A “Separação de Poderes” e Suas Dificuldades Argumentativas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade Por Omissão

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The “Separation of Powers” and Their Argumentative Difficulties in the Directs Actions of Unconstitutionality by Omission

Wagner Vinicius de Oliveira[1]

Resumo: esse artigo busca compreender a função que a “separação de poderes” ou melhor da divisão das funções estatais desempenha nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão. Para tanto, apresenta-se como resposta provisória que essa teoria serve como fundamento, um tanto quanto impreciso, para que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja deferente ao Legislativo. Esse processo de testagem envolve algum nível de trabalho empírico junto aos casos decididos pelo Tribunal. Nesse propósito, optou-se pela metodologia quantitativa seguida da pesquisa teórica aplicada. Para realizar essa tarefa, iniciou-se pela identificação da frequência do argumento da “separação de poderes” nas ações de controle concentrado de constitucionalidade brasileiro, em sequência restringiu o escopo investigativo nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (ADO n. 08/SC, 24/DF, 29/DF e 31/DF). Além disso, busca-se compreender os limites para a utilização dessa teoria no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro e as dificuldades de estabelecer no ambiente testado qualquer forma de supremacia (judicial ou parlamentar). Os resultados sugerem a confirmação da hipótese inicialmente apresentada, além de permitirem a conclusão de que o STF, no ambiente investigado, assume uma postura institucional de deferência ao Legislativo devido a totalidade das decisões não ter sido analisado o mérito da omissão legislativa.

Palavras-chave: Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Comportamento judicial. Separação de poderes. Supremo Tribunal Federal.

 

Abstract: this article seeks to understand the role that the “separation of powers” or rather the division of state functions plays in the direct action of unconstitutionality by omission. To this end, the provisional answer that this theory serves as a basis, somewhat imprecise, of the deference for the Brazilian Supreme Court in relation the Legislative. This testing process involves some level of empirical work with the cases decided by the Court, in this purpose chose the quantitative methodology followed by applied theoretical research. To accomplish this task, it started by identifying the frequency of the “separation of powers” argument in the concentrated control actions of Brazilian constitutionality, subsequently restricted the investigative scope to direct actions of unconstitutionality by omission (ADO n. 08/SC, 24/DF, 29/DF e 31/DF). In addition, it seeks to understand the limits for the use of this theory in the concentrated control of Brazilian constitutionality and the difficulties of establishing in the tested environment any form of supremacy (judicial or parliamentary). The results suggest the confirmation of the hypothesis initially presented, in addition to allowing the conclusion that the Brazilian Supreme Court, in the investigated environment, takes an institutional stance of deference to the Legislature due to the totality of decisions not having analyzed the merit of the legislative omission.

Keywords: Direct action of unconstitutionality by omission. Judicial behavior. Separation of powers. Brazilian Supreme Court.

 

Sumário: Introdução. 1. Dados estatísticos, inferências causais e resultados parciais. 1.1. ADO n. 08/SC – 2009 até 2012. 1.2. ADO n. 24/DF – 2013 até 2018. 1.3. ADO n. 29/DF – 2014 até 2015. 1.4. ADO n. 31/DF – 2015 até 2018. 2. Correlações entre a teoria da “separação de poderes” e o controle concentrado de constitucionalidade brasileiro. 3. Inconstitucionalidade por omissão e as dificuldades de estabelecer uma supremacia (judicial ou parlamentar). Conclusão. Referências.

 

Introdução

Nesse artigo focaliza-se algumas das relações entre os temas da “separação de poderes”, do Estado de direito e da democracia notadamente no que concerne ao ambiente do controle concentrado de constitucionalidade brasileiro realizado com exclusividade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O sentido moderno atribuído para a “separação de poderes” surge “como um artifício eficaz e necessário para evitar a formação de governos absolutos”, mas foi preciso retornar as lições elementares da teoria do Estado para compreender que mais adequado seria pensar na “distribuição de funções” estatais.[2]

Atualmente, a sobredita teoria é apresentada como um dos “dogmas do Estado moderno”.[3] À primeira vista, desde os tempos The federalist, especialmente no pensamento de James Madison, se entendia que a própria estrutura do texto constitucional estadunidense de 1787, ao disciplinar cada uma das três funções estatais, em artigos específicos, conduziria a esse entendimento. Por outros caminhos, a França com sua Déclarations des droits d’hommes et du citoyen de 1789 resgata o direito natural à liberdade protegendo-o da tirania e do absolutismo.

Oferecido um suporte teórico inicial cabe relacionar os vetores do Estado de direito e do entendimento sobre democracia, no qual o controle concentrado de constitucionalidade brasileiro fornecerá o cenário para articular esses eixos. A situação problema que movimenta a pesquisa consiste em identificar a função desempenhada pela teoria da “separação de poderes” na ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Inicialmente, a resposta apresentada, que será submetida ao processo de testagem empírica, corresponde ao argumento de que essa teoria serve como fundamento, um tanto quanto impreciso, para que o STF adote o posicionamento de deferência ao Legislativo.

O objetivo central da pesquisa consiste em compreender teórica e empiricamente o funcionamento do argumento da “separação de poderes” no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro. Surgem, assim, três finalidades específicas a serem perseguidas, quais sejam: (i) correlacionar a teoria da “separação de poderes” com a jurisdição constitucional; (ii) coletar e sistematizar os dados referentes à utilização dessa teoria nas ações de controle concentrado de constitucionalidade brasileiro; (iii) realizar inferências causais dos dados coletados para constatar (ou não) a hipótese apresentada. Com base nesse esquema, não necessariamente nessa ordem, serão estruturados os tópicos desse artigo.

