Resumo: O estudo aborda o instituto da responsabilidade civil aplicada ao Estado em decorrência da crescente prática do crime de pirataria, conduta diante de leis e decretos reprimida, mas que vem sendo incentivada por meio de ações estatais, caracterizando um desvio de finalidade pública que ocasiona graves danos aos detentores de direitos autorais.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Responsabilidade Estatal. Pirataria.
Sumário: 1- Introdução; 2- Da responsabilidade civil; 3- A Responsabilidade Civil do Estado; 4- A Pirataria e a Responsabilidade Estatal; 5- Considerações Finais.
1- Introdução
O tema da responsabilidade civil, sem dúvida, é um dos mais estimulantes do Direito, visto a sua abrangência e discussão que proporciona. Dentro deste tema de tão ampla importância e que abarca não só a responsabilidade dos entes privados, temos a responsabilidade da administração pública, que atrai bastante atenção dos estudiosos pelas diversas considerações que admite.
Atualmente, observa-se que a prática de copiar, vender e distribuir produtos sem a devida autorização dos detentores de direitos autorais e do pagamento de tributos gera danos patrimoniais e morais, ensejando a aplicação da responsabilidade civil.
É evidente que esta pratica, conhecida como pirataria, traz sérias conseqüências para a sociedade, seja na violação dos direitos e garantias do cidadão bem como para o desenvolvimento político e econômico do país. O Brasil inclui-se dentre os países que possuem legislação acerca da prevenção e repressão ao crime da pirataria moderna, ficando a cargo dos órgãos do Estado a fiscalização deste crime, porém percebe-se uma ação contraria destes órgãos ante suas atitudes que tendem a incentivar a atividade delituosa.
O cerne do presente trabalho não é exaurir a temática, mas tão somente despertar um reflexão sobre a problemática posta em questão, qual seja, a responsabilização estatal por danos advindos aos autores intelectuais, industriais e comerciantes que produzem bens dentro dos parâmetros legais, quando por meio de atos da administração incentivam condutas violadoras dos direitos destes.
2- Da responsabilidade civil
Responsabilidade é a condição ou qualidade de responsável, significa aquele que responde pelos próprios atos ou pelos atos de outrem. Ao abordar o instituto da responsabilidade civil Maria Helena Diniz assevera que:
“poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal“. (DINIZ,2001,p34)
A responsabilidade civil surgiu no Direito Francês com a Revolução Iluminista do século XVIII, sendo formulado expressamente pela primeira vez também no Código Civil Francês, a partir do qual se espalhou pelos demais ordenamentos e vem se desenvolvendo como um dos principais institutos do Direito Civil.
Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema em discussão, nosso código civil dispõe em seu art. 927 que fica obrigado a reparar o dano causado a outrem aquele que o cometeu por ato ilícito, o qual, o art.186 conceitua da seguinte forma:
“Art186 – Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
O ato ilícito, conforme demonstra a análise do artigo supracitado, baseia-se na culpa. Não havendo culpa, em regra não haverá responsabilidade. A culpa consiste na inobservância de um dever jurídico, que segundo Dias (apud, VENOSA, 2007, p.22):
“A culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com o resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude.”
Para que se configure o dever de reparação, restabelecendo o statu quo ante, necessário se faz a observância de três elementos: o fato lesivo causado pelo agente por dolo, negligência, imperícia ou imprudência; a ocorrência do dano material ou moral; e o nexo de causalidade entre o comportamento ilícito do agente e o dano ocasionado.
Desta forma, é necessário que o dano ocorrido derive direta ou indiretamente da ação ou omissão do agente, surgindo para este o dever de reparar os prejuízos por ele ocasionados, ou seja, a indenização. Falando-se neste caso em responsabilidade subjetiva.
