Resumo: Trata o artigo da analise dos pormenores da responsabilidade civil do profissional de medicina quando do seu trato com os clientes, descrevendo os direito e deveres de ambos, analisando os possíveis casos de negligência e imperícia médica, além de um pequeno apanhado da atuação do judiciário na busca de apaziguar a turbação causada pelo especialista ao cliente que o procurou para aliviar um problema físico e foi gerado um dano de maior monta à saúde física ou mesmo mental do paciente.
Sumário: i. Introdução. Ii. Dos direitos e dos deveres do paciente e do médico. Iii. Da responsabilidade subjetiva do médico. Iv. Da negligência médica . V. Da imprudência médica. Vi. Do dano moral e material. Vii. Relação de causalidade entre o ato médico e o dano sofrido pelos clientes. Viii. Dos critérios de fixação do quantum indenizatório. Ix. Conclusão.
Palavras-chave: 1 – Responsabilidade civil do médico; 2 – Dano moral e material; 3 – Negligência e imprudência; 4 – Ressarcimento monetário pelo abalo;
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
I – INTRODUÇÃO
Durante muitos séculos, a função do profissional de medicina esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte. Je le soignais, Dieu le guérit… s’il le jugeait opportun. Nesse contexto, desarrazoado responsabilizar o médico, que apenas participava de um ritual, talvez útil, mas dependente exclusivamente da vontade divina. Mais recentemente, no final do século passado, primórdios deste, o médico, era visto como um profissional cujo título lhe garantia a onisciência, médico da família, amigo e conselheiro, figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços, e, menos ainda, a litigância sobre eles. O ato médico se resumia na relação entre uma confiança (do cliente) e uma consciência (do médico)[1].
As circunstâncias hoje estão mudadas. As relações sociais se massificaram, distanciando o médico do seu paciente. A própria denominação dos sujeitos da relação foi alterada, passando para usuário e prestador de serviços, tudo visto sob a óptica de uma sociedade de consumo, cada vez mais consciente de seus direitos, reais ou fictícios, e mais exigente quanto aos resultados.
De outro lado, o fantástico desenvolvimento da ciência determinou o aumento dos recursos postos à disposição do profissional; com eles, cresceram as oportunidades de ação e, conseqüentemente, os riscos. A eficácia é o que caracteriza a medicina moderna, a tal ponto que os médicos contemporâneos não se contentam somente em prevenir ou tratar as doenças, mas se propõem a superar a deficiência de uma função natural, substituir esta função ou modificar características naturais do sujeito.
Mesmo com a disponibilidade da alta tecnologia no para o diagnostico e tratamento de doenças que atinge o homem, a relação do paciente com o médico ainda encontra obstáculos dificílimos de serem ultrapassados pelos clientes, que atingidos por condutas errôneas destes profissionais, ficam muitas vezes sem o devido amparo para tentar reparar a lesão que suportou, seja por parte de outro profissional da área de saúde que busca a todo custo minorar a ingerência do colega de profissão, seja por parte dos centros clínicos que não fornecem os documentos que o paciente tem direito, seja ainda pela demonstração de parco sancionado do judiciário frente as negligência médica, que tantas seqüelas e saudades têm, causadas à sociedade, especialmente quanto à fixação das indenizações, para que efetivamente seja o status quo ante dos lesionados seja recomposto de forma digna a tornar menos dolorosa suas existências, indevidamente e injustamente marcadas pelo dano do profissional.
Nossos interesses com a produção deste é tão simplesmente expor aos interessados os direitos e deveres do paciente e do médico, a legislação aplicada aos serviços desempenhados pelos profissionais e demais pontos de interesse daqueles que necessitam de informações que os auxiliará na impetração de ações judiciais ou mesmo nutrir o paciente de informações que assegurem a satisfação do serviço desempenhado pelo médico.