A acepção metodológica escolhida envolve algum nível de pesquisa empírica no direito, isto é, apresentar conclusões baseadas em observação ou experimentação.[4] A bem da verdade, realiza-se o tratamento estatístico dos dados coletados (medidas de tendência central e medidas de dispersão), seguido de um recorte específico sobre as ações direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO n. 08/SC, 24/DF, 29/DF e 31/DF).

As “regras de inferências causais” servirão para “saber se um fator ou conjuntos de fatores leva a (ou causa) algum resultado”,[5] quer dizer, permitirão compreender o funcionamento prático do desenho constitucional[6] e principalmente tentar identificar qual o papel desempenhado pela citada teoria no exercício de parte da jurisdição constitucional brasileira.

Preliminarmente, foi identificada a presença desse argumento em quatro modalidades do controle concentrado de constitucionalidade brasileiro, a saber: (i) na ação direta de inconstitucionalidade (ADI); (ii) na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); (iii) na ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO); e (vi) na ação declaratória de constitucionalidade (ADC). Conforme será detalhado nos quadros 01 e 02 no próximo tópico.[7]

O encaminhamento teórico percorrido aponta para a ideia de que o “sistema de separação de poderes e de jurisdição constitucional exemplificam mecanismos para a produção de estabilidade dos acordos fundamentais”.[8] Essa afirmação precisa ser contextualizada e submetida ao processo de testagem para verificar (ou não) sua correspondência no atual cenário brasileiro. Não se sustenta, contudo, que o conhecimento dessa situação figure como “panaceia capaz de curar todos os males”, mas, de outra sorte, permitirá aproximar de algumas das dificuldades argumentativas para a utilização da teoria da “separação de poderes” no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro. Ao lado disso, compreender a dinâmica repartição funcional das funções estatais e alguns de seus limites normativos.

Por fim, afirma-se que a separação das funções é uma tentativa de resposta para o cometimento de abusos, porém a repartição de competências não é capaz de por si só eliminar ou “reduzir a zero”[9] os abusos no exercício das funções estatais. Nesse sentido, justifica-se a realização da pesquisa para que se possa compreender como a utilização desse argumento forma, conforma ou deforma as práticas identificadas na ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

 

1 Dados estatísticos, inferências causais e resultados parciais

Para alcançar o objetivo central de compreender como o argumento da “separação de poderes” aparece nas ações de controle concentrado de constitucionalidade brasileiro empreendeu-se, em 16/01/2020, uma pesquisa exploratória no sítio eletrônico do STF (www.stf.jus.br). Os procedimentos utilizados para a coleta dos dados foi o acesso direto nas abas “Processos” e “ADI, ADC, ADO e ADPF”, selecionadas cada uma dessas bases individualmente, utilizando como termo de busca a locução: “separação dos poderes” ou “separação de poderes”. Os resultados obtidos são reunidos e apresentados conforme disposto no quadro 01 infra:

Quadro 01 – Frequência do argumento da “separação de poderes” no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro (1989-2020)

Modalidade Quantitativo
ADI 250
ADPF 73
ADO 04
ADC 03
Total 330

Fonte: elaborado pelo autor com dados extraídos do sítio eletrônico do STF.

Antes de submeter esses dados ao tratamento estatístico é necessário apresentar algumas informações adicionais. Primeiro, que não se trata de casos selecionados aleatoriamente (amostra randômica simples), mas do resultado aportado pela consulta realizada junto ao repositório institucional (banco de dados eletrônicos do STF) que representa, até o momento, a totalidade dos elementos disponíveis para essa e outras pesquisas sobre o tema.

Segundo, esse conjunto de dados forma uma espécie de “fotografia” da frequência atual da presença do argumento no ambiente investigado. No qual, o método quantitativo aplicado, nessa primeira etapa, não permite identificar a função desempenhada pela “separação de poderes” no controle concentrado de constitucionalidade, isso é, se aparece como argumento transversal (obiter dictum) ou como razão de decidir (ratio descidendi).

Pois bem, a média aritmética simples[10] de utilização do argumento no espaço amostral examinado corresponde a 82,50 (oitenta e dois vírgula cinquenta).[11] A mediana apresentada foi de 38,50 (trinta e oito vírgula cinquenta).[12] Devido à ausência de repetição dos elementos não é possível registrar a moda (conjunto de dados amodal). Essas medidas de tendência central (média, mediana e moda) são, no entanto, pouco conclusivas para os fins perseguidos.

A disparidade entre os elementos do conjunto (valores numéricos) distorce os resultados constatados para o desvio[13] de cada elemento. No mesmo sentido, as medidas de dispersão, variância[14] e desvio padrão,[15] confundem mais do que auxiliam na compreensão do fenômeno estudado. Embora, tais informações sejam suficientes para determinar o quanto cada elemento do conjunto distancia da média apresentada.

O esforço dessa pesquisa, então, será colocar esses componentes em diálogo. Devido ao número expressivo de ADI (250 processos) e de ADPF (73 processos) e da insuficiência apresentada pelo método quantitativo para formular uma resposta plausível para a situação problema colocada em movimento, opta-se pela realização de alguns recortes metodológicos no objeto de pesquisa.

Por hora, interessa registrar que dentro do conjunto das ADI, a diferença entre a data de ajuizamento da primeira ADI (ADI n. 104/RO, Min. Sepúlveda Pertence), 12/10/1989, e a última ação identificada (ADI n. 6.275/MT, Min. Alexandre de Moraes), 02/12/2019, transcorreram mais de três décadas.[16] De igual modo, entre a primeira ADPF (ADPF n. 01/RJ, Min. Néri da Silveira), 26/01/2000, e a última ação localizada (ADPF n. 600/PR, Min. Roberto Barroso), 09/07/2019, passaram cerca de duas décadas.[17] Nesse cenário, difícil apresentar justificativas plausíveis para realizar os recortes pretendidos.

