A relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a possibilidade de relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade, nas hipóteses em que restar comprovado, por meio de exames científicos, que o resultado da sentença transitada em julgado não condiz com a realidade genética. Para tanto, será necessário realizar um estudo sobre a real extensão do instituto da coisa julgada, ponderando-se os postulados da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana. Em seguida, analisar-se-á a controvertida jurisprudência da Corte infraconstitucional a respeito do tema, traçando-se um possível panorama para os próximos julgamentos.

Palavras-chave: Coisa Julgada; Relativização; Investigação de Paternidade; Dignidade da Pessoa Humana; Segurança Jurídica.

Sumário: Introdução. 1. Coisa julgada. 1.1. Noções introdutórias. 1.2. Jurisdição e coisa julgada. 1.3. Coisa julgada material: conceitos. 1.4. A coisa julgada como instrumento de efetivação do princípio constitucional da segurança jurídica. 1.5. A coisa julgada é uma garantia fundamental? 2. Ação de investigação de paternidade e coisa julgada. 2.1. A filiação no ordenamento jurídico brasileiro. 2.2 O reconhecimento da paternidade como direito fundamental da pessoa humana. 2.3. Crítica à aplicação do modelo tradicional de coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. 2.4. Necessidade de ponderação de valores constitucionais. 3. Mecanismo processual para a rediscussão da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. 3.1. Da ação rescisória. 3.2. Obstáculos à propositura da ação rescisória. 3.2.1. Prazo decadencial. 3.2.2. Impossibilidade de obrigar o réu a submeter-se ao exame de DNA. 3.3. A coisa julgada "secundum eventum probationes" nas ações filiatórias. 4. Estudo de casos. 4.2. Vitória da coisa julgada? 4.3. Análise do julgamento proferido no RESP 706.987/SP. Conclusões.

INTRODUÇÃO

O instituto da coisa julgada material, previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, encontra-se intimamente relacionado à ideia de segurança jurídica e pacificação social.

A "res iudicata", como também é chamada, tem inegável relevância para o Direito, na medida em que põe fim aos conflitos surgidos no seio da coletividade, estabiliza as relações jurídicas e minimiza o sentimento de insegurança, nocivo ao convívio em sociedade.

De fato, se as sentenças judiciais transitadas em julgado pudessem ser modificadas a qualquer tempo, as contendas submetidas à apreciação estatal se eternizariam e poriam em risco a paz social.

Por essa razão, a coisa julgada material, durante muito tempo, foi alçada ao patamar de dogma jurídico incontestável, priorizando-se a segurança jurídica, em detrimento de outros valores igualmente relevantes. Vigorava, por assim dizer, um sistema capaz de eternizar injustiças, para não prolongar litígios.

Embora não se discuta a relevância do instituto para o ordenamento jurídico, a ideia de que a coisa julgada seria capaz de transformar o preto em branco perdeu força nos dias atuais.

De fato, o próprio Código de Processo Civil brasileiro reconhece a possibilidade de rescisão de algumas sentenças judiciais transitadas em julgado, nas hipóteses de seu art. 485.

A problemática surge quando vício da sentença que se almeja rescindir não se encontra previsto no taxativo rol do citado dispositivo legal ou, ainda, quando o defeito só é descoberto após o transcurso do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória.

O exemplo mais emblemático da situação acima narrada é o da ação de investigação de paternidade, cuja sentença, transitada em julgado há mais de dois anos, declarara que determinado indivíduo não era filho do réu, vindo, posteriormente, a ser comprovado, por meio de exame de DNA, que a paternidade é inconteste.

Diante dessa circunstância, pergunta-se: a coisa julgada material deve prevalecer sobre a realidade fática cabalmente comprovada por exame pericial? Como compatibilizar o direito fundamental à segurança jurídica com o postulado da dignidade da pessoa humana? Quais os instrumentos processuais capazes de sanar a injustiça acima relatada?

A inquietação ocasionada por referidos questionamentos foi o ponto de partida para o presente trabalho, no qual se pretende verificar a possibilidade de relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.

1. COISA JULGADA.

1.1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Durante muitos séculos, a coisa julgada material foi tida como algo absolutamente intocável, um verdadeiro dogma, insuscetível de qualquer discussão (CÂMARA, 2008).

De acordo com o preciso relato de Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 18), “houve, na mais clássica doutrina, quem afirmasse textualmente que ‘a sentença que passa em julgado é havida por verdade’”[1].

Nessa perspectiva, ainda que o resultado definitivo do processo não correspondesse ao certo ou ao justo, o conteúdo da sentença se tornaria indiscutível, por força do instituto da “res iudicata”.

Essa concepção, consoante restará demonstrado no decorrer do capítulo, tinha por escopo primordial a salvaguarda da segurança jurídica.

Em outras palavras, uma vez esgotadas as possibilidades de impugnação da sentença, seu conteúdo se tornaria imutável, não como razão de justiça, mas sim como imperativo político, em virtude da necessidade de se conferir estabilidade às relações sociais (CÂMARA,2008).

Com a evolução do Direito, o tema em exame voltou à pauta de discussões, tornando-se alvo de acirrados debates doutrinários.

Se por um lado existem autores que defendem a autoridade quase que absoluta da coisa julgada, por outro, multiplicam-se os doutrinadores que propagam a ideia de “relativização” do instituto, nas hipóteses em que a sentença transitada em julgado ofender valores constitucionais.

A discussão é instigante e até hoje não foi pacificada em nossos tribunais.

1.2. JURISDIÇÃO E COISA JULGADA

Antes de adentrar ao tema da coisa julgada material propriamente dito, é imperioso tecer algumas considerações sobre a função da jurisdição.

Segundo a clássica definição de Chiovenda, a jurisdição se presta para a atuação da vontade concreta da lei. Em outras palavras, a função precípua do processo é identificar qual norma jurídica é aplicável a cada situação.

Nos dizeres de Ovídio Baptista da Silva (2006, p. 210), a jurisdição nada mais é do que o juízo de subsunção praticado pelo julgador, ao considerar incidente no caso concreto a regra normativa constante de lei.

Partindo dessa premissa, pode-se concluir que, uma vez julgada a lide, “restará declarada a disciplina que o direito abstrato confere ao caso concreto” (MARINONI, 2007).

Neste diapasão, é oportuno lembrar que as normas jurídicas abstratas são concebidas com certa estabilidade, a fim de permanecerem regulando a conduta social indefinidamente ou até que o legislador perceba a necessidade de alterar o regramento jurídico.

Deste modo, considerando que na sentença o juiz concretiza a norma abstrata, fixando a lei do caso concreto, nada mais normal que esta “lei” também se mostre “razoavelmente estável ou marcadamente duradoura” (WAMBIER E MEDINA, 2003).

Nos dizeres de Luiz Guilherme Marinoni (2007, p. 633), “se a regra abstrata é (ao menos em princípio, e enquanto a necessidade social estiver acorde com ela) imutável, também a regra concreta assim deve ser”.

Como se pode perceber, a pretensa imutabilidade das sentenças judiciais nada mais é do que reflexo natural do sistema jurídico positivo adotado pelo ordenamento pátrio, que busca preservar a estabilidade das relações sociais.

1.3.COISA JULGADA MATERIAL: CONCEITOS

Nesse contexto de busca da pacificação social, surge a noção de coisa julgada material, que corresponde, segundo nos ensina Marinoni (2007, p. 634) “à imutabilidade da declaração judicial sobre o direito da parte que requer alguma prestação jurisdicional”.