II – DOS DIREITOS E DOS DEVERES DO PACIENTE E DO MÉDICO
Tomando emprestadas as palavras do médico E. Christian Gaudeber[2] citado por Miguel Kfouri[3], temos, como direitos dos pacientes, além, é claro de recorrer ao judiciário, pleiteando a reparação de quaisquer danos que lhe tenham sido culposamente infligidos por obra do médico, os destacados:
“O direito de o paciente obter todas as informações sobre seu caso, em letra legível, e cópias de sua documentação médica: prontuários, exames laboratoriais, raios X, anotações de enfermagem, laudos diversos, avaliações psicológicas etc. Em caso de recusa do médico ao fornecimento desses dados, o habeas data é o remédio jurídico eficaz para compelir o profissional a conceder tais informações.
Temos o direito de solicitar que os profissionais se reúnam para discutir a nossa doença. O médico seguro de sua competência não fará objeções. Temos direito a uma morte digna escolhendo onde e como morrer, e de recusar tratamentos, internações, intervenções cirúrgicas. Temos o direito de visitar parentes internados na hora em que pudermos, pois o horário de visitas é arbitrário, ou de ter acompanhantes durante os exames ou hospitalização – a psiconeuroimunobiologia prova que isso favorece a liberação de enzimas, hormônios, e células de defesa que irão mais prontamente ajudar a recuperação do organismo.
Depois incumbe-lhe aplicar todos os seus esforços, utilizando os meios de que dispõe, para obter a cura valendo-se da prudência e dedicação exigíveis.
Os deveres do médico, nascidos dessa relação de natureza contratual que se estabelece entre ele e o paciente, situam-se em três momentos: antes do início do tratamento, durante e depois do tratamento.”
Na mesma medida, em que existem direitos para o paciente, existem deveres que este deve cumprir, para proporcionar ao médico condições favoráveis a realizar sua função, dentre eles a de remunerar o médico; fornecer-lhe todos os dados, úteis para a formação de seu histórico clínico; seguir seus conselhos e obedecer rigorosamente todas às prescrições receitadas pelo profissional.
Além dos deveres de informação, obtenção de consentimento e de cuidado, tem o médico os deveres de: não abandonar o paciente sob seus cuidados, salvo caso de renúncia ao atendimento, por motivos justificáveis, assegurada a continuidade do tratamento (art. 61 do Código de Ética); no impedimento eventual, garantir sua substituição por profissional habilitado; não recusar o atendimento de paciente que procure seus cuidados em caso de urgência, quando não haja outro em condições de fazê-lo.
De todas essas obrigações inerentes ao profissional de medicina, estas têm a função de garantir ao paciente o devido acompanhamento de sua enfermidade por agente capaz de a tempo, agir no intuito de restabelecer o perfeito estado clínico do paciente, e de garantir a manutenção da saúde ou até mesmo de uma morte digna.
III – DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO
A Lei 8.078/90 (CDC), no seu art. 14, § 4º, manteve a regra de que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa.”
Assim a responsabilidade do médico é subjetiva, calcada na culpa stricto sensu (imperícia, negligência ou imprudência), condicionante, ainda, que, levíssima, obriga este profissional a indenizar a vítima (in lege aquilia et levissima culpa venit), pois em se tratando da vida humana, não há lugar para culpas “pequenas”.
Sobre o tema da responsabilidade civil do médico transcrevemos diversos e esclarecedores pontos de vista de renomados doutrinadores mundialmente conhecidos, uma destas colagens, a de Mazeaud-Tunc[4], que reproduzindo declarações de Bertrand de Greville, de forma precisa nos apresenta que “todo indivíduo é responsável pelos seus atos: esta é uma das principais máximas da sociedade, daí decorre que, se esse ato cause algum dano a outrem, é certo que seja obrigado a repará-lo aquele que, por culpa sua, o tenha ocasionado.”