Diante dos recursos disponíveis, restam, portanto, duas opções para tornar exequível a realização da pesquisa: delimitar o objeto das pesquisas nos três processos de ADC[18] ou nos quatro processos de ADO identificados. Em virtude da complexidade das questões examinadas e do espaço amostral optou-se por investigar como as Ministras e os Ministros do STF articulam o argumento da “separação de poderes” na ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Considerando as datas de ajuizamento das ações, o recorte temporal abrange o período de seis anos (2009 até 2015), totalizando a população de quatro julgados, conforme disposto no quadro 02 infra:

Quadro 02 – População de julgados ADO (2009-2015)

ADO: Relator(a): Entrada: Trânsito em julgado: Tempo de tramitação processual:
08/SC Ricardo Lewandowski 09/07/2009 27/02/2012 02 anos; 07 meses; 02 semanas; 04 dias
24/DF Dias Toffoli 20/06/2013 09/02/2018 04 anos; 07 meses; 02 semanas; 06 dias
29/DF Cármen Lúcia 11/09/2014 05/05/2015 07 meses; 03 semanas; 03 dias
31/DF Alexandre de Moraes 16/03/2015 08/05/2018 03 anos; 01 mês; 03 semanas; 01 dia

Fonte: elaborado pelo autor com dados extraídos do sítio eletrônico do STF.

Embora pareça uma amostra restrita (e de fato seja), não se confunde com uma amostra enviesada, na qual se escolhe de antemão as decisões judiciais que confirmam o posicionamento defendido. Tem-se na verdade o conjunto formado pela totalidade das ações judiciais desse tipo disponibilizadas no repositório institucional do STF. Além disso, será consultada a íntegra dos autos de cada processo judicial.[19] Cuja exposição segue como base o critério cronológico de entrada dos processos no Tribunal, apresentam-se os casos na mesma ordem em que foram dispostos no quadro 02 supra.

 

1.1 ADO n. 08/SC – 2009 até 2012

Essa ação judicial foi proposta pelo Partido Progressista em face do estado de Santa Catarina. Segundo alega a agremiação partidária, a omissão estatal em regulamentar o art. 37, X, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), inviabiliza o reajuste anual do salário dos servidores públicos daquela unidade da Federação.

A inércia do Governador de encaminhar o projeto de lei à Assembleia Legislativa estadual impede a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos. Por isso, além da declaração de omissão inconstitucional requer a fixação do prazo de trinta dias para que o Governador do estado de Santa Catarina encaminhe o respectivo projeto de lei.

O argumento da “separação de poderes” aparece quando da prestação de informações pela Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina, para impedir que o Judiciário determine o aumento da remuneração dos servidores públicos estaduais. Visto que o objetivo da inconstitucionalidade por omissão restringe-se ao fornecimento de ciência da omissão inconstitucional para a autoridade competente, segundo entende.

O parecer da Advocacia Geral da União – AGU foi pelo reconhecimento parcial do pedido para declarar a mora do Executivo estadual, sem a fixação de qualquer prazo ou índice. No mesmo sentido, é a manifestação da Procuradoria Geral da República – PGR. Nesse ínterim, a Federação Nacional dos Engenheiros pleiteou sua admissão na qualidade de amicus curiae e apresentou memorial na mesma linha da tese defendida pelo Partido Progressista.

No entanto, ocorreu a prejudicialidade dessa ação em virtude da promulgação da Lei Estadual n. 15.695, de 21/12/2011, que fixou em “janeiro de cada ano a data-base para a revisão geral anual da remuneração e subsídio dos servidores públicos da Administração Estadual direta, autárquica e fundacional”, bem como “para o exercício de 2012, índice de 08% (oito por cento) de aumento sobre a base remuneratória de dezembro de 2011”.[20] Portanto, com a perda superveniente do objeto da ação judicial também ficou prejudicado o pedido de admissão da sobredita federação (intervenção de terceiros).

Percebe-se, assim, que o sentido empregado para a “separação de poderes”, alegado pela requerida, versava sobre a limitação da atividade jurisdicional. Contudo, não foi possível identificar qual o posicionamento das Ministras e dos Ministros do STF, em relação a esse argumento, devido à perda superveniente de objeto da ação.

 

1.2 ADO n. 24/DF – 2013 até 2018

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) propôs em face da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e da Presidência da República, ação direta de inconstitucionalidade pela não elaboração da lei de defesa do usuário de serviços públicos, nos termos do art. 27 da Emenda Constitucional n. 19/1998.

Ultrapassado o prazo de cento e vinte dias, estipulado pela EC n. 19/1998, contatos desde sua publicação, sem a edição da mencionada lei, o Congresso Nacional comete omissão legislativa inconstitucional. Os pedidos foram para “determinar aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como à Presidência da República que supram a mora legislativa e adotem providências para que a análise do Projeto de Lei n. 6.953/2002, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias”.[21]

Além disso, requereu a “aplicação subsidiária e provisória da Lei n. 8.078/90 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor – enquanto não editada a lei de defesa dos usuários de serviços públicos”.[22] Visivelmente, o CFOAB postula uma sentença de conteúdo aditivo. Mesmo o Conselho Federal reconhecendo que “esteja em tramitação, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n. 6.953/2002, visando à regulamentação do art. 27 da EC n. 19/98”,[23] entende estar caracterizada a mora legislativa na deliberação da matéria.