No mesmo sentido, Wambier e Medina (2003, p. 21) conceituam a coisa julgada como o “instituto cuja função é a de estender ou projetar os efeitos da sentença indefinidamente para o futuro”.

Semelhante lição é proferida por Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 8), observe-se:

“Sendo um elemento imunizador dos efeitos que a sentença projeta para fora do processo e sobre a vida exterior dos litigantes, sua utilidade consiste em assegurar estabilidade a esses efeitos, impedindo que voltem a ser questionados depois de definitivamente estabelecidos por sentença não mais sujeita a recurso. A garantia constitucional e a disciplina legal da coisa julgada recebem legitimidade política e social da capacidade, que têm, de conferir segurança às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença.”

A definição de coisa julgada material também está prevista no Código de Processo Civil, em seu artigo 467, “verbis”: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia[2], que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

Como se pode perceber, o instituto da coisa julgada tem por escopo zelar pela segurança extrínseca das relações jurídicas, assegurando a estabilidade das situações jurídicas cristalizadas endoprocessualmente.

A "res iudicata", portanto, revela-se como uma poderosa ferramenta para a pacificação social, na medida em que põe um fim definitivo aos litígios, dissipando o sentimento de dúvida e insegurança inerentes às partes de um processo judicial.

Trata-se, conforme se verá a seguir, de um elemento essencial ao Estado Democrático de Direito, na medida em que proporciona estabilidade às relações jurídicas, fatores indispensáveis para a pacificação social. 

1.4 A COISA JULGADA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA

O princípio da segurança jurídica é um dos elementos que compõem o sistema de garantias do Estado Democrático de Direito.

De fato, referido postulado está intimamente relacionado com o próprio fim almejado pelo Direito, qual seja, a pacificação social.

Segundo J.J. Gomes Canotilho (1993, p. 373), a segurança jurídica merece proteção uma vez que “o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre seus direitos […] se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas normas”.

Nessa mesma linha de ideias, Leonardo Greco (2002, p. 194) afirma que a segurança jurídica é indispensável, pois constitui “o mínimo de previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão”.

Semelhante lição é proferida pelo doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo (2005, p. 111-112), “verbis”:

“Esta segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar como alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente – e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso – comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas.

Luís Roberto Barroso (1999, p. 154), por sua vez, preconiza que “a segurança jurídica, juntamente com a justiça e o bem-estar social, formam um dos fundamentos do Estado e do Direito“.

Nos dizeres de Sérgio Gilberto Porto (1998, p. 46), “justa ou injusta, correta ou incorreta, a sentença deverá se tornar indiscutível, conferindo, assim, por decorrência, estabilidade a determinada relação jurídica”.

A relevância da segurança jurídica não é reconhecida apenas em sede doutrinária, mas também no âmbito constitucional. Embora o conceito em questão não esteja explícito no texto de nossa Carta Magna, é inequívoca a preocupação do legislador originário em proteger as situações consolidadas pelo tempo.

Observe-se, a propósito o que diz o preâmbulo da Constituição Federal de 1988:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (Grifou-se)

O caput do art. 5º da Constituição Federal também estabelece que a segurança, genericamente considerada, é um dos valores fundamentais a serem protegidos pelo ordenamento jurídico pátrio, observe-se:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.” (Grifou-se).

O inciso XXXVI, do art. 5º, por sua vez, deixa clara a intenção do constituinte de preservar a estabilidade das relações sociais, ao estabelecer que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”

Da leitura do dispositivo em comento, pode-se facilmente perceber que o instituto da coisa julgada é um dos instrumentos constitucionais capazes de assegurar a efetivação da segurança jurídica.

Em virtude da posição topográfica de referido dispositivo, no título II da Constituição Federal, que versa sobre os direitos e garantias fundamentais, alguns autores afirmam que a coisa julgada e, em última análise, a segurança jurídica, seriam verdadeiras garantias fundamentais do indivíduo, razão pela qual defendem a sua intangibilidade quase que absoluta.

1.5. A COISA JULGADA É UMA GARANTIA FUNDAMENTAL?

Para Gisele Santos Fernandes Góes (2008, p.167), “a coisa julgada é um direito e garantia fundamental, entretanto, acima de tudo, é um direito humano – direito do cidadão – uma concretização do exercício da cidadania, de acesso à justiça, de previsibilidade de término do conflito”.  

Nesse sentido também é o posicionamento do já citado doutrinador Luís Roberto Barroso (2002, p. 409), segundo o qual a coisa julgada encontra-se sob a proteção do art. 60, §4º, IV[3], da Carta Suprema, uma vez que sua intangibilidade teria sido consagrada no art. 5º, XXXVI, do mesmo diploma.

Não obstante a contundência dos argumentos acima lançados, o tema em debate não é pacífico.

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria (2008, p. 190) entendem que  “a noção de intangibilidade da coisa julgada, no sistema jurídico brasileiro, não tem sede constitucional, mas resulta, antes, de norma contida no Código de Processo Civil (art. 457).

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (2003, p. 171), por sua vez, prelecionam que não se deve “superestimar a proteção constitucional à coisa julgada, tendo-se sempre presente que o texto protege a situação concreta da decisão transitada em julgado contra a possibilidade de incidência de nova lei”.

 De fato, a partir de uma interpretação literal do dispositivo em comento, a primeira impressão que se tem é a de que a Constituição Federal pretendeu proteger a coisa julgada apenas contra os atos do Poder Legislativo, não proibindo o Poder Judiciário de rever as suas próprias decisões.

Nessa perspectiva, a chamada “relativização da coisa julgada”, pelo Poder Judiciário, não encontraria qualquer óbice de natureza constitucional.

Entretanto, como bem ponderado por Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 23), o constituinte originário, ao redigir o multicitado inciso XXXVI, disse menos do que queria dizer.

Isso porque a coisa julgada é atributo indispensável ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário, devendo ser protegida contra qualquer espécie de ofensa, seja ela perpetrada pelo Poder Legislativo, Judiciário ou Executivo. Nas sábias palavras de Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 266), “de nada adianta falar em direito de acesso à justiça sem dar ao cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado definitivamente”.

Por esta razão, conclui-se neste trabalho que a Constituição Federal de 1988 atribuiu à coisa julgada a qualidade de garantia fundamental.

Não se pretende com isso afirmar que a coisa julgada é um dogma absoluto e incontestável. Pelo contrário, a “sacralização” do instituto, por vezes, pode causar algumas perplexidades, notadamente nas hipóteses em que o valor segurança jurídica se coloca em confronto com outros princípios constitucionais.

O que se propõe com o presente trabalho é demonstrar que, apesar de a coisa julgada ser uma garantia constitucional, é possível, em algumas hipóteses, abrandar a sua força, em nome de postulados mais relevantes, tais como a justiça e a dignidade da pessoa humana, por exemplo.

Embora a doutrina cite diversos exemplos de situações em que a coisa julgada possa ser mitigada, este artigo, em virtude da necessidade de delimitação do tema, ater-se-á, tão-somente, às ações de investigação de paternidade.

Nessa perspectiva, os capítulos seguintes terão por objetivo analisar a possibilidade de relativização da coisa julgada nas ações filiatórias transitadas em julgado há mais de dois anos, considerando-se o juízo de certeza adquirido com o advento dos novos métodos científicos de investigação de paternidade.

2.  AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E COISA JULGADA

2.1. A FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em linha reta, de primeiro grau, que liga um indivíduo às pessoas que o geraram.

Conforme é cediço, o reconhecimento desse vínculo tem o condão de criar significantes efeitos nas esferas pessoais e patrimoniais dos indivíduos, daí derivando a importância de sua verificação.

