petição inicial.
Porém,
se o requerido contestar a ação, afirmando fato capaz de elidir a situação
fática invocada pelo requerente, certamente o ônus probatório recairá sobre
aquele, com base na regra do artigo 333, II, do Código de Processo Civil
Brasileiro.[3]
A
palavra “ônus” não significa que a parte tenha obrigação de provar o fato por
ela narrado, mas sim o encargo de tal providência, isso porque a inobservância
de uma obrigação gera uma sanção, o que não ocorre com a parte que deixa de
provar o fato por ela afirmado.
Tal entendimento é corroborado por Humberto Theodoro
Júnior, nos seguintes termos:
“No processo civil, onde quase sempre
predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou
interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da
prova.
Esse ônus consiste na conduta
processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja
admitida pelo juiz.
Não há um dever de provar, nem à parte
contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples
ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os
fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende
resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga,
fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente”.[4]
A respeito,
invoque-se, ainda, a análise de Ovídio A. Baptista da Silva:
“Como todo direito se sustenta em
fatos, aquele que alega possuir um direito deve, antes de mais nada, demonstrar
a existência dos fatos em que tal direito se alicerça. Pode-se, portanto,
estabelecer, como regra geral dominante de nosso sistema probatório, o
princípio segundo o qual à parte que alega a existência de determinado fato
para dele derivar a existência de algum direito incumbe o ônus de produzir a
prova dos fatos por si mesmo alegados como existentes”. [5]
1.2
Princípio do contraditório e da ampla defesa
O
artigo 5º, LV, da CF/88, preceitua que “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Observa-se
que o direito de defesa é garantido tanto ao autor como ao réu, existindo o
direito das partes de alegarem fatos e de prová-los por meios lícitos.
O
contraditório pode ser definido mediante a expressão audiatur et altera pars
(ouça-se também a outra parte), ensejando o aparecimento da dialeticidade processual.
Ao
contrário do que ocorre no processo penal, onde é imperativa a ocorrência do
contraditório efetivo, tanto que a confissão do acusado, isoladamente, não pode
servir de base para a sua condenação, no processo civil é aceito o denominado
contraditório virtual, no sentido de que é admitido que o juiz profira sentença
condenatória baseada na revelia do réu.[6]
A
regra é de que o contraditório seja absoluto no processo de conhecimento, mas
pode sofrer limitações em virtude da sumarização de mencionada ação judicial,
como também nas ações de execução e cautelares.
No
processo de execução, por exemplo, o executado tem direito de defesa por meio
de embargos à execução, mas o contraditório não é pleno, uma vez que o Código
de Processo Civil Brasileiro prevê um rol taxativo de circunstâncias possíveis
do executado embargar o processo executivo.[7]
No
âmbito do direito probatório, o contraditório manifesta-se na oportunidade que
as partes têm para requerer a produção de provas, o direito de participarem diretamente
de sua realização, bem como o direito de se pronunciarem a respeito do seu
resultado. O princípio do contraditório necessita ser observado durante toda a
fase instrutória do processo, sob pena de cerceamento de defesa e possível
desconstituição da sentença com base em tal fundamento.[8]
1.3
Princípio da imediação
O
juiz é o responsável pela direção do processo. Este poder que a lei lhe confere
se depreende quando ele fixa prazos, declara a abertura ou o encerramento da
audiência, oportuniza que as partes se manifestem acerca de documentos ou do
laudo pericial, ouve os peritos e as testemunhas.[9]
Em
audiência, compete ao juiz proceder, direta e pessoalmente, à colheita das provas,
consoante regra estabelecida no artigo 446, II, do Código de Processo Civil.
Em
decorrência disso, deve ouvir as partes, seja em interrogatório ou em
depoimento pessoal, inquirir as testemunhas, fazendo as indagações formuladas
por ele ou pelos procuradores das partes, colher esclarecimentos do perito
sobre o laudo pericial e do assistente técnico a propósito do parecer técnico.
Este é o princípio da imediação.[10]
Tendo
em vista que as partes possuem como objetivo a produção de sua prova oralmente,
existe a necessidade de que o juiz atue de forma imediata, colhendo a prova
oral efetiva e pessoalmente.
O
juiz deve ter relação direta com a prova oral, não admitindo, em hipótese
alguma, que ela seja mediada por outra pessoa, como, por exemplo, deixar claro
que os advogados não podem fazer perguntas diretamente às partes, ou seja, às
testemunhas, aos peritos ou assistentes técnicos.
Conseqüentemente,
é vedado o relato realizado em Tabelionato ou colhido por escrivães,
secretários ou mesmo outro julgador que não seja o titular do processo. O
objetivo do mencionado princípio é que o magistrado constate diretamente se a
testemunha está falando a verdade, para que, posteriormente, tenha melhores
meios para avaliar a prova oral.[11]
Quando
o juiz estiver colhendo a prova oral e já estiver convencido sobre os fatos relatados,
não é recomendado que ele registre, na ata de audiência, sua impressão pessoal
valorativa a respeito das declarações prestadas. É necessário observar que
neste momento o magistrado está na fase instrutória do processo e somente deve
emitir sua convicção pessoal sobre o relato testemunhal quando da prolatação da
sentença.[12]
Contudo,
não há como observar o princípio da imediação em todos os casos que se
apresentam no meio jurídico, sendo cabível a análise de suas exceções.
O
modo mais freqüente de distanciamento do magistrado com a prova oral são as
cartas, tanto a chamada carta rogatória, expedida quando a parte ou testemunha
estiver domiciliada fora do país, quanto a carta precatória, emitida quando a
parte ou testemunha resida em comarca diversa da localidade onde tramita o
processo.
Nessas
situações, não será o juiz do processo quem procederá a oitiva das testemunhas
ou o depoimento pessoal da parte, mas ele tem a possibilidade de remeter ao
juízo deprecado perguntas que julgar relevantes. Tais indagações serão consideradas
supletivas àquelas formuladas pelo magistrado que efetivamente colherá a prova
oral.[13]
Outras
duas hipóteses excepcionam o contato direto do juiz com a prova oral. A
primeira é quando há necessidade de intérpretes para a oitiva de estrangeiros ou
surdos-mudos.
A
segunda situação ocorre na produção antecipada de provas, em que existe a
importância de ouvir a parte ou testemunha antes da propositura da ação. A
futura ação principal poderá ser distribuída a julgador diverso daquele que
ouviu antecipadamente a prova oral. Todavia, nenhuma das exceções expostas tem
o condão de esvaziar o sistema do princípio da imediação.[14]
Pelo
princípio do duplo grau de jurisdição, os processos sentenciados poderão ser
reexaminados pela instância superior mediante recurso legalmente previsto.
Nessas
circunstâncias, os efeitos do princípio da imediação praticamente não ocorrem,
uma vez que a prova oral foi produzida na fase instrutória do processo e não
será renovada para o julgamento do recurso.
Não
há, em regra, a oitiva de testemunhas ou o depoimento pessoal das partes na
sessão onde será apreciado o recurso interposto. Isso tanto é verdade que,
mesmo em se tratando de processos de competência originária dos Tribunais, é
comum a delegação da oitiva de testemunhas a juízes de primeiro grau.[15]
O
princípio da imediação visa, em última análise, aproximar o magistrado da prova
oral, para que no momento da prolatação da sentença, tenha condições de chegar
o mais próximo da verdade, propiciando uma decisão justa, devendo ser esta o
ideal do Direito.
1.4
Princípio da identidade física do juiz
O
artigo 132 do Código de Processo Civil Brasileiro enuncia que “o juiz, titular
ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver
convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado,
casos em que passará os autos ao seu sucessor”.
Este
é o princípio da identidade física, relativamente ao fato de que o juiz
responsável pela prova oral e finalizador da audiência de instrução e
julgamento tem a obrigação de proferir a sentença. A exigência é no sentido de
que apenas aquele que concluiu a audiência julgará a lide.
O
artigo 455 do referido diploma legal afirma que “a audiência é una e contínua.
Não sendo possível concluir, num só dia, a instrução, o debate e o julgamento,
o juiz marcará o seu prosseguimento para dia próximo”.
Por
conseqüência, quem iniciou a audiência e, por algum motivo, a suspendeu,
designando data posterior, não se vincula à prolatação da sentença.[16]
Nelson
Nery Júnior entende que não obstante tenha o juiz concluído a audiência, não
terá o dever de proferir a sentença se for afastado do órgão judicial por
quaisquer dos motivos elencados no artigo 132 do Código de Processo Civil
Brasileiro, consoante os termos abaixo:
“4. Afastamento do juiz. Mesmo que tenha concluído a
audiência, o magistrado não terá o dever de julgar a lide se for afastado do
órgão judicial, por motivo de convocação, licença, cessação de designação para
funcionar na vara, remoção, transferência, afastamento por qualquer motivo,
promoção ou aposentadoria. Incluem-se na exceção os afastamentos por férias,
licença-prêmio e para exercer cargo administrativo em órgão do Poder Judiciário
(Assessor, Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça etc.)”. [17]
A observância
do comando legal em exame é obrigatória pelo juiz, pois se trata de norma
cogente, de interesse público.
Salvo
as exceções previstas no referido artigo, se a sentença for proferida por
magistrado diverso daquele que concluiu a audiência de instrução e julgamento,
tal decisão será reputada como absolutamente nula.
Certamente,
o objetivo do princípio em análise diz respeito à maior probabilidade que terá
aquele que colheu a prova oral e praticou atos de forma concentrada na
audiência de decidir da maneira mais eficiente e justa.[18]
O
princípio da identidade física do juiz não tem aplicação em juízos coletivos,
como o da Justiça do Trabalho, nas demandas em que não há lide, caso da
jurisdição voluntária, bem como nos procedimentos documentais, sendo exemplo
típico o mandado de segurança. Vários países reconhecem mencionado princípio em
seus códigos de processo civil, podendo-se citar Portugal, Itália e México.[19]
O
Código de Processo Civil Brasileiro de 1939 consagrou o princípio da identidade
física de maneira radical, tanto que caso um magistrado iniciasse a instrução
do processo e fosse promovido, tinha o dever de retornar à comarca para dar
prosseguimento à audiência de instrução e julgamento.
Após
o advento da Lei 8.637/93, que deu nova redação ao artigo 132 do Código de
Processo Civil Brasileiro, ocorreram mudanças na aplicação do princípio, já que
a comentada norma legal trouxe expressamente exceções, como a convocação,
licença, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria.[20]
O
melhor é que o julgador mais presente e atuante no encadeamento dos atos
processuais certamente disporá das melhores condições de observar outro
princípio processual relevante, o do livre convencimento motivado.[21]
1.5
Princípio do livre convencimento motivado
Primeiramente,
cabe referir a existência, no direito processual, de três grandes sistemas de
avaliação da prova: o sistema da prova legal ou tarifada, o da livre apreciação
e o do livre convencimento motivado ou também denominado pelos doutrinadores de
sistema da persuasão racional.
O critério
da prova legal ou tarifada considera que cada prova possui um valor previamente
preconizado em lei, não sendo admissível sua valoração conforme impressões
próprias. Deve, o juiz, observar os exatos termos da lei quando da avaliação do
conjunto probatório.
Em
decorrência disso, conquanto a prova produzida na ação judicial não demonstre a
verdade e a lei lhe atribua valor, o magistrado precisa decidir com base nela,
desconsiderando totalmente os fatores racionais que poderiam formar seu
convencimento.
Esse
sistema de avaliação da prova foi muito utilizado no direito medieval, onde o
valor da prova testemunhal era previsto em lei e o julgador estava vinculado a
observá-lo.
Por
exemplo, o depoimento de um servo jamais tinha o mesmo peso que o de um nobre.
Porém, a declaração realizada por dez servos correspondia à de um nobre ou
senhor feudal, embora o juiz tivesse certeza de que o depoimento prestado pelo
servo era o verdadeiro.[22]
No
sistema da livre apreciação da prova, o juiz é totalmente livre para formar seu
convencimento acerca dos fatos, porque pode utilizar suas convicções pessoais,
ainda que não decorram logicamente das provas e dos fatos constantes do
processo.
Caracteriza-se
este sistema como o oposto do critério da prova legal, uma vez que o magistrado
não tem a obrigação de observar previsões legais valorativas atinentes à prova.[23]
Porém,
é relevante o alerta dado quanto ao perigo pela opção ao critério da livre
apreciação da prova, ipsis literis:
“No segundo, ao contrário, ao juiz se entrega poder arbitrário,
porquanto, não apenas não se lhe limita o exame, podendo inclusive lançar mão
de seu conhecimento privado, como se o dispensa de motivação. É o julgamento secundum
conscientiam, de que serve como exemplo, hoje, e em nosso sistema
processual penal, o que realiza o jurado. Exatamente porque de consciência, do
julgamento se poderia demitir, ‘jurando sibi non liquere’ “.[24]
Os
sistemas probatórios modernos não utilizam o critério da prova legal, tampouco
o da livre apreciação da prova.
Existe
a preferência por um modelo misto, chamado de livre convencimento motivado ou
da persuasão racional, baseado em características dos dois tipos acima
referidos.
O
direito processual brasileiro, no que tange à avaliação da prova, optou pelo
princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, conforme se
depreende dos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil pátrio:
“O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas
deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”.
O
julgador brasileiro, como regra, não está adstrito à lei no que se refere à
valoração da prova, assim como não tem liberdade total para apreciá-la, porque
há a condição de que se limite a observar os elementos probatórios pertencentes
ao processo. Ademais, o artigo 93, IX, da CF/88, exige decisão fundamentada do
magistrado, in verbis:
“Artigo 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal,
disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(…)
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos,
e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o
interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.
O
Superior Tribunal de Justiça, em várias decisões, suscitou a vigência do
princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional no sistema
processual brasileiro, como também aduziu seu significado:
“CRIMINAL. RMS. BUSCA E APREENSÃO. PROVA ILÍCITA. ILEGALIDADE NÃO-DEMONSTRADA DE PRONTO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. LEGALIDADE DA DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. O mandado de segurança constitui-se em meio impróprio para a análise de questões que exijam o reexame do conjunto fático-probatório – como as alegações de que a decisão que determinou a busca e apreensão na residência de no escritório do recorrente estaria fundamentada exclusivamente em prova ilícita, se não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade. A busca e apreensão, como meio de prova admitido pelo Código de Processo Penal, deverá ser procedida quando houver fundadas razões autorizadoras a, dentre outros, colher qualquer elemento hábil a formar a convicção do Julgador. Não há qualquer ilegalidade na decisão que determinou a busca e apreensão na residência de no escritório do recorrente, se esta foi proferida em observância ao Princípio do Livre Convencimento Motivado, visando a assegurar a convicção por meio da livre apreciação da prova. Não obstante ser cabível a utilização de mandado de segurança na esfera criminal, deve ser observada a presença dos seus requisitos constitucionais autorizadores. Ausente o direito líquido e certo, torna-se descabida a via eleita. (ROMS nº 7691/DF, STJ, 5ª T, Rel. Min. Gilson Dipp, D.J. 03.06.02, negado provimento, unânime)”“PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. MOTIVAÇÃO. LAUDO PERICIAL. NÃO-ADSTRIÇÃO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CULPA E NEXO CAUSAL. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. ENUNCIADO N.7 DA SÚMULA/STJ.RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. RECURSO NÃO-CONHECIDO. I – Inadmissível em nosso sistema jurídico se apresenta a determinação ao julgador para que dê realce a esta ou aquela prova em detrimento de outra. O princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico. II – Nos termos do artigo 436, CPC, “o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”, sendo certo, ademais, que o princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico. III – Para fins de pré-questionamento, é indispensável que a matéria seja debatida e efetivamente decidida pelo acórdão impugnado, não bastando que o Colegiado “mantenha” a sentença por seus próprios fundamentos. IV – O recurso especial não é a via apropriada para reexame de fatos e provas dos autos, a teor do enunciado n. 7 da súmula/STJ. (RESP nº 400977/PE, STJ, 4ª T, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, D.J. 03.06.02, não conhecido, por maioria).“Processual civil. Recurso especial. Ação de indenização. Livre Convencimento. Reexame das provas. Vedação. Enunciado 7/STJ.Embargos declaratórios. Caráter infringente. CPC, artigo 535. Ofensa não caracterizada. Estando bem fundamentado o acórdão recorrido, prevalece o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado forma sua convicção a partir das provas, da legislação pertinente, da jurisprudência, sem estar vinculado às alegações de qualquer das partes. (AGA nº 405610/SP, STJ, 3ª T, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, D.J. 25.02.02, negado provimento, unânime)““HABEAS CORPUS. TESTEMUNHA. ARTIGO 208 DO CPP. COMPROMISSO. O deferimento de compromisso à testemunha contraditada e que não poderia prestá-lo, a teor da letra do artigo 208, última parte, do Código de Processo Penal, não vicia a ação penal, mas exterioriza-se como mera irregularidade, pois, não encerrada a instrução e dentro do princípio do livre convencimento motivado, o juiz, não adstrito a critérios de valoração apriorístico, atribuirá ao depoimento o peso que sua consciência indicar, mediante fundamentação, nisto residindo, como, aliás, assevera, na exposição de motivos do Código de Processo Penal, do Ministro FRANCISCO CAMPOS, “a suficiente garantia do direito das partes…”. (HC nº 11896/RJ, STJ, 6ª T, Rel. Min. Fernando Gonçalves, D.J. 21.08.00, denegada a ordem, unânime)”
A
propósito do mencionado princípio, importante comentário foi feito por Nelson
Nery Júnior:
“2. Livre convencimento motivado. O juiz é soberano na análise das provas
produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao
magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula
pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que
nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o
pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei
que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso
concreto”.[25]
Correto
afirmar, então, a exigência de motivação em todas as decisões judiciais, ou
seja, deve ocorrer a apresentação dos fundamentos pelos quais se está decidindo
daquele modo.