Pleiteia, ao final, a “concessão da medida cautelar em prazo razoável para que os requeridos adotem as medidas necessárias à edição da lei de defesa do usuário de serviço público, prazo razoável de cento e vinte dias”.[24] A exceção da aplicação subsidiária e provisória do CDC, ocorreu a concessão da medida cautelar, de forma monocrática pelo relator do processo, em 01/06/2013.

Essa decisão foi objeto de impugnação específica pela interposição de agravo regimental pelo Senado Federal. A “separação de poderes” foi utilizada como principal argumento para justificar o poder-dever de exercer as competências constitucionalmente atribuídas a cada órgão, condição necessária para a manutenção do Estado de direito. Pois, ao inobservar a “separação de poderes”, o STF produz efeitos indesejados no funcionamento do Congresso Nacional (ingerência na pauta deliberativa).

A AGU opinou pela improcedência do pedido ao considerar que “não há como se imputar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional suscitada pelo requerente”.[25] Em seu parecer, a PGR entendeu pelo cabimento do “prazo para que o Congresso Nacional conclua a deliberação da proposta e aprove referida norma” e que “não merece acolhida o pedido de aplicação subsidiária das disposições do Código de Defesa do Consumidor aos usuários de serviços públicos”.[26] Opinando ainda pela confirmação da tutela cautelar concedida.

O cidadão José Edmilson Batista, em momentos variados,[27] apresentou alguns memoriais ao STF, via fax. Sendo que todos foram devolvidos sob o argumento de que, nos procedimentos judiciais eletrônicos, as peças deverão ser produzidas e enviadas eletronicamente. Todavia, novamente a ação direta de inconstitucionalidade por omissão restou prejudicada pela perda de objeto. Isso porque, “em 26 de junho de 2017, foi editada a Lei n. 13.460, que dispõe sobre a participação, a proteção e a defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública”.[28]

 

1.3 ADO n. 29/DF – 2014 até 2015

A Associação Nacional dos Agentes de Segurança do Poder Judiciário da União (AGEPOLJUS), manejou essa ação em face da Presidência da República e do Congresso Nacional sob o argumento da não concessão do reajuste salarial desses servidores públicos. Além disso, devido a mais de uma década sem reposição das perdas inflacionárias aos Analistas e Técnicos Judiciários de todos os órgãos do Poder Judiciário da União distribuídos nas vinte e sete unidades da federação.

Precisamente, a omissão apontada ocorre quando a Presidência da República não inclui no projeto de lei orçamentária de 2015, os projetos de leis que previam reajustes salariais para a categoria (Projeto de Lei n. 6.613/2009, plano de carreira de servidores; Projeto de Lei n. 5.426/2013, reajuste para cargos em comissão; Projeto de Lei n. 6.218/2013, recomposição do subsídio da magistratura). Ou seja, omissão parcial inconstitucional verificada no processo legislativo do PL n. 13/2014 – CN, que cuida do Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2015.

Assim, conforme entende a requerente, a omissão viola a separação funcional de poderes, uma vez que há interferência na autonomia administrativa e financeira do Judiciário. Requereu, ao final, medida cautelar para determinar à Presidência da República que apresente emenda modificativa com inclusão dos recursos necessários para a implantação em 2015 dos projetos de lei que reestruturam a carreira dos substituídos.[29] E, também “determinar ao Congresso Nacional [para que] aprove o orçamento dos órgãos do Poder Judiciário da União na sua formatação original encaminhada à Presidência da República”.[30]

Em seu parecer, a PGR opina pela procedência do pedido inicial. A Federação Nacional das Associações de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (FENASSOJAF), apresentou pedido de ingresso na qualidade de amicus curiae, deferido pela relatora do processo. Por outro lado, a Presidência da República e o Congresso Nacional sustentaram a improcedência do pedido formulado.

Outro sentido atribuído a separação das funções estatais, conforme disposto no parecer da AGU, é que o Judiciário não pode suprir a omissão atribuída ao Legislativo, com isso, entende pela improcedência do pedido. No mesmo sentido, é o parecer da PGR. Porém, “em 20/04/2015, a Lei Orçamentária Anual de 2015, Lei n. 13.115/2015 (DOU 22/04/2015) foi sancionada pela Presidente da República”,[31] produzindo a perda superveniente do objeto da ação judicial. Ademais, entende que a “separação de poderes” consiste na “observância da linha garantidora da independência e harmonia entre os poderes é medida fundamental que se impõe insuperavelmente”.[32]

 

1.4 ADO n. 31/DF – 2015 até 2018

O Governador do Estado do Maranhão questiona a omissão inconstitucional do Congresso Nacional de instituir o imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII, CRFB/88). Segundo entende, a inércia legislativa implica renúncia fiscal inconstitucional e desequilibra ainda mais o pacto federativo e a omissão inconstitucional total viola o interesse público secundário cuja “ausência de tributação das grandes fortunas impede a promoção dos próprios fundamentos da República Federativa do Brasil”.[33]

A vertente interpretativa aplicada na propositura da ação judicial consiste no entendimento de que a instituição de tributos seria um poder-dever conferido à União, cujo não exercício dessa competência tributária dificulta que os outros entes federativos desempenhem os objetivos fundamentais da República (art. 3º, CRFB/88). E, assim, segundo entende, o dever de suprir uma omissão inconstitucional não poderá “encontrar óbice no argumento de que implicaria em violação ao princípio da separação de poderes”.[34]

Com esses fundamentos requer a declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa do Congresso Nacional, a fixação do prazo de cento e oitenta dias e apontar quais regras vigerão já no presente exercício financeiro (2016). Por outro lado, ao prestar as informações o Senado Federal sustenta que eventual concessão da cautelar pleiteada viria de encontro ao “princípio da separação dos poderes” ao se cogitar que o STF legisle e institua tributo.[35]