Deve-se observar que nem sempre a responsabilidade civil exige a ocorrência da um ato ilícito para a sua configuração, visto que há atos que mesmo eivados de legalidade tendem a causar a determinadas pessoas um encargo maior que do que para o restante da coletividade. Neste caso fala-se em responsabilidade civil objetiva prevista no art. 927 do diploma civilista, também conhecida como a Teoria do Risco, a qual se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Rodrigues explicita essa responsabilidade da seguinte maneira:
“A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano pra terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vitima, esta tem o direito de ser indenizado por aquele.” (RODRIGUES 2001,p.11)
Por último, não há que confundir a responsabilidade civil com a penal e a administrativa. A responsabilidade penal resulta da prática de crimes e contravenções tipificados na legislação penal, por sua vez, a responsabilidade administrativa deriva dos atos e regulamentos que regem as condutas dos agentes públicos.
3- A Responsabilidade Civil do Estado
Originariamente, frente aos regimes absolutistas tinha-se a teoria da irresponsabilidade do Estado. Para esta teoria o estado personificado na figura do rei não poderia lesar seus súditos, visto que o rei não cometia erros, concretizando a idéia de que este não tinha qualquer responsabilidade pelos atos de seus agentes. Porém esta teoria não perdurou por muito tempo, sendo substituída por outras que equipara o Estado ao individuo, tornando este obrigado a indenizar aqueles que sofreram danos por atos de seus agentes, constitui-se em imprescindível mecanismo de defesa do indivíduo face ao Poder Público.
O Estado hoje é visto como representante de toda a coletividade, buscando a doutrina que defende a responsabilidade estatal, fundamento na solidariedade social, no princípio da equidade de ônus e encargos, pelo qual, da mesma maneira que se divide entre a sociedade os benefícios da atividade estatal deve-se repartir os prejuízos.
A Constituição Federal de 1988 ao tratar sobre a responsabilidade objetiva do estado afirma em seu art. 37 § 6° que:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.”
Conforme a leitura do texto constitucional citado percebe-se que estão sujeitas a responsabilidade objetiva as pessoas jurídicas de direito público, nela abrangendo os entes da federação, as autarquias e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.
A atividade estatal por deter um maior poder em relação aos indivíduos, coloca estes em situação de fragilidade, surgindo a Teoria do risco, fundamento da responsabilidade objetiva do Estado.
Grande parte da doutrina divide esta teoria em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral sob o fundamento que a teoria do risco integral constitui uma modalidade do risco administrativo.
Pela teoria do risco administrativo a obrigação de indenizar surge apenas do ato lesivo causado à vítima pela Administração, não se exigindo qualquer falta do serviço público, nem culpa dos seus agentes. Bastando somente o desempenho do serviço e a lesão, configurando a natureza objetiva da responsabilidade.
Pela teoria do risco integral a Administração esta obrigada a indenizar por todo e qualquer dano suportado por terceiro, ainda que decorrente de culpa exclusiva deste, ou até mesmo de dolo.
Para o professor Hely Lopes Meirelles, defensor da divisão da teoria do risco, a Teoria do Risco Integral “é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social”. (Meirelles, 2002.p.616)
O Desembargador Cavalieri Filho ao abordar sobre a distinção na teoria do risco ressalta:
“Convém registrar que a teoria do risco administrativo não se confunde com a do risco integral, muito embora alguns autores neguem a existência de qualquer distinção entre elas, chegando mesmo a sustentar que tudo não passa de uma questão de semântica. A realidade, entretanto, é que a distinção se faz necessária para que o Estado não venha a ser responsabilizado naqueles casos em que o dano não decorra direta ou indiretamente da atividade administrativa” (CAVALIERI FILHO, p. 162).
No ordenamento jurídico brasileiro adotou-se a responsabilidade objetiva do estado com base no risco administrativo, não requerendo, para a caracterização da responsabilidade do Estado, a verificação de culpa, bastando apenas a configuração do dano e o nexo causal com a atividade estatal, restando ao Estado demonstrar a culpa exclusiva da vítima para atenuar ou excluir o dever de indenizar.
Deve-se observar que a teoria do risco administrativo inverte o ônus da prova, desta forma, o lesionado na ação de reparação deve alegar o fato, o dano e o nexo, cabendo ao estado contrapor a essas alegações provando que sua atividade não ocasionou o dano descrito.