O padecimento dos interesses dos clientes ou os reflexos desses danos suportados por seus familiares, atingidos pelo desacerto do profissional de medicina, não pode ser descartado pelo Poder Judiciário, e nada mais acertado do que estabelecer uma regra específica para os profissionais atuantes na área de saúde como sabiamente realizou o mestre Clóvis Beviláqua[5], o qual transcrevemos seus comentários ao Art. 1.545, do antigo Código Civil, atual Art. 951 do mesmo diploma legal:
“A responsabilidade das pessoas indicadas neste artigo, por atos profissionais, que produzem morte, inabilidade para o trabalho, ou ferimento, funda-se na culpa; e a disposição tem por fim afastar a escusa, que poderiam pretender invocar, de ser o dano um acidente no exercício da profissão. O direito exige que esses profissionais exerçam a sua arte segundo os preceitos que ela estabelece, e com as cautelas e precauções necessárias ao resguardo da vida e da saúde dos clientes e fregueses, bens inestimáveis, que se lhes confiam, no pressuposto de que zelem. E esse dever de possuir a sua arte e aplicá-la, honestamente e cuidadosamente, é tão imperioso que a lei repressiva lhe pune as infrações.”
Como bem determina o Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa, por constituir-se serviço de obrigação de meio e não de resultado. O descumprimento do dever contratual deve ser provado mediante a demonstração de que o médico agiu com imprudência, negligência ou imperícia, assim como está previsto no art. 951, do Código Civil.
A responsabilidade do médico na utilização dos instrumentos que utiliza em todo e qualquer procedimento clínico decorre do princípio geral da responsabilidade do dono ou detentor do objeto, entendimento expressado por Andorno[6]:
“Pela utilização de instrumentos perigosos que causem danos aos seus pacientes responde o médico, tenha sido ele mesmo quem manipulou o instrumento ou o aparelho, ou seja um não-médico, seu empregado.”
IV – DA NEGLIGÊNCIA MÉDICA
A palavra negligência tem como significado[7]: 1) a falta de cuidado; incúria; 2) falta de apuro, de atenção; desleixo, desmazelo; 3) falta de interesse, de motivação; indiferença, preguiça. 4) Rubrica: termo jurídico. inobservância e descuido na execução de ato.
Como todo termo na concepção jurídica adquire outra conotação, especialmente quando se procura imputar a alguém tal prática, melhor utilizarmos de exemplos, a fim a aclarar a idéia e fornecer com isso maiores e mais precisos dados de julgamento das ações negligentes realizadas pelos profissionais da área de saúde, mas, antes de copiarmos os julgados, apresentamos o conceito jurídico de negligência fornecido por Avecone[8], o qual diz que:
“a negligência é o oposto da diligência, vocábulo que remete à sua origem latina, diligere, agir com amor, com cuidado e atenção, evitando quaisquer distrações e falhas. Portanto, na base da diligência está sempre uma omissão dos comportamentos recomendáveis, derivados da comum experiência ou das exigências particulares da prática médica.”
A negligência médica caracteriza-se, segundo Genival Veloso de França[9]:
“Pela inação, indolência, inércia, passividade. É um ato omissivo. O abandono ao doente, a omissão de tratamento, a negligência de um médico pela omissão de outro (um médico, confiando na pontualidade do colega, deixa plantão, mas o substituto não chega e o doente, pela falta de profissional, vem a sofrer graves danos. É a negligência vicariante);”
Os julgados pátrios[10] demonstram que diversos são os casos de negligências passiveis de serem realizadas pelo médico e que sofrem a analise crítica do julgador, quais sejam: demora na intervenção cirúrgica urgente; não acompanhamento da paciente internado; não comparecimento ao hospital, para receitar e acompanhar a recuperação da paciente; não comparecimento de médico plantonista do hospital, no quarto da paciente, para receitar e acompanhar sua recuperação.
V – DA IMPRUDÊNCIA MÉDICA
Lembra Carnelutti, que a imprudência é o contrário da prudência, e prudência é sinônimo de previdência; iuris prudens, medicinae prudens, são aqueles que, conhecendo os resultados da experiência e também das regras se extraem desta, agem antevendo o evento que deriva daquela ação, e tomando depois as medidas acautelatórias necessárias a evitar o insucesso.
Ainda na procura de definir o significado do termo imprudência, invocamos as sábias palavras de Introna[11], para quem:
“agir com imprudência comporta uma boa dose de previsibilidade e de antevisão do evento – não obstante o que se acaba agindo assim mesmo. Na prática, estamos no campo da leviandade, da irreflexão, isto é, de uma conduta que supera os limites da prudência. E nenhuma diferença se divisa entre a imprudência comum e a imprudência profissional, de idêntico conteúdo.”