Em sua manifestação, a AGU reconhece a omissão inconstitucional, contudo afasta a possibilidade de concessão da liminar pleiteada. Por seu turno, a PGR opina pela improcedência do pedido. No entanto, em 18/05/2017, o relator monocraticamente reconheceu a ausência de legitimidade ativa do requerente e julgou “extinto o processo, sem resolução de mérito, com base no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no art. 485, VI, do Código de Processo Civil de 2015”.[36]

Interposto agravo regimental, a PGR opinou pelo desprovimento do recurso. Em sessão virtual, as Ministras e os Ministros do STF, por unanimidade e nos termos do voto do relator, negaram provimento ao recurso de agravo. Assim, com algumas variações, percebe-se que nas ações direta de inconstitucionalidade por omissão analisadas o sentido majoritário conferido à divisão funcional das funções estatais, atecnicamente chamada de “separação de poderes”, visa restringir a atuação judicial. Embora, seja possível encontrar interpretação da mesma teoria para justificar exatamente o contrário.

Além disso, em todas as ações o mérito da omissão inconstitucional não foi sequer enfrentado, também em 75% (setenta e cinco por cento) dos casos examinados diagnosticou-se a concentração decisória na figura da relatora ou do relator do processo, que, em geral, decide tardia e monocraticamente. Conclusões parciais que servirão de suporte para as discussões realizadas nos dois próximos tópicos.

 

  1. Correlações entre a teoria da “separação de poderes” e o controle concentrado de constitucionalidade brasileiro

Apresentadas algumas das dificuldades práticas enfrentadas pelos dois elementos centrais desse artigo, cumpre destacar que o cumprimento à risca da “separação de poderes”, em princípio, impossibilitaria a declaração judicial de inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo (editada pelo Legislativo ou pelo Executivo, respectivamente). Esse quadro se complexifica ainda mais quando a ofensa à constituição ocorre pela conduta omissiva da autoridade competente que possui o poder-dever de assegurar ou concretizar direitos e garantias fundamentais.

Dificuldades que, direta ou indiretamente, estavam presentes desde os idos de Montesquieu passando pelos federalistas e chega até o tempo presente. A repartição de competências assume o caráter de garantia da pluralidade de instâncias decisórias para tentar prevenir a concentração do exercício do poder estatal. Por isso, cada uma das funções estatais (típicas e atípicas) exerce parcela do poder emanado da soberania popular.

Outro ponto, que contraria essa linha de pensamento, consiste nas incongruências apresentadas pela idealização de um exercício independente e, ao mesmo tempo, harmônico desses mesmos “poderes”. Em um nível ótimo, cada função estatal se desenvolve dentro de um limite comum e não haveriam razões para o embaralhamento desse limite; contudo, no plano concreto existem dificuldades práticas para estabelecer essas fronteiras (limites e abusos), tanto por condutas positivas, quanto negativas. Isso coloca à prova essa separação dita ideal.

As experiências históricas revelam complexas redes de negociações. Os resultados, cada qual ao seu tempo e modo, derivam do seu próprio contexto. Já houve, há e certamente haverá tensões envolvidas no desempenho dessas funções, principalmente na função recíproca de controlar outras funções estatais. Nesse particular, será destacada a tarefa do Judiciário em relação ao Legislativo, ou melhor, as respostas judiciais para a abusividade caracterizada pela omissão inconstitucional do dever legiferante.

Dividir o exercício do poder estatal é, por si só, alguma forma de controle. O significado de separação funcional dos poderes no Estado democrático de direito possui como um dos cenários possíveis a correção das deficiências. Dentre outros instrumentos, não apenas jurisdicionais, tem-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, prevista para “tornar efetiva norma constitucional” cuja eficácia exija edição de lei (art. 103, § 2º, CRFB/88).

A problemática emerge no próprio desenho constitucional desse instituto jurídico que, no citado artigo, limita o campo de atuação dessa excepcional medida judicial ao mero fornecimento de “ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias”.[37] Ao passo que, em se tratando de órgão administrativo, o STF determinará para fazê-lo em trinta dias. Questão circundante ao tema consiste no conteúdo e nos efeitos dessa decisão judicial.

Diante dessas dificuldades constitucionais, o arcabouço infraconstitucional fornece algumas pistas normativas que serão seguidas com base nas disposições da Lei n. 12.063/2009, que inseriu o Capítulo II-A, com três seções,[38] na Lei n. 9.868/1999,[39] para regular também o processamento e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

A legitimidade ativa para a propositura dessa ação não guarda qualquer especificidade em relação as demais ações do controle concentrado de constitucionalidade brasileiro. Para a omissão inconstitucional originada da “providência de índole administrativa”, o texto constitucional estabeleceu algumas diretrizes, já para a violação parcial ou total do “dever constitucional de legislar”[40] essas questões ainda permanecem em aberto.

Outros pontos de tensão são provocados pela possibilidade de concessão de medida cautelar. A excepcionalidade dessa medida judicial além do preenchimento dos requisitos de “urgência e relevância da matéria” exige que: (i) a decisão seja adotada pela maioria absoluta de seus membros, desde que presentes na sessão o número mínimo de oito ministros; (ii) posterior a “audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional”; (iii) o transcurso do prazo de pronunciamento (cinco dias) da autoridade competente.