Além
disso, não é apenas o Código de Processo Civil Brasileiro que adota
expressamente o princípio do livre convencimento motivado (artigo 131), mas
também o Código de Processo Penal Brasileiro, em seu artigo 157, dispondo que
“o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”.
Francisco
Campos, na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, alude que a
sentença precisa ser motivada, pois a observância desta exigência é garantidora
da segurança contra os abusos ou excessos, os erros de apreciação.
2 A prova ilícita
2.1
A prova como direito do cidadão
A Constituição Federal Brasileira de 1988 reputa o direito
constitucional de ação e o direito à prova como garantias fundamentais do
cidadão.[26]
Em conseqüência deste direito constitucional de ação, o
cidadão pode demandar judicialmente, postulando ao Estado-Juiz que lhe seja
entregue a proteção pertinente ao seu direito.
O direito à prova é uma decorrência lógica do direito
constitucional de ação. O cidadão, ao requerer a tutela jurisdicional,
necessita apresentar as provas preexistentes ao ajuizamento do processo e
postular a produção de outras cabíveis.
Como bem apanhado por Kenny e Rios, “a parte deve se valer
de todos os meios de prova possíveis e adequados para influenciar no
convencimento do Juiz. A prova é para o processo e a demonstração dos fatos
gera uma sentença mais justa e adequada”.[27]
Portanto, pode-se afirmar a relevância da prova no âmbito
do direito processual civil, porque é por meio dela que o Juiz forma seu
convencimento acerca da procedência ou não da pretensão deduzida.
A propósito do assunto, cabe aludir o ensinamento de José
Carlos Barbosa Moreira, in verbis:
“No pensamento praticamente unânime da doutrina atual, não
se deve reduzir o conceito de ação, mesmo em perspectiva abstrata, a simples
possibilidade de instaurar um processo. Seu conteúdo é mais amplo. Abarca série
extensa de faculdades cujo exercício se considera necessário, em princípio, para
garantir a correta e eficaz prestação da jurisdição. Dentre tais faculdades sobressai
o chamado direito à prova. Sem embargo da forte tendência, no processo
contemporâneo, ao incremento dos poderes do juiz na investigação da verdade,
inegavelmente subsiste a necessidade de assegurar aos litigantes a iniciativa –
que, em regra, costuma predominar – no que tange à busca e apresentação de
elementos capazes de contribuir para a formação do convencimento do órgão
judicial”. [28]
A finalidade da prova é convencer o juiz da veracidade dos
fatos narrados na exordial ou refutados pela defesa e, por conseqüência,
pode-se dizer que ele é o destinatário da prova.
A prova, em regra, passa por três momentos distintos: da
proposição, da admissão e da produção. Este é o posicionamento de Moacyr Amaral
Santos, consoante abaixo consignado:
“Alguns autores não separam o momento da admissão dos dois
outros momentos da prova – a proposição e a execução, ou produção, – uns
integrando-o naquele, uns conhecendo-o como parte deste (…)
Contudo, não parece haver dúvida que a admissão é distinta
da proposição e da produção. Basta considerar-se que aquela é ato do juiz, com
exclusividade, enquanto que a proposição, geralmente, é ato da parte e na
produção atuam, regra geral, aquele e esta. Além do que, não se faz suficiente
a simples proposta da prova para que se dê a sua produção. Esta só se verifica
quando ordenada, admitida, pelo juiz”. [29]
É o que ocorre, por exemplo, com a prova testemunhal e
pericial, as quais devem ser propostas pelas partes, cabendo ao juiz a
apreciação de sua admissibilidade e, caso deferidas, devem ser produzidas.
No primeiro caso, a prova será produzida em audiência, com
o comparecimento dos depoentes previamente arrolados. No segundo, dependendo da
natureza do fato a ser apreciado, será produzida com a nomeação de um perito de
confiança do juízo que, após esgotado o prazo concedido aos litigantes para
apresentarem quesitos e indicarem assistentes técnicos, irá investigar,
detalhadamente, o fato objeto da perícia.
Posteriormente, o expert apresentará nos autos do
processo o denominado laudo pericial, no qual constará a análise feita acerca
do fato, com as respostas aos quesitos formulados pelos litigantes e a
conclusão.
Há exceções de provas que não seguem ordenadamente os três
momentos anteriormente mencionados. Quando a parte autora, ao ajuizar a demanda
judicial, e o réu, ao protocolar sua defesa, apresentarem prova documental,
consoante regra estabelecida no artigo 396 do Código de Processo Civil
Brasileiro, ela será incorporada de imediato no processo quando do seu
deferimento.
Não
são todos os fatos que precisam ser provados, conforme preceitua o artigo 334
do citado diploma legal, in verbis:
Não dependem de prova os fatos:
I – notórios;
II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III – admitidos, no processo, como incontroversos;
IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.
Não
obstante, a regra processual civil a propósito do ônus da prova, como também a
garantia constitucional do direito à prova, esta capaz de efetivar o acesso à
justiça, tal direito não pode ser reputado absoluto, como, aliás, nenhum
direito ou princípio é irrestrito.
Este
foi o alerta dado por José Carlos Barbosa Moreira, ao insurgir-se no
particular:
“Por outro lado, convém ter presente que no direito em geral,
e no processo em especial, é sempre imprudente e às vezes muito danoso levar às
últimas conseqüências, como quem dirigisse veículo sem fazer uso do freio, a
aplicação rigorosamente lógica de qualquer princípio. Desnecessário frisar que
os princípios processuais estão longe de configurar dogmas religiosos. Sua
significação é essencialmente instrumental: o legislador adota-os porque crê
que a respectiva observância facilitará a boa administração da Justiça. Eles
merecem reverência na medida em que sirvam à consecução dos fins do processo, e
apenas em tal medida”.[30]
Em
vista da relativização da garantia constitucional do direito à prova, origina-se
o debate acerca de um dos temas mais polêmicos da atualidade, qual seja o da
prova ilícita ou, também denominado, provas obtidas por meios ilícitos.
Há, a respeito de aludido assunto polêmico, três correntes
doutrinárias que serão objeto de análise em tópico próprio.
2.2
Conceito de prova ilícita
Não
existe, no Brasil, um conceito único acerca da prova ilícita ou prova obtida
por meio ilícito, divergindo os autores a propósito do seu significado.
Por
exemplo, a prova ilícita pode ser conceituada no sentido lato ou no sentido
restrito. No sentido lato, abrange não apenas as provas que afrontam a
Constituição, como também as contrárias às leis ordinárias e aos bons costumes.
Em sentido restrito, dizem respeito àquelas ofensivas às disposições legais e
constitucionais.[31]
O
jurista Ovídio A. Baptista da Silva torna evidente não fazer distinção entre a
prova ilícita e a ilegítima, considerando-as uma só, quando afirma que “A
doutrina moderna, tanto no campo do processo penal quanto no domínio do
processo civil tem dedicado atenção especial ao problema das provas ilegítimas
ou provas obtidas por meios ilegítimos.” [32]
A
posição da maioria dos autores brasileiros é no sentido de diferenciar a prova
ilícita da ilegítima, conforme constatado abaixo:
“Prova ilícita é toda aquela que ofende o direito material. Há atualmente
uma confusão entre prova ilegítima e prova ilícita, mas não devem ser
confundidas, apesar de ambas não serem aceitas pelo nosso direito processual,
pois a prova ilícita fere o direito material enquanto a prova ilegítima o
direito processual. (…) Enfim, prova ilícita consiste na prova obtida por
meios não aprovados pela legislação pátria ou meios que contrariam direitos
zelados por alguma legislação, seja ela ordinária, complementar, carta magna
etc”. [33]
Este
entendimento é corroborado pela decisão abaixo consignada:
“Prova
ilícita. Interceptação, escuta e gravação, telefônicas e ambientais. Princípio
da Proporcionalidade. Encobrimento da própria torpeza. Compra e Venda com dação
em pagamento. Verdade processualizada. Doutrina e jurisprudência. 1 – Prova
ilícita é a que viola normas de direito material ou os direitos fundamentais,
verificável no momento de sua obtenção. Prova ilegítima é a que viola as normas
instrumentais, verificável no momento de sua processualização. Enquanto a
ilegalidade advinda da ilegitimidade produz a nulidade do ato e a ineficácia da
decisão, a ilicitude comporta um importante dissídio acerca de sua
admissibilidade ou não, o que vai desde a sua inadmissibilidade, passando da
admissibilidade a utilização do princípio da proporcionalidade. 2 – O princípio da proporcionalidade, que se extrai dos
artigos 1º e 5º da Constituição Federal, se aplica quando duas garantias se
contrapõem. A lei nº 9.296/96 veda, sem autorização judicial, a interceptação e
a escuta telefônica, mas não a gravação, ou seja, quando um dos interlocutores
grava a própria conversa. A aplicação há de ser uniforme ao processo civil, em
face da comunicação entre os dois ramos processuais, mormente dos efeitos de
uma sentença penal condenatória no juízo cível e da prova emprestada. 3 – A
garantia da intimidade, de forte conteúdo ético, não se destina a proteção da
torpeza, da ilicitude, mesmo que se trate de um ilícito civil. Na medida em que
o requerido, deliberadamente, confessa ao autor o negócio realizado, mas diz
que este não conseguiria prová-lo, pretende acobertar-se sob o manto da
torpeza, com a inadmissibilidade da gravação. A conduta do autor manteve-se
dentro dos estritos limites da justa causa, da necessidade de reaver seu
crédito, sem interferência ou divulgação para terceiros. 4 – A prova
testemunhal, ainda que indiciária, robora a existência do negócio jurídico
havido entre as partes. (Apelação Cível nº 70004590683, TJRS, 2ª Câmara
Especial Cível, Rel. Des. Nereu José Giacomolli, Data do julgamento 09.12.2002,
negado provimento, unânime).”
Prova
ilícita é a colhida com violação de normas ou princípios de direito material,
principalmente de direito constitucional, tendo em vista que a controvérsia
acerca do assunto diz respeito sempre à questão das liberdades públicas, onde
estão assegurados os direitos e as garantias relativas à intimidade, à
liberdade, à dignidade humana.
Também
se refere ao direito penal, civil e administrativo, áreas onde já se encontram
definidos direitos ou cominações legais passíveis de se contrapor às exigências
de segurança social, investigação criminal, inviolabilidade do domicílio,
sigilo da correspondência e outros.
O
direito material estabelece sanções próprias para a violação de suas normas,
tomando-se, como exemplo, o caso da violação do sigilo da correspondência ou de
infração à inviolabilidade do domicílio, que possuem penas cominadas no Código
Penal.[34]
Nelson
Nery Júnior também considera a prova ilícita quando sua proibição for de
natureza material, diferenciando-a da prova ilegal, que será sempre aquela
violadora do ordenamento jurídico como um todo, compreendendo leis e princípios
gerais, quer sejam de natureza material ou meramente processual.[35]
A
prova ilegal é gênero das espécies provas ilícitas e provas ilegítimas, pelo
fato de que abarca tanto a violação de natureza material (prova ilícita),
quanto a violação de natureza processual (prova ilegítima).
2.3
Correntes doutrinárias sobre sua admissibilidade
Importante
aspecto diz respeito à questão de se admitir a prova ilícita como válida e
eficaz no ordenamento jurídico de cada país, existindo três correntes
doutrinárias, que serão abaixo nominadas e analisadas.
2.3.1
Teoria obstativa
A
teoria obstativa pode ser entendida como aquela que considera inadmissível a
prova obtida por meio ilícito, em qualquer caso, pouco importando a relevância
do direito em debate.
Isso significa que a aludida teoria apoia-se no fato de
que a prova ilícita deve ser sempre rejeitada, reputando-se assim não apenas a
afronta ao direito positivo, mas também aos princípios gerais do direito, especialmente
nas Constituições assecuratórias de um critério extenso quanto ao
reconhecimento de direitos e garantias individuais.[36]
Os
defensores da teoria obstativa sustentam, conforme Francisco das Chagas Lima
Filho, que “a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por
mais altos e relevantes que possam se apresentar os fatos apurados.”[37]
De
acordo com esta teoria, o direito não deve proteger alguém que tenha infringido
preceito legal para obter qualquer prova, com prejuízo alheio. Nestes casos, o
órgão judicial tem o dever de ordenar o desentranhamento dos autos da prova
ilicitamente obtida, não reconhecendo-lhe eficácia.
2.3.2
Teoria permissiva
Já
segundo a teoria permissiva, a prova obtida ilicitamente deve sempre ser
reconhecida no ordenamento jurídico como válida e eficaz.
Em
todos os casos, deve prevalecer o interesse da Justiça no descobrimento da
verdade, sendo que a ilicitude na obtenção da prova não deve ter o condão de
retirá-la o valor que possui como elemento útil para formar o convencimento do
Julgador. Não obstante a validade e eficácia de aludidas provas, o infrator
ficará sujeito às sanções previstas pelo ilícito cometido.[38]
Ademais,
para esta teoria, a prova obtida ilicitamente precisa ser aceita válida e
eficazmente no processo por entender que o ilícito se refere ao meio de
obtenção e não ao seu conteúdo. Significa dizer que o infrator será penalizado
pela violação praticada, mas o teor do elemento probatório deverá contribuir
para a formação da convicção do magistrado.
2.3.3
Teoria intermediária
Entre
a teoria obstativa e a teoria permissiva, surgiu a intermediária, a qual não defende
nenhum dos dois extremos, ou seja, nem a inadmissibilidade absoluta da prova
ilícita (teoria obstativa), tampouco a admissibilidade absoluta da prova
ilícita (teoria permissiva). É o chamado princípio da proporcionalidade, que
necessita, primeiramente, do exame da sua evolução.
A
idéia de proporção já existia nos arquétipos do pensamento jurídico ocidental e
tinha a conotação de direito, assemelhando-se muito a essa noção.
Na
Antiguidade clássica, encontra-se o pensamento voltado ao princípio da
proporcionalidade, no qual o direito deveria possuir alguma utilidade. Essa
ótica de direito como uma utilidade também foi bastante difundida entre os
juristas romanos, entre eles, Ulpiano. Modernamente, o conceito do denominado
utilitarismo está presente no pensamento teleológico de Jhering, materializado
na obra “Zwed im Recht” (Finalidade no Direito), onde surgiu a
“jurisprudência dos interesses”, que, mais tarde, ensejou a criação da
“jurisprudência das valorações”, atualmente dominante no ordenamento jurídico
alemão.