Para Basileu Garcia[12]:
“consiste a imprudência em enfrentar, prescindivelmente, um perigo; a negligência, em não cumprir um dever, um desempenho da conduta; e a imperícia, na falta de habilidade para certos misteres.”
Exemplificando seu conceito o renomado autor descreve que:
“É imprudente notável cirurgião que, por vaidade, resolve empregar técnica cirúrgica perigosa, sem comprovada eficiência, abandonando o seguro processo habitual. Não é imperito nem negligente, pois redobra seus cuidados – mas o paciente morre, devido à sua imprudência.”
Na imprudência, há culpa comissiva. Age com imprudência o profissional que tem atitudes não justificadas, açodadas, precipitadas, sem usar da devida cautela, entendimento compartilhado pela mais nobre jurisprudência nacional[13].
VI – DO DANO MORAL E MATERIAL
De Cupis[14] conceitua dano como prejuízo, aniquilamento ou alteração de uma condição favorável, tanto pela força da natureza quando pelo trabalho do homem. Esclarecendo ainda que para o dano ser um fenômeno juridicamente qualificado, deve decorrer da inobservância de uma norma.
A vida é o maior direito a que um ser vivo tem acesso e ninguém pode retirar-lhe, a não ser em rarissímas exceções legais, o que não pode ocorrer na relação médico – paciente, como bem demonstrados nos pontos anteriores.
A origem da responsabilidade civil médico-hospitalar ocorre quando constatado o dano ao paciente, de qualquer tipo ou espécie: lesão a um direito (à vida, à integridade física, à saúde), lesão a um interesse legítimo, danos patrimoniais e/ou danos morais.
A ofensa médica, a pessoa, pode trazer prejuízos de variada natureza: a) provocando morte, doenças, incapacidades orgânicas ou funcionais; b) gerando conseqüências de ordem psíquica, sexual ou social; c) frustrando o projeto de vida da vítima. Tais danos podem afetar, conforme sua natureza, tanto o paciente como os seus familiares.
O dano pelo qual responde o médico é o decorrente diretamente de sua ação ou omissão, pois este resultado está na linha da causalidade posta pela ação do médico, entendimento já existente no Direito Romano, e expressado no texto de Ulpiano, onde lê-se:
“sicut medico imputari eventus moetalitatis non debet, ita quod per imperitiam commisit imputari ei debet (assim como não se deve imputar ao médico o evento da morte, deve-se imputar a ele o que cometeu por imperícia).”
Como toda ciência social, o Direito está em constante evolução, e na tentativa de acompanhar o progresso da sociedade que o instituiu, ao cientista do Direito não cumpre outra tarefa que não seja a de observá-la, analisá-la, estudá-la e dela introduzir regras sócio-jurídicas[15], a fim de ser assegurada sua finalidade, qual seja, manter o equilíbrio social. O primoroso trabalho de Carlos Alberto Bittar Filho[16] demonstra eficientemente essa evolução, como bem expressa parte do estudo que transcrevemos:
“O Direito vem passando por profundas transformações, que podem ser sintetizada pela palavra “socialização”; efetivamente, o Direito como um todo está sofrendo, ao longo do presente século, profundas mudanças, sob o impacto da evolução da tecnologia em geral e das alterações constantes havidas no tecido social; todas essas mutações têm direção e sentido certo: conduzem o Direito ao primado insofismável do coletivo sobre o individual. Como não poderia deixar de ser, os reflexos desse panorama de mudanças estão se fazendo sentir na teoria do dano moral, …”
A vida é o bem mais precioso a que um ser humano tem acesso, e nada nem ninguém é permitido agredir sem que com isso possa sofrer a devida sanção legal.
A ação judicial dos atingidos pelo dano do profissional de medicina que desencadeou o abalo moral ou mesmo material em suas vidas, nunca garantirá o restabelecimento de suas vidas e de suas famílias, merecendo com isso ser devidamente reparado, e para tanto é que é assegurado este direito no Código Civil, em seus artigos 186, 187, 927, Parágrafo Único e segs., todos consagrando aos ofendidos a total reparabilidade dos prejuízos sofridos.