No entanto, por (des)construção jurisprudencial permite-se que medidas cautelares sejam concedidas monocraticamente pela relatora ou pelo relator do processo. Em segundo lugar, o conteúdo dessa medida cautelar é demasiadamente amplo inclusive com a possibilidade de versar sobre: (i) a “suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo” (na hipótese de omissão parcial); (ii) a “suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos”; (iii) ou “outra providência a ser fixada pelo Tribunal”.[41]

Os efeitos da decisão judicial reproduzem a previsão constitucional da “ciência” (aviso) ao Legislativo, “para a adoção das providências necessárias”. Amplia, contudo, o prazo de trinta dias para “omissão imputável a órgão administrativo” assegurando que outro “prazo razoável” possa ser definido pelo STF, que deverá considerar: (i) as “circunstâncias específicas”; e (ii) o “interesse público”.

Para estabelecer a correlação entre essa espécie de controle concentrado de constitucionalidade com a teoria da repartição de competências estatais busca-se não apenas entender o funcionamento regular de cada função típica estatal. Isso, por certo, dificulta quando não impede o exercício do controle judicial de constitucionalidade. No caso brasileiro, que abrange as modalidades política e judicial dentro de um mesmo sistema constitucional, tornam-se explícitas as dificuldades relacionadas o exercício prático dessa função judicial.

Nesse sentido, faz parte do próprio arranjo institucional de divisão de competências a função estabelecida para que, excepcionalmente, o Judiciário mediante provocação da parte legitimamente interessada e pela observância dos procedimentos previstos em lei e na Constituição da República de 1988 exerça o controle de constitucionalidade.

Algumas situações precisam ser destacadas. A primeira, diz respeito que teórica e empiricamente a ação direta de inconstitucionalidade por omissão remete a ausência de ação ou a mora excessiva por parte da autoridade competente na atividade legislativa. Tanto a omissão total, quanto não demora injustificada para a deliberação ou votação da matéria implica alguma forma de abuso que precisa ser coibido porque afronta a constituição e os direitos e as garantias fundamentais nela positivados.

Prevendo as complexidades políticas, sociais, econômicas, dentre outras, que envolve essas questões o constituinte originário e o legislador infraconstitucional (poder constituído) circunscreveram o campo de atuação judicial à notificação da omissão inconstitucional, sem, contudo, estabelecer explicitamente outras providências ou prazos para que a autoridade competente delibere sobre a matéria. Cabe considerar que nem sempre a ausência ou a mora derivam apenas do comportamento abusivo do legislador. Algumas vezes são reflexos dos desacordos existentes na sociedade civil, das dificuldades para se estabelecer acordos provisórios em torno da questão debatida ou a complexidade de regular e, minimamente, prever as repercussões provocadas pela edição da lei.

Esses argumentos precisam ser levados em consideração, porém não ao ponto de “justificarem” a utilização estratégica ou a captura do devido processo legislativo. Caracterizada pela deflagração formal do processo legislativo, sem, contudo, efetivamente discutir, votar e decidir a questão inicialmente proposta. Nesse ambiente, não há cálculo matemático capaz de estabelecer uma fórmula segura para delinear as fronteiras entre o tempo necessário para o amadurecimento dos “debates democráticos” e o abuso de direito.

Via de regra, a divisão de tarefas fornece uma solução adequada; em hipóteses excepcionais – caracterizadas pelas peculiaridades do caso concreto ou pelo manifesto abuso direito – o controle judicial ganha espaço para limitar ou colocar termo a omissão inconstitucional (total ou parcial). Com isso, não está dito que o Judiciário sempre irá substituir as decisões políticas elaboradas em conformidade pelo devido processo legislativo, menos ainda, que está autorizado a interferir no curso regular desse processo.

Admite-se, no entanto, que impasses de difíceis soluções possam aparecer. No final das contas, a experiência constitucional está diretamente relacionada aos compromissos republicanos assumidos perante o povo. Essa descrição normativa permite estender a argumentação para a conjugação de outros três elementos que tocam diretamente as discussões realizadas entre a separação das funções estatais, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e as dificuldades argumentativas de definição válida para alguma forma de supremacia.

Essas são algumas das questões que formam o pano de fundo envolvendo as discussões sobre divisão de funções e o controle judicial de constitucionalidade, que serão pontuadas no próximo tópico.

 

  1. Inconstitucionalidade por omissão e as dificuldades de estabelecer uma supremacia (judicial ou parlamentar)

Não foi à toa que a palavra dificuldade foi escolhida para compor o título desse artigo. Demonstradas algumas das dificuldades práticas e normativas enfrentadas pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão nos tópicos anteriores, propõe-se projetar uma das questões que acompanham essa temática. Novamente fala-se sobre as dificuldades de se estabelecer formas de supremacia para orientar e talvez colocar termo à omissão legislativa inconstitucional, isso é, a ausência de texto legal capaz de inviabilizar o exercício ou a manutenção de direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição da República de 1988.

As características extensa e compromissória do atual texto constitucional brasileiro, cujo projeto em aberto estabeleceu diversas funções ao poder constituído, inclusive a tarefa de editar atos normativos indispensáveis para a concretização dos direitos positivados. O descumprimento inconstitucional, representado pela omissão legislativa, revela o quanto isso fragiliza o “pacto intergeracional”[42] e enfraquece a própria ideia de democracia que se pretende construir.

Seria necessário, então, definir quem compete decidir sobre determinadas questões. Notadamente envolve decisões sobre separação e autoridade na alocação de distintas competências. Nessa ordem de ideias, surgem pelo menos duas respostas que arrogam para si alguma forma de supremacia, ambas são consideradas insatisfatórias.

Por um lado, a resposta apresentada pela supremacia judicial apoia-se no desenho institucional, especialmente no caso brasileiro, que confere ao STF a competência precípua de “guarda da Constituição” (art. 102, caput, CRFB/88). Portanto, quando o Legislativo deixa de exercer ou exerce a destempo sua competência típica constitucionalmente assegurada viola a Constituição da República de 1988.