No
que tange ao aspecto moral, os antigos gregos compreendiam que seu
comportamento deveria ser baseado na idéia de proporcionalidade como padrão do
justo.
Tal
noção foi realmente consolidada por Aristóteles mediante o conceito de “justiça
distributiva”, onde a partilha dos encargos e recompensas tinha que ser
realizada de acordo com a posição ocupada pela pessoa na comunidade e pelos
serviços ou desserviços que tenha prestado.
Assim,
a proporcionalidade permaneceu forte em todo o pensamento jurídico-filosófico,
como em Aristóteles, Dante, Hugo Grócio e outros. Nos séculos XVIII e XIX, a
conceituação de proporcionalidade guardou relação com as limitações
administrativas da liberdade individual, sendo acolhida pela Teoria do Estado. [39]
O
termo “proporcional” (verhaltnismassig), utilizado por Von Berg em 1802,
ganhou relevância na esfera do Direito Administrativo, quando foi aventada a
possibilidade da ocorrência da limitação da liberdade em virtude do Direito de
Polícia.
Tendo
em vista a proibição da força policial ultrapassar o limite estritamente
necessário e exigível para a realização de sua finalidade, Wolzendorff criou o Princípio
da Proporcionalidade entre os Meios e os Fins (Grundsatz der
Verhaltnismassigkeit). Durante a primeira metade do século passado, a
aplicação de mencionado princípio restringiu-se ao Direito de Polícia do
Direito Administrativo.[40]
O
princípio da proporcionalidade desempenhou um papel importante na Alemanha, no
período pós-II Guerra Mundial que, rompendo-se com a ancestral tradição da civil
law, foram reunidas possibilidades para um expressivo desdobramento da
doutrina das liberdades públicas, amparada nos artigos 1º e 2º da Lei
Fundamental Alemã.
A
jurisprudência alemã, além de aplicar causas de justificação como a legítima
defesa e o estado de necessidade, admitia exceções à proibição genérica de admissibilidade
das provas ilicitamente obtidas, sob o fundamento de realização de exigências
superiores de caráter público ou privado, merecedoras de particular tutela.
Chega-se,
neste momento, ao princípio da Güterund Interessenabwägung (ou seja, o
princípio do balanceamento dos interesses e dos valores) e, de forma reflexa,
ao Verhältnismässigkeitsprinzip (ou seja, o princípio da proporcionalidade
entre o meio empregado e a finalidade pretendida).[41]
Outra
questão de relevância é que os Tribunais Alemães, entre eles o Bundesgerichtshof,
têm recomendado a aplicação do princípio da proporcionalidade para a correta
solução dos casos relacionados às provas obtidas de forma ilícita.
Por
exemplo, no ano de 1970, o referido Tribunal Alemão, em sede de ação de
divórcio, entendeu que o interesse em provar fatos específicos em juízo não
poderia ter o condão de justificar a indevida invasão da esfera pessoal de um
indivíduo.
Este
julgamento não contou com boa parte da doutrina, sendo que alguns afirmaram que
a Corte Julgadora Alemã incorreu em erro na individuação dos valores
balanceados. Isso tanto é verdade que, no caso sob comento, não se tratava de
contrapor o direito da personalidade de um dos litigantes ao interesse objetivo
à descoberta da verdade, mas balancear o direito de um dos cônjuges com o direito
do outro, pois, se um pretendia ser protegido contra a invasão indevida na sua
esfera de intimidade, o outro tinha um direito igualmente respeitável à
dissolução do casamento.
Neste
caso judicial, assim como em outros, estão contrapostos dois direitos dignos de
tutela, e é neste aspecto peculiar que se fala no princípio da
proporcionalidade, concretizado por meio do balanceamento dos valores em jogo.[42]
Atualmente,
a maioria dos autores brasileiros filia-se a esta teoria. Kellyanne Kenny e
Taiana Rios explicam o significado e a relevância na apreciação do Julgador do
princípio da proporcionalidade frente às provas ilicitamente obtidas, ipsis
literis:
“O princípio da proporcionalidade se coaduna com a tese intermediária, ou
seja, nem deve aceitar todas as provas ilícitas, nem proibir qualquer prova
pelo fato de ser ilícita. Deve haver uma análise de proporcionalidade de bens
jurídicos.
Podendo-se ofender um direito através da prova ilícita se o outro direito
for de maior importância para o indivíduo, para que ocorra a prestação de uma
tutela mais justa e eficaz”.[43]
O Superior Tribunal
de Justiça, a respeito da licitude da prova, aplicou o princípio da
proporcionalidade, nos seguintes termos:
“PENAL. PROCESSUAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.”HABEAS CORPUS”. RECURSO. 1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal. 2. Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cujo harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade. 3. Precedentes do STF. (RHC nº 7216/SP, STJ, 5ªT, Rel. Min. Edson Vidigal, D. J. 25.05.98, por unanimidade, negar provimento)”
Há
dois pontos que precisam ser apreciados sob a ótica do princípio da
proporcionalidade. O primeiro ocorre quando o direito de maior relevância for o
violado. Neste caso, tal direito deverá ser tutelado pelo Poder Judiciário e,
conseqüentemente, a prova ilicitamente obtida não deverá ser aceita. O segundo
acontece no momento em que o direito oriundo da prova ilicitamente obtida
possuir maior relevância que o direito violado pela ilicitude na obtenção da
prova. Neste caso, a prova ilícita deverá ser aceita válida e eficazmente.
Em
decorrência disso, é indubitável que o princípio ou teoria da proporcionalidade
exige que sejam sopesados os interesses e direitos postos em questão,
predominando o de maior relevância.
Porém,
com certeza não é fácil o papel do Julgador quando da valoração desses direitos
colocados em confronto, já que ambos possuem pesos distintos conforme a
situação concreta que se apresentam.
Para
que o juiz tenha possibilidade de saber se é cabível a utilização da prova, ele
deverá fixar uma prevalência axiológica de um dos bens, quando comparado com
outro bem, de acordo com os valores existentes no momento da apreciação.
No
entanto, não se trata de realizar um cotejo valorativo abstrato dos bens em
confronto, tendo em vista que o princípio da proporcionalidade tem como exigência
a ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso
que é conferido ao bem respectivo em determinada situação.[44]
2.4
A prova ilícita por derivação no direito comparado
Questão
atual e importante diz respeito à chamada prova ilícita por derivação, casos em
que a prova deriva de outra obtida ilicitamente, isto é, provas que são lícitas
em si mesmas, mas que são oriundas de alguma informação extraída de outra
ilicitamente colhida.
São
os casos, por exemplo, da confissão colhida por meio de tortura, em que o réu
afirma o local onde se encontra o produto do crime, que vem a ser
posteriormente apreendido, e a interceptação telefônica clandestina, na qual o
órgão policial descobre uma testemunha do ocorrido, que, após seu depoimento,
incrimina o acusado. [45]
A
prova ilícita por derivação é conhecida como a “teoria dos frutos da árvore
envenenada” (the fruit of poisonous tree), criada pela Suprema Corte
norte-americana, onde o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.
A
Suprema Corte norte-americana entende que as provas serão ilícitas quando
obtidas por agentes públicos estaduais ou federais, por serem reputadas inconstitucionais
consoante a IV Emenda. Esta tutela os direitos individuais dos cidadãos, como
também dispõe acerca das garantias fundamentais contra a ingerência do Estado na
esfera particular do indivíduo. Não se permite que o Estado interfira no âmbito
particular do cidadão, visto que a IV Emenda é considerada uma forma de
proteção do particular contra atos abusivos dos agentes estatais.[46]
Entretanto,
pode-se afirmar que a doutrina dos frutos da árvore envenenada não é absoluta,
tanto que o Direito americano, criador da referida doutrina, reconheceu quatro
exceções, ou limitações, na Jurisprudência.
A
primeira limitação é a chamada “Limitação da Fonte Independente” (The
Independent Source Limitation), que foi aplicada no caso Silverthorne, em que
os fatos apurados através de uma violação constitucional não seriam,
necessariamente, inacessíveis ao tribunal, desde que tivessem condições de
serem provados por uma fonte independente.
A
exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada também foi invocada pela
Suprema Corte norte-americana nos casos “Bynum v. US” e “US v. Crews”, no
sentido de que a obtenção da prova mediante fonte independente não sofreria a
influência da violação regulada na IV Emenda, tendo perfeitas condições de ser
utilizada, por não estar diretamente ligada com a árvore. [47]
Outro
episódio aconteceu no caso “Murray v. US”, de 1988, quando a polícia possuía
indícios suficientes para conseguir um mandado de busca, motivada pela
possibilidade de ocorrência do delito de contrabando.
Porém,
ilegalmente, procedeu à busca carecendo do necessário mandado, encontrando o
corpo de delito no local. A polícia retirou-se do local da busca e, sem fazer
menção ao que foi encontrado, obteve do Magistrado um mandado calcado apenas
nos indícios previamente conhecidos.
Posteriormente,
de posse do necessário mandado, a polícia realizou a busca e apreendeu o
contrabando. Nesta decisão, a maioria da Corte manifestou-se afirmando a
necessidade da prova de que o mandado não havia sido requerido com base no que
foi encontrado ilegalmente, mas apenas pelos indícios anteriores à diligência
ilegal.
O
Tribunal salientou que, em sentido contrário, estaria se reconhecendo uma
relação de dependência e a limitação não poderia ser aplicada. A decisão não
foi unânime, já que alguns julgadores pugnaram a fundamentação da exclusionary
rule, dizendo que o reconhecimento da limitação por fonte independente
poderia encorajar policiais a primeiro constatar ilegalmente o crime, para
somente depois requerer, se ainda oportuno, o mandado, o que ensejaria sucesso
em todos os casos. Contudo, tal fundamentação não prevaleceu, e a analisada
limitação foi aplicada.[48]
Caso
bastante interessante também foi o “Segura v. US”, de 1984. Policiais sem
mandado entraram e permaneceram por horas na residência de um acusado, tempo em
que o mandado estava sendo providenciado com base em informações obtidas
anteriormente ao ingresso ilegal na mencionada residência.
A
Suprema Corte norte-americana, em maioria, aplicou a limitação da fonte
independente, argumentando que as provas não possuíam correlação direta à
ilegalidade realizada, mas ao mandado obtido perante o magistrado competente,
sem qualquer tipo de conexão.[49]
É
necessário o exame cuidadoso para o reconhecimento da “Limitação da Fonte
Independente” (The Independent Source Limitation), em vista da exigência da
demonstração cabal de que a prova a ser valorada pelo julgador originou-se de
uma fonte autônoma, sem qualquer relação de dependência com a prova ilícita.
Caso
não fique evidenciado no processo que a prova nasceu de uma fonte independente,
deverá ser aplicada a doutrina da inadmissibilidade da prova derivada, sob pena
de burlar facilmente tal proibição.[50]
A
segunda exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada é a denominada
“Limitação da Descoberta Inevitável” (The Inevitable Discovery Limitation),
significando que a prova decorrente de uma violação constitucional, como a IV
Emenda, poderia ser aceita desde que pudesse, inevitavelmente, ser descoberta
por meios jurídicos.
Não
se trata de saber se a prova foi ou não obtida com abstração da árvore
venenosa, pois, neste caso, a prova a ser admitida no processo é
inconstitucional. Em decorrência disso, é indispensável avaliar se, mesmo sendo
inconstitucional, tal prova seria hipoteticamente descoberta por meios
jurídicos disponíveis.
No
caso Nix V. Williams, de 1984, ficou estabelecido que a análise hipotética da
descoberta da prova por meios jurídicos não pode se basear em meras
conjecturas. No caso em apreço, a Suprema Corte expôs que é ônus da acusação
provar que a informação ilegalmente obtida seria, inevitavelmente, adquirida
por outros meios legais, reclamando fatos concretos, passíveis de pronta
verificação.[51]
A
terceira exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada é a chamada “Limitação
da Descontaminação” (The Purged Taint Limitation), segundo a qual, não obstante
ilícita a prova, poderá ocorrer no processo um acontecimento capaz de purgar o
veneno, imunizando os respectivos frutos conquistados.
Este
fato teria o condão de tornar secundária a ligação da prova com a violação da
norma constitucional. Dessa forma, a intervenção de um ato independente, como a
posterior confissão espontânea, e em consonância com os direitos fundamentais
do acusado, tornam a aludida prova como não sendo mais considerada obtida de
uma ilegalidade, pois houve quebra do nexo de causalidade com a árvore
envenenada.[52]
No
caso Wong Sun, policiais da narcóticos ingressaram, sem mandado, na residência
de “A” e o prenderam. Este, imediatamente após sua prisão, fez uma confissão,
acusando “B” como sendo o vendedor das drogas.
Posteriormente,
“B” também foi preso pelos agentes policiais, sem o devido mandado, e prestou
depoimento incriminando “C”, que foi preso ilegalmente. Após alguns dias, “C”
prestou, espontaneamente, declarações aos agentes policiais da narcóticos,
confessando sua participação nos crimes.
Em
conseqüência da confissão espontânea de “C”, “A” e “B” invocaram, em seu favor,
a doutrina dos frutos da árvore venenosa, requerendo a respectiva exclusão. A
Suprema Corte Norte-Americana acolheu o pedido de “A” e “B”.
Tentando
aproveitar-se do mesmo fundamento, “C” também requereu a exclusão, afirmando
que jamais teria confessado os crimes se não existissem as ilegalidades
praticadas contra “A” e “B”.
Todavia,
a Suprema Corte Norte-Americana não deu provimento ao pedido de “C”,
mencionando que a sua confissão voluntária, realizada em conformidade aos seus
direitos fundamentais, ensejou a atenuação da conexão entre a prisão e a
confissão, a tal ponto que acabou por dissipar o veneno. Portanto, o ato
praticado por “C” (confissão voluntária acerca dos crimes) rompeu o nexo de
causalidade gerado pela prova ilicitamente obtida.[53]
A
quarta exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada consiste na
“Limitação da Boa-Fé” (The Good Faith Exception), que foi inicialmente aplicada
pela Suprema Corte Norte-Americana, no caso United States v. Leon, em 1984,
quando os policiais realmente acreditaram que sua diligência havia observado as
disposições da IV Emenda.
Em Leon,
policiais da Califórnia cumpriram, de boa-fé, um mandado que foi posteriormente
invalidado. Os acusados invocaram a supressão da prova com base na doutrina dos
frutos da árvore envenenada, sendo que a Suprema Corte Norte-Americana
indeferiu a postulação dos acusados, fundamentando sua decisão na exceção em
exame.[54]
Cumpre
referir a observação feita por Danilo Knijnik quando da apreciação de uma prova
que tenha decorrido de uma prova ilícita, sendo que o referido autor menciona
uma quinta limitação à doutrina dos frutos da árvore envenenada, in verbis:
“Isso não quer dizer que, diante de toda e qualquer prova originariamente
ilícita,
deva ocorrer a supressão das evidências dela derivadas.
Cumpre aqui recordar que os tribunais deverão, necessariamente, verificar se o
caso não se subsume a uma dentre as cinco limitações abaixo:
– Limitação da Fonte
Independente, segundo Wong Sun v. United States, 1963.
– Limitação da Descoberta Inevitável,
segundo Nix v. Williams, 1984.
– Limitação da
Descontaminação, segundo United States v. Ceccolini, 1978.
– Limitação da Boa-Fé,
segundo United v. Leon, 1984; e, ainda
– Limitação da Expectativa
Legítima e Pessoal, segundo Rakas v. Illinois, 1978.