A garantia de indenização pelo abalo moral e material, está ainda previsto ainda na Constituição Federal, no inciso X, do art. 5º.
Necessária se faz a conceituação de dano moral, como forma de verificação da existência de dano dessa natureza no caso que ora se analisa.
Nas palavras de Arnoldo Wald[17], “Dano é a lesão sofrida por uma pessoa no seu patrimônio ou integridade física, constituindo, pois, uma lesão causada a um bem jurídico, que pode ser material ou imaterial. O dano moral é causado a alguém num de seus direitos da personalidade, sendo possível a cumulação da responsabilidade pelo dano material e pelo dano moral”.
Para Carlos Alberto Bittar[18], “qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal) ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive ou atua (o da reputação ou da consideração social)”.
No escólio de Yussef Said Cahali[19], dano moral é “tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado”.
Exibido, minimamente, a intenção do legislador, proteger o patrimônio moral dos clientes atendidos pelos profissionais de saúde, passa-se, agora, a revelar o significado e a forma de quantificação do dano material injustamente suportado pelos mesmos, este abalo é bem mais fácil de demonstrar do que seu antecessor, visto que, material, aqui tem sentido de monetário, dinheiro, assim o dano material é todo aquele valor a que a vítima receberia se não tivesse sido acometida da depreciação de sua saúde, ou seja aqueles valores privados da renda auferida pela cliente.
Portanto, o valor a título de dano material, a ser pago pelos profissionais de medicina, deve corresponder a todo o montante gasto com o internamento, com medicamento extra, com a produção do velório e do enterro da vítima.
VII – RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATO MÉDICO E O DANO SOFRIDO PELOS CLIENTES
Na etiologia da responsabilidade civil, estão presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista, quais sejam: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta, um dano e o nexo de causalidade entre uma e outro.
É necessário estabelecer uma relação de causalidade entre a antijuridicidade da ação e o mal causado, ou, como sabiamente expressa Demogue[20], “é preciso esteja certo que, sem este fato, o dano não teria acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria.”
Deve haver uma relação entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano à vítima. Acentua Forchielli[21] que, para que se possa chegar, partindo de um evento danoso, até seu autor, é indispensável assentar uma ponte entre esses dois extremos: em termos jurídicos, essa ponte se chama nexo de causalidade. Ainda na intenção de aclarar o que seria o nexo causal, trazemos a contribuição de insignes penalistas da lavra de Antolisei[22]:
“Como não se pode fazer com que um homem responda por um delito sem que tenha ele praticado a ação, assim também não se pode considerá-lo responsável pelo resultado, se este não se derivou da sua ação. O evento, ao lado da ação, deve ser obra do agente. A necessidade dessa ligação de derivação ou dependência entre a conduta do sujeito e o evento é comumente denominada relação de causalidade (…).”
Zaffaroni[23] comenta a noção de causalidade, como sendo um processo “cego”, uma cadeia de causas e efeitos e declara que:
“Toda condição que não pode ser mentalmente suprimida sem que com ela desapareça o efeito, é causa. É a teoria da conditio sine qua non – a única que responde a realidade, à existência da causalidade como princípio físico.”
Com o exemplo dado pelo nobre doutrinador, apreciamos mais claramente o nexo de causalidade entre a ação do médico relacionado com o dano gerado aos clientes, e constatamos como bem estabelece o modelo acima transcrito, que a causa da lesão à vítima (negligência e imprudência do médico) não pode ser suprimida mentalmente sem ter ao mesmo tempo desaparecido o efeito (lesão da vítima).
VIII – DOS CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
Vários fatores influem na quantificação da compensação pelo dano sofrido pelas vítimas, as circunstâncias pessoais, subjetivas, tanto dos ofendidos quanto dos ofensores podem variar, e efetivamente variam. Deve-se, portanto, levar em conta, como bem refere Enoque Ribeiro dos Santos[24] os seguintes pontos:
a) as condições econômicas, sociais e culturais de quem cometeu o dano e principalmente de quem a sofreu; b) a intensidade do sofrimento do ofendido; c) a gravidade da repercussão da ofensa; d) a posição do ofendido; e) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável; f) um possível arrependimento evidenciado por fatos concretos; g) a retratação espontânea e cabal; h) a equidade; as máximas da experiência e do bom senso; i) a situação econômica do país e dos litigantes; j) o discernimento de quem sofreu e de quem provocou o dano.