Nesse campo, a concessão de medida cautelar (tutela antecipada), a aplicação de prazos razoáveis para que o Legislativo exerça sua função típica, a possibilidade de sentenças aditivas para suprir a omissão legislativa (com a aplicação de outra lei vigente no ordenamento jurídico pátrio), dentre outras providências, configurariam mais a proteção da constituição pelo Judiciário do que qualquer outra coisa.

Comprometer-se com alguma forma de controle judicial das omissões legislativas não implica endossar qualquer espécie supremacia judicial. Dentro do Estado democrático de direito parece acertado supor que todo aquele que exerce parcela das funções estatais deve ser submetido a alguma forma de controle.

O argumento da supremacia judicial encontrar dificuldades de sustentação quando se leva em consideração que nem sempre uma decisão judicial poderá se sobrepor as decisões políticas do legislador. Tanto é assim, que em todos os casos analisados no primeiro tópico não houve o enfrentamento do mérito pelo STF, de outro modo, todas as decisões judiciais foram de caráter formal, ora reconhecendo a prejudicialidade do objeto da ação, ora a “carência de legitimidade ativa ad causam” (ausência de pertinência temática). Logo, as Ministras e os Ministros do STF parecem agirem “com bastante parcimônia, chegando mesmo a indicar algum tipo de deferência, quando não uma disposição de preservar e aperfeiçoar o trabalho do Congresso”.[43]

Não parece crível com a experiência constitucional brasileira, sustentar a sobreposição ou mesmo a supremacia judicial na ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Apesar de volta e meia a atuação judicial ser colocada em questão. Nesse ponto, percebe-se que a divisão funcional das tarefas estatais figura como argumento para uma atuação mais contida do STF.

Por outras palavras, a preponderância das decisões judiciais não encontra correspondência prática no controle judicial das omissões legislativas. Seria possível então, por essas considerações, entender pela supremacia legislativa no ambiente testado? Para adiantar a resposta, afirma-se também não ser crível sustentar esse posicionamento.

Em certas hipóteses até persiste a omissão legislativa, mesmo após o STF ser chamado a se manifestar sobre o caso, conforme restou comprovado na ADO n. 31/DF; noutros foi possível identificar o atraso na edição da lei, ADO n. 08/SC, 24/DF e 29/DF, que somente foi concluída depois da propositura da ação judicial. Ao que tudo indica, prevalece a dificuldade, política ou temporal, na edição de determinados atos legislativos.

Portanto, a contribuição que se pretende oferecer para o entendimento sobre a “separação de poderes” na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, por certo, não perpassar por qualquer das formas de supremacia mencionadas. De outra sorte, o controle judicial das omissões opera no campo do constrangimento provocado pelo trâmite processual e também pela remota possibilidade de imposição judicial.

 

Conclusão

À vista do exposto, nesse momento derradeiro, é possível repisar alguns pontos trabalhados ao longo do artigo. Cujo objetivo central consistiu em investigar como o argumento da “separação de poderes” apareceu nas discussões sobre a omissão inconstitucional e qual o posicionamento das Ministras e dos Ministros do STF em relação a isso e, assim, buscar contribuir para a construção do entendimento sobre a utilização da teoria da “separação de poderes” no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro.

Ao perseguir estes objetivos, percebeu-se a necessidade de identificar a frequência e a utilização desse argumento no controle de constitucionalidade brasileiro. As pesquisas empreendidas confirmaram a presença em 330 julgados, realizando a cobertura temporal no período de trinta anos (de 1989 até 2019). Isso envolveu algum grau de pesquisa empírica, seguido do tratamento estatístico dos dados coletados (medidas de tendência central e medidas de dispersão), que, no entanto, apresentou resultados pouco conclusivos.

Embora esse mapeamento seja válido, é insuficiente para afirmar a hipótese de que o STF, nesse ambiente, adote uma postura mais deferente ao Legislativo. Diante disso, optou-se por restringir o objeto da pesquisa apenas a ação direta de inconstitucionalidade por omissão em que foi diagnosticada a utilização do argumento investigado. Essa resposta fui integralmente confirmada pelo resultado das pesquisas.

Nesse percurso, no entanto, surgiram outras dificuldades que foram pontuadas ao longo do artigo, a exemplo da compatibilidade entre a “separação de poderes” e o controle de constitucionalidade. Num primeiro momento, haveria impedimentos para o exercício do controle judicial com base na sobredita teoria, porém, a divisão de funções estatais somada a necessidade ou a possibilidade de controle viabiliza exercício excepcional do controle judicial.

Na hipótese de tensão entre o Judiciário e o Legislativo, no caso brasileiro, não é possível sustentar a existência qualquer forma de supremacia nem judicial nem legislativa. A divisão de funções estatais está para a prevenção da concentração de poderes, assim como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão está para a possibilidade de contenção de eventuais abusos seja pela omissão (total ou parcial), seja pela demora em justificada.

Isso conduz, em certo sentido, a compreensão de que o controle judicial desenvolvido com exclusividade pelo STF assume o contorno de constranger, pela via procedimental, da autoridade competente, que em setenta e cinco por cento dos casos examinados editou o ato legislativo correspondente acarretando a perda superveniente do objeto da ação judicial.  Essa constatação funciona para explicar, em parte, a atuação mais restrita do STF identificada nesse ambiente.

 

Referências

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Supremo Tribunal Federal [Secretaria de documentação], 2018.

 

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. “Separação dos poderes ou separação de poderes”. Brasília: 2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 16 jan. 2020.

 

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VERMEULE, Adrian. The constitution of risk. New York: Cambridge University Press, 2014.