Como afirmou o Justice Frakfurther em United States v. Ceccolini, ‘aqui,
como em Silverthorne, os fatos impropriamente obtidos não se tornam sagrados e
inacessíveis.’ Será, pois, imprescindível passar a uma segunda etapa e
verificar se não é possível imunizar os frutos colhidos, após o que, realmente,
se deverá rejeitar o material probatório em questão”.[55]
No
Brasil, não há qualquer disposição legal acerca da prova ilícita por derivação,
sendo que a solução dos casos é buscada na doutrina e na jurisprudência.
Relativamente
a esta matéria, ocorreu um julgamento no Supremo Tribunal Federal que causou
grande repercussão no meio jurídico, nos seguintes termos:
“Prova
ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria
da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’
por ela estabelecida, possa o juiz, nos termos do artigo 5º, XII, da
Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de
investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus
pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação
das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou
entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a
existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a
condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação
decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso);
conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela
prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude
da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais,
venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas,
todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta
(fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.
(HC nº 69912-0/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D. J.
25.03.94, deferido, por maioria)”
Quanto a esta decisão, ocorreu divergência entre os
Ministros a propósito da aplicação da doutrina dos frutos da árvore envenenada,
tendo prevalecido, por maioria, a incidência de referida doutrina.
O relator do HC nº 69.912-0/RS, Ministro Sepúlveda
Pertence, em seu voto, foi favorável ao deferimento do hábeas corpus, conforme
abaixo:
“(…) o caso demanda a aplicação da doutrina que a melhor jurisprudência
americana constituiu sob a denominação de princípios dos fruits of the
poisonous tree; é que às provas diversas do próprio conteúdo das conversações
telefônicas, interceptadas, só se pode chegar, segundo a própria lógica da
sentença, em razão do conhecimento delas, isto é, em conseqüência da
interceptação ilícita de telefonemas (…) estou convencido de que essa
doutrina da invalidade probatória do fruit of the poisonous tree é a única
capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova
ilícita (…) De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria
‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela
contidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para
chegar a outras provas, que sem tais informações, não colheria, evidentemente,
é estimular e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina
de conversas privadas.
Analisando
o referido julgado do Supremo Tribunal Federal, em sede de hábeas corpus, é
necessário afirmar que ele trouxe ao meio jurídico o entendimento de que deve
ocorrer uma compatibilização entre a ampla liberdade que o Juiz possui para
apreciar a prova e a limitação ensejada pela doutrina dos frutos da árvore
envenenada. Há de se atentar não mais apenas à convicção formada pelo Julgador,
mas também à forma pela qual essa convicção foi buscada.[56]
Após
o exame da polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal, cabe trazer outros
julgados da mesma Corte, tendo utilizado o hábeas corpus nº 69.912-0/RS como
precedente:
“COMPETÊNCIA – HABEAS CORPUS – ATO DE TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em
relação a qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo
e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de Tribunal, tenha este, ou não,
qualificação de superior. PROVA ILÍCITA – ESCUTA TELEFÔNICA – PRECEITO CONSTITUCIONAL
– REGULAMENTAÇÃO. Não é auto-aplicável o inciso XII do artigo 5º da
Constituição Federal. E surge ilícita a prova produzida em período anterior à
regulamentação do dispositivo constitucional. PROVA ILÍCITA – CONTAMINAÇÃO.
Decorrendo as demais provas do que é levantado via prova ilícita, tem-se a
contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem. Precedente:
habeas-corpus nº 69.912/RS, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence perante o
Pleno, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 25 de março de 1994. (HC
nº 73.510-0/SP, STF, 2ª T, Rel. Min. Marco Aurélio, D. J. 12.12.97, deferido,
por maioria)”
“HABEAS
CORPUS. ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR
MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA
ILÍCITA. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA. ARTIGO 5º, XII, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. (…) Assentou, ainda, que
a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos termos do
referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros
elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou
indiretamente, das informações obtidas na escuta. (HC nº 73.351-4/SP, STF,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, D. J. 19.03.99, deferido, por maioria)”
A decisão realizada no HC
nº 73.351-4/SP, acima transcrita, foi comentada por Sérgio Salomão Shecaira, ipsis
literis:
“Certamente,
a posição mais sensível às garantias da pessoa humana e mais afinada com a
moderna concepção do processo penal, voltada à tutela da liberdade dos
acusados, é no sentido de inadmitir-se as provas ilícitas por derivação, tal
como fez o v. acórdão referido. Enfim, mesmo sendo processado alguém que
carrega a pecha de ‘traficante’, não lhe foram retirados os direitos inerentes
à cidadania, em decisão que, em nosso entender, é um banho de legalidade”.[57]
Portanto, não obstante a
ausência de disposição legal a respeito do assunto, a posição do Supremo
Tribunal Federal, conforme as decisões acima trazidas, é clara no sentido de
que as provas ilícitas por derivação não devem ser aceitas, em consonância com
a doutrina dos frutos da árvore envenenada e pelo efeito preventivo do disposto
no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal Brasileira, que será examinado em tópico
próprio.
3 A prova ilícita na legislação brasileira
3.1 A prova ilícita no sistema constitucional vigente
A
Constituição Federal de 1988 pode ser considerada distinta das suas
antecessoras, no que tange aos aspectos processuais, pois as constituições
brasileiras pretéritas jamais trataram de tais matérias com tamanha
abrangência.
Os
congressistas, componentes da Assembléia Constituinte, receberam importante
apoio de juristas na elaboração da Constituição Brasileira em vigor, o que, de
certa forma, explica a inclusão no texto constitucional de garantias
processuais dos direitos individuais e coletivos.[58]
A
Constituição Brasileira em vigor tratou do tema em seu artigo 5º, LVI, ao
afirmar que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Tal dispositivo refere-se a todos os processos indistintamente, seja na esfera
civil, penal ou de outros ramos do Direito, em qualquer lide com participação
apenas de particulares ou a presença do Estado.
Em
decorrência disso, existente uma ação judicial, os envolvidos no processo (este
reputado como o instrumento de realização do direito material postulado) não
poderão utilizar em seu favor, como regra, provas obtidas por meios ilícitos,
tendo em vista expressa vedação constitucional.[59]
Não
apenas no processo a ilicitude probatória é inadmissível. Quando a norma
constitucional em exame expressa os termos “no processo”, deve-se interpretá-la
de maneira a incluir referida vedação ao inquérito policial ou qualquer outra
forma de investigação criminal. Ora, se existe a proibição da utilização da
prova ilícita no intento de tutelar o acusado, necessário estendê-la também ao
indiciado, sob pena de violação ao princípio da isonomia.
Ademais,
como ela não pode ser admitida na fase processual, tampouco será aceita na fase
pré-processual, exatamente onde se insere o inquérito policial.[60]
Utilizando-se
uma interpretação literal, pode-se dizer, num primeiro momento, que a
disposição constitucional sob comento não comporta exceções, devendo ser aplicada
de forma irrestrita. A propósito do assunto, cabe aduzir o alerta dado por José
Carlos Barbosa Moreira, ipsis literis:
“Apesar
disso, é irrealístico pensar que se logre evitar totalmente a conveniência (ou
melhor, a necessidade) de temperar a aparente rigidez da norma. Para não ir
mais longe: como se procederá se um acusado conseguir demonstrar de maneira
cabal sua inocência com apoio em prova que se descobre ter sido ilicitamente
adquirida? Algum juiz se animará a perpetrar injustiça consciente, condenando o
réu, por mero temor de contravir à proibição de fundar a sentença na prova
ilícita?”[61]
Os juristas prestadores
de assessoria aos congressistas na elaboração do texto constitucional vigente
pertenciam à corrente doutrinária da inadmissibilidade absoluta da prova
ilícita ou teoria obstativa, já examinada.
Não se pode olvidar que
os fatos históricos anteriores ao advento da Constituição de 1988 contribuíram
fortemente para a rigidez da norma constitucional acerca da ilicitude da prova,
uma vez que o sistema constitucional vigente foi elaborado em período posterior
à modificação política no Brasil.
Durante muito tempo,
imperou em nosso país o regime autoritário, onde o Estado achava-se no direito
de intervir na esfera particular de cada cidadão, cometendo arbitrariedades,
abusos, graves violações à intimidade e à vida privada das pessoas. Os direitos
fundamentais não eram respeitados e nenhuma pessoa poderia reclamar tamanho
autoritarismo, pois era tal regime que reinava no Brasil.
A respeito, José Carlos
Barbosa Moreira ensina de forma brilhante que “a melhor forma de coibir um
excesso e de impedir que se repita não consiste em santificar o excesso
oposto”. [62]
O referido jurista,
seguidor da teoria intermediária, quis dizer que não obstante a queda recente
do regime autoritário quando do advento da Constituição Brasileira de 1988,
autoritarismo este violador dos direitos fundamentais dos cidadãos, os
elaboradores do texto constitucional atual não deveriam ter sido tão radicais a
ponto de se posicionarem no outro extremo.
Embora analisada sob sua
literalidade, a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, LVI, fora
muito rígida no que se refere à inadmissibilidade das provas ilícitas. A
doutrina brasileira e a jurisprudência, em sua maioria, pugnam pela necessidade
de se levar em conta os bens conflitantes e que o caso concreto seja sempre
solucionado à luz do princípio da proporcionalidade, já analisado,
posicionamento corroborado pelo julgado abaixo:
“Constitucional e Processual Penal. “Habeas Corpus”.
Escuta Telefônica com ordem judicial. Réu condenado por formação de quadrilha
armada, que se acha cumprindo pena em penitenciária, não tem como invocar
direitos fundamentais próprios do homem livre para trancar ação penal
(corrupção ativa) ou destruir gravação feita pela polícia. O inciso LVI do
artigo 5º da Constituição, que fala que ‘são inadmissíveis…as provas obtidas
por meio ilícito’, não tem conotação absoluta. Há sempre um substrato ético a
orientar o exegeta na busca de valores maiores na construção da sociedade. A
própria Constituição Federal Brasileira, que é dirigente e programática,
oferece ao juiz, através da ‘atualização constitucional’ (VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG),
base para o entendimento de que a cláusula constitucional invocada é relativa.
A jurisprudência norte-americana, mencionada em precedente do Supremo Tribunal
Federal, não é tranqüila. Sempre é invocável o princípio da ‘razoabilidade’
(REASONABLENESS). O ‘princípio da exclusão das provas ilicitamente obtidas’ (EXCLUSIONARY
RULE) também lá pede temperamentos. (HC nº 3982/RJ, STJ, 6ª T., Rel. Min.
Adhemar Maciel, D.J. 26.02.96, denegada a ordem, por unanimidade)”
3.2 A
prova ilícita no processo civil
Após a análise da questão
atinente à ilicitude da prova no sistema constitucional pátrio, é importante
tecer considerações de aludido tema no Código de Processo Civil.
3.2.1 Aspectos gerais
A Constituição Federal de
1988 veda expressamente a utilização de provas colhidas ilicitamente. No que
tange ao processo civil, o legislador brasileiro jamais inseriu qualquer
previsão acerca da matéria, apenas mencionando os meios de prova admissíveis em
juízo.
O Código de Processo
Civil Brasileiro de 1939, em seu artigo 208, afirmava que “são admissíveis em
juízo todas as espécies de prova reconhecidas nas leis civis e comerciais”.
Nota-se que apenas os meios probatórios constantes do Código Civil e do Código
Comercial eram reputados lícitos na esfera processual civil, não se admitindo
qualquer outro.[63]
O artigo 136, do Código
Civil Brasileiro de 1916, preconizava o seguinte:
“Os atos
jurídicos, a que se não impõe forma especial, poderão provar-se mediante. I –
confissão; II – atos processados em juízo; III – documentos públicos ou
particulares; IV – testemunhas; V – presunção; VI – exames e vistorias; VII –
arbitramento”.
Já o Código Comercial, no
artigo 122, dispunha que:
“Os contratos
comerciais podem provar-se:
1. por escrituras públicas;
2. por escritos particulares;
3. pelas notas dos corretores, e por certidões
extraídas dos seus protocolos;
4. por correspondência epistolar;
5. pelos livros dos comerciantes;
6. por testemunhas”.
As modalidades de prova
listadas nas leis civis e comerciais eram as únicas admissíveis,
constituindo-se em rol taxativo. É evidente que a disposição legal estava
ultrapassada face do avanço tecnológico mundial.
Em 1973, entrou em vigor
o atual Código de Processo Civil Brasileiro, trazendo alterações quanto aos
meios de prova admissíveis e, mais uma vez, o legislador brasileiro resolveu
não enfrentar expressamente a questão da sua ilicitude.
O artigo 332, do
mencionado diploma legal, preceitua que “todos os meios legais, bem como os
moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para
provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa”.
Percebe-se, com a leitura
do artigo acima, que os tipos probatórios legais foram ampliados, não existindo
mais um elenco exaustivo como no Código de Processo Civil Brasileiro de 1939.
Contudo, em que pese o
desaparecimento de referido rol, o artigo em exame possui um problema ainda
divergente na doutrina e na jurisprudência, qual seja o significado da inserção
dos meios de prova moralmente legítimos, sendo importante tal entendimento na
medida em que é necessário primeiramente investigar o real alcance do artigo
332 do Código de Processo Civil Brasileiro para depois saber quais são as
provas ilícitas na esfera processual civil.
Nelson Nery Júnior, ao
comentar o comando legal em apreço, afirma que as provas moralmente legítimas
são todos os “meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo
ordenamento jurídico para demonstrar a verdade ou não da existência e
verificação de um fato jurídico”.[64]
Há doutrinadores
compreendendo que os meios legais de prova são previstos em lei, além do Código
de Processo Civil, e que as modalidades moralmente legítimas são aquelas
atentas à moralidade média de uma determinada sociedade. Ocorrendo violação a
esta, o elemento probatório será considerado ilegítimo.[65]
A grande questão do
posicionamento doutrinário sobre os meios de prova moralmente legítimos é saber
qual o conceito de moralidade média de uma determinada sociedade.
Será que o julgador
conseguirá empregar o critério da moralidade média da sociedade brasileira
quando estiver diante de um processo civil, onde uma das partes invocar o
desentranhamento da prova por ser moralmente ilegítima?
A única certeza possível
é que a noção de moralidade média da sociedade brasileira é muito abstrata e
cada magistrado deve ter noções diferentes a respeito dela. Em decorrência
desse subjetivismo dado ao juiz, tal critério é equivocado, possibilitando o
surgimento de insegurança jurídica.
Estão corretos os
defensores que o artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro não
precisava fazer menção aos meios de prova moralmente legítimos. Bastava fosse
aduzida a prova legal ou lícita, pois o que se deve levar em consideração é a
legalidade do meio empregado, não sua legitimidade frente à moral, definição,
esta, vaga e imprecisa.[66]
Um exemplo típico de
modalidade probatória carecedora de previsão legal, mas que é considerada pela
doutrina como moralmente legítima é a denominada prova emprestada.
Em vista da dificuldade
da busca do verdadeiro alcance do artigo 332 do Código de Processo Civil
Brasileiro pela imprecisão em sua redação no que tange às provas moralmente
legítimas e a ausência de previsão em tal diploma legal a propósito da prova
ilícita, é forçoso reconhecer que, atualmente, no âmbito do processo civil,
cabe ao juiz apreciar no caso concreto, o que considera como ilegal ou, ainda,
moralmente ilegítimo, devendo sempre fundamentar a decisão, com fulcro no
princípio do livre convencimento motivado.
3.2.2 As gravações
clandestinas no processo civil
Um dos temas mais tormentosos
no processo civil diz respeito às gravações clandestinas e sua licitude ou não.
Inicialmente, é necessário trazer o seu significado para posterior exame da sua
utilização como meio de prova civil.