Segundo o escólio de Cristiano Chaves de Farias (2008, p. 67) o Código Civil de 1916, no que diz respeito ao instituto da filiação, adotara um sistema de presunções, com origens romanas, “de modo a imputar a paternidade do filho da mulher casada ao marido dela” (presunção “pater is est quaem nupcias demonstrant”). 

A paternidade, portanto, era fruto de um processo lógico, alcançado por ficção legal, que se justificava “em nome da (falsa) segurança jurídica, montada a partir de tratamento legal em que o homem sobrepujava-se à mulher, buscando-se evitar a adulterinidade ‘a matre’” (FARIAS, 2008).

Nesse contexto, considerando-se que os filhos havidos na constância do casamento eram, presumidamente, do marido da mulher casada, conclui-se que “a ação de investigação ficava reservada, praticamente, aos filhos nascidos fora das relações matrimoniais”, os quais eram chamados de filhos ilegítimos (FARIAS, 2008).

Observe-se, por oportuno, o que dizia o art. 363 do Código Civil de 1916:

“Art. 363.  Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no art. 183, I a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação: (Grifou-se)

I – se ao tempo da concepção a mãe estava concubinada com o pretendido pai;

II – se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela;

III – se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente.”

Com o advento da Constituição Federal de 1988, ficou fulminada qualquer possibilidade de diferenciação entre os filhos, nos termos de seu artigo 227, § 6°, “verbis”: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Essa alteração constitucional, influenciada pelos ideais de igualdade e dignidade da pessoa humana, lançados por ocasião do Pacto de San José da Costa Rica[4], acabou por assegurar a todos os indivíduos o direito de conhecer suas origens ancestrais, independentemente de qualquer condição relacionada estado civil de seus supostos pais.

A regra em questão foi repetida no artigo 1.596, do Código Civil de 2002, observe-se: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Assim, sob a égide do novo ordenamento jurídico brasileiro, pós-constituição de 1988, todos os indivíduos passaram a ter o direito de investigar sua origem genética e, assim, regularizar o seu “status familiae”.

2.2. O RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA

A Constituição Federal, em seu art. 226[5], adota a família como base da sociedade, a ela conferindo proteção do Estado.

A propósito, é oportuno destacar que o vocábulo família não abrange apenas a entidade familiar decorrente do casamento, mas também aquelas fruto da união estável entre homem e mulher e, ainda, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes[6].

 Nesse panorama, afigura-se claro que a investigação de paternidade, na qualidade de ferramenta de verificação do “status familiae”, goza de proteção constitucional, sob o ponto de vista do citado art. 226.

Sob outro prisma, não se pode negar que a discussão sobre o estado de filiação está intimamente relacionada ao postulado da dignidade humana, alçado à condição de fundamento da República pela Constituição Federal de 1988.

Referido princípio, como o próprio nome indica, assegura a todos o direito à vida digna, a qual se inicia, evidentemente, pela inserção do indivíduo no ambiente familiar (FARIAS, 2008).

Nesse sentido, aliás, já se manifestou a Colenda Terceira Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP 833.812/RS, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, veja-se:

“- O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros.

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inc. III, da CF/88, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, traz em seu bojo o direito à identidade biológica e pessoal. (Grifou-se).

Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica”. (Grifou-se).

Como se vê, a investigação de paternidade, sem sombra de dúvidas é uma das diversas facetas do amplíssimo princípio da dignidade da pessoa humana.

Nessa linha de pensamento, é cabível citar o art. 227[7] do texto constitucional, o qual dispõe expressamente que a família, a sociedade e o Estado devem assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e à convivência familiar.

Embora a Constituição não fale expressamente em “direito fundamental à investigação de paternidade”, afigura-se claro que não seria possível assegurar a convivência familiar sem antes garantir o direito à verificação dos ancestrais do sujeito.

Fundado em tal premissa, o Estatuto da Criança e do Adolescente reconheceu a relevância do reconhecimento do estado de filiação, observe-se:

“Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.

Não fosse o bastante, ainda há quem insira o direito de filiação no rol do art. 6º da Constituição Federal, que consagra os Direitos Fundamentais de Segunda Geração, também conhecidos por direitos sociais.

De fato, o citado dispositivo abarca, como uma das prestações positivas do Estado, a proteção à infância, o que, a toda evidência, abrange o reconhecimento da paternidade.

Sobre o tema, é interessante transcrever o seguinte excerto do voto proferido pelo Ministro Maurício Corrêa, do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 248.869/SP, “verbis:

“9. Direito individual indisponível é aquele que a sociedade, por meio de seus representantes, reputa como essencial à consecução da paz social, segundo os anseios da comunidade, transmudando, por lei, sua natureza primária marcadamente pessoal. (…)

10. Está fora de qualquer dúvida, portanto, que o direito ao reconhecimento da paternidade tem conteúdo indisponível, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Há que se considerar, ainda, que a proteção à infância, que por óbvio alcança o direito à filiação, deve ser tutelado pelo Estado, até porque relacionado expressamente entre os direitos sociais (CF, artigo 6º), que segundo José Afonso da Silva “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”.

De tudo o que foi dito, pode-se concluir que o reconhecimento da paternidade é, inequivocamente, um direito fundamental do ser humano[8].

Dessa maneira, qual seria a solução adequada para resolver a situação de um indivíduo que, por força das limitações técnicas da época, não conseguiu, em sede de ação de investigação de paternidade, demonstrar o vínculo de filiação com o suposto pai e que, agora, passados mais de dois anos do trânsito em julgado da sentença judicial, comprova cabalmente o parentesco? Como compatibilizar o ideal de soberania da coisa julgada com a justiça das decisões judiciais?

2.3. CRÍTICA À APLICAÇÃO DO MODELO TRADICIONAL DE COISA JULGADA NAS AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

Considerando-se que o direito ao reconhecimento da paternidade é uma das facetas do princípio da dignidade da pessoa humana, não é difícil perceber que a incerteza em relação à origem ancestral do indivíduo gera significativas inquietações de ordem social e pessoal.

Por esta razão, surgem na doutrina e na jurisprudência diversas vozes que se posicionam em sentido contrário à imutabilidade da coisa julgada nas ações de verificação da vinculação biológica.

Para Rolf Madaleno (2000, p. 293),

“afigura-se indigesto impor a autoridade de coisa julgada numa sentença de ancestral declaração parental, quando tal decisão se ressentiu da adequada pesquisa científica dos marcadores genéticos de DNA, olvidando-se de promover a prova material da real coincidência da concepção com o relacionamento sexual do indigitado pai”. (Grifou-se)

A Desembargadora Maria Berenice Dias, por sua vez, já decidiu no mesmo sentido, observe-se[9]:

“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA. POSSÍVEL A RENOVAÇÃO DE DEMANDA INVESTIGATÓRIA QUANDO A AÇÃO ANTERIOR FOI JULGADA IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS E NÃO FOI REALIZADO O EXAME DE DNA. OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E DA LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO DO MENOR SE SOBREPÕEM AO INSTITUTO DA COISA JULGADA, POIS NÃO HÁ COMO NEGAR A BUSCA DA ORIGEM BIOLÓGICA. ALIMENTOS. PROCEDENTE A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE A VERBA ALIMENTAR DEVE SER CONCEDIDA”. (Grifou-se).

