Resumo: A responsabilidade civil do Estado está prevista no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, esta responsabilidade é objetiva e será objeto de estudo a responsabilidade estatal extracontratual. Além disso, o conceito de responsabilidade civil está ligado a três elementos essenciais para a caracterização da responsabilidade, ou seja, conduta ilícita ou lícita, dano e nexo causal. Desses elementos pode-se concluir que a responsabilidade civil é derivada de uma lesão ao interesse alheio, causando um dano a este particular, sendo assim o causador do dano, seja esse dano moral ou material, deverá se responsabilizar pelo dano causado e se for possível reparar o dano fazendo com que as coisas retornem ao estado anterior, ou, caso não haja possibilidade de retornar ao estado anterior, compensar pecuniariamente a vítima da conduta causadora do dano. O presente estudo visa delinear os principais aspectos da responsabilidade extracontratual do estado, visando melhor elucidação do temo.
Palavras-chave: responsabilidade; extracontratual; Estado.
Abstract: The liability of the state is provided for in Article 37 of the Constitution of 1988, this responsibility is objective and will be object of study the state tort liability. Moreover, the concept of liability is linked to three essential elements for the characterization of the liability, that is, lawful or unlawful conduct, damage and causal link. These elements can be concluded that the liability is derivative of an injury to the interests of others, causing damage to this particular one, so caused the damage, whether it be moral or material damage, will be responsible for damage and if possible repair the damage so that things return to their previous state, or if there is no possibility of returning to the previous state to pay compensation to compensate victims of the conduct causing the damage. This study aims to outline the main aspects of the liability of the state, in order to better elucidate the fear.
Keywords: liability, tort, state.
Sumário: 1. noções gerais sobre responsabilidade civil; 2. responsabilidade civil do estado; 3. evolução histórica; 4. responsabilidade do estado no direito brasileiro; 5. o artigo 37, § 6º, da constituição federal de 1988; 6. o sentido do vocábulo “agentes”; 7. teoria do risco administrativo; 8. danos por omissão do estado; 9. causas excludentes da responsabilidade do estado; 10. referências.
1. Noções gerais sobre responsabilidade civil.
O conceito de responsabilidade civil está ligado a três elementos essenciais para a caracterização da responsabilidade, ou seja, conduta ilícita ou lícita, dano e nexo causal. Desses elementos pode-se concluir que a responsabilidade civil é derivada de uma lesão ao interesse alheio, causando um dano a este particular, sendo assim o causador do dano, seja esse dano moral ou material, deverá se responsabilizar pelo dano causado e se for possível reparar o dano fazendo com que as coisas retornem ao estado anterior, ou, caso não haja possibilidade de retornar ao estado anterior, compensar pecuniariamente a vítima da conduta causadora do dano. Nos dizeres de Maria Helena Diniz (2006, p. 40):
“A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.”
Até se chegar a esse conceito de responsabilidade civil, esta passou por uma grande evolução histórica. A responsabilidade surgiu no direito romano, a princípio dominava a vingança coletiva, onde toda a população virava-se contra o agressor (Diniz, 2006, p. 40), com o passar do tempo, evoluiu para a vingança privada. Prevista na Lei das XII Tábuas, conhecida como pena de talião, a vingança privada constituía-se o direito de retaliação da vítima em face do agressor, causando ao autor o mesmo dano que este causou. Importante mencionar para fins de análise Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2006, p. 10):
“De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido.”
Ainda na Lei do Talião há a possibilidade de acordo entre a vítima e o ofensor, não sendo necessária a aplicação da retaliação. Futuramente com a criação da Lex Aquilia o instituto da responsabilidade evoluiu para a compensação pecuniária. Neste período começou-se a atribuir à conduta causadora do dano o elemento “culpa” criando desta forma uma distinção entre responsabilidade civil e penal. Sobre a Lex Aquilia: “Constituída de três partes, sem haver revogado totalmente a legislação anterior, sua grande virtude é propugnar pela substituição das multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO apud LIMA, 1999, p. 22-23) Em um de seus artigos a Lex Aquilia trazia a definição mais precisa de responsabilidade civil para a época, pois definia as principais características do instituto, como ensina Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (1999, p. 22-23), tão citados neste estudo:
“Com efeito, regulava ela o damnum injuria datumm, consistente na destruição ou deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido coisa corpórea ou incorpórea, sem justificativa legal. Embora sua finalidade original fosse limitada ao proprietário de coisa lesada, a influência da jurisprudência e as extensões concedidas pelo pretor fizeram com que se construísse uma efetiva doutrina romana da responsabilidade extracontratual.”
