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A Súmula Vinculante no contexto do controle difuso de constitucionalidade

O Estado Democrático de Direito, fundado em uma sociedade plural, exige, para a plena manutenção de seus preceitos, uma participação efetiva da sociedade na formação do processo constitucional – em sua concepção legiferante e jurídico-processual – de forma a garantir a própria autoridade constitucional e a força normativa da Constituição, como apregoava magistralmente Konrad Hesse 1.

No entanto, é verdade que a estrutura geopolítica do país não permite a participação direta do povo na formação legiferante e jurídica. Entretanto, esta circunstância não impede a participação indireta, seja através da representação parlamentar, no âmbito da atuação legislativa, ou do fortalecimento dos juízes ordinários, que apesar de não representarem o povo – no seu conceito mais restrito – estão mais próximos da “realidade constitucional” e, por esta razão, através de seus julgados, são capazes de, com maior propriedade e legitimidade, interpretar a Constituição que de fato reflete nos diversos recantos do Brasil.

Contudo, a súmula vinculante assume papel diverso, pois acaba extraindo dos magistrados a prerrogativa de dizer a Lei Maior, estabelecendo um modelo de hermenêutica jurídica imprópria a um Estado Democrático de Direito (marcado pela necessidade de interpretações diversas, pois distintas são as peculiaridades encontradas na realidade social).

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Por certo, defender que as normas constitucionais ou qualquer norma jurídica possui um único sentido, é não observar que as divergências, na verdade – em seu conceito puro – respaldam a própria Constituição, porquanto, demonstram a capacidade de a Carta Magna refletir adequadamente em situações distintas.

Nesse contexto, a súmula vinculante impossibilita o processo de criação jurisprudencial, uma vez que impede uma interpretação indutiva da Constituição, “única” a atestar a realidade constitucional decorrente das diversidades culturais, religiosas, sociais e econômicas encontradas no país.

Desse modo, em face de ainda vigorar na ordem jurídica pátria um sistema híbrido de controle de constitucionalidade, atribuindo ao julgador ordinário o papel de fiscalizador da compatibilidade das Leis e atos normativos com a Constituição Federal, tem-se por imperioso o papel que os órgãos monocráticos exercerão diante do instituto da súmula vinculante.

Nessa conjuntura, ao apreciar o caso concreto, ao magistrado competirá exercer uma dupla verificação de constitucionalidade, partindo-se, inicialmente, de uma análise do próprio instituto sumular, para, caso entenda-o constitucional, averiguar as formalidades do verbete obrigatório.

Nesse mister, deve o julgador constitucional perquirir se a súmula vinculante, nos moldes estampados pelo art. 103-A, da Constituição Federal, está em consonância com due process of law, porquanto, manifesta-se atentatório da independência do órgão julgador (art. 2º, CF/88), bem como, das garantias constitucionais que vedam o exercício de pressão interna ou externa sobre este órgão do Poder Judiciário (art. 95, CF/88).

Nesse diapasão, traz-se a lume as explanações da Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia Antunes Rocha2, advertindo, brilhantemente, que a solução para o excesso de serviço não está no tolhimento deste, mas em um repensar na forma de atuação e ampliação da atuação do Estado, apontando, ademais que:

A adoção da súmula vinculante rompe com a tradução constitucional republicana brasileira e os princípios constitucionais brasileiros, tolhe direitos dos cidadãos, compromete o princípio da legitimidade democrática e o princípio da separação de poderes, segundo o modelo adotado na Lei Fundamental da República, afronta o princípio da independência do Juiz, sem o qual o direito fundamental à jurisdição vê-se restringido, e não é dada como certo para a correção de rumos na eficiente e tempestiva prestação jurisdicional que é buscada.

No mesmo sentido, caso compreenda constitucional o art. 103-A, da Lei Maior, abre-se ao magistrado a perspectiva de analisar o próprio enunciado vinculante, ainda que restrito aos aspectos procedimentais, com o fito de respaldar a supremacia formal da Constituição.

Diante dessas premissas, imprescindível a mudança de paradigma da política jurídica brasileira, retornando a enfatizar o controle incidental, a fim de que com a atividade pró-ativa do órgão julgador seja garantida a própria independência do Poder Judiciário.

Nesse diapasão, essencial o debate sobre o papel do Supremo Tribunal Federal como único intérprete do Texto Magno, compreensão que viola não só a própria concepção do Estado Democrático de Direito, mas, da mesma forma, contraria a corrente hermenêutica constitucional moderna, fundamentada na idéia do pluralismo interpretativo.

Nesse sentido, é preciso repensar a democracia brasileira, nos caminhos em que traça seu futuro, pois ditatoriais não são apenas as forças que fisicamente impõe, mas, com a mesma gravidade, aquelas que não permitem a divergência.

 

Notas:
[1] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1991.
2 ROCHA apud DUARTE, Francisco de Carlos; GRANDINETTI, Adriana Monclaro. Comentários à Emenda Constitucional nº 45/2004: os novos parâmetros do processo civil no direito brasileiro. Curitiba: Juruá Editora, 2005. p. 111.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Pedro Paulo Ribeiro de Moura

 

Advogado e Pós-Graduando em Direito Público

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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