O Estado, portanto, poderá excluir ou atenuar sua responsabilidade quando do momento de suas contra-alegações demonstrar a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, bem como as causas excludentes de ilicitude.
4 – A Pirataria e a responsabilidade Estatal
A pirataria refere-se modernamente a cópia comercialização e distribuição de material sem o pagamento dos direitos autorais de marca, e ainda de propriedade intelectual e de industria.
No Brasil esta conduta constitui crime e sua pratica fere, dentre outras, a lei 10.695 de 01.06.2003, conhecida como lei anti-pirataria que pune o transgressor com penas de até quatro anos de reclusão e multa, dependendo de cada caso. Porém mesmo com esta penalidade a pirataria e comumente praticada.
De acordo com relatório da Federação Internacional da Industria Fonográfica divulgadas pela Agência Senado o Brasil esta entre os dez países com maior índice de pirataria musical, e que, conforme o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade intelectual o país deixa de arrecadar cerca de R$ 30 bilhões em impostos e cerca de 2 milhões de empregos são fechados ou deixam de ser abertos devido a pirataria, pois a cada emprego informal que a pirataria abre seis empregos formais são fechados.
Porém não é só o cofre público que perde com a pirataria. Os detentores dos direitos autorais e industriais, bem como os comerciantes são os que mais sofrem prejuízos, pois cumprem com todas as determinações legais, despendendo altos valores com tributos, não encontrando retorno de seus investimentos diante da conduta daqueles que de forma ilícita copiam seus produtos e revendem por preços bem inferiores.
Nos últimos anos os prejuízos destes detentores de direitos vêm se agravando visto ações do Estado que incentivam a atitude delituosa.
O Estado da mesma forma que os cidadãos respondem pelos atos de seus agentes que causarem danos a terceiros, reparando-os. O administrador público atuando em nome do Estado deve seguir fielmente as normas e princípios estabelecidos pelo Direito. Sabendo que a lei anti-pirataria protege os detentores de direitos autorais e industriais, deve o Estado, cumprindo sua função e obedecendo o princípio da legalidade não contrariá-la, protegendo-os de qualquer lesão.
Ocorre que o Estado, desvirtuando de sua finalidade e contrariando as leis disponibiliza de áreas públicas e sem fiscalização para que seja realizado o comércio de produtos piratas, beneficiando-se através da cobrança de tributos para a utilização do espaço e não exercendo o seu dever de vigilância na fiscalização dos produtos que são comercializados. Este ato, eivado de ilegalidade, incentiva a prática da atitude delituosa, agravando os danos aos detentores de direitos autorais, que deviam se protegidos pelo Estado, mas que diante destas atitudes vem sendo prejudicado.
Diante do exposto, e observando o art.37, §6º da CF/88, percebemos a aplicabilidade da responsabilidade civil do Estado à problemática posta em questão, visto que encontra-se caracterizado o dano e o nexo causal entre a atitude do agente estatal e o prejuízo sofrido pelo terceiro, não se exigindo pela responsabilidade objetiva a demonstração da culpa.
5 – Considerações finais
Conclui-se, diante da situação exposta e considerando a legislação em vigor protetora dos direitos autorais que o Estado, ante um obrigado a seguir os princípios estabelecidos pelas normas, zelando pela sua efetiva aplicação, vem desempenhando uma atitude contraria as suas funções, causando danos que devem ser reparados como determina a lei. Neste caso invoca-se a responsabilidade civil objetiva para responsabilizar o Estado pelos atos de seus agentes. Devendo o prejudicado acionar o poder judiciário para exigir sua reparação, demonstrando somente o dano e o nexo de causalidade com o ato estatal.
Percebe-se também que não basta somente a exigência da reparação do dano deve-s exigir do Estado atitudes que visem desestruturar a pirataria como a diminuição dos altos impostos que são cobrados daqueles que agem de acordo com a legalidade, alem de exercer a devida fiscalização como determina a lei, assim com a diminuição dos preços todos poderão ter acesso a um produto legal e de qualidade acabando de vez com a pirataria, beneficiando o cliente, o inventor, o comerciante e Estado.
Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal de Campina Grande
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