Com o influente Código Civil de Napoleão, marco na legislação mundial, a responsabilidade civil deixa de ser vista como pena para o agressor e passa a ter um significado maior firmando a ideia de reparação do dano à vítima. Porém a impossibilidade de comprovar o elemento culpa referente à conduta causadora do dano, fez com que outras teorias sobre a responsabilidade civil surgissem, fundamentando a reparação do dano apenas pelo risco criado. Como bem esclarece Maria Helena Diniz (2006, p. 12):
“A insuficiência da culpa para cobrir todos os prejuízos, por obrigar a perquirição do elemento subjetivo na ação, e a crescente tecnização dos tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção de bens em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos automotores, aumentando assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização. Este representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo risco deve ser garantido, visando a proteção jurídica à pessoa humana, em particular aos trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a insegurança material, e todo dano deve ter um responsável. A noção de risco prescinde da prova da culpa do lesante, contentando-se com a simples causação externa, bastando a prova de que o evento decorreu do exercício da atividade, para que o prejuízo por ela criado seja indenizado.”
A partir desse breve relato histórico a cerca da evolução da responsabilidade civil, é preciso tecer algumas considerações sobre as espécies de responsabilidade. Observa-se que a responsabilidade civil não se confunde com a penal, tendo como elemento comum apenas a ilicitude do fato, elas se distinguem única e exclusivamente em razão da norma que foi infringida pela conduta danosa, se a norma for penal, o agente será responsável criminalmente e se for norma cível, responderá no âmbito civil.
A responsabilidade civil em relação ao seu fundamento pode ser subjetiva ou objetiva. A responsabilidade subjetiva tem como principal característica o elemento anímico culpa ou dolo, ou seja, o sujeito da conduta causadora do dano age dolosamente ou culposamente, entretanto a conduta só será culposa quando o agente da ação ou omissão agir com imprudência ou negligência. É o que está esculpido no artigo 186 do Código Civil de 2002: “Art. 186. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Há ainda a responsabilidade civil indireta em que a obrigação referente ao dano causado recai em um terceiro que não foi o causador direto do dano, essa modalidade de responsabilidade baseia-se no dever de vigilância do terceiro em relação ao causador direto do dano, não desprezando o elemento anímico culpa, uma vez que a culpa não é ignorada e sim presumida.
Por derradeiro, a responsabilidade objetiva, modalidade mais recente de responsabilidade civil, nela o elemento anímico é desnecessário sendo observado apenas o nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado para que exista a obrigação de indenizar. Nas palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2006, p. 14) “segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente”. Para as teorias objetivistas da responsabilidade civil esta é caracterizada principalmente pelo risco causado pela atividade do agente, sendo portanto uma simples reparação do dano.
Como regra geral a legislação civil brasileira adota a responsabilidade subjetiva, porém a responsabilidade objetiva firmada na teoria do risco coexiste com a subjetiva e está estabelecida no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002 que preceitua: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
A responsabilidade civil pode ser subdividida de acordo com seu fato gerador, podendo ser contratual ou extracontratual. A responsabilidade contratual está estritamente ligada a uma obrigação jurídica preexistente firmada entre o autor e a vítima do dano, esta obrigação pode ser derivada da lei, de um contrato ou mesmo um preceito geral de Direito. Dessa forma, o autor de um dano será responsável quando violar norma contratual, ou seja, a responsabilidade será gerada pelo inadimplemento da obrigação estabelecida em um contrato, lembrando que o ônus da prova caberá ao devedor que deverá provar se houve alguma excludente de ilicitude ou se agiu ou não com culpa.
De outra forma, quando ocorre lesão a direito subjetivo sem que haja a existência de vínculo contratual ou qualquer outra relação jurídica entre vítima e autor do dano, surge a responsabilidade extracontratual ou aquiliana. De acordo com Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 16): “Haverá por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica.”
Finalizando, fica evidenciado que a responsabilidade civil tem a natureza jurídica sancionadora, uma vez que a obrigação de reparar nasce a princípio de um ato ilícito sendo a sanção “a conseqüência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO apud MAYNEZ, 1951, p. 190). Ainda que o ato praticado pelo autor do dano seja lícito, a obrigação de reparar surge de uma imposição legal, uma vez que “os danos causados já eram potencialmente previsíveis, em função dos riscos profissionais da atividade exercida, por envolverem interesse de terceiros.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO apud MAYNEZ, 1951, p. 19)
“A sanção é, nas palavras de Goffredo Telles Jr., uma medida legal que poderá vir a ser imposta por quem foi lesado pela violação da norma jurídica, a fim de fazer cumprir a norma violada, de fazer reparar o dano causado ou infundir respeito à ordem jurídica. A sanção é a conseqüência jurídica que o não-cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado. A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato lícito”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO apud MAYNEZ, 1951, p. 7.)