Outra não foi a conclusão da Ministra Nancy Andrighi, por ocasião do julgamento do RESP 706.987[10]:

‘(…) o direito de descobrir a verdadeira paternidade (e consequentemente identidade) e o de ter averbado o patronímico do verdadeiro pai no assento de nascimento não podem ser barrados pelo direito à garantia da coisa julgada. Nessas condições, mesmo quando existir coisa julgada a respeito do reconhecimento da paternidade, é possível reabrir tal discussão, diante dos avanços da ciência na área da pesquisa genética e do aumento da certeza dos métodos de determinação da paternidade biológica, porque há uma colisão entre o direito fundamental à segurança jurídica decorrente da coisa julgada (art. 5.º, XXXVI) e o princípio essencial da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III), que deve prevalecer sempre. Entendimento contrário seria francamente inconstitucional, em face da prevalência do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.” (Grifou-se)

Nesse mesmo sentido, Belmiro Pedro Welter, citado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, por ocasião do voto proferido no RESP 226.436, assinala:

“Dessa forma, de nada adiante canonizar-se o instituto da coisa julgada em detrimento da paz social, já que a paternidade biológica não é interesse apenas do investigante ou investigado, mas de toda a sociedade, e não existe tranqüilidade social com a imutabilidade da coisa julgada da mentira, do engodo, da falsidade do registro público, na medida em que a paternidade biológica é direito natural, constitucional, irrenunciável, imprescritível, indisponível, inegociável, impenhorável, personalíssimo, indeclinável, absoluto, vitalício, indispensável, oponível contra todos, intransmissível, constituído de manifesto interesse público e essencial ao ser humano, genuíno princípio da dignidade humana, elevado à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1o, II).” (Grifou-se).

Jorge Beber, citado por Rolf Madaleno (2000, p. 291), acrescenta que “já não mais se pode conceber que as normas adjetivas se sobreponham à justa dicção do Direito, que não pode ser contra os fatos, marchando na contramão da ciência”.

Segundo as percucientes palavras de José Carlos Barbosa Moreira (2008, p. 241), “a toda pessoa deve reconhecer-se o direito de ver declarada em termos verdadeiros a relação de filiação que a liga a outra” (grifou-se).

Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 264), embora seja um reconhecido crítico da teoria da relativização da coisa julgada, admite que “afirmar-se secamente que determinada decisão é definitiva simplesmente porque proferida pelo Estado-Juiz externa uma posição despreocupada com as novas realidades”.

Diante do exposto, deve-se concluir que a moderna concepção constitucional do processo não mais admite a cega imutabilidade do sistema da coisa julgada nas ações filiatórias, sendo imprescindível a ponderação dos valores constitucionais em discussão.

2.4. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DOS VALORES CONSTITUCIONAIS

Da leitura dos tópicos antecedentes, pode-se constatar que a evolução científica colocou nas mãos dos operadores do direito a árdua tarefa de resolver o conflito existente entre a preservação da coisa julgada e o direito à identificação biológica.

A ausência de normatização expressa a respeito do tema exige que a controvérsia seja resolvida à luz da ponderação dos valores constitucionais segurança jurídica e princípio da dignidade humana

Segundo referido método de interpretação, deve-se buscar a prevalência daquele direito que represente a proteção a um bem jurídico maior, assegurando-se, tanto quanto possível, a máxima efetividade do princípio subjugado.

No caso especificamente analisado, tem-se que a coisa julgada deve sucumbir diante da ameaça de ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.

De fato, segundo o Supremo Tribunal Federal[11], o princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no art. 1º, III, da Carta Magna, “sempre será preponderante, dada a sua condição de princípio fundamental da República".

Isso porque a Constituição Federal de 1988, ao incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos fundamentos a República, elevou tal conceito ao patamar de “princípio hierarquizador e harmonizador de todo o sistema jurídico”, razão pela qual, “havendo conflito entre princípios de igual importância hierárquica, o fiel da balança, a medida de ponderação, o objetivo a ser alcançado, já está determinado, a priori, em favor do princípio da dignidade humana”[12].

A propósito do tema, é interessante colacionar a seguinte ementa de julgado[13] proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

“EMENTA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – FAMÍLIA – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – COISA JULGADA MATERIAL – MITIGAÇÃO – EXAME DE DNA. 1 – O direito à filiação é um direito humano fundamental, reconhecido constitucionalmente e integrante da dignidade da pessoa humana, princípio basilar da República Federativa do Brasil. Assim, tendo por base esses fundamentos pode o filho propor nova ação de investigação de paternidade, quando já existiu pronunciamento judicial que fez coisa julgada material acerca da paternidade. 2 – A segurança representada pela coisa julgada e o direito à filiação, devem ser sopesados e, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, impera que prevaleça o direito do filho em saber quem é seu ascendente”. (Grifou-se).

Da leitura do aresto em destaque, pode-se perceber que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, na esteira do posicionamento defendido no presente trabalho, entendeu pela preponderância do postulado da dignidade da pessoa humana, em detrimento da pretensa segurança jurídica proporcionada pela coisa julgada, permitindo, assim, o ajuizamento de nova ação de investigação de paternidade, não obstante a existência de coisa julgada no caso concreto.

Verifica-se, desta feita, que a tese favorável à mitigação da coisa julgada vem ganhando força não apenas na doutrina, mas também na jurisprudência. De fato, referido entendimento, sem dúvida, mostra-se mais consentâneo com os valores constitucionais vigentes em nosso ordenamento jurídico.

A questão fundamental, no entanto, é saber em quais hipóteses poderá ocorrer a relativização da coisa julgada e quais os instrumentos processuais capazes de viabilizar essa flexibilização nas ações de investigação de paternidade. Estes pontos serão abordados no próximo capítulo.

3. MECANISMOS PROCESSUAIS PARA A REDISCUSSÃO DA COISA JULGADA NAS AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

3.1 DA AÇÃO RESCISÓRIA

Conforme é cediço, a ação rescisória é o instrumento processual que visa reparar a injustiça de uma sentença transitada em julgado. Trata-se de ação desconstitutiva, que tem por objetivo superar a imutabilidade da coisa julgada, nas hipóteses em que se verificar a presença de algum dos vícios taxativamente tipificados em lei.

O cabimento da ação rescisória, portanto, limita-se a casos extraordinários, expressamente previstos no artigo 485 do Código de Processo Civil, verbis:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I – se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;

III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV – ofender a coisa julgada;

V – violar literal disposição de lei;

Vl – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;

Vll – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;

VIII – houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;

IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;”

Em uma análise perfunctória do dispositivo em relevo, poder-se-ia imaginar que a ação rescisória seria o instrumento processual adequado para desconstituir a coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.

De fato, o inciso VII do art. 485 do CPC prevê a possibilidade de rescisão do julgado, quando o autor obtiver “documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”.

Contudo, a solução não é tão simples quanto parece.

3.2. OBSTÁCULOS À PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA

3.2.1. PRAZO DECADENCIAL

O primeiro obstáculo ao cabimento da ação rescisória na hipótese em análise diz respeito ao prazo decadencial previsto no art. 495[14], do Código de Processo Civil.

De acordo com o dispositivo em comento, a ação rescisória deve ser proposta até dois anos do trânsito em julgado da decisão que se almeja rescindir.

Não se pode ignorar, todavia, que, em diversas ocasiões, a decisão rescindenda data de tempos mais longínquos, fato este que impossibilitaria a desconstituição da coisa julgada por meio de referido instrumento processual.

Deste modo, partindo-se da premissa lançada no capítulo antecedente, segundo a qual a garantia fundamental da coisa julgada deve sucumbir diante de valor constitucional mais relevante, é imperioso adequar o citado art. 495 às novas realidades do Direito moderno.