Concordamos com a opinião de Walmir Oliveira da Costa[25], que escreve que a reparação por danos morais e materiais reveste-se de dupla função: reparatória e punitiva, o qual a expressa:
a) A FUNÇÃO REPARATÓRIA: Tem como finalidade oferecer compensação ao lesado e, assim, atenuar o seu sofrimento, recaindo em montante razoável do patrimônio do ofensor, de tal modo que ele não persista na conduta ilícita;
b) A FUNÇÃO PUNITIVA: Consiste em aplicar uma sanção ao lesante, visando coibir ou inibir atentados ou investidas contra direitos personalíssimos de outrem, razão de funcionar como penalidade de natureza pedagógica. Serve de advertência para que o ofensor não reincida na prática de atos lesivos à personalidade alheia e de exemplo à sociedade que, em suas relações, deve pautar-se por conduta ética e de respeito mútuo no campo das relações jurídicas e sociais.
Com base em todos esses fatores, resta ao julgador a árdua tarefa de pesá-los, na busca da solução que seja mais justa e adequada ao caso concreto. O jurista José de Aguiar Dias[26], mostra a correta maneira de aferir-se a proporcionalidade do dano, quando afirma em sua obra que:
“(…) o dano se estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente existente após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não se tivesse produzido. O dano é expresso pela diferença negativa encontrada nessa operação”.
Entendimento que está entranhado no Art. 944 do CC, que expressa que a indenização mede-se pela extensão do dano. Comungando com este entendimento, outro grande estudioso da ciência Jurídica, especialmente do ramo Constitucional, o Prof. Alexandre de Moraes[27], expõe que na fixação do quantum indenizatório a ser pago à vítima, este valor deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu, e o que deixou de ganhar em conseqüência direta e imediata do ato lesivo, ou seja, deverá ser indenizada nos danos emergentes e nos lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora se houver atraso no pagamento.
Portanto, o valor a título de dano material, a ser pago pelos profissionais de saúde, deve corresponder as despesas necessárias a minimização do dano suportado pela vítima.
Já a título de dano moral gerado pela conduta danosa do médico e que é passível de gerar um abalo irreversível nas vidas da vítima e/ou de seus descendentes, a mais nobre doutrina, justificando a defesa que merece a honra de cada pessoa que a teve atingida por ação ou omissão de quem quer que seja, expressa entendimento nos estudos mais modernos e condizentes com a sociedade atual, como bem expõe a doutrinadora Aparecida I. Amarante[28], pensamento que transcrevemos:
“Honor est maximum bonorum exteriorum. Honor est maximum honorum. A sabedoria latina, ao elevar a Honra a bem supremo do homem ou ao equipará-la à própria vida, bem demonstra que ela deve constituir uma preocupação pilar do jurista e do próprio legislador. Esta, porém, não é uma realidade insofismável.”
“A Honra e a vida se equiparam” (honoris causa et vita aequiparantur). Nesta eqüipolência verificamos quão importante e precisa deve ser a proteção jurídica da honra e quanta porfia já rendeu a julgadores e estudiosos.“
IX – CONCLUSÃO
Conclui-se, que é discutível a ocorrência do dano moral e material do médico, em decorrência da ação desvirtuada deste, seja por negligência ou imprudência, que geraram dano à vítima, pessoa que procurou os serviços do profissional, fato que justifica um maior incentivo dos membros do poder judiciário no sancionamento deste abalo para tentar justificar para a sociedade que os julgadores não corroboram com a negligência médica, que tantas seqüelas e saudades têm, impunemente, causadas à sociedade, buscando ainda garantir que o status quo ante dos lesionados seja recomposto de forma digna a tornar menos dolorosa suas existências, indevidamente marcadas pelo dano causado pelo profissional da medicina.
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