A gravação clandestina é
realizada por um dos interlocutores da conversa e pode se dar de duas formas: a
primeira ocorre quando há o registro por meio de aparelho telefônico,
denominada gravação telefônica; a segunda acontece quando os dados são
coletados em um ambiente de conversação, chamada gravação ambiental.[67]
Conseqüentemente, existem
as gravações clandestinas de conversas telefônicas e as gravações clandestinas
ambientais. Note-se que não há a intervenção de terceiro, sendo a gravação
registrada sempre por um dos personagens da conversa, telefônica ou ambiental,
consoante os termos abaixo:
“A gravação
clandestina, entendida esta, como acima referido, a praticada pelo próprio
interlocutor, prende-se à inexistência do fator terzeità, não podendo,
portanto, se enquadrar no conceito de interceptação. Consiste no registro da
conversa telefônica (gravação clandestina propriamente dita) ou da conversa
entre presentes (gravações ambientais) por um de seus participantes, com o
desconhecimento do outro”.[68]
O verdadeiro problema
incide na possibilidade de utilização da gravação clandestina no âmbito
processual civil. Sérias divergências ocorrem, tanto na doutrina como na
jurisprudência.
Alguns juristas pugnam pela
admissão da gravação clandestina, argumentando a ausência de vedação legal para
o seu uso, sendo possível o registro da conversa, telefônica ou ambiental, por
um dos participantes, desde que esta seja regular, em livre expressão do
pensamento.[69]
Neste sentido, é relevante aduzir o comentário, in verbis:
“Contrariamente,
a gravação por um interlocutor de sua conversa com outro, ainda que não
comunicada, a filmagem da conduta de alguém na via pública ou a filmagem feita
pelo proprietário, no interior de sua casa têm sido consideradas legítimas,
podendo ser apresentadas no Juízo Cível ou Criminal”.[70]
Existem, ainda,
doutrinadores pregadores da licitude da gravação clandestina no processo civil,
afirmando que a parte pode utilizá-la, caso não haja dever de guardar segredo
acerca do teor da conversa registrada, chamado direito à reserva. Ademais,
mesmo que a obtenção da prova acarrete violação à intimidade da parte
contrária, a ilicitude poderá não ser levada em conta em face de outro
interesse jurídico mais relevante, como a vida ou a saúde.[71]
Há autoridades jurídicas
com compreensão oposta, qual seja que a gravação clandestina precisa ser
repudiada pelo julgador, não se constituindo como meio de prova legal ou
moralmente legítima, exigência contida no artigo 332 do Código de Processo
Civil Brasileiro.
Além disso, aduzem que
caso aceita, ocorrerá violação ao artigo 5º, X, da Constituição Federal de
1988, dispondo que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação”.[72]
Assim como ocorre na
doutrina brasileira, a jurisprudência também não é pacífica quanto à
admissibilidade da gravação clandestina no processo civil. A seguir, segue uma
decisão do Superior Tribunal de Justiça, onde o relator afirma ser mencionada
prova ilícita, ipsis literis:
“PROCESSO
CIVIL. PROVA. A gravação clandestina, em fita magnética, de conversa
telefônica, não é meio de prova legal e moralmente legítimo. (RESP nº 2194/RJ,
STJ, 4ª T., Rel. Min. Bueno de Souza, D. J. 01.07.96, provido, por maioria)”.
No mesmo entendimento,
cabe transcrever, ainda, parte da fundamentação dos votos de três
Desembargadores do antigo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, componentes
da Oitava Câmara Cível, em sede de agravo de instrumento:
“Dra.
Genacéia da Silva Alberton: Conquanto o artigo 383 do CPC admita como meio de
prova ‘qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica,
fonográfica ou de qualquer espécie’ o artigo 332 do referido diploma restringe
o princípio nele contido, da ampla liberdade de apresentação das provas, à
legalidade e à moralidade da prova… Ora, em sendo ilícita a gravação de
conversa telefônica, não pode ser admitida como hábil a prova dos fatos, máxime
quando impugnada pelo agravante, que não lhe admite conformidade. Mais. Na
espécie, além de ilícita, a prova se constitui moralmente ilegítima, porquanto
obtida sem o conhecimento e consentimento do ora agravante.
Dr. Jorge
Luís Dall’agnol: Nesta seara – processos civis, de um modo geral – não há
pretender – salvo hipóteses excepcionais (atento à incidência do princípio da
proporcionalidade) – gravação clandestina de conversação telefônica com
desconhecimento dos ou de um dos interlocutores. Sendo assim, se a conversa é
gravada clandestinamente…a prova deste modo colhida não deve ser admitida no
processo em face do comportamento ilícito para a sua obtenção”.
Dr. José
Francisco Pellegrini: Na jurisprudência do direito alemão o tema encontrou uma solução
que me agrada e que recebeu o título da teoria da proporcionalidade e que caso a
caso colocam-se em confronto os danos resultantes da recepção de uma prova
ilícita com os danos resultantes de sua não recepção, prevalecendo o bem maior que
estiver em jogo. Contudo, como regra, eu também concordo com os colegas pela
inviabilidade deste tipo de prova por que também como regra existe um valor
maior a ser preservado que é a ética no convívio social e a ética no processo,
nós não podemos ficar todos os cidadãos a mercê, a cada momento, de invasões na
nossa intimidade por quem quer se diga interessado na apuração de qualquer
circunstância. (Agravo de Instrumento nº 197.165.012, TARS, 8ª Câmara Cível.,
Rel. Desª. Genacéia da Silva Alberton, D. J. 17.12.97, provido, por
unanimidade)”.
Contrariamente às
decisões acima colacionadas é o julgado do Superior Tribunal de Justiça, cujo
relator foi o Min. Nilson Naves:
“Processo Civil.
Prova. Gravação de conversa telefônica feita pela autora da ação de investigação
de paternidade com testemunha do processo. Requerimento de juntada da fita,
após a audiência da testemunha, que foi deferido pelo juiz. Tal não representa
procedimento em ofensa ao disposto no artigo 332 do CPC, pois aqui o meio de produção
da prova não é ilegal, nem moralmente ilegítimo. Ilegal é a interceptação, ou a
escuta de conversa telefônica alheia. Objetivo do processo, em termos de
apuração da verdade material (“A verdade dos fatos em que se funda a ação ou a
defesa”). (RESP nº 9012/RJ, STJ, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, D. J. 14.04.97,
não conhecido, por maioria)”.
Em vista do exposto,
pode-se salientar que a admissibilidade da gravação clandestina, de conversas
telefônicas ou ambientais, no processo civil, dependerá de caso a caso, com as
suas circunstâncias peculiares, não havendo, atualmente, no Brasil, posição
remansosa sobre o tema.
3.2.3 A fotografia
como prova
A fotografia é um meio de
prova admitido no processo civil, desde que observadas algumas condições. O
artigo 383, caput, do Código de Processo Civil Brasileiro prevê que
“qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica…, faz prova dos fatos ou
das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a
conformidade”.
Existe uma corrente
doutrinária fundamentando que para a fotografia não ser considerada ilícita,
deverá ser obtida por meio de autorização do fotografado, porque este terá a
oportunidade de invocar em seu favor violação a direito de personalidade.[73]
A pessoa contra quem se
produziu a prova fotográfica poderá ter dois comportamentos: alegar sua
irresignação ou admitir a sua conformidade.
Porém, caso ocorra a
impugnação à fotografia apresentada em juízo, não há que se falar, neste
momento, ainda, em perda da sua eficácia, incidindo o parágrafo único do artigo
383 do Código de Processo Civil Brasileiro, preconizando que “impugnada a
autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame
pericial”. Referido exame servirá para descobrir se a fotografia realmente é
autêntica, se não passou por um processo de montagem.
Na verdade, a fotografia
é destinada a fixar a imagem e é reconhecida pelo Código de Processo Civil
Brasileiro como meio de prova, mas necessita, também, ser acompanhada do
respectivo negativo, conforme os termos do artigo 385, §1º, do aludido diploma processual
civil. Caso ela tenha sido tirada em local público, o fotografado não poderá
afirmar sua ilicitude baseada em afronta ao direito de intimidade, porque havia
presente uma coletividade.[74]
Importante salientar que
a fotografia será, em regra, reputada ilícita de duas maneiras: a primeira
ocorrerá se o fotografado não tiver autorizado e suscitar violação ao direito
de intimidade, desde que não tenha sido tirada em local público; a segunda
acontecerá se não obstante autorização do fotografado, este impugnar a
autenticidade da fotografia e, após a realização do exame pericial a que se
refere o artigo 383, §único, do Código de Processo Civil Brasileiro, ficar
demonstrada que a fotografia não é autêntica.
Nessas hipóteses, a
reprodução fotográfica deverá ser desentranhada dos autos, tendo em vista sua
obtenção por meios ilícitos.
3.3 A interceptação
telefônica no Brasil
Um dos assuntos mais
corriqueiros no meio jurídico sobre a obtenção ilícita da prova diz respeito à
interceptação telefônica. É difícil tratar sobre a prova ilícita sem mencionar
e analisar a modalidade probatória mais questionada, qual seja a interceptação
telefônica. Indubitavelmente, a grande maioria dos julgados sobre a matéria
versa sobre o denominado “grampo” telefônico.
Primeiramente, é
imperativo o exame do conceito de interceptação telefônica, para que depois
seja possível tecer comentários a propósito de aludida prova.
3.3.1 Conceito de
interceptação telefônica
Anteriormente, foi
abordado, dentro da esfera processual civil, o assunto sobre gravação
clandestina, dividida em ambiental e conversas telefônicas. Esta última é a que
interessa no presente momento.
Não é possível confundir
a interceptação telefônica, em sentido estrito, com a escuta telefônica e a
gravação clandestina de conversas telefônicas. Nesta, conforme já aduzido,
ocorre o registro de conversa telefônica por um dos interlocutores, sem o
conhecimento e consentimento do outro participante, sem a intervenção de
terceiros.
Na interceptação
telefônica, há a intervenção de uma terceira pessoa, que grava a comunicação
telefônica sem o conhecimento dos dois interlocutores, sendo chamada de
interceptação telefônica strictu sensu. A escuta telefônica acontece da
mesma forma, com a captação da comunicação telefônica por um terceiro, porém um
dos interlocutores tem conhecimento da gravação. Este é o entendimento da
doutrina brasileira, ipsis literis:
“Pelo que
ficou exposto, conclui-se: interceptação telefônica (em sentido estrito),
portanto, é a captação feita por um terceiro de uma comunicação telefônica
alheia, sem o conhecimento dos comunicadores; escuta telefônica, por seu turno,
é a captação realizada por um terceiro de uma comunicação telefônica alheia,
mas com o conhecimento de um dos comunicadores… O que não se pode, de qualquer
modo, é confundir interceptação e escuta, de um lado, com gravação telefônica
(que é a captação feita diretamente por um dos comunicadores), de outro”.[75]
Conseqüentemente, a
escuta telefônica é uma forma de interceptação, mas com o conhecimento de um
dos interlocutores, como acontece, por exemplo, em casos de seqüestro, onde a
polícia capta a comunicação telefônica entre os criminosos e a família do
seqüestrado, com a cognição desta. O fato de um dos participantes saber da
captação não desnatura a interceptação telefônica.[76]
Após a menção feita sobre
o significado da interceptação telefônica, em sentido estrito, sua distinção da
escuta e da gravação clandestina de conversas telefônicas, é importante
analisá-la no regime jurídico brasileiro.
3.3.2 A interceptação
telefônica na Constituição Federal de 1988
Antes da promulgação da
Constituição Federal de 1988, o sistema constitucional brasileiro vedava,
aparentemente, de maneira absoluta, a captação de comunicações telefônicas.
A Emenda Constitucional
nº 1, de 1969, em seu artigo 153, §9º, preconizava sobre a inviolabilidade da
correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, salvo nos casos
de estado de sítio e de estado ou medidas emergenciais.[77]
Neste período, a
interceptação telefônica era tratada pelo Código de Telecomunicações, Lei nº
4.117/62, e em seu artigo 57, inciso II, letra “e”, dispunha que não se
configura violação de telecomunicação o conhecimento dado ao Juiz competente,
mediante requisição ou intimação deste. Ademais, o artigo 56, §2º, do mesmo
texto legal, aduzia que a operação técnica de interceptação deveria ser feita
pelos serviços das estações e postos oficiais.[78]
Juristas defendiam que a
norma constitucional sobre a inviolabilidade da correspondência e das comunicações
telegráficas e telefônicas não poderia ser considerada de forma absoluta, tendo
em vista a necessidade de interpretação sistemática, onde nenhum direito ou
garantia torna-se regra absoluta. Importante ressaltar que, mesmo para esses
doutrinadores, as exceções legais deveriam ter autorização judicial motivada,
observância da ocorrência de crimes graves e a presença dos requisitos do periculum
in mora e do fumus boni iuris.[79]
Em 1988, sobreveio a
Constituição Federal, constando em seu artigo 5º, XII, que “é inviolável o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal”.
A norma constitucional
veda expressamente, como regra, a interceptação de comunicações telefônicas,
ressalvadas as hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal. Note-se que o artigo sob
comento restringiu a possibilidade de utilização do procedimento
interceptatório à esfera penal, tanto na fase da investigação criminal como no
curso da ação penal.
Porém, mais uma vez
ocorreu divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à recepção pela
Constituição Federal do Código de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, única lei
que tratava na época da interceptação telefônica, ou pela necessidade de nova
legislação regulamentadora do artigo 5º, XII, da Constituição Federal.
Prevaleceu, na doutrina
brasileira, de forma majoritária, o segundo entendimento, qual seja, de que o
dispositivo constitucional em análise não é auto-aplicável e não recepcionou as
normas atinentes à interceptação telefônica constantes do Código de
Telecomunicações, necessitando de nova lei que regulamente a matéria, conforme
os termos abaixo:
“A lei disciplinadora
da matéria ainda não foi editada (…) Enquanto a aludida lei não for
promulgada, somente existem, para disciplinar legalmente a matéria, os
dispositivos do Código de Telecomunicações. Todavia, como visto, essa lei não
cuida das hipóteses a que alude o inc. XII do artigo 5º da Constituição,
limitando-se, quanto à forma, a prescrever que a operação técnica deve ser
efetuada pelos serviços das estações e postos oficiais.
Assim, não se
pode dizer que o Código de Telecomunicações supra a exigência constitucional.
Enquanto não for promulgada a lei disciplinadora das hipóteses e formas das
interceptações e escutas telefônicas, não há base legal para a autorização
judicial. E as operações técnicas porventura efetuadas serão ilícitas,
subsumindo-se à espécie do inc. LVI do artigo 5º da Constituição”.[80]
O Supremo Tribunal Federal andou pelo
mesmo caminho da doutrina, consoante se verifica na decisão abaixo transcrita:
“HABEAS
CORPUS. CRIME QUALIFICADO DE EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO (CP, ARTIGO357, PÁR.
ÚNICO). CONJUNTO PROBATÓRIO FUNDADO, EXCLUSIVAMENTE, DE INTERCEPTAÇÃO
TELEFONICA, POR ORDEM JUDICIAL, PORÉM, PARA APURAR OUTROS FATOS (TRÁFICO DE
ENTORPECENTES): VIOLAÇAO DO ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO. 1. O artigo 5º,
XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das
comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e
a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a
referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova
ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando
haja ordem judicial (CF, artigo5º, LVI). b) O artigo57, II, a, do Código
Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição
(artigo5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das
hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações
telefônicas. 2. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não
distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de
presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas,
prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. 3. As provas obtidas por meios
ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se
inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com
mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, artigo5º, LVI), ainda
que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima
das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo crime, de
prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento
do processo. (HC nº 72588/PB, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa,
D. J. 04.08.00, provido, por maioria)”.
Após oito anos de espera, entrou em
vigor a Lei nº 9.296/96, de 24 de julho de 1996, que regulamentou o artigo 5º,
XII, da Constituição Federal de 1988. Tendo em vista o entendimento de que a
norma constitucional não é auto-aplicável, todas as interceptações telefônicas
autorizadas e realizadas no lapso entre o advento da Constituição Federal de
1988 e a entrada em vigor da Lei nº 9.296/96 devem ser consideradas ilícitas.