Com efeito. Apesar da lição de José Carlos Barbosa Moreira (apud MARINONI, 2007), segundo a qual “a segurança das relações sociais exige que a autoridade da coisa julgada, uma vez estabelecida, não fique demoradamente sujeita à possibilidade de remoção”, entende-se que o prazo decadencial do art. 495, na específica hipótese em exame, deve ser suprimido, a fim de se viabilizar a propositura de ação rescisória a qualquer tempo.

Sob outro aspecto, caso não se repute viável a proposta acima mencionada, é imperioso que se promova a competente alteração legislativa, a fim de que a contagem do prazo decadencial do art. 495, do CPC tenha início, não com o trânsito em julgado da sentença rescindenda, mas sim com a data do resultado do exame de DNA que lastreia a ação rescisória.

3.2.2. IMPOSSIBILIDADE DE OBRIGAR O RÉU A SUBMETER-SE AO EXAME DE DNA

O segundo obstáculo à propositura da ação rescisória diz respeito à reconhecida dificuldade do pretenso filho obter o consentimento do suposto pai para a realização do exame de DNA.

Explica-se.

O art. 485, VII, do CPC, ao admitir a ação rescisória com base em documento novo, pressupõe que este documento já exista. Em outras palavras, não se afigura cabível a dilação probatória nas ações rescisórias fundadas no inciso VII, sendo imprescindível que a petição inicial seja instruída, desde logo, com o resultado do exame.

Isso porque o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que não é possível obrigar o réu a fornecer material para o exame genético.

A respeito do tema, é oportuno transcrever a emblemática ementa do acórdão proferido em 10/11/1994, pelo Supremo Tribunal Federal, no HC 71 373 / RS, Relatado pelo  Ministro Francisco Rezek, verbis:

“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DNA – CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.”

Nas circunstâncias em que o réu se recusa a submeter-se ao exame de DNA, a jurisprudência tem entendido pela presunção de paternidade, nos termos do Enunciado 301, da Súmula do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, “verbis”: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

Todavia, consoante bem ponderado por Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (2008, p. 396), “esta simples presunção (..) não é suficiente para permitir o ajuizamento da rescisória”.

Por esta razão, entende-se que a ação rescisória, nos moldes atuais, não é o instrumento mais eficaz para assegurar o direito fundamental ao conhecimento da verdadeira origem genética do indivíduo, a não ser que o interessado já disponha do resultado do exame de DNA.

Deste modo, faz-se necessária a adequação da ação rescisória aos tempos atuais, seja pela ampliação de suas hipóteses de cabimento, seja pela dilação ou supressão do prazo decadencial nas hipóteses excepcionais.

3.3.  A COISA JULGADA “SECUNDUM EVENTUM PROBATIONES” NAS AÇÕES FILIATÓRIAS

Consoante se pôde perceber ao longo do presente trabalho, a proteção irrestrita da “res judicata” perdeu espaço dos dias atuais.

De fato, o próprio legislador ordinário já autorizou a flexibilização da coisa julgada em algumas hipóteses extraordinárias. Veja-se, por exemplo, o parágrafo único do art. 741[15] do CPC, que considera inexigível o título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

Sob outro prisma, não se pode deixar de mencionar que a coisa julgada nas ações coletivas também sofreu certa mitigação, na medida em que a imutabilidade da decisão depende do resultado do processo (coisa julgada “secundum eventum litis”), consoante se depreende da leitura dos artigos 16 da Lei n.º 7.347[16] e 18 da Lei n.º 4.717[17].

Deste modo, não há razões para se continuar insistindo na absoluta imutabilidade do instituto nas ações de investigação de paternidade.

Conforme bem ponderado Cristiano Chaves de Farias (2008, p. 77), “as regras ordinárias sobre a coisa julgada, arquitetadas no CPC, não podem ir de encontro à Lex Mater, nem – e o mais importante! – se sobrepor aos direitos mínimos da existência humana, como a verdade sobre a paternidade”.

Deste modo, é imperioso proceder-se à adaptação do sistema da coisa julgada nas ações filiatórias.

Nessa perspectiva, já existem vozes defendendo que a imutabilidade da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade seja analisada “secundum eventum probationes”. Isto é, de acordo com a prova realizada nos autos. Em outras palavras, se o pedido foi julgado improcedente por falta de provas, não haveria que se falar em imutabilidade da sentença, podendo as partes interessadas, a qualquer momento, retomar o processo ou propor nova ação, a fim de comprovar a verdade real e, assim, fazer-se justiça.

Esse entendimento, aliás, foi adotado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 363889/DF[18], observe-se:

"Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo".

Por outro lado, se a sentença proferida em ação de investigação de paternidade concluir cabalmente pela existência ou inexistência de vínculo de filiação, a coisa julgada deverá ser mantida, como forma de se preservar a segurança jurídica.

4. ESTUDO DE CASOS

Ao analisar a evolução da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode-se perceber que, ao longo dos anos, a Terceira e a Quarta Turmas divergiram frontalmente a respeito da virtual possibilidade de relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.

A Terceira Turma, capitaneada pelo então Ministro daquela Corte, Carlos Alberto Menezes Direito, foi a primeira a proferir acórdão sobre o tema, no ano de 1998, decidindo que a realização de exame de DNA, em momento posterior ao trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, não tem o condão de reabrir a discussão, uma vez que a sentença estaria acobertada “pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada.”

Observe-se, a propósito, o teor da ementa de referido julgado[19]:

“AÇÃO DE NEGATIVA DE PATERNIDADE. EXAME PELO DNA POSTERIOR AO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA.

1. SERIA TERRIFICANTE PARA O EXERCICIO DA JURISDIÇÃO QUE FOSSE ABANDONADA A REGRA ABSOLUTA DA COISA JULGADA QUE CONFERE AO PROCESSO JUDICIAL FORÇA PARA GARANTIR A CONVIVENCIA SOCIAL, DIRIMINDO OS CONFLITOS EXISTENTES. SE, FORA DOS CASOS NOS QUAIS A PROPRIA LEI RETIRA A FORÇA DA COISA JULGADA, PUDESSE O MAGISTRADO ABRIR AS COMPORTAS DOS FEITOS JA JULGADOS PARA REVER AS DECISÕES NÃO HAVERIA COMO VENCER O CAOS SOCIAL QUE SE INSTALARIA. A REGRA DO ART. 468 DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL E LIBERTADORA. ELA ASSEGURA QUE O EXERCICIO DA JURISDIÇÃO

COMPLETA-SE COM O ULTIMO JULGADO, QUE SE TORNA INATINGIVEL, INSUSCETIVEL DE MODIFICAÇÃO. E A SABEDORIA DO CODIGO E REVELADA PELAS AMPLAS POSSIBILIDADES RECURSAIS E, ATE MESMO, PELA ABERTURA DA VIA RESCISORIA NAQUELES CASOS PRECISOS QUE ESTÃO ELENCADOS NO ART. 485. (Grifou-se).

2. ASSIM, A EXISTENCIA DE UM EXAME PELO DNA POSTERIOR AO FEITO JA JULGADO, COM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, RECONHECENDO A PATERNIDADE, NÃO TEM O CONDÃO DE REABRIR A QUESTÃO COM UMA DECLARATORIA PARA NEGAR A PATERNIDADE, SENDO CERTO QUE O JULGADO ESTA COBERTO PELA CERTEZA JURIDICA CONFERIDA PELA COISA JULGADA.

3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.”

Da leitura do excerto em destaque, verifica-se que a Colenda Terceira Turma daquele Tribunal Superior, de forma conservadora, deu provimento, à unanimidade, ao Recurso Especial interposto pelo Ministério Público do Estado Goiás, reformando integralmente o acórdão de segunda instância, que havia reconhecido a possibilidade de relativização da coisa julgada, na situação em comento.