É notório que a função precípua do instituto jurídico da responsabilidade civil é a reparação do dano, uma vez que à vítima não deve sobrevir um prejuízo causado por um alheio. Em um segundo e terceiro momento a responsabilidade tem a função de punir e educar o causador do dano, criando neste a consciência de respeito aos direitos das pessoas e coibindo no âmbito social a reiteração de condutas que firam o direito de outros cidadãos.
“O ofensor receberá a sanção correspondente consistente na repreensão social, tantas vezes quantas forem suas ações ilícitas, até conscientizar-se da obrigação em respeitar os direitos das pessoas. Os espíritos responsáveis possuem uma absoluta consciência do dever social, posto que, somente fazem aos outros o que querem que seja feito a eles próprios. Estas pessoas possuem exata noção de dever social, consistente em uma conduta emoldurada na ética e no respeito aos direitos alheios. Por seu turno, a repreensão contida na norma legal tem como pressuposto conduzir as pessoas a uma compreensão dos fundamentos que regem o equilíbrio social. Por isso, a lei possui um sentido tríplice: reparar, punir e educar.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO apud REIS, 2000, p. 78-79)
A responsabilidade civil, seja ela contratual ou extracontratual, tem como objetivo principal a satisfação da vítima em relação ao dano, ou seja, que a vítima possa ter reestabelecida a situação anterior ao dano, como objetivos secundários, a responsabilidade civil tem a pretensão de conscientizar os cidadãos de que viver em comunidade é respeitar os direitos uns dos outros e se responsabilizar por qualquer ação que fira o direito alheio.
2. Responsabilidade civil do estado
A responsabilidade civil do Estado está prevista no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, esta responsabilidade é objetiva e será objeto de estudo a responsabilidade estatal extracontratual. O Estado é uma figura abstrata criada pelos seres humanos após vários séculos de evolução da raça humana. No princípio o homem “era” um animal, vivia regido pelas leis da natureza, com o agrupamento humano e outras séries de fatores históricos como o surgimento das primeiras comunidades civilizadas e organizadas, faz surgir também a figura dos grandes impérios, comandados pelos reis, essa era a forma prematura de um Estado.
O Estado é uma instituição humana que tem a função de organizar a vida em sociedade, com o objetivo de manter a ordem e a paz social, para que a vida em sociedade seja organizada e as pessoas possam se desenvolver, proporcionando assim a manutenção do bem estar social.
“No que diz respeito ao fato gerador da responsabilidade, não está ele atrelado ao aspecto da licitude ou ilicitude. Como regra, é verdade, o fato ilícito é que acarreta a responsabilidade, mas, em ocasiões especiais, o ordenamento jurídico faz nascer a responsabilidade até mesmo de fatos lícitos. Nesse ponto, a caracterização do fato como gerador da responsabilidade obedece ao que a lei estabelecer a respeito.”(CARVALHO FILHO, 2010, p. 591)
Hoje os seres humanos são regidos não mais pelas leis naturais, mas sim pela lei dos homens. Neste contexto das leis humanas é que o Estado, ente abstrato representado por pessoas ocupantes de cargos públicos, passa a ter obrigação de responder por seus atos lesivos, sejam eles causados por conduta ilícita ou lícita.
3. Evolução histórica
A evolução histórica da responsabilidade civil do Estado se deu de acordo com a evolução da própria sociedade, seguindo os caminhos tortuosos dos livros de história. No começo reinava a teoria da irresponsabilidade do Estado juntamente com o reinado dos grandes déspotas, reis soberanos que acreditavam ser a figura de Deus na Terra. A princípio o poder político era descentralizado, dividido em feudos, com a formação das monarquias nacionais ocorreu uma centralização do poder político, surgia então o Absolutismo.
Durante o período do Absolutismo ocorreram muitos abusos, um desses foi a irresponsabilidade civil do Estado. Os reis soberanos e absolutos não admitiam a possibilidade de reparação a particulares por danos causados pelo Estado Absolutista. Nas palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2006, p. 186), “o Estado era a expressão da lei e do Direito, sendo inadmissía lei e do Direito, sendo inadmisss pelo Estado Absolutista.responsabilidade civil do Estado, os reis sobranos, nvel a idéia de concebê-lo como violador da ordem que teria por dever preservar”.
Com o passar do tempo e conseqüentes mudanças na forma de governo, o Estado durante o período do Liberalismo, por ter limitada participação nas relações privadas, ainda se mantinha sob o domínio da teoria da irresponsabilidade até o momento em que o Estado deixa de ser Liberal e passa a ser Estado Democrático de Direito, entretanto as formas de governo não mudaram de uma hora para outra em todos os países, mas nessa breve análise da evolução histórica da responsabilidade civil do Estado, pretende-se analisar de forma geral as principais teorias da responsabilidade civil da Administração.