Embora o Superior Tribunal de Justiça,
por algumas de suas Turmas, possuía a compreensão que, em determinadas
circunstâncias, mesmo sem lei regulamentadora do inciso XII do artigo 5º da
Constituição Federal de 1988, poderia ser utilizada a interceptação de
comunicações telefônicas[81],
ocorreram decisões em sentido contrário, corroborando o posicionamento
majoritário da doutrina brasileira e do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO
MEDIANTE SEQÜESTRO. PROVA OBTIDA POR MEIOS ILÍCITOS. ESCUTA. LEI Nº 9.296/96.
PROVA RESTANTE. EFEITO EXTENSIVO. I – A escuta telefônica realizada antes da
Lei nº 9.296/96, ainda que calcada em ordem judicial, não estava juridicamente
amparada, acarretando prova obtida por meio ilícito (Precedentes do Pretório
Excelso). II – Se o restante da prova foi considerado imprestável para uma
condenação, correta a aplicação do efeito extensivo, ex vi artigo 580 do CPP
(Precedente do Pretório Excelso). (RESP nº 225450/RJ, STJ, 5ª T., Rel. Min.
Felix Fischer, D. J. 08.03.00, não provido, por unanimidade)”.
Como a Constituição
Federal de 1988 enuncia como regra a inviolabilidade do sigilo das comunicações
telefônicas e excepciona, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal, importante analisar o regime jurídico dado às interceptações telefônicas
após a entrada em vigor de citada lei, qual seja a Lei nº 9.296/96, de 24 de
julho de 1996.
3.3.3 A interceptação
telefônica após a lei nº 9.296/96
Depois do advento da Lei
nº 9.296/96, acabaram as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da
ilicitude da prova colhida mediante interceptação de comunicações telefônicas,
pois referida lei trouxe vários dispositivos. Para que a captação seja
considerada lícita, é imperativo que haja integral observância aos comandos
legais advindos da lei.
O artigo 1º da Lei nº
9.296/96 preconiza o seguinte:
“A
interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em
investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto
nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob
segredo de Justiça.
Parágrafo
único. O disposto nesta lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações
em sistemas de informática e telemática”.
Pela redação do
dispositivo legal acima, cabe analisar, inicialmente, o que se entende por
interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza.
Indubitavelmente, o
artigo 1º, caput, da Lei nº 9.296/96, abarca tanto a interceptação
telefônica em sentido estrito como a escuta telefônica, cujos conceitos já
foram aduzidos, pois ambas possuem como característica a captação de
comunicação telefônica alheia. Contudo, as gravações clandestinas de conversas
telefônicas e ambientais, bem como a interceptação ambiental, não estão
abrangidas pela Lei nº 9.296/96.[82]
Outro aspecto é que a interceptação
de comunicações telefônicas somente pode ser autorizada para fins de
investigação criminal e instrução processual penal. Ademais, a interceptação,
para ser lícita, dependerá de ordem do juiz competente da ação principal. Portanto, somente o juiz criminal possui competência para
deferir o pedido de interceptação, sendo tal providência proibida pelo juiz da
área civil.[83]
Quanto à competência para
o seu deferimento, há duas indagações a serem respondidas. Caso o pedido de
interceptação seja realizado no plantão judiciário, como fica a situação se o
juiz que irá presidir o processo principal não for o plantonista? Além disso,
caso o inquérito ainda não foi distribuído, não se saberá quem é o juiz
competente da ação principal. Como ficará essa hipótese?
Nos dois casos,
certamente a prova colhida será válida, pois o procedimento previsto na Lei nº
9.296/96 é de natureza cautelar, não podendo se escolher momento apropriado
para a sua realização. Ademais, a decisão de deferimento da prova é provisória
e só se tornará definitiva no momento em que o juiz da ação principal avaliar a
admissibilidade da prova colhida, como também seu teor.[84]
A interceptação
telefônica deverá ser realizada sob segredo de justiça e isso se justifica para
que não seja prejudicada a própria finalidade da prova. Existe o interesse do
Estado e da justiça na persecução penal.
Por exemplo, caso os
interlocutores da comunicação telefônica tivessem prévio conhecimento da sua captação,
certamente não fariam prova contra si mesmos e estaria totalmente comprometido
o seu objetivo. A Lei nº 9.296/96, acertadamente, prevê sigilo absoluto na
realização da interceptação telefônica.[85]
No que tange ao parágrafo
único do artigo 1º da Lei 9.296/96, há polêmica na doutrina brasileira sobre
sua constitucionalidade.
Alguns juristas, como
Vicente Greco Filho, entendem que, em se admitindo a interceptação de
comunicações pelo sistema de informática e telemática, se estaria violando o
sigilo dos dados, o que é vedado pela Constituição Federal de 1988. Esta, em
seu artigo 5º, XII, apenas ressalva, em casos excepcionais, a quebra do sigilo
das comunicações telefônicas.[86]
Salienta-se que as
comunicações em sistemas de informática e telemática são aquelas feitas via
modem em sistemas de computador, utilizando-se linha telefônica ou similares,
sendo a telemática a ciência responsável pela manipulação e utilização da
informação por meio do uso combinado do computador e meios de telecomunicação.[87]
Existe uma corrente
doutrinária intermediária que pugna pela constitucionalidade restrita do artigo
1º, parágrafo único, da Lei nº 9.296/96. Afirmam a presença no texto legal da
expressão comunicações telefônicas, abarcando sua interceptação a qualquer
modalidade, ainda que realizada por meio de sistemas de informática existentes
ou que venham a ser desenvolvidos, desde que observe a forma comunicações
telefônicas, ou seja, utilize a telefonia.[88]
A terceira corrente
doutrinária afirma a integral constitucionalidade da norma legal sob comento,
consoante os termos abaixo:
“(…)
entendemos que o parágrafo único em questão é absolutamente legítimo,
inquestionavelmente constitucional. Estão regidas pela Lei 9.296/96 tanto as
comunicações telefônicas como as comunicações telemáticas (independentes da telefonia),
seja no que se refere à possibilidade de restrição (interceptação mediante
autorização judicial fundamentada e proporcionada – artigo 1º, parágrafo
único), seja no que concerne ao aspecto de ‘garantia’, de proteção da
intimidade e do sigilo dessas comunicações (artigo 10), configurando crime
qualquer incursão abusiva na intimidade alheia. Pensar de modo diferente
significa tratar o comunicador brasileiro como sujeito com menos direitos que
os comunicadores dos países europeus, que disciplinaram escorreitamente o
assunto”.[89]
A decisão abaixo ratifica
a idéia da constitucionalidade do artigo 1º, parágrafo único, da lei da
interceptação telefônica, ipsis literis:
“CONSTITUCIONAL.
PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. SIGILO DE DADOS. QUEBRA. BUSCA E APREENSÃO. INDÍCIOS DE CRIME. INVESTIGAÇÃO
CRIMINAL. LEGALIDADE. CF, ARTIGO5º, XII. LEIS 9.034/95 E 9.296/96. – Embora a
Carta Magna, no capítulo das franquias democráticas ponha em destaque o direito
à privacidade, contém expressa ressalva para admitir a quebra do sigilo para
fins de investigação criminal ou instrução processual penal (artigo5º, XII),
por ordem judicial. – A jurisprudência pretoriana é unissonante na afirmação de
que o direito ao sigilo bancário, bem como ao sigilo de dados, a despeito de
sua magnitude constitucional, não é um direito absoluto, cedendo espaço quando
presente em maior dimensão o interesse público. – A legislação integrativa do
cânon constitucional autoriza, em sede de persecução criminal, mediante
autorização judicial, o acesso a dados, documentos e informações fiscais,
bancários, financeiros e eleitorais (Lei nº 9.034/95, artigo2º, III), bem como
a interceptação do fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática
(Lei nº 9.296/96, artigo 1º, parágrafo único). (HC nº 15026/SC, STJ, 6ª T.,
Rel. Min. Vicente Leal, D. J. 04.11.02, não provido, por unanimidade)”.
O artigo 2º da Lei nº
9.296/96 lista as hipóteses da inadmissibilidade da interceptação de
comunicações telefônicas, nos seguintes termos:
“Não será
admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer
das seguintes hipóteses:
I – não
houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II – a prova
puder ser feita por outros meios disponíveis;
III – o fato
investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo
único. Em qualquer hipótese, deve ser descrita com clareza a situação objeto da
investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo
impossibilidade manifesta, devidamente justificada”.
Este artigo, ao invés de
trazer os casos cabíveis de interceptação, arrola as hipóteses em que tal prova
não é permitida.
É indispensável indícios
razoáveis de autoria ou participação em infração penal, não bastando a mera suspeita.
Aliás, como já aduzido, sendo a interceptação telefônica medida cautelar, está
sujeita aos seus requisitos, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum
in mora. O artigo 2º, I, da Lei nº 9.296/96, é a fumaça do bom direito.[90]
A interceptação telefônica
somente deve ser autorizada quando a prova não puder ser realizada por outros
meios disponíveis, porque consiste em medida excepcional, de extrema necessidade,
violadora da intimidade dos interlocutores e não se justifica nos casos
passíveis de outros elementos probatórios, como a oitiva de testemunhas, a
perícia, etc.
O jurista Lenio Luiz
Streck alerta corretamente que a expressão ‘outros meios disponíveis’ não são
os materialmente pertencentes pelos órgãos da persecução penal. Por isso, são
os meios legais, pois, do contrário, bastaria a alegação pela autoridade
policial de falta de peritos, por exemplo, para que a interceptação telefônica
pudesse ser deferida, o que desconfiguraria a característica de extrema
necessidade.[91]
Os crimes sujeitos à pena
de detenção não são passíveis de interceptação telefônica, sendo esta admitida
apenas nos fatos criminosos sujeitos à pena de reclusão. Contudo, tal comando
legal é desproporcional, tendo em vista que muitos crimes punidos com reclusão
não necessitam de medida tão extrema.
Nestes casos, certamente
deve ser invocado o princípio da proporcionalidade, já examinado, pois delitos
como o furto simples e o estelionato, com pena de reclusão, jamais poderiam ter
a interceptação telefônica como prova.[92]
Outro fator importante é
que, em qualquer pedido de interceptação telefônica realizado perante o juiz,
deve haver a descrição clara da situação investigada, como também a indicação e
qualificação dos investigados. A lei, portanto, exige a delimitação precisa da
situação fática perquirida, de forma indubitável, pois não existe interceptação
telefônica pré-delitual.
Além disso, determina a
feitura da correta individualização do sujeito passivo da interceptação
telefônica que é, em regra, o interlocutor da comunicação. Essa exigência está
diretamente ligada ao artigo 2º, I, da Lei nº 9.296/96, que enuncia a admissão
da interceptação telefônica apenas quando houver indícios razoáveis de autoria
ou participação em infração penal.
O juiz pode, entretanto,
dispensar tais observâncias, desde que requerido de maneira justificada,
quando, por exemplo, a medida for tão urgente que não dá tempo para o órgão
incumbido da persecução penal encontrar todos os dados do investigado.[93]
Também possui relevância
a análise da interceptação telefônica em face de terceiros e de fatos não
previstos. Será que existe a possibilidade da gravação realizada servir como
prova contra terceiros que se utilizaram da mesma linha interceptada e em
relação a fatos criminosos que não foram base para a autorização da
interceptação, mas surgem por ocasião dela?
No primeiro caso, é
admitida pela doutrina que a prova colhida possa servir para um juízo
condenatório contra outras pessoas que utilizaram a linha telefônica gravada,
porém relacionadas com o fato criminoso autorizador da medida.[94]
No segundo caso, também é
possível, devendo-se observar, contudo, a validade e licitude da prova, que o
fato descoberto possa ensejar a interceptação, não se encontrando entre as
vedações do artigo 2º da Lei nº 9.296/96, como também que tenha ligação com o
primeiro delito, configurando concurso de crimes, continência ou conexão.[95]
O que não se pode aceitar
é a utilização da interceptação em relação a fatos desvinculados da situação
fática da diligência, sob pena de ser ilícita a prova colhida de tal maneira.[96]
O artigo 3º da Lei nº
9.296/96 enuncia que:
“A
interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de
ofício ou a requerimento:
I – da
autoridade policial, na investigação criminal;
II – do
representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução
processual penal”.
Consoante a redação do caput
do dispositivo legal acima transcrito, o juiz pode determinar de ofício a
interceptação telefônica, não precisando de requerimento da autoridade policial
e do Ministério Público.
Indubitavelmente,
equivocou-se o legislador ao dispor de tal forma, porque a determinação da
interceptação telefônica ex officio pelo juiz afronta o sistema penal
acusatório, onde as partes possuem a iniciativa probatória.
O juiz tem a iniciativa
probatória no âmbito penal apenas nos sistemas inquisitórios, não sendo este o
caso do Brasil. Em vista disso, a mencionada previsão do caput do artigo
3º da Lei nº 9296/96 é inconstitucional, pois afronta o sistema penal
acusatório e rompe com a necessária imparcialidade do julgador.[97]
Neste sentido, é a lição de Luiz Flávio Gomes, in verbis:
“É
inconstitucional a interceptação telefônica ‘de ofício’, em conseqüência,
porque vulnera o modelo acusatório de processo, processo de partes, instituído
pela Constituição de 1988, quando considera os ofícios da acusação e da defesa
como funções essenciais ao exercício da jurisdição, atribuindo esta aos juízes,
que têm competência para processar e julgar, mas não para investigar,
principalmente no âmbito extraprocessual”.[98]
A autoridade policial
somente possui legitimidade para requerer a interceptação telefônica durante a
investigação criminal. Já o Ministério Público tem dupla legitimidade, podendo
pedir a medida cautelar na investigação criminal e na instrução processual
penal.
O Parquet, sendo o
órgão incumbido da acusação no âmbito penal, nos casos de crimes de ação penal
pública, é o maior interessado na obtenção de provas contra o investigado ou
denunciado, até porque o artigo 156 do Código de Processo Penal Brasileiro
dispõe que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (…)”.[99]
Já os artigos 4º e 5º da
Lei nº 9.296/96 têm a seguinte redação:
“artigo 4º O
pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração que a
sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos
meios a serem empregados.
§1º
Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado
verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a
interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.
§2º O juiz,
no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.
artigo 5º A
decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de
execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias,
renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de
prova”.
A autoridade policial e o
Ministério Público, ao requererem o pedido de interceptação de comunicações
telefônicas, precisarão mostrar ao juiz competente que a sua realização é
necessária para a elucidação do fato criminoso.
Esta norma legal (artigo
4º, caput), está intimamente ligada com o artigo 2º, II, da mesma lei,
dispondo que não será admitida a interceptação telefônica quando a prova puder
ser feita por outros meios disponíveis.
Mais uma vez,
demonstra-se a característica de excepcionalidade deste meio de prova. O juiz
criminal não poderá autorizá-la caso o crime possa ser apurado de outra forma,
não havendo necessidade de ocorrer a captação das comunicações telefônicas do
indiciado ou denunciado.
Conseqüentemente, a prova
colhida mediante interceptação telefônica, quando autorizada sem a devida
necessidade, será considerada ilícita.
Além disso, as autoridades
legitimadas legalmente a realizarem o pedido do procedimento de interceptação
(autoridade policial e Ministério Público) possuem o dever de indicar quais os
meios que serão empregados na diligência, ou seja, informar quais as linhas
telefônicas que serão interceptadas e quem são seus titulares.
Devem, também, mostrar
quais os aparelhos que serão colocados à disposição para o cumprimento da
providência e decorrente gravação.[100]
Depois de apresentado o
pedido, o juiz terá o prazo de vinte e quatro horas para apreciá-lo, de maneira
fundamentada, sob pena de nulidade.
O lapso de tempo
concedido ao juiz é exíguo, tendo em vista a natureza cautelar e, portanto,
urgente do referido meio de prova. Isso tanto é verdade que a lei não menciona
que o magistrado tem o dever de dar vista dos autos ao Ministério Público,
quando o pedido for feito pela autoridade policial.