 

 

[1] Doutorando em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestrado em direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU (2018), ambos com bolsa de pesquisa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, bacharelado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas (2016), advogado (OAB/MG). E-mail: [email protected]

[2] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, 2011, p. 214.

[3] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, 2011, p. 217.

[4] EPSTEIN, Lee; KING, Gary. Pesquisa empírica em direito: as regras de inferência, 2013, p. 07.

[5] EPSTEIN, Lee; KING, Gary. Pesquisa empírica em direito: as regras de inferência, 2013, p. 43.

[6] VERMEULE, Adrian. The constitution of risk, 2014, p. 24.

[7] Cf. Quadro 01 – Frequência do argumento da “separação de poderes” no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro e quadro 02 – População de julgados ADO.

[8] TUSHNET, Mark. Constitution, 2012, p. 212.

[9] VERMEULE, Adrian. The constitution of risk, 2014.

[10] Ante as complexidades para atribuir critérios de importância diferenciados para a realização da média ponderada, optou-se pela utilização da média aritmética simples.

[11] Isso é, a soma dos elementos do conjunto dividido pela quantidade de elementos. Por exemplo: 330/4 = 82,50.

[12] Isso é, a média dos dois elementos centrais (no caso de número par de elementos do conjunto) ordenados em ordem crescente. Por exemplo: [3, 4, 73, 250] 4+73 = 77; 77/2 = 38,50.

[13] Isto é, o valor do item subtraído da média. Por exemplo: ADI: 250-82,5 = 167,5; ADPF: 73-82,5 = -9,50; ADO: 4-82,5 = -78,50; ADC: 3-82,5 = -79,50.

[14] Isto é, o desvio apresentado pelo valor do item elevado ao quadrado, dividido pelo número de elementos do conjunto. Por exemplo: ADI: 167,5*167,5 = 28.056,25/4 = 7.014,06; ADPF: -9,50*-9,50 = 90,25/4 = 22,56; ADO: -78,50*-78,50 = 6.162,25/4 = 1.540,56; ADC: -79,50*-79,50 = 6.320,25/4 = 1.580,06.

[15] Isto é, raiz quadrada da variância. Por exemplo: ADI: √7.014,06 = 83,74; ADPF: √22,56 = 4,74; ADO: √1.540,56 = 39,24; ADC: √1.580,06 = 39,74.

[16] Corresponde precisamente ao período de 30 anos, 01 mês, 02 semanas e 06 dias.

[17] Corresponde precisamente ao período de 19 anos, 05 meses, 01 semana e 06 dias.

[18] Quais sejam: ADC n. 33/DF, Min. Gilmar Mendes, proposta em: 29/05/2014; ADC n. 15/DF, Min. Cármen Lúcia, proposta em: 16/02/2007; ADC n. 12/DF, Min. Ayres Britto, proposta em: 02/02/2006.

[19] Corresponde precisamente ao conjunto formado por 12 peças processuais na ADO n. 08/SC; 49 peças processuais na ADO n. 24/DF; 63 peças processuais na ADO n. 29/DF; 25 peças processuais na ADO n. 31/DF; totalizando 149 peças processuais consultadas.

[20] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 08/SC. Relator Min. Ricardo Lewandowski. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 27 fev. 2012, [n. p].

[21] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 24/DF. Relator Min. Dias Toffoli. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 09 fev. 2018, [n. p].

[22] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 24/DF. Relator Min. Dias Toffoli. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 09 fev. 2018, [n. p].

[23] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 24/DF. Relator Min. Dias Toffoli. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 09 fev. 2018, [n. p].

[24] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 24/DF. Relator Min. Dias Toffoli. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 09 fev. 2018, [n. p].

[25] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 24/DF. Relator Min. Dias Toffoli. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 09 fev. 2018, [n. p].

[26] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 24/DF. Relator Min. Dias Toffoli. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 09 fev. 2018, [n. p].

[27] Foram localizadas três petições enviadas em 02/09/2013, 01/10/2013 e 28/11/2016.

[28] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 24/DF. Relator Min. Dias Toffoli. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 09 fev. 2018, [n. p].

[29] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 29/DF. Relatora Min. Cármen Lúcia. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 maio 2015, [n. p].

[30] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 29/DF. Relatora Min. Cármen Lúcia. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 maio 2015, [n. p].

[31] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 29/DF. Relatora Min. Cármen Lúcia. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 maio 2015, [n. p].

[32] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 29/DF. Relatora Min. Cármen Lúcia. Decisão monocrática. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 maio 2015, [n. p].

[33] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 31/DF. Relator Min. Alexandre de Moraes. Tribunal Pleno. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 08 maio 2018, [n. p].

[34] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 31/DF. Relator Min. Alexandre de Moraes. Tribunal Pleno. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 08 maio 2018, [n. p].

[35] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 31/DF. Relator Min. Alexandre de Moraes. Tribunal Pleno. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 08 maio 2018, [n. p].

[36] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 31/DF. Relator Min. Alexandre de Moraes. Tribunal Pleno. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 08 maio 2018, [n. p].

[37] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Supremo Tribunal Federal [Secretaria de documentação], 2018, [n. p].

[38] Quais sejam: Seção I – Da Admissibilidade e do Procedimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; Seção II – Da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; e Seção III – Da Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.

[39] Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

[40] BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília: Diário Oficial da União, 11 de novembro de 1999, [n. p].

[41] BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília: Diário Oficial da União, 11 de novembro de 1999, [n. p].

[42] BALKIN. Jack M. Living originalism, 2011, p. 140.

[43] POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação?: política, direito e democracia no Brasil, 2011, p. 09.

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