O Estado de Direito fez surgir a perspectiva de direitos e deveres para os entes estatais, dessa forma o direito positivo passou a admitir a responsabilização civil do Estado por danos causados a terceiros por servidores públicos, ressalvadas, entretanto, algumas particularidades referentes à responsabilidade do agente estatal.
A princípio nasceram as teorias baseadas no elemento anímico culpa, chamadas de teorias civilistas ou subjetivistas. A primeira, a teoria da culpa civilística considerava os servidores estatais como prepostos, para esta teoria, quando um servidor causava dano a um particular o Estado era responsável uma vez que este agiu com culpa in vigilando ou in eligendo, ou seja, ao eleger ou ao vigiar seus servidores (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 187-188). O maior problema dessa teoria era a dificuldade do particular em provar a culpa do Estado.
A teoria da culpa administrativa, consagrada com o famoso aresto Blanco ocorrido na França, resolveu o problema da teoria anterior, com esta teoria o agente público era visto como um instrumento do Estado e não mais como um representante, a responsabilidade estatal passou a estar baseada na culpa in commitendo ou in ommitendo, ou seja, a culpa estava na ação ou omissão do agente público. A responsabilidade do Estado passa a ser direta, pois o agente é considerado parte da Administração, porém esta teoria causava insatisfação quando não era possível a identificação do agente que causou o dano.
Com a insatisfação gerada pela teoria anterior, houve então uma grande evolução com a teoria da culpa anônima, pois não era mais necessária a distinção do agente causador do dano, bastando a simples comprovação do mau funcionamento do serviço público, mesmo que não fosse possível apontar o agente que provocou o dano, dessa forma bastava a comprovação do dano causado pela atividade estatal.
A teoria da culpa presumida onde há a presunção de culpa do Estado e consequentemente inversão do ônus da prova, foi chamada de teoria da responsabilidade sem culpa ou objetiva, porém de forma errônea uma vez que nela pode ser demonstrada a não-ocorrência de culpa do Estado. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 187-188)
Por derradeiro, a última teoria subjetiva surgiu em um segundo momento da evolução histórica da responsabilidade civil da Administração Pública, a teoria da falta administrativa ou culpa administrativa, baseada na falta do serviço. Segundo esta teoria basta a comprovação do não funcionamento do serviço público, sem a necessidade de comprovação do elemento subjetivo na conduta do servidor público. Interessante a observação de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2006, p. 192):
“Assim, o que nos parece relevante, na adoção dessa teoria, é justamente que, além dos três elementos essenciais para a caracterização da responsabilidade civil, prove-se também, para o reconhecimento da omissão estatal, justamente o seu dever de agir, com a demonstração de que, não se omitindo, haveria real possibilidade de evitar o dano.”
A principal evolução na responsabilidade civil do Estado se deu, sem dúvida alguma, através das teorias objetivistas, segundo essas teorias a responsabilidade civil do autor do dano independe da verificação da culpa deste, porém é necessária a comprovação da relação causal entre o fato e o dano.
“Não há dúvida de que a responsabilidade objetiva resultou de acentuado processo evolutivo, passando a conferir maior benefício ao lesado, por estar dispensado de provar alguns elementos que dificultam o surgimento do direito à reparação dos prejuízos, como, por exemplo, a identificação do agente, a culpa deste na conduta administrativa, a falta do serviço etc.” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 596)
A primeira teoria da responsabilidade objetiva tem como base a teoria do risco administrativo, segundo essa teoria o Estado é responsável pelo risco criado pelas suas várias atividades, uma vez que este tem o monopólio dos serviços públicos, devendo então arcar com o risco criado na prestação desses serviços.
“A teoria do riso administrativo avança no sentido da publicização da responsabilidade e coletivização dos prejuízos, fazendo surgir a obrigação de indenizar o dano em razão da simples ocorrência do ato lesivo, sem se perquirir a falta do serviço ou da culpa do agente”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 193)
Essa teoria surgiu a partir do momento em que se começou a pensar que o Estado causador do dano é mais poderoso que o indivíduo lesionado e que o dano causado era consequência da prestação de um serviço em prol de toda a sociedade, dessa forma não seria justo que o particular arcasse com os prejuízos causados pela atividade estatal e que sofresse prejuízos em benefício do bem estar comum, então nada mais justo que toda a coletividade, representada pelo Estado, assumisse a reparação do dano.
Alguns autores fazem confusão em relação a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral, porém as duas não se confundem, pois a teoria do risco integral admite a responsabilização do Estado mesmo que não haja nexo causal entre o fato e o dano ou ainda que a culpa do dano seja da própria vítima. Portanto a teoria do risco integral se difere do risco administrativo por ser a primeira uma medida extrema de responsabilidade do Estado, pois não reconhece nenhuma excludente de responsabilidade.