Caso seja possível sem
prejudicar a obtenção da prova, é importante a prática de tal ato pelo magistrado,
visto que o Ministério Público é o titular da ação penal pública e grande
interessado na realização da prova.[101]
De acordo com o artigo 5º
da Lei nº 9.296/96, o juiz precisa indicar a forma de execução da interceptação
telefônica, sendo este o motivo pelo qual as autoridades legitimadas
legalmente, ao requererem a realização da citada prova, têm a obrigação de
aludir quais serão os meios empregados para a diligência.
A lei informa que o prazo
para a execução da interceptação de comunicação telefônica não poderá exceder
quinze dias, havendo a possibilidade de prorrogação do tempo, desde que
comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
Não há limite de vezes
para a ocorrência da dilação, porque há crimes em que a providência é necessária
por mais de trinta dias.
Salienta-se que em todos
os requerimentos de autorizações ou prorrogações ao magistrado para a execução
da diligência, é indispensável a demonstração da necessidade da prova, sob pena
de ser reputada ilícita.[102]
Após o deferimento do
pedido de interceptação de comunicações telefônicas, é preciso observar o
procedimento descrito nos artigos 6º e 7º da Lei nº 9.296/96, in verbis:
“artigo 6º
Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de
interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua
realização.
§1º No caso
de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será
determinada a sua transcrição.
§2º Cumprida
a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao
juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das
operações realizadas.
§3º (…)
artigo 7º
Para os procedimentos de interceptação de que trata esta lei, a autoridade
policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às
concessionárias de serviço público”.
A competência para
conduzir a fase executiva da interceptação telefônica é da autoridade policial,
exclusivamente, ninguém mais tendo legitimidade para tanto.
Porém, ela é operacional
e não legal, pois esta é do juiz. Tudo que estiver em consonância com a
licitude ou não da prova colhida, será de competência do magistrado.
A autoridade policial
deve executar os atos dentro dos limites estabelecidos pelo juiz, sem abusos,
já que, do contrário, será pronunciada a ilicitude da prova.[103]
O Ministério Público,
principal interessado na colheita da prova, deverá ser cientificado pela
autoridade policial de todos os atos operacionais, sob pena de nulidade, sendo
facultativo o acompanhamento das diligências.
De acordo com a lei em
exame, a interceptação telefônica é possível na investigação criminal. Mesmo
que tal investigação seja comandada pelo Ministério Público, como já dito, a
competência para as medidas executivas da interceptação ficará a cargo de uma
autoridade policial.[104]
Este entendimento é criticado por Lenio Luiz Streck, nos termos abaixo:
“Preocupa,
sobremodo, que somente à autoridade policial é conferida a possibilidade de executar a interceptação (artigo 6º,
caput), quando se sabe que o inquérito policial é peça dispensável e que
não é vedado ao Ministério Público realizar investigações. Daí a pergunta: nos
casos de corrupção de altas autoridades ou da própria polícia, ou ainda nos
casos de sonegação fiscal, qual a razão de o Poder Legislativo não ter
conferido no mesmo artigo 6º tal possibilidade também ao Ministério Público, ou
– o que seria mais coerente – da possibilidade deste, como titular da ação
penal, coordenar o procedimento da interceptação? Este é um dos vários aspectos
da Lei que dão a nítida impressão do anacronismo do ‘legislador’ brasileiro.
Assim como o cometimento ao juiz da possibilidade da determinação da escuta de
ofício, a exclusividade da execução da interceptação pela polícia significa uma
inadequação da Lei 9.296/96 aos novos tempos”.[105]
O legislador brasileiro
acertadamente dispôs que a gravação da comunicação interceptada será feita
quando possível, pois, em alguns casos, não há como gravá-la, por
impossibilidade técnica ou mesmo em situações que só há interesse em saber a
quem se chama, em que hora chama, mas sem a captação da comunicação telefônica.
A gravação comprova a existência da prova, qual seja a comunicação, e a sua
transcrição é um meio de prova documental.[106]
Encerrados todos os atos
executivos, a autoridade policial entregará ao magistrado o resultado da
interceptação, acompanhado do auto circunstanciado, documento que consigna o
resumo das operações feitas e por este motivo é considerado outro meio de prova
documental. Normalmente, o resumo das operações consiste em detalhar quanto
tempo demorou a captação da comunicação telefônica, qual foi a linha telefônica
interceptada, etc.
Esta prova documental
serve para demonstrar se os atos praticados pela autoridade policial
corresponderam exatamente às determinações do juiz. Imagina-se, por exemplo, a
menção no auto circunstanciado de captação de comunicação em linha telefônica distinta
daquela autorizada judicialmente. A prova colhida, com base na violação da
intimidade, seria, indubitavelmente, ilícita.[107]
A Lei nº 9.296/96, em seu
artigo 8º, trata do momento apropriado para o apensamento do procedimento
cautelar da interceptação telefônica aos autos do inquérito policial ou do
processo criminal, ipsis literis:
“A
interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em
autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo
criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições
respectivas.
Parágrafo
único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do
relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de
Processo Penal, artigo10, §1º) ou na conclusão do processo ao juiz para o
despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo
Penal”.
A interceptação é um
incidente do procedimento criminal, abrangendo o processo penal e a
investigação criminal.
O parágrafo único do
dispositivo legal sob comento aduz que a apensação somente poderá ser realizada
imediatamente antes do relatório da autoridade policial ou, já instaurada a
ação penal, na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente dos
artigos 407, 502 ou 538, todos do Código de Processo Penal Brasileiro.
Tratando-se do
apensamento na fase de investigação, o resultado da interceptação será parte
integrante do relatório policial.
No caso de interceptação
no curso da ação penal, o apensamento, oportunidade que terá a defesa de tomar
ciência da prova colhida, ocorrerá por ocasião da decisão de pronúncia, da
sentença no processo ordinário, quando os crimes possuírem pena prevista de
reclusão e quando da audiência de instrução e julgamento em relação aos delitos
com pena de detenção.[108]
O legislador, ao aludir,
no parágrafo único do artigo 8º da Lei nº 9.296/96, que a apensação da
interceptação telefônica poderá ser feita na conclusão do processo ao juiz para
o despacho decorrente do disposto no artigo 538 do Código de Processo Penal
Brasileiro, cometeu um grande equívoco.
A referida prova não é
admitida nos crimes previstos com pena de detenção, baseado no artigo 2º, III,
da lei supra mencionada. Significa, então, que somente nas oportunidades
dos artigos 407 e 502 do Código de Processo Penal Brasileiro é que a defesa
terá conhecimento da interceptação.[109]
A interceptação telefônica,
quando apensada nos casos em que a ação penal já foi instaurada, será sempre
reputada como uma prova nova, uma vez que até este momento a defesa não teve
acesso a ela.
Melhor seria se a defesa
tomasse conhecimento do procedimento de interceptação logo após seu término,
para que não ocorresse violação ao princípio do contraditório.[110]
Neste diapasão é o ensinamento de Lenio Luiz Streck:
“Assim, após
as alegações finais, as partes poderão falar acerca do conteúdo da
interceptação e de sua transcrição. Soa um tanto estranho que o defensor, já
tendo defendido sua tese em alegações escritas, tenha que, após o conhecimento
do conteúdo da interceptação, elaborar, quem sabe, nova tese, porque
surpreendido por provas que até aquele momento desconhecia. Parece que a lei,
ao determinar o apensamento somente após as partes terem oferecido as alegações
do artigo 407 e após as alegações finais do rito comum, violou o princípio do
contraditório. É evidente que deve haver sigilo na realização da escuta. É
evidente que o réu não pode ser informado acerca da escuta. Porém, após feita a
interceptação, independentemente da fase em que ocorreu (investigação ou
instrução criminal) deve o defensor ter vista do conteúdo do procedimento
interceptatório”.[111]
No intento de penalizar a
violação do sigilo das comunicações telefônicas, o artigo 10 da Lei nº 9.296/96
instituiu crime nos termos abaixo:
“Constitui
crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou
telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com
objetivos não autorizados em lei.
Pena:
reclusão, de dois a quatro anos, e multa”.
Examinando-se a redação
da norma legal, chega-se à conclusão de que são dois os crimes preconizados,
quais sejam realizar interceptação ilegalmente e quebrar o segredo da Justiça.
Tais crimes devem receber análise separada, tendo em vista suas ocorrências
distintas, assim como seus agentes.[112]
Partindo-se da idéia de
que a interceptação é a violação realizada por terceiro em face de dois
interlocutores, o crime é consumado com o ato de interceptar, ou seja,
ingressar em, intervir, independentemente da realização da gravação.
Qualquer pessoa pode
cometer o crime, sendo que, em tese, admite-se a tentativa. Existe um elemento
normativo (sem autorização judicial) e um elemento subjetivo (com objetivos não
autorizados em lei).[113]
Esses elementos aludidos
são alternativos, bastando ocorrer um deles para que o crime esteja consumado.
Então, não obstante tenha sido a interceptação autorizada judicialmente, se a
finalidade é distinta da investigação criminal ou instrução processual penal, o
crime acontece.[114]
Em contrapartida, caso a
interceptação seja realizada com a finalidade correta, porém sem a necessária
autorização judicial, também incide a norma penal sob comento. Todas essas
condutas são criminosas e a prova colhida por essas maneiras é ilícita e deve
ser rejeitada pelo julgador.[115]
Salienta-se que “sem
autorização judicial” significa interceptar sem ligação com a decisão judicial
e mediante o procedimento legal. Em que pese essa afirmação, a norma penal não
exige prévia autorização judicial, porque todas as interceptações feitas com
autorização são legítimas e a infração penal deixa de existir.[116]
Pelos termos de Luiz
Flávio Gomes, “o objeto material é uma comunicação telefônica, de informática
ou telemática. Como se vê, não só a comunicação telefônica tradicional
(conversação) está tutelada”.[117]
O jurista acima referido
tem este posicionamento porque defende a constitucionalidade do artigo 1º,
parágrafo único, da Lei nº 9.296/96, conforme já visto.
O crime é permanente,
pois a consumação existe durante todo o tempo da feitura da interceptação,
ainda que o agente não esteja presente no momento. Admite-se, ainda, co-autoria
ou participação e o crime é reputado doloso. Ademais, a pena é a de reclusão,
de dois a quatro anos, e multa.[118]
Atualmente, há um caso
bastante comentado sobre interceptação telefônica ilegal ocorrido na Bahia
envolvendo o senador Antônio Carlos Magalhães.
Mais de 190 linhas
telefônicas foram grampeadas e muitas delas de titularidade de inimigos
políticos do senador, como também de sua ex-namorada Adriana Barreto e do
marido desta, o advogado Plácido Faria.
Em outubro de 2001, no
município de Itapetinga, estado da Bahia, duas crianças foram seqüestradas e o
crime chamou a atenção dos moradores. A investigação teve um lapso de dois
meses e foi conduzida pela delegada Ângela Sá Labanca, que requereu 86 quebras de
sigilo telefônico de 42 números de telefone suspeitos. A autoridade policial
conseguiu prender dez criminosos e afastou-se do caso em dezembro de 2001,
tendo praticamente resolvido o crime. [119]
Três meses depois, o
delegado Valdir Barbosa reabriu o caso de forma inesperada, afirmando que havia
sido identificados novos números telefônicos que possibilitariam a descoberta
de um dos mentores do seqüestro.
Em decorrência disso, o
referido delegado de polícia solicitou, inicialmente, o monitoramento, o
rastreamento e a escuta de 24 linhas telefônicas.
Porém, neste rol de
telefones enviados ao Poder Judiciário em março de 2002, já constavam os
números do advogado Plácido Faria e de seu pai.
Durante cinco meses, o
delegado Valdir Barbosa apresentou 379 pedidos de quebra de sigilo telefônico
em 190 números distintos e de todas as linhas telefônicas envolvidas, nenhuma
possuía ligação com o seqüestro.
Houve, também,
solicitações em que o número de telefone apareceu rasurado à mão. Noutro caso,
o despacho da magistrada autorizava a escuta telefônica, num celular da Bahia,
com final 6080, mas a rasura retificou os números para a seqüência 7080, final
do celular do deputado Geddel Vieira Lima, inimigo político do senador Antônio
Carlos Magalhães.[120]
Em vista da descoberta
desse acontecimento, é provável que em breve tenhamos alterações na Lei nº
9.296/96. Alguns juristas, liderados por Ada Pellegrini Grinover, estão
analisando a citada lei e irão propor mudanças.
O crime de quebra de
segredo da Justiça consiste em crime funcional, onde o sujeito ativo é o
funcionário público, consoante o conceito dado pelo artigo 327 do Código Penal
Brasileiro:
“Artigo327.
Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§1º.
Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em
entidade paraestatal”.
O acusado e seu defensor
não possuem obrigação de preservar segredo de Justiça, apenas incidindo tal
conduta criminosa, por exemplo, à autoridade policial e seus agentes, membro do
Ministério Público e Juiz.
A consumação do crime
ocorre com a revelação do teor do procedimento de interceptação, admitindo-se,
em regra, a tentativa, a co-autoria e a participação, sendo que é considerado
doloso, tanto eventual como direto.[121]
3.3.4 A utilização da
prova colhida mediante interceptação telefônica no processo civil
Questão relevante diz
respeito à possibilidade ou não de utilização da prova colhida da interceptação
telefônica no processo civil por meio da denominada prova emprestada.
Em primeiro lugar, é forçoso reconhecer
que o juiz da área civil não possui competência para autorizar o procedimento
de intercepção, porque tal atribuição compete exclusivamente ao juiz criminal,
conforme se depreende da norma constitucional reguladora da matéria (artigo 5º,
XII), como também da Lei nº 9.296/96 (artigo 1º, caput).
Necessário, ademais, apreciar aspectos
atinentes à prova emprestada, para que depois seja possível elucidar a questão
sob comento.
A prova emprestada é aquela produzida
num processo e transportada para outro, no intento de surtir efeitos jurídicos,
sendo considerada pela doutrina brasileira como prova documental no plano
formal, porém, não perdendo a natureza originária.[122]
Neste diapasão é o ensinamento abaixo:
“Concluindo:
a prova emprestada, formalmente, obedece às prescrições legais, para a prova
documental, por ser trazida aos autos mediante um meio gráfico de reprodução,
um documento; quanto à essência, conserva a natureza jurídica primitiva e será
avaliada e considerada segundo as normas que regem tal natureza”.[123]
Quanto aos efeitos, valor
e avaliação, a prova emprestada possui quatro princípios norteadores que
precisam ser observados conjuntamente: o primeiro é que ela tenha sido
produzida em processo formado pelas mesmas partes ou, pelo menos, naquela ação
judicial em que uma das partes suportou seus efeitos; o segundo princípio exige
que na demanda anterior e na qual era primitivamente destinada, tenham sido
observados todos os aspectos legais atinentes a sua natureza; outro requisito
afirma que os fatos necessitam semelhança e, por último, que no processo o qual
foi transportada, devem ser cumpridos os comandos legais acerca da prova
documental.[124]
Nelson Nery Júnior é
favorável à utilização da prova colhida da interceptação telefônica no processo
civil, mediante prova emprestada, conforme se depreende do seu pensamento, in
verbis:
“A dúvida
existirá quando se pretender utilizar, no processo civil, como prova
emprestada, essa prova obtida licitamente.
Sendo norma
de exceção, o disposto no inciso XII do artigo5º da CF deve ser interpretado
restritivamente. Quer isto dizer que somente o juiz criminal pode autorizar a
interceptação telefônica, quando ocorrerem as hipóteses previstas na
Constituição Federal. O juiz do cível não pode determinar escuta telefônica
para formar prova direta no processo civil.
