Analisando o Judiciário brasileiro

Resumo: O presente artigo faz uma abordagem do papel desempenhado pelo Judiciário ao longo da história do Brasil, desde o período colonial até a presente realidade, além de analisar o funcionamento dos tribunais na apreciação e julgamento das lides, a presença do legalismo nas causas jurídico-sociais e, finalizando, faz uma breve reflexão acerca do funcionamento do Judiciário brasileiro no atual cenário social.    


Palavras-Chaves: Judiciário brasileiro. Tribunais. Legalismo. Cenário social.


Abstract: This article is an approach to the role of the judiciary throughout the history of Brazil since the colonial period to the present reality, and analyzing the operation of trial courts in assessing the deal and the presence of legalism in the legal and social causes and, finally, a brief reflection on the functioning of the Brazilian Judiciary in the current social scenario.


Key Words: Brazilian Judiciary. Courts. Cool. Social scenario.


Sumário: Introdução. 1- O contexto histórico do Judiciário brasileiro. 2- A importância dos tribunais para o Judiciário brasileiro. 3- A influência do legalismo no Judiciário brasileiro. 4- Breves considerações acerca do funcionamento do Judiciário brasileiro no atual cenário social. Conclusão. Bibliografia.


Introdução.


Nos últimos anos de construção da história do Brasil, muitas críticas têm sido atribuídas contra o Judiciário brasileiro no que tange à morosidade na resolução das demandas judiciais, o descaso e a corrupção praticada por alguns juízes e desembargadores durante a resolução das lides, a falta de infra-estrutura em alguns fóruns e tribunais para proporcionar um bom ambiente de funcionamento da justiça, enfim, temos constantemente presenciado uma insatisfação que continua atingindo todos os setores sociais, principalmente a população de baixa renda que clama pela uma melhor eficiência de atuação, desse poder, para resolver os problemas sociais.  


Por essa dentre outras razões, o presente artigo visa demonstrar como o Judiciário brasileiro iniciou sua trajetória de funcionamento perante o Estado democrático, desde o advento do período colonial até o presente momento. Além disso, será observada a forma pela qual os tribunais brasileiros desenvolveram, e continuam a desenvolver suas atividades, tomando, como exemplo, as atuações do STF, SJT e Tribunal de Júri. Destacaremos também a influência do legalismo no Judiciário brasileiro, visto que ainda está presente em nosso cotidiano jurídico através de algumas decisões prolatadas por tribunais, fóruns e demais órgãos judiciais. Finalmente, faremos breves considerações acerca da atuação do Judiciário brasileiro no atual cenário social, procurando buscar soluções condizentes para tentar “desmoralizar” a imagem do Judiciário que tem refletido negativamente perante a sociedade brasileira. Passemos aos comentários a seguir.


1. O contexto histórico do Judiciário brasileiro.


Durante o período de formação de nossa história política, em que tivemos o primeiro regime colonial, passando para o regime imperial e finalizando com o atual regime republicano, a história do Judiciário brasileiro sempre foi influenciada pela presença atuante da supremacia do poder estatal, espraiando seu predomínio sobre as demais camadas populares. Em virtude de tal dominação, o direito estatal exercido durante aquele momento histórico colonial se apresentava sob condição de superioridade, haja vista que era influenciado pelos princípios e normas advindos da metrópole portuguesa. Dessa forma, toda a estrutura jurídica se revelava totalmente direcionada aos interesses de uma minoria, isto é, as elites dominantes, contrapondo-se aos anseios da maioria que eram as camadas populares, alijadas do poder.


Assim sendo, José Reinaldo de Lima Lopes (2000, p. 263) nos explica que durante o regime das capitanias hereditárias, vigente na era colonial, havia uma tripartição de poderes jurisdicionais, cujos componentes estavam os juízes municipais, ocupantes da base do sistema, e na hierarquia maior se apresentava o rei, cuja competência direcionava-se para ouvir apelações e agravos pelos seus tribunais próprios e superiores. Além disso, a justiça senhorial dos donatários e governadores era aquela exercida ora com exclusividade, considerando a pessoa ou a matéria, ora servindo como instância de recurso à decisão municipal. Com isso, o judiciário brasileiro, durante o período colonial, apresentou-se sob direção e comando dos capitães-donatários, os quais tinham a responsabilidade de desenvolver as atividades econômicas, além de organizar a vida civil na terra, muito embora não exerciam pessoalmente jurisdição nem julgamento porque nomeavam ouvidores para o crime e o cível.


Ressalto também que as primeiras tentativas de funcionamento da Justiça, no período colonial, datam de 1587 quando da edição do seu primeiro regimento, promovido pelo rei Felipe II da Espanha (e I de Portugal), que, entretanto, não prosperou. Todavia, a Lei de 07 de março de 1609 possibilitou que fosse instalado o primeiro tribunal régio brasileiro, conhecido como “Tribunal da Relação da Bahia” [1]. Este último tinha a tarefa de fiscalizar não só a Câmara da cidade de Salvador com os seus presentes juízes, como também os demais oficiais de justiça, por esse motivo, o “Tribunal da Relação da Bahia” possuía um caráter de agente de correição. Posteriormente, o desenvolvimento econômico das capitanias do sul do Brasil presenciou a criação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro[2], cujo procedimento ocorreu através do alvará de D. Pedro I, em 13 de outubro de 1751. Além disso, em 18 de janeiro de 1765 houve a criação das Juntas de Justiça que teve o propósito de funcionar naqueles lugares que apresentassem ouvidores de capitania.