Prevaleceu, desta maneira, o entendimento de que segurança jurídica sobrepõe-se à pretensa justiça da decisão, não sendo possível “abrir as comportas dos feitos já julgados”, sob pena de instalação do caos social.

Passados três anos daquele julgamento, semelhante questão foi novamente submetida à análise da Corte infraconstitucional, desta vez, sob a ótica da Quarta Turma.

A matéria foi amplamente discutida pelos magistrados daquele órgão colegiado, tendo sido decidido, também à unanimidade, que, “a coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso da investigação de paternidade, deve ser interpretada ‘modus in rebus’”.

Neste passo, é oportuno trazer à baila a ementa de referido julgado[20]:

“PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.

I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. (Grifou-se)

II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real.

III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade". (Grifou-se)

IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.”

Como se pode notar, para a Quarta Turma do STJ, a segurança jurídica não é um valor absoluto, devendo ser mitigada nas ações de investigação de paternidade, ante a necessidade de se assegurar aos jurisdicionados um processo justo, em que a verdade real prevaleça sobre a verdade ficta.

Segundo as percucientes palavras do Ministro Relator Sálvio de Figueiredo Teixeira,

“o fetichismo das normas legais, em atrito com a evolução social e científica, não pode prevalecer a ponto de levar o Judiciário a manietar-se, mantendo-se impotente em face de uma realidade mais palpitante, à qual o novo Direito de Família, prestigiado pelo constituinte de 1988, busca adequar-se.”

A decisão em questão foi comemorada pelos doutrinadores que defendiam a tese da mitigação da coisa julgada (FARIAS, 2008), servindo de combustível para novas e acirradas discussões.

Em que pese o fortalecimento da moderna teoria relativizadora, a Terceira Turma do STJ, em 2005, voltou a analisar a matéria[21], reiterando o tradicional posicionamento emitido em 1998, contrário à tese da relativização, verbis:

“Ação declaratória de nulidade de assento de registro de nascimento. Reconhecimento da paternidade em ação anterior transitada em julgado, dando ensejo ao registro agora impugnado.

1. Se o assento do registro civil decorre de decisão judicial transitada em julgado, não é possível modificá-lo sem que aquela seja desconstituída pela via processual própria. (Grifou-se).

2. Recurso especial não conhecido.”

O embate, todavia, não parou por aí.

Em julgado proferido em maio de 2008, a Quarta Turma do STJ, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, decidiu que a propositura de nova ação de investigação de paternidade não viola a coisa julgada se, por ocasião do ajuizamento da primeira investigatória – cujo pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas –, o exame pelo método DNA não era disponível.

Transcreve-se, por oportuno, a ementa do acórdão[22]:

“Direito processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade com pedido de alimentos. Coisa julgada. Inépcia da inicial. Ausência de mandato e inexistência de atos. Cerceamento de defesa. Litigância de má-fé. Inversão do ônus da prova e julgamento contra a prova dos autos. Negativa de prestação jurisdicional. Multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC.

A propositura de nova ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos, não viola a coisa julgada se, por ocasião do ajuizamento da primeira investigatória – cujo pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas –, o exame pelo método DNA não era disponível tampouco havia notoriedade a seu respeito. (Grifou-se).

– A não exclusão expressa da paternidade do investigado na primitiva ação investigatória, ante a precariedade da prova e a insuficiência de indícios para a caracterização tanto da paternidade como da sua negativa, além da indisponibilidade, à época, de exame pericial com índices de probabilidade altamente confiáveis, impõem a viabilidade de nova incursão das partes perante o Poder Judiciário para que seja tangível efetivamente o acesso à Justiça. (…)

Recurso especial não conhecido.”

Como se pode notar, referido colegiado manteve o entendimento exarado no ano de 2001, defendendo a desconsideração da coisa julgada material na hipótese em destaque, em razão da possibilidade de se alcançar um julgamento mais justo e verdadeiro, por meio da realização do exame de DNA.

Após dez anos de longas discussões, a divergência entre as turmas se tornou insustentável, afinal de contas, o Superior Tribunal de Justiça é o tribunal responsável pela unificação da interpretação da legislação infraconstitucional. Deste modo, fazia-se imperiosa a análise da questão por um órgão superior, capaz de unificar o entendimento sobre a matéria.

Por esta razão, a Terceira Turma daquela Corte submeteu o julgamento do RESP 706.987 / SP[23] ao crivo da Segunda Seção, que, aparentemente, teria colocado uma pá de cal na controvérsia, unificando o entendimento do STJ sobre a matéria.

É o que será analisado no próximo tópico.

4.2. VITÓRIA DA COISA JULGADA?

Oito dias depois de julgado o RESP 826.698 / MS, pela Quarta Turma do STJ, que concluíra pela possibilidade de relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade, a Segunda Seção do mesmo tribunal enfrentou matéria semelhante, por ocasião do julgamento do RESP 706.987 / SP e concluiu o julgamento em sentido diametralmente oposto, pela apertada maioria de um voto.

Neste passo, faz-se imprescindível a transcrição da ementa do julgado proferido pela Segunda Seção:

“PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Coisa julgada decorrente de ação anterior, ajuizada mais de trinta anos antes da nova ação, esta reclamando a utilização de meios modernos de prova (exame de DNA) para apurar a paternidade alegada; preservação da coisa julgada. Recurso especial conhecido e provido.” (Grifou-se).

A partir de uma análise simplista da ementa acima transcrita, poder-se-ia imaginar que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por meio da Segunda Seção, teria pacificado a matéria em sentido contrário à relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.

Esse resultado, certamente, significaria uma grande derrota para aqueles doutrinadores que pregam a sucumbência do princípio da segurança jurídica quando este colidir com outros valores mais relevantes, tais como a dignidade da pessoa humana e a justiça das decisões.

Entretanto, essa não é a melhor interpretação que se pode conferir a referido julgamento.

De fato, a leitura cuidadosa dos votos que compõem o acórdão em exame, permite verificar que a discussão ainda está longe de ser concluída.

A fim de demonstrar a afirmação que ora se defende, faz-se necessária uma breve exposição a respeito da situação jurídica discutida no julgamento em referência, o que será feito no tópico seguinte.

4.3. ANÁLISE DO JULGAMENTO PROFERIDO NO RESP 706.987 / SP

Consoante se verifica da leitura do relatório do acórdão em questão, dois irmãos gêmeos, nos idos do ano de 1969, ajuizaram ação de investigação de paternidade em face do suposto pai, a qual foi julgada improcedente, com base em provas testemunhais e periciais (exame de sangue).

Oportuno destacar que o laudo pericial, naquela ocasião, concluiu, de forma categórica, que os autores não eram filhos do réu.

Anos depois, com o surgimento do exame de DNA, os pretensos filhos intentaram nova ação de investigação de paternidade contra o suposto pai.

Em decisão interlocutória, o juiz rejeitou a arguição preliminar de coisa julgada e determinou a realização do exame de DNA.

Inconformado, o suposto pai interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento, consoante a ementa abaixo reproduzida:

“Agravo de Instrumento – Ação de investigação de paternidade – Rejeição de preliminar de coisa julgada material – Anterior ação de investigação de paternidade julgada improcedente, com base em prova testemunhal e pericial – Prova pericial, pelo sistema MN, que não excluía a paternidade – Avanço da ciência, nos últimos anos, que desvendou a cadeia do DNA humano, permitindo exame, para a determinação ou exclusão da paternidade biológica, com certeza absoluta – Direito dos autores de conhecerem a própria origem, garantido pela Constituição Federal – Direito natural e interesse individual dos autores que se sobrepõem à coisa julgada material – Inteligência dos arts. 1º, III, e 5º, XXXVI, da Constituição Federal; do art. 5º, da LICC, e dos arts. 467/472, do Código de Processo Civil – Recurso não provido.” (Grifou-se).