Entretanto,
entendemos ser admissível a produção da prova obtida licitamente (porque
autorizada pela CF) para a investigação criminal ou instrução processual penal,
como prova emprestada no processo civil. A natureza da causa civil é
irrelevante para a admissão da prova. Desde que a escuta tenha sido determinada
para servir de prova direta na esfera criminal, pode essa prova ser emprestada
ao processo civil”.[125]
Outro aspecto confirmador
do posicionamento do aludido jurista é que tendo ocorrido a quebra do sigilo,
não há que se falar mais em preservação da intimidade do interlocutor da
comunicação telefônica.[126]
Entretanto, existem
doutrinadores discordantes do ensinamento adotado por Nelson Nery Júnior,
defendendo que, como a finalidade da interceptação telefônica restringe-se à
investigação criminal e à instrução processual penal, somente neste âmbito pode
a mesma ser utilizada.[127]
Neste diapasão é a compreensão de Luiz Flávio Gomes, ipsis literis:
“E poderia a
prova obtida dentro de uma investigação criminal ou instrução penal ser
utilizada em outro processo (civil, administrativo, constitucional etc.)? Pode
haver prova emprestada nessa hipótese? Nelson Nery Júnior responde
afirmativamente. Nosso pensamento, no entanto, é divergente. O legislador
constitucional ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal)
já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o
princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se
sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal,
não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo. Não
se pode esquecer que a proporcionalidade está presente (deve estar, ao menos)
na atividade do legislador (feitura da lei), do Juiz (determinação da medida) e
do executor (que não pode abusar)”.[128]
Mais uma vez divide-se a doutrina
brasileira em duas correntes, conforme exposto. O certo é que a admissibilidade
da prova no processo civil dependerá do entendimento do magistrado, que se
filiará a uma das defensáveis posições doutrinárias.
Conclusão
A
Constituição Federal de 1988 prevê a existência de três poderes, harmônicos e
independentes entre si, sendo um deles o Judiciário. Este possui como
atribuição a intervenção, quando requerida, resolvendo a lide mediante uma
decisão, no intento de assegurar a paz social.
Para
que aludido Poder alcance satisfatoriamente seu objetivo, garantindo uma
sentença justa e correta para os cidadãos, é necessária a observância de certas
regras pelo magistrado.
Por
exemplo, consoante disposição constitucional, todas as decisões judiciais
precisam ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Este é o princípio do livre
convencimento motivado, utilizado no Brasil e examinado no presente estudo.
Ademais,
as provas possuem extrema relevância para a motivação do Juiz, pois as decisões
exaradas são nelas baseadas. Não há como condenar alguém num processo carecedor
de elementos probatórios.
Porém,
seu destinatário (magistrado) deve ter muita cautela ao admiti-la, analisando,
primeiramente, como elas foram obtidas.
Nesse
contexto, revela-se a importância do instituto da prova ilícita, uma vez que no
Brasil ela é vedada pelo artigo 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988.
Num
primeiro momento, pode-se imaginar uma conotação rígida e absoluta do
mandamento constitucional. Equivoca-se quem pensa de tal modo, pois a norma sob
comento possui essa redação porque foi criada logo após o término do regime
autoritário no Brasil, período esse em que o Estado não respeitou as liberdades
e garantias individuais, invadindo a esfera particular dos cidadãos.
Deve-se,
sempre, num caso concreto, onde há discussão acerca da ilicitude ou não da
prova, invocar o princípio da proporcionalidade, para que o juiz faça um
balanceamento dos bens em jogo, prevalecendo o mais lesado. Esta tese é
defendida pelos juristas filiados à Teoria Intermediária sobre a
admissibilidade da prova ilícita.
Nenhum
princípio ou garantia, mesmo com previsão constitucional, é absoluto, podendo
ceder para outro com peso maior no caso em questão.
Importante
ressaltar que o cotejo dos bens não deve ser realizado de forma abstrata, mas
sim concretamente, investigando-se caso a caso, significando, indubitavelmente,
a possibilidade de sua variação axiológica em processos judiciais distintos.
No
que tange à prova ilícita por derivação (lícitas em si mesmas, mas oriundas de
alguma informação extraída de outra ilicitamente colhida), chega-se à mesma
conclusão da Suprema Corte norte-americana e adotada de forma majoritária pelo
Supremo Tribunal Federal, qual seja, que não deve ser aceita no ordenamento
jurídico uma prova obtida de outra ilícita, salvo naqueles casos em que um bem
axiológicamente superior está em jogo (proporcionalidade).
Realmente,
o vício da planta se transmite aos seus frutos, por isso a denominação de
Teoria dos Frutos da Árvore Venenosa ou Envenenada. A regra é que não se deve
admitir a validade de um elemento probatório colhido de outro reputado ilícito,
pois, do contrário, se estaria retirando totalmente a eficácia do comando
constitucional a propósito da proibição da prova ilícita.
Problema
existe no processo civil, área do direito carecedora de regramento expresso
sobre a vedação dos meios de prova. Contrariamente, o Código de Processo Civil
Brasileiro, estabelece em seu artigo 332, a aceitação dos meios legais, como
também dos moralmente legítimos.
Pode-se
afirmar que tal redação está equivocada, porque confunde Direito e Moral,
legalidade com moralidade. Entretanto, após o exame doutrinário, chega-se ao
posicionamento
que, no âmbito processual civil, não são válidas e eficazes as provas
ilegítimas (afrontam normas de ordem processual) e as ilícitas (violam comandos
de cunho material), servindo a prova emprestada como exemplo de moralmente
legítima.
A
admissibilidade da gravação clandestina, seja de conversas telefônicas ou ambiental,
também deve ser perquirida sob à luz do princípio da proporcionalidade.
Naqueles
casos em que não há obrigação do interlocutor guardar segredo sobre o teor da
conversa, ou quando o bem da vida está em jogo, deve prevalecer o entendimento
do seu cabimento como meio de prova.
Nas
hipóteses de grande violação à intimidade e naquelas não enquadradas dentre as
citadas acima, a gravação clandestina precisa ser considerada ilícita, e,
conseqüentemente, desentranhada do processo civil.
Em
relação à interceptação de comunicações telefônicas, modalidade de prova mais
divergente na jurisprudência quanto a sua admissibilidade, é incontroversa sua
abrangência tanto pela interceptação telefônica stricto sensu, como pela
escuta telefônica, porque em ambas há a intervenção de um terceiro.
A
Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 5º, XII, que as
comunicações telefônicas poderão ser violadas para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal, mediante lei prevendo as suas
hipóteses.
Forçoso
reconhecer a não aplicabilidade imediata do comando constitucional, que necessita
de lei regulamentadora, no caso, a Lei nº 9.296/96. Em vista disso, todas as
captações de comunicações telefônicas autorizadas pelo Juiz Criminal no lapso
entre o advento da Constituição Federal de 1988 e a entrada em vigor da
referida lei devem ser reputadas ilícitas. Este foi inclusive o entendimento
predominante no Supremo Tribunal Federal.
Quanto
à Lei nº 9.296/96, há vários equívocos a serem retificados. Não se pode admitir
que o Juiz determine ex officio a interceptação telefônica, pois tal ato
fere o sistema penal acusatório e rompe com o princípio da imparcialidade.
O
parágrafo único do artigo 1º do citado diploma legal não é inconstitucional ao
prever a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e
telemática, porque o Estado necessita de meios eficazes para a repressão dos
crimes e a maioria dos criminosos, atualmente, utilizam constantemente
tecnologias análogas.
Podem,
também, os dados da interceptação de comunicações telefônicas ser utilizados no
processo civil como prova emprestada, embora apenas o juiz criminal possua
competência para autorizá-la. Contudo, para que tal prova tenha validade e
eficácia na demanda civil, é necessária a observância do princípio do
contraditório na lide criminal, onde originariamente foi colhida.
Enfim,
afirmam-se imperativas futuras alterações na legislação brasileira a propósito
da ilicitude da prova. No intento de ensejar maior segurança jurídica, jamais
se olvide do relevante emprego do princípio da proporcionalidade para a solução
dos conflitos.
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[1] CINTRA,
Antonio Carlos de Araújo; et al. Teoria Geral do Processo. p. 64
[2] CINTRA,
Antonio Carlos de Araújo; et al. Ob. cit. p. 120.
[3] THEODORO JÚNIOR,
Humberto. Curso de Direito Processual
Civil. vol. 01. p.374.
[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Ob. cit. p. 373.
[5] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo
Civil, vol. 01. p. 344.
[6] TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria
geral do processo. p. 44.
[7] SILVA, Eduardo Silva da; et al. Teoria Geral do
Processo. p. 174-175.
[8] SILVA, Eduardo Silva da; et al. Ob. Cit. p. 178-179.
[9] MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo
Civil. tomo II. p. 367.
[10] SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de
Processo Civil. vol. IV. p.400.
[11] PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. p.
221-222.
[12] PORTANOVA, Rui. Ob. Cit. p. 222.
[13] PORTANOVA, Rui. Ob. Cit. p. 222-223.
[14] PORTANOVA, Rui. Ob. Cit. p. 223.
[15] PORTANOVA, Rui. Ob. Cit. p. 224.
[16] NERY JÚNIOR,
Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código
de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em
vigor. p. 609.
[17] NERY JÚNIOR,
Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Ob Cit. p. 609.
[18] DALL’AGNOL,
Antonio. Comentários ao Código de
Processo Civil. vol. 2. p. 143.
[19] PORTANOVA, Rui. Ob. Cit. p. 241-242.
[20] PORTANOVA, Rui. Ob. Cit. p. 243.
[21] PORTANOVA, Rui. Ob. Cit. p. 243.
[22] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Ob. Cit. p. 348-349.
[23] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Ob. Cit. p.
349-350.
[24] DALL’AGNOL,
Antonio. Ob. Cit. p. 137.
[25] NERY JÚNIOR,
Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Ob Cit. p. 608.
[26] KENNY,
Kellyanne; RIOS, Taiana. Das Provas Ilícitas no Processo Civil. In: unifacs.br.
[27] KENNY, Kellyanne;
RIOS, Taiana. Ob. Cit.
[28] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as
Provas Ilicitamente Obtidas. Revista Trimestral de Direito Público, p. 216.
[29] SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e
Comercial, p.253-254.
[30] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. Cit. p. 217.
[31] LOPES, João Batista. A prova no direito processual
civil. p.85.
[32] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Ob. Cit. p.355.
[33] SANTOS JÚNIOR, Aldo Batista dos. Da Prova Ilícita. In:
neofito.com.br.
[34] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas.
Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. p.44.
[35] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Ob
Cit. p. 832.
[36] RANGEL, Ricardo Melchior de Barros. A prova ilícita e
a interceptação telefônica no direito processual penal brasileiro. p.81.
[37] LIMA FILHO, Francisco das Chagas. Provas ilícitas.
Repertório IOB de Jurisprudência nº 14/98. p. 294.
[38] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. Cit. p. 217.
[39] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Ob. Cit. p.58-60.
[40] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Ob. Cit. p.60.
[41] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Ob. Cit. p.67-68.
[42] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARTIGO, Sérgio Cruz. Comentários ao
Código de Processo Civil. p.174-175.
[43] KENNY, Kellyanne;
RIOS, Taiana. Ob. Cit.
[44] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARTIGO, Sérgio Cruz. Ob. Cit. p.176.
[45] GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades no Processo
Penal. p. 116.
[46] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARTIGO, Sérgio Cruz. Ob. Cit. p.179-180.
[47] KNIJNIK, Danilo. A doutrina dos frutos da árvore
venenosa e os discursos da Suprema Corte na decisão de 16-12-93. Revista da
Ajuris nº 66, março de 1996. p. 76-77.
[48] KNIJNIK, Danilo. Ob. Cit. p. 77.
[49] KNIJNIK, Danilo. Ob. Cit. p. 77.
[50] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Interceptação Telefônica: Lei 9.296, de 24.07.96. p.
146-147.
[51] KNIJNIK, Danilo.
Ob. Cit. p. 77-78.
[52] KNIJNIK, Danilo.
Ob. Cit. p. 79.
[53] KNIJNIK, Danilo.
Ob. Cit. p. 79-80.
[54] KNIJNIK, Danilo.
Ob. Cit. p. 81.
[55] KNIJNIK, Danilo.
Ob. Cit. p. 83-84.
[56] KNIJNIK, Danilo. Ob. Cit. p. 68-69.
[57] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 146.
[58] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. Cit. p. 219.
[59] CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários A Constituição
Brasileira de 1988. Vol. I. p. 535.
[60] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. p.
253.
[61] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. Cit. p. 219.
[62] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. Cit. p. 225-226.
[63] PAULA, Alexandre de. Código de Processo Civil
Anotado. Vol. 02. p.1598.
[64] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Ob.
Cit. p. 832.
[65] SILVA, César Dario Mariano da. Provas ilícitas.
p.111-112.
[66] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARTIGO, Sérgio Cruz. Ob. Cit. p.176-177.
[67] SILVA, César Dario Mariano da. Ob. Cit. p.114-115.
[68] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Ob. Cit. p.107.
[69] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARTIGO, Sérgio Cruz. Ob. Cit. p.170.
[70] BURNIER JÚNIOR, João Penido. Das provas obtidas
ilicitamente e das provas contrárias à moral. Revista da Faculdade de Direito
da USF, vol.16, nº 2, p.71.
[71] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Ob. Cit. p.216.
[72] SILVA, César Dario Mariano da. Ob. Cit. p.117.
[73] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARTIGO, Sérgio Cruz. Ob. Cit. p.171.
[74] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARTIGO, Sérgio Cruz. Ob. Cit. p.171.
[75] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 95-96.
[76] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Ob. Cit. p.104.
[77] SILVA, César Dario Mariano da. Ob. Cit. p.53.
[78] SILVA, César Dario Mariano da. Ob. Cit. p.53.
[79] GRINOVER, Ada Pellegrini; et al. As Nulidades no
Processo Penal. p. 149.
[80] GRINOVER, Ada Pellegrini; et al. Ob. Cit. p. 151.
[81] STRECK, Lenio Luiz. As Interceptações Telefônicas e
os Direitos Fundamentais. p. 23.
[82] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 104.
[83] PARIZATTO, João Roberto. Comentários à Lei nº 9.296,
de 24-07-96. Interceptação de Comunicações Telefônicas. p. 16.
[84] SILVA, César Dario Mariano da. Ob. Cit. p.57.
[85] PARIZATTO, João Roberto. Ob. Cit. p. 17.
[86] GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica. p.
12-13.
[87] PARIZATTO, João Roberto. Ob. Cit. p. 18.
[88] STRECK, Lenio Luiz. Ob. Cit. p. 46-47.
[89] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 176.
[90] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 177-178.
[91] STRECK, Lenio Luiz. Ob. Cit. p. 52-53.
[92] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 15.
[93] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 188-190.
[94] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 21.
[95] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 21.
[96] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 20-22.
[97] STRECK, Lenio Luiz. Ob. Cit. p. 81.
[98] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 201-202.
[99] PARIZATTO, João Roberto. Ob. Cit. p. 38.
[100] PARIZATTO, João Roberto. Ob. Cit. p. 41.
[101] SILVA, César Dario Mariano da. Ob. Cit. p.64.
[102] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 31.
[103] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 221.
[104] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 221-222.
[105] STRECK, Lenio Luiz. Ob. Cit. p. 89-90.
[106] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 222.
[107] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 222-223.
[108] STRECK, Lenio Luiz. Ob. Cit. p. 99-100.
[109] STRECK, Lenio Luiz. Ob. Cit. p. 100.
[110] STRECK, Lenio Luiz. Ob. Cit. p. 100.
[111] STRECK, Lenio Luiz. Ob. Cit. p. 100.
[112] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 40-41.
[113] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 41.
[114] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 41-42.
[115] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 42.
[116] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit.. p. 42.
[117] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 242.
[118] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 43.
[119] REVISTA Veja. Ano 36, nº 7, 19 de fevereiro de 2003.
p. 36-43.
[120] REVISTA Veja. Ano 36, nº 7, 19 de fevereiro de 2003.
p. 36-43.
[121] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 44-45.
[122] ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no
Processo Penal. p.232.
[123] ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Ob. Cit.
p.232.
[124] ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Ob. Cit. p.232-233.
[125] NERY JÚNIOR,
Nelson. Princípios do Processo Civil na
Constituição Federal. p. 160-161.
[126] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ob. Cit. p. 224.
[127] GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit. p. 24.
[128] GOMES, Luiz Flávio;
CERVINI, Raúl. Ob. Cit. p. 118.
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