“De fato, a sua aplicação levaria a reconhecer a responsabilidade civil em qualquer situação, desde que presentes os três elementos essenciais, desprezando-se quaisquer excludentes de responsabilidade, assumindo a Administração Pública, assim, todo o risco de dano proveniente da sua atuação.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 193)
Atualmente tem-se falado da teoria objetiva baseada no risco social, para esta teoria o ponto central da responsabilidade civil é a vítima do dano e o objetivo principal é a reparação do dano à vítima, a teoria então sugere a socialização do prejuízo, ou seja o Estado deve arcar com o prejuízo sofrido pela vítima, ressalvado o seu direito de regresso contra o causador do dano. Como bem explica José dos Santos Carvalho Filho: “de modo que a reparação estaria a cargo de toda a coletividade, dando ensejo ao que se denomina de socialização dos riscos – sempre com o intuito de que o lesado não deixe de merecer a justa reparação pelo dano sofrido.” (CARVALHO FILHO apud CAVALIERI FILHO, 1998, p. 155). Complementa o autor que “tal caráter genérico da responsabilidade poderia provocar grande insegurança jurídica e graves lesões ao erário, prejudicando em última análise os próprios contribuintes”. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 597)
4. Responsabilidade do estado no direito brasileiro
O Brasil desde sua primeira constituição, quando ainda era um Império, já admitia a responsabilidade civil na Administração Pública, ou seja, o país em momento algum de sua história passou pelo período de irresponsabilidade estatal. Como bem explicita Sérgio Cavalieri Filho em um breve apanhado histórico sobre a responsabilidade civil do Estado brasileiro:
“A Constituição do Império (1824), em seu art. 178, nº 29, estabelecia que: “Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos.” A Constituição Republicana (1891), por seu termo, em seu art. 79, continha disposição idêntica, responsabilizando os funcionários públicos pelos abusos e omissões em que incorressem no exercício dos seus cargos.” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 233)
Para Cavalieri, estes dispositivos não eram considerados como excludentes da responsabilidade do Estado e consagradores da responsabilidade do funcionário, pelo contrário, Estado e funcionário eram responsáveis solidariamente (CARVALHO FILHO, 2010, p. 233). O Código Civil de 1916 em seu art. 15 foi o primeiro dispositivo legal a estabelecer de forma específica a responsabilidade civil do Estado: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.” Esse artigo causou entendimentos diversos sobre a matéria abordada, porém a doutrina dominante entendeu que este dispositivo normativo tinha como fundamento a responsabilidade subjetiva, pois havia a necessidade de averiguação da culpa do funcionário.
Em seguida veio a Constituição de 1946, que dispunha no seu art. 194: “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”. Sendo assim, para a maioria dos doutrinadores, o legislador ao se omitir em relação à conduta contrária ao direito e a inobservância de dever legal, estaria então retirando da norma a parte que denunciava a aceitação da teoria subjetiva e adotando no ordenamento jurídico de 1946 a responsabilidade objetiva, derrogando o art. 15 do Código Civil de 1916. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 599)
A partir da Constituição de 1946 o Estado brasileiro passou a adotar a responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, bastava a comprovação da relação de causalidade entre conduta estatal e dano para haver a reparação civil, dessa forma ficou consagrada a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilização estatal, como bem aduz o ilustre Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 235):
“Destarte, a partir da Constituição de 1946, a responsabilidade civil do Estado brasileiro passou a ser objetiva, com base na teoria do risco administrativo, onde não se cogita da culpa, mas, tão-somente da relação de causalidade. Provado que o dano sofrido pelo particular é conseqüência da atividade administrativa, desnecessário será perquirir a ocorrência de culpa do funcionário ou, mesmo, de falta anônima do serviço. O dever de indenizar da Administração impor-se-á por força do dispositivo constitucional que consagrou o princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos.”
Atualmente a Constituição de 1988 regula a matéria no artigo 37, § 6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. O Código Civil de 2002 em seu artigo 43 dispõe sobre a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público interno sendo totalmente compatível com a Constituição Federal.
Convém ainda registrar a Lei nº. 10.744 de 09 de outubro de 2003 que versa sobre “a assunção, pela União, de responsabilidades civis perante terceiros em casos de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo”. Essa lei foi criada devido aos atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, tentando amenizar os danos decorrentes de ataques terroristas.