Passando para o regime imperial, por outro lado, verifico que o Judiciário brasileiro sofreu algumas inovações através do surgimento das normas estatuídas pelo Código Penal e pelo Código Processual Penal, sendo que ambos foram concluídos durante aquele regime, muito embora não avançaram no que tange ao exercício de práticas extralegais, que viessem atender aos objetivos comunitários populares, porque refletia apenas as forças ideológicas dominantes que predominavam a época, isto é, o poder estatal e a Igreja, conforme é relatado por Antônio Carlos Wolkmer:


“não houve grandes modificações nessa tradição colonial elitista e segregadora, mesmo depois da independência do país e da criação, por D. Pedro I, das duas Faculdades de Direito- a de Olinda e a de São Paulo. Durante a experiência monárquica e hereditária do Império, as questões de direitos civis e direitos à cidadania não mereceram interesse maior” (…) (2001, p. 85).


Considerando o comentário exposto acima, percebo que mesmo com o aparecimento dos primeiros centros de ensino superior no Brasil-império[3], contudo, a estrutura do poder dominante continuava no comando das forças conservadoras elitistas, sendo que não refletiu qualquer avanço de práticas extralegais ou informais de cunho comunitário ou popular, logo “tratava-se de um pluralismo jurídico ideologicamente conservador e elitista que reproduzia tão-somente a convivência das forças dominantes, ou seja, entre o Direito do Estado e o Direito da Igreja (ibidem, p.86)”. Com o início do regime republicano iniciado a partir de 1889, a estrutura judicial brasileira foi influenciada pela ideologia do constitucionalismo norte-americano e do positivismo de Augusto Comte. Dessa forma, instituiu-se a democracia representativa, a separação dos poderes e o federalismo presidencialista, muito embora as profundas desigualdades sócio-econômicas ainda estavam presentes no cotidiano da maioria da população pobre, a qual continuava afastada do cenário político do país, sem estar desfrutando dos direitos essenciais de cidadania. Dessa forma, observou-se que o judiciário brasileiro funcionava sob comando e direção da classe dominante do país, transformando o Direito e a Justiça em meios de dominação de cunho exclusivo estatal.


Avançando no percurso cronológico, observou-se que o centralismo jurídico estatal, advindo do modelo republicano, aos poucos começava a sofrer abalos provocados pelos conflitos coletivos das camadas sociais alijadas da democracia. Em virtude de tal acontecimento, o modelo jurídico tradicionalista, administrado pelos interesses da burguesia agrário-mercantil e do Estado positivista, enfraquecia-se, ao passo que surgia, já no final do século XIX e início do século XX, no âmbito do órgão singular ou aparato interpretativo oficial o chamado Poder Judiciário acompanhado da legislação civil. Além de todo esse panorama de transformações pela qual sofrera o judiciário brasileiro, não deixo de ressaltar também o papel desempenhado pelos tribunais do Poder Judiciário que ajudaram no desenvolvimento da organização e funcionamento de toda aquela estrutura judiciária ao longo de sua história.              


2. A importância dos tribunais para o Judiciário brasileiro.


Os tribunais do Poder Judiciário passaram ao longo de sua história por importantes reformas. Além da presença de alguns tribunais relatados anteriormente, a exemplo do “Tribunal da Relação da Bahia”, “Tribunal da Relação do Rio de Janeiro”, outros foram surgindo ao longo da história do Brasil, os quais contribuíram para o fortalecimento da estrutura judicial brasileira, com destaque para o Conselho dos Jurados (atualmente Tribunal do Júri), o Supremo Tribunal de Justiça (posteriormente, transformar-se-ia em Supremo Tribunal Federal) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).


O Conselho de Jurados (atualmente Tribunal do Júri), presidido pelos juízes de direito, foi criado pelo Código do Processo Criminal de 1832, tendo como função tratar dos assuntos criminais. Esse conselho examinava os casos relatados, contando com o auxilio do Conselho de Pronuncia ou Acusação que era o órgão responsável que verificava e esclarecia a ocorrência do crime, juntamente com sua autoria. Todavia, antes da criação do Conselho de Jurados tivemos a instituição da Lei de 18 de setembro de 1828, criando o Supremo Tribunal de Justiça, antecessor do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse tribunal era composto de dezessete ministros, todos letrados, prevalecendo o critério de antiguidade dos desembargadores das relações [4]. Em face da criação desse tribunal, João Celso Neto (2003) nos informa que:


“O Supremo Tribunal de Justiça fora previsto na Constituição Imperial de 25 de março de 1824, que determinou a sua criação, ao estabelecer que, “na Capital do Império, além da relação que deve existir, assim como nas mais Províncias, haverá também um tribunal com a denominação de Supremo Tribunal de Justiça, composto de Juízes letrados, tirados das relações por suas antiguidades, e serão condecorados com título de Conselheiros”, competindo-lhe conceder ou denegar revistas nas causas e pela maneira que a lei determinar, conhecer dos delitos e erros de ofício que cometerem os seus Ministros, os das Relações, os empregados no corpo diplomático e os Presidentes das Províncias e conhecer e decidir sobre os conflitos de jurisdição” (Constituição Imperial, art. 164).      


Analisando a opinião exposta anteriormente, verifico que já havia, desde aquele período de nossa história, a prerrogativa de um tribunal em conhecer e, ao mesmo tempo, decidir acerca dos delitos, erros de oficio e conflitos de jurisdição praticados por Ministros, empregados da diplomacia e demais presidentes das Províncias. Além disso, outra preocupação do respectivo tribunal era o modo de disciplinar o recurso de revista. Este último, segundo José Reinaldo de Lima Lopes (2000, p. 329), apresentava uma natureza de cassação, ou seja, qualquer desrespeito a lei, quanto à sua violação, o processo ou a eventual sentença deveriam ser cassados e anulados, muito embora aquele processo vicioso pudesse ser corrigido pelo processado para, posteriormente, ser julgado novamente.


Posteriormente, criou-se o Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