Contra referido acórdão, o réu interpôs Recurso Especial, alegando divergência jurisprudencial e, ainda, ofensa ao artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil e aos artigos 267, V e VI e 467, ambos do Código de Processo Civil.

Após profunda análise das razões suscitadas pelo réu, a Segunda Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu pela imutabilidade da coisa julgada, na específica hipótese dos autos.

Ao contrário do que pode parecer, essa decisão não significa, de forma alguma, que o Superior Tribunal de Justiça tenha pacificado a matéria no sentido da impossibilidade de relativização da coisa julgada.

Isso porque o caso em apreço é dotado de algumas peculiaridades, que o impedem de se tornar um paradigma.

De fato, a improcedência dos pedidos formulados na ação de investigação de paternidade proposta pelos irmãos gêmeos no ano de 1969 não se assentou no argumento de falta de provas. Pelo contrário, o Tribunal a quo, ao examinar as evidências dos autos, notadamente o resultado do exame de sangue, declarou, peremptoriamente, a impossibilidade de o réu ser pai dos autores.

Essa é a razão pela qual o Egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu pela impossibilidade de nova propositura de ação de investigação de paternidade na hipótese em exame.

Diferente seria se a sentença primitiva houvesse negado a paternidade por falta de provas. De fato, nesta hipótese não se poderia falar que a coisa julgada asseguraria a segurança jurídica, uma vez que a falta de provas não gera certezas e, muito menos pacificação social.

Colha-se a propósito, a lição proferida por Sálvio de Figueiredo Teixeira, por ocasião da relatoria do já citado RESP 226.436:

“(…) no caso, diante da precariedade da prova, não houve certeza jurídica, na primitiva ação de investigação, a respeito da exclusão da paternidade imputada ao investigado, tendo a decisão se limitado a afirmar que a prova era insuficiente e que a melhor solução seria a improcedência do pedido. Em outras palavras, inexiste, na hipótese, real decisão de mérito excluindo a paternidade do investigante.” (grifou-se).

No mesmo sentido, Rolf Madaleno ensina que:

“(…) Nessas circunstâncias, descabe cristalizar como coisa julgada, a inexistência do estado de filiação, pois restou verificado sim, a impossibilidade de formação de um juízo de certeza, cuja negligência probatória não pode ser debitada ao investigante, como também não pode ser debitado ao investigado este mesmo selo da presunção absoluta e imutável de veracidade sentenciai, quando neste mesmo processo deixou de ser pesquisada a prova genética da filiação. E desimporta tenha sido a falta de recursos financeiros, ou porque ainda fosse desconhecida ou inacessível a perícia dos marcadores genéticos do sistema de DNA, hoje já banalizada por um sem-número de laboratórios e sacralizada pelos pretórios brasileiros”. (Grifou-se).

Neste passo, é imperioso destacar que o próprio Ministro Relator do RESP 706.987, Humberto Gomes de Barros, membro da conservadora Terceira Turma, admitiu em seu voto que, “quando, em ação anterior, a paternidade do investigado não foi declarada à míngua de provas, é possível reabrir a discussão em novo processo”.

E acrescentou: “A possibilidade dessa nova ação manifesta-se quando, à época do ajuizamento da ação primitiva, o exame de DNA ainda não era disponível e a sentença passada em julgado não afastara peremptoriamente a paternidade” (Grifou-se).

Pois bem. Considerando-se que o julgamento em questão foi concluído por pequena diferença de votos, sendo quatro deles favoráveis à relativização e cinco votos contrários; considerando-se, ainda, que o Ministro Humberto Gomes de Barros admitiu a possibilidade de relativizar a coisa julgada quando a primeira ação de investigação houver sido extinta por falta de provas e; considerando-se, por fim, que a composição do E. STJ sofreu recente alteração, é imperioso concluir que existe a possibilidade de que, em uma próxima oportunidade, a Jurisprudência daquela Corte venha a admitir a relativização da coisa julgada na estrita hipótese em que o pedido de investigação de paternidade formulado na primeira ação tenha sido julgado improcedente por falta de provas.

Diante dessa constatação, ainda resta uma esperança àqueles que defendem a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.

CONCLUSÃO

O escopo do presente trabalho consistia em analisar a possibilidade de relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.

A fim de alcançar o objetivo inicialmente proposto, foi necessário realizar um estudo  a respeito do alcance da coisa julgada e a importância de sua manutenção para o ordenamento jurídico.

Constatou-se, logo no início da pesquisa, que o instituto da “res iudicata”, tem inegável relevância para o Direito, na medida em que põe fim aos conflitos surgidos no seio da coletividade, pacifica as relações jurídicas e minimiza o sentimento de insegurança, nocivo ao convívio em sociedade.

Verificou-se, outrossim, que a pretensa imutabilidade das sentenças judiciais decorre do sistema jurídico positivo adotado pelo ordenamento pátrio, que busca preservar a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais.

Em seguida, abordou-se a controvertida discussão acerca da natureza jurídica da coisa julgada, concluindo-se ser ela uma garantia fundamental.

No segundo capítulo do artigo, buscou-se demonstrar que, apesar do “status” constitucional da coisa julgada, seria possível, em algumas hipóteses, abrandar a sua força, em nome de postulados mais relevantes, tais como a justiça e a dignidade da pessoa humana.

A fim de comprovar tal afirmação, tomou-se como parâmetro a hipótese de relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.

Nessa toada, realizou-se um estudo sobre o direito de filiação no ordenamento jurídico brasileiro, abordando-se as relevantes consequências morais e patrimoniais decorrentes desse instituto.

Em seguida, por meio de um exercício de hermenêutica, interpretou-se sistematicamente os dispositivos constitucionais referentes à família e concluiu-se que o conhecimento das origens ancestrais é um direito fundamental do ser humano.

Indo mais além, verificou-se que referido direito encontra-se intimamente relacionado à dignidade da pessoa humana, pois a vida digna se inicia com a inserção em um ambiente familiar.

Lançadas essas bases iniciais, chegou-se ao ponto crucial do trabalho, qual seja, o estudo da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.

Neste ponto, realizou-se uma crítica ao modelo de “sacralização” da coisa julgada, que até pouco tempo reinava absoluto no ordenamento jurídico brasileiro, e se concluiu que a moderna concepção constitucional do processo não mais admite a cega imutabilidade do sistema da coisa julgada nas ações filiatórias, sendo imprescindível a ponderação dos valores constitucionais em discussão.

Passou-se, por conseguinte, a analisar o conflito existente entre o direito fundamental à coisa julgada e o direito fundamental à identificação biológica.

A controvérsia em questão foi resolvida à luz da ponderação dos valores constitucionais segurança jurídica e princípio da dignidade humana, ocasião em que se concluiu pela prevalência deste em detrimento daquele.

Isso porque o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no art. 1º, III, da Carta Magna, “sempre será preponderante, dada a sua condição de princípio fundamental da República".

Após concluir que a “verdade processual”, deve sucumbir diante da possibilidade de se encontrar a “verdade real”, percebeu-se que a mitigação desregrada da “res iudicata” poderia acabar desnaturando por completo o instituto, ocasionando a eternização dos conflitos, o abarrotamento do judiciário e, principalmente, a ofensa ao postulado constitucional da segurança jurídica.