5. O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988
Como já dito anteriormente, a responsabilidade civil do Estado está disciplinada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, segundo este artigo a administração pública direta e indireta é responsável pelos danos que seus agentes nessa qualidade causarem a terceiros, para este estudo acadêmico será desprezada a análise da responsabilidade da administração indireta, in verbis:
“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Necessária se faz a análise dos elementos jurídicos do dispositivo constitucional. A princípio o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 600), faz uma interessante distinção sobre as pessoas jurídicas que poderão ser responsabilizadas objetivamente. Segundo o autor, o constituinte tentou igualar as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos.
“Dada a grande variedade de formas de delegação, de pessoas delegatárias e de serviços públicos, bem como a noção nem sempre muito precisa do que se configura como serviços públicos, poderá haver algumas dúvidas quanto ao enquadramento da pessoa prestadora do serviço na norma constitucional. Entretanto, pode-se, a Administração Indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas com personalidade de direito privado), quando se dedicam à prestação de serviços públicos, e os concessionários e os permissionários de serviços públicos, estes expressamente referidos no art. 175 da Constituição Federal, como é o caso das empresas de transporte coletivo, de fornecimento de água, de distribuição e fornecimento de energia elétrica e outras dessa natureza” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 600).
O ilustre doutrinador observa o disposto no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, que exclui as empresas públicas e as sociedades de economia mista que se dedicam à exploração de atividade econômica da responsabilidade civil objetiva, uma vez que impõe que elas sejam regidas pelas normas aplicáveis às empresas privadas, sendo assim, são elas regidas pelas normas do direito privado e responderão subjetivamente por seus atos. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 600)
6. O sentido do vocábulo “agentes”
O Estado por ser um ente abstrato não tem vontade própria, como pessoa jurídica atua através de seus agentes, que são pessoas físicas dotadas de vontade real (CARVALHO FILHO, 2010, p. 600). No atual texto constitucional preferiu-se adotar o termo agentes ao invés de funcionários, pois ao utilizar o vocábulo funcionários restringia-se o alcance da norma, diferente da palavra agentes que amplia o sentido do dispositivo, dessa forma o constituinte seguiu o posicionamento doutrinário que se firmou no entendimento lato sensu.
“Deve considerar-se, por conseguinte, que na noção de agentes estão incluídas todas aquelas pessoas cuja vontade seja imputada ao Estado, sejam elas dos mais elevados níveis hierárquicos e tenham amplo poder decisório, sejam elas os trabalhadores mais humildes da Administração, no exercício das funções por ela atribuídas.Diante disso, são agentes do Estado os membros dos Poderes da República, os servidores administrativos, os agentes sem vínculo típico de trabalho, os agentes colaboradores sem remuneração, enfim todos aqueles que, de alguma forma, estejam juridicamente vinculados ao Estado. Se, em sua atuação, causam danos a terceiros, provocam a responsabilidade civil do Estado”. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 600)
Dessa forma, “agente” é toda pessoa que está incumbida de um serviço público, seja ele em caráter permanente ou transitório, porém não se confunde com servidor público que tem o sentindo mais restrito, pois só é servidor o agente público que tem relação de trabalho com o Estado.
“De acordo com a essência de vários julgados o mínimo necessário para determinar a responsabilidade do Estado é que o cargo tenha influído como causa ocasional do ato, ou que a condição de funcionário tenha sido a oportunidade para a prática do ato ilícito. Sempre que a condição de agente do Estado tiver contribuído de algum modo para a prática do ato danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionando a oportunidade para o comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação ressarcitória. Não se faz mister, portanto, que o exercício da função constitua a causa eficiente do evento danoso; basta que ela ministre a ocasião para praticar-se o ato. A nota constante é a existência de uma relação entre a função pública exercida pelo agente e o fato gerador do dano.” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 236)
Relevante é a observação de alguns doutrinadores, entre eles Sérgio Cavalieri, sobre a relação entre agente e serviço público, expressa no art. 37, § 6º, nas palavras “nessa qualidade”, pois só haverá responsabilidade objetiva do Estado se o agente público estiver no exercício de suas funções ou pelo menos se conduzindo a pretexto de exercê-la (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 236). De qualquer maneira, é necessário que a função do agente ou que o fato de ser agente do Estado, tenha contribuído ou oportunizado a prática do ato danoso.