Desta forma, fez-se necessário o estudo dos mecanismos processuais capazes de veicular a pretensão de rediscussão da coisa julgada, tendo em vista a necessidade de se uniformizarem os procedimentos e, consequentemente, preservar-se a almejada segurança jurídica.

Neste ponto, verificou-se que a ação rescisória, apesar de ser o primeiro instrumento processual que vem à mente do operador do direito quando se fala de desconstituição da coisa julgada, muitas vezes não é capaz de resolver o problema das ações de investigação de paternidade.

De fato, consoante se esclareceu no capítulo terceiro, o ajuizamento de referida ação está submetido a um prazo decadencial de dois anos, o que inviabiliza a desconstituição da coisa julgada nas reiteradas hipóteses em que a decisão rescindenda data de tempos mais longínquos.

Deste modo, constatou-se a necessidade de adequação do artigo 495 do Código de Processo Civil às novas realidades do Direito moderno, razão pela qual se propôs a supressão do prazo decadencial de dois anos, nas hipóteses em que a ação rescisória versar sobre o direito de filiação. Subsidiariamente, sugeriu-se a modificação da contagem de referido prazo, de modo que o seu termo inicial coincida com a data do resultado do exame de DNA e não com a data do trânsito em julgado da decisão rescindenda.

Ainda no capítulo terceiro, apontou-se um outro obstáculo à propositura da ação rescisória na hipótese em destaque, qual seja, a reconhecida dificuldade do pretenso filho obter o consentimento do suposto pai para a realização do exame de DNA.

Essa dificuldade é relevante, na medida em que o réu não pode ser obrigado judicialmente a fornecer material para o exame genético, gerando a sua recusa simples presunção de paternidade, a qual não possui força necessária para rescindir a coisa julgada.

Com base esses fundamentos, verificou-se que a ação rescisória não é o instrumento mais eficaz para assegurar o direito fundamental ao conhecimento da verdadeira origem genética do indivíduo, a não ser nas restritas hipóteses em que o trânsito em julgado da decisão rescindenda ocorreu há menos de dois anos e o interessado possua em mãos o resultado conclusivo do exame de DNA.

Diante dessa perspectiva, entendeu-se pela necessidade de alteração legislativa, de modo que a imutabilidade da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade seja analisada “secundum eventum probationes”, isto é, de acordo com a prova realizada nos autos.

Em outras palavras, se o pedido de declaração de paternidade foi julgado improcedente por falta de provas, não haveria que se falar em imutabilidade da sentença, podendo as partes interessadas, a qualquer momento, retomar o processo ou propor nova ação, a fim de comprovar a verdade real e, assim, fazer-se justiça. Por outro lado, se a sentença concluiu cabalmente pela existência ou inexistência de vínculo de filiação, a coisa julgada deverá ser mantida, como forma de se preservar a segurança jurídica.

Traçados os conceitos teóricos a respeito do assunto, sentiu-se a necessidade de investigar a forma como a jurisprudência pátria vem tratando a matéria.

Percebeu-se, então, que o assunto não é pacífico nem mesmo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que é a Corte responsável pela uniformização da jurisprudência nacional.

Com efeito, o quarto capítulo deste artigo demonstrou, em detalhes, a interessante controvérsia jurisprudencial historicamente travada entre a terceira e a quarta turmas daquele tribunal, a qual persiste até os dias atuais.

Finalmente, analisou-se o inteiro teor do RESP 706.987 / SP, julgado pela Segunda Seção, em maio de 2008, com a pretensão de unificar o entendimento daquela Corte sobre a matéria.

Em que pese o resultado final do julgamento, que concluiu pela preservação da coisa julgada em detrimento da pretensa possibilidade de se rediscutir a paternidade, pôde-se perceber neste trabalho que a tese então vencedora não tem o condão de se tornar um paradigma sobre a matéria, tendo em vista algumas peculiaridades daquele caso concreto.

Observou-se, ademais, que existe naquele colegiado uma leve tendência em relativizar a coisa julgada na específica hipótese em que a ação de investigação de paternidade houver sido julgada improcedente por falta de provas. Todavia, não se pode olvidar que o STJ passou recentemente por uma mudança em sua composição, o que pode alterar o prognóstico aqui delineado. 

Deste modo, enquanto aquela corte não firmar uma posição definitiva sobre a matéria, cumpre aos acadêmicos manter acesa a chama do debate, de modo a tentar fazer prevalecer a solução mais consentânea com o Direito Moderno, que, nas palavras de Alexandre Câmara (2008, p. 36), “é orientado à produção de resultados justos”.

 

Referências
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Notas:
[1]Res iudicata pro veritate accipitur
[2] Parte da doutrina, encabeçada por Liebman, critica a definição fornecida pelo art. 467, do Código de Processo Civil, sob o fundamento de que a autoridade da coisa julgada não é um efeito da sentença, mas uma qualidade. Esta discussão, todavia, não será enfrentada no presente trabalho, sob pena de se perder o foco principal do estudo, que é a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade.
[3] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta  (…)
 § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…)
 IV – os direitos e garantias individuais.
[4] O item 5, do art. 17, do Pacto de San José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos já previa, desde 1969, que a lei deveria “reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento, como aos nascidos dentro do casamento”.
[5] CF: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 248869/SP. Recorrente Ministério Público do Estado de São Paulo. Recorrido Romeu Luiz Franchini. Relator Ministro Maurício Correa. 07 de agosto de 2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br.
[7] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[8] A esse respeito, é oportuno destacar o teor do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, observe-se: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
[9] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 70004042958. Recorrente  M.M.C Recorrido O.L.D. Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias. 15 de maio de 2002.
[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 706987/SP. Recorrente V.P de C. Recorrido P.V.C.A e Outro. Relator Ministro Humberto Gomes de Barros. 14/05/2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>
[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 83.358/SP. Paciente Wilson Damasceno. Impetrante. Marcos Tadeu de Souza e outro. Relator Ministro Carlos Britto. 04 de maio de 2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>
[12] Expressões utilizada pela Ministra Nancy Andrighi, por ocasião do julgamento do RESP 706.987 / SP.
[13] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT.  Agravo de Instrumento nº 2005 00 2 003336-0. Recorrente A.P.S. Recorrido A.G.B. Relator Desembargador Vasquez Cruxên. 03 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>
[14] Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão
[15] "Parágrafo único – para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal".
[16] Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)
[17] Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
[18] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 363889/DF. Recorrente Ministério Público  do Distrito Federal e dos Territórios – MPDFT. Recorrido Goiás Fonseca Rates. Relator Ministro Dias Toffoli. 02 de junho de 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>
[19] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 107.248/GO. Recorrente Ministério Público  do Estado de Goiás. Recorrido José Baldo. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. 07 de agosto de 1998. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>
[20]  BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 226.436/PR. Recorrente Júlio César Moreira. Recorrido Ivanir Otávio Becker. Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. 28 de junho de 2001. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>
[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 435.102/MG. Recorrente Elvira Garcia Cordeiro Machado. Recorrido José Adriano Ribeiro Maciel. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. 20 de setembro de 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>
[22] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 826.698/MS. Recorrente E.F.B. Recorrido A.A. de L. Relatora Ministra Nancy Andrighi. 06 de maio de 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>
[23] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 706.987/SP. Recorrente V.P de C. Recorrido P.V.C.A e Outro. Relator Ministro Humberto Gomes de Barros. 14 de maio de 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>

Informações Sobre o Autor

Beatriz Monzillo de Almeida

Procuradora Federal. Pós-graduação em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Graduação em Direito pela Universidade de Brasília – UnB.


Equipe Âmbito Jurídico

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