7. Teoria do risco administrativo
Por tudo que já foi exposto até o momento, fica evidenciado que o ordenamento jurídico pátrio acolheu a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade civil do Estado, este só responderá quando ocorrer um dano, causado por um agente estatal que estava exercendo uma atividade administrativa. Nos dizeres de Alexandre de Moraes “essa responsabilidade objetiva exige a ocorrência dos seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.” (MORAES, 2007, p. 357)
“A expressão grifada – seus agentes, nessa qualidade – está a evidenciar que o constituinte adotou expressamente a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade da Administração Publica, e não a teoria do risco integral, porquanto condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano. Sem essa relação de causalidade, como já foi assentado, não há como e nem por que responsabilizá-lo”. (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 237) (grifo do autor)
A responsabilidade objetiva independe de dolo ou culpa, porém caso haja alguma causa excludente de responsabilidade o Estado não será responsável. “Não responderá, igualmente, quando o dano decorrer de fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior e fato de terceiro, por isso que tais fatores, por não serem agentes do Estado, excluem o nexo causal.” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 237)
8. Danos por omissão do Estado
Os danos causados pelo Estado através de condutas comissivas são bem consolidados e perceptíveis tanto para juristas como para particulares que são afetados por essas condutas, porém os danos causados por condutas omissivas não são nítidos e geram controvérsia na doutrina e jurisprudência.
Primeiramente se faz necessária a distinção entre omissão genérica e omissão específica. A omissão genérica é quando indiretamente a omissão estatal gera a ocorrência do fato causador do dano, já a omissão específica, como bem explica e exemplifica Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 240), é quando diretamente a omissão estatal não evita a ocorrência do fato e é causa direta do dano:
“Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado.”
Outra observação importante do ilustre jurista é sobre o ato ilícito, segundo ele “o Estado pratica ato ilícito não só por omissão (quando deixa de fazer o que tinha o dever de fazer), como também por comissão (quando faz o que não devia fazer), v. g., na troca de tiros da polícia com traficantes acaba atingindo um cidadão que passava pelo local.” (CAVALIERI, 2009, p. 240)
“No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello: “Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se, não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo”. (CAVALIERI FILHO, apud MELLO, 2004, p. 871-872 e 874) (grifo do autor)
Retornando aos entendimentos sobre os danos causados por condutas omissivas, alguns doutrinadores como Celso Antônio Bandeira de Mello e José dos Santos Carvalho Filho entendem que a omissão do Estado gera a sua responsabilização subjetiva. Para Mello a omissão do Estado é um ato ilícito e sendo assim há o elemento culpa:
“Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 15. ed. Malheiros, p. 871-872) sustenta ser subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano decorrer de uma omissão do Estado. Pondera que nos casos de omissão, o Estado não agiu, não sendo, portanto, o causador do dano, pelo que só estaria obrigado a indenizar os prejuízos resultantes dos eventos que teria o dever de impedir. Aduz que “a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por ato ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).” (CAVALIERI FILHO, apud MELLO, 2004, p. 871-872 e 874) (grifo do autor)
Para Carvalho Filho a responsabilização civil do Estado por condutas omissivas só se dará se houver o elemento anímico, para ele a culpa seria gerada no descumprimento do dever legal que o Poder Público tem de impedir a consumação do dano, ou seja, a omissão estatal é o fato gerador do dano. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 613)
“Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos.” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 613)
Há ainda parte da doutrina que pensa de maneira diversa dos ilustres autores acima citados, como por exemplo Sérgio Cavalieri Filho. Segundo o autor a Constituição Federal em seu artigo 37, § 6º, não se refere apenas as condutas comissivas, mas engloba também as condutas omissivas. Cavalieri cita alguns doutrinadores que pactuam do seu entendimento, entre eles, Hely Lopes Meirelles, segundo este basta que o agente público pratique o ato ou a omissão administrativa como agente público, não é necessário que este esteja no exercício de suas funções (CAVALIERI FILHO, apud MEIRELLES, 2004, p.630). Para essa corrente de pensamento, a responsabilidade civil do Estado nos casos de omissão é objetiva, ou seja, independe da comprovação do elemento anímico.
Este trabalho acadêmico, após as análises feitas anteriormente, coaduna com a parte da doutrina que entende que a responsabilização civil do Estado por condutas omissivas é baseada e se enquadra nos pressupostos da responsabilidade subjetiva, ou seja, baseada na teoria da culpa do serviço público que tem como fundamento a teoria francesa da “faute du service”, segundo esta teoria a ausência, a prestação tardia ou defeituosa do serviço público gera a responsabilização do Estado. Como visto acima, o fato de ser a omissão um ato ilícito, pois uma vez que os atos estatais são previstos em normas a omissão ou contrariedade a uma destas normas gera um ato ilícito, uma vez que não cumpriu o Estado o dever legal imposto na norma, sendo assim, para a caracterização do dano faz-se necessária a prova de que houve por parte do Estado uma omissão culposa ou dolosa e observa-se a imprescindibilidade da comprovação do nexo causal entre a conduta omissiva e o dano.
“No que pese o art. 37 § 6º da Constituição Federal não excluir claramente ser a responsabilidade objetiva nos casos de omissão, entende-se que o Estado não pode se tornar um garantidor universal, respondendo por todos os prejuízos que a enorme máquina administrativa possa causar a terceiros por omissão. Além disso, segundo a norma do art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, só haverá responsabilidade objetiva quando previsto em lei. No caso, o artigo constitucional acima citado não prevê expressamente a conduta omissiva, não podendo ser considerada a responsabilidade objetiva nesses casos por analogia”. (BAYMA, 2009, p. 18)
Sobre as omissões genéricas, estas também devem ser regidas pelos pressupostos da responsabilidade subjetiva, senão seria injusto responsabilizar o Estado por ter sido causa indireta do não-impedimento do evento danoso, seria como responsabilizar alguém por uma eventualidade, ou seja, por algo imprevisível, dessa forma seria caracterizada como responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco integral ou risco social, ambas estudadas anteriormente.
9. Causas excludentes da responsabilidade do Estado
Haverá casos em que o Estado, por não ter provocado o dano, não será obrigado a reparar ou indenizar a vítima pelos danos. Essas são as chamadas causas excludentes de responsabilidade, essas causas excluem a responsabilidade civil uma vez que rompem o nexo causal entre conduta e dano. Tem-se como causas excludentes da responsabilidade estatal o caso fortuito, a força maior e a culpa da vítima, a doutrina não é unânime em relação às causas excludentes, divergindo em alguns pontos. Nesta parte, esta pesquisa identifica-se com a doutrina de Rui Stoco que preceitua:
“Segundo nosso entendimento causas clássicas de exclusão da responsabilidade são: a) caso fortuito ou força maior, deixado de lado a discussão acerca do entendimento de que constituem a mesma coisa e b) culpa exclusiva da vítima, pois são as únicas com força de romper o liame entre a atuação do Estado e o dano verificado.’
Como visto anteriormente, nos casos de responsabilidade objetiva do Estado, é necessária a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do agente estatal e o dano provocado ao administrado. Sendo assim, para eximir o Estado da responsabilidade pelo evento danoso, tem que ficar provado que não houve nexo causal entra a conduta estatal e o dano. Nos casos em que houver caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima, o Estado ficará isento em relação a responsabilidade pelo fato, uma vez que não foi sua conduta que gerou o dano. Nesse sentido Cavalieri Filho (2009, p. 252) exemplifica e explica:
“Logo, não o responsabiliza por atos predatórios de terceiros, como saques em estabelecimentos comerciais, assaltos em via pública etc., nem por danos decorrentes de fenômenos da Natureza como enchentes ocasionadas por chuvas torrenciais, inundações, deslizamento de encostas, desabamentos etc., simplesmente porque tais eventos não são causados por agentes do Estado. A chuva, o vento, a tempestade, não são agentes do Estado; nem o assaltante e o saqueador o são. Trata-se de fatos estranhos à atividade administrativa, em relação aos quais não guarda nenhum nexo de causalidade, razão pela qual não lhes é aplicável o princípio constitucional que consagra a responsabilidade objetiva do Estado. Lembre-se que a nossa Constituição não adotou a teoria do riso integral.”(grifo do autor)
Em casos que há alguma causa de excludente de responsabilidade, a jurisprudência tem decidido que deve ficar provado que o Estado agiu ou se omitiu com culpa e que foi graças à essa atuação deficiente, tardia ou a falta de atuação que fez com que o evento desastroso ocorresse. Corroborando, Cavalieri Filho (2009, p. 871-872 E 874) explica:
“Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos propiciando o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública.”
Os casos acima apontados serão baseados na teoria da culpa anônima ou falta do serviço, pois se fará necessária a prova de que o serviço estatal não funcionou, quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente. Destarte, referente a culpa da vítima, o fato de a vítima ter agido com culpa não é de grande relevância, mas sim o fato de que por ter agido com culpa a vítima provocou o evento danoso, caso em que o Estado não será responsável, uma vez que não houve conduta estatal na ocorrência do dano.
Possui Graduação em de Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2000), Licenciatura em Filosofia pela Claretiano (2014), Pós-Graduação em Direito Público pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2001), Pós-Graduação em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho (2010), Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2011), Pós-Graduação em Filosofia pela Universidade Gama Filho (2011), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá (2014), Pós-Graduado em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes (2014), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2014), Pós-Graduado em Direito Educacional pela Claretiano (2016), Mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (2005), Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Atualmente é Professor Universitário da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE) nos cursos de Graduação e Pós-Graduação e na Fundação Educacional Nordeste Mineiro (FENORD) no curso de Graduação em Direito; Coordenador do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI); e Assessor de Juiz – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Comarca de Governador Valadares
Bacharel em Direito Pós-Graduanda em Direito Público – Faculdades Doctum de Teófilo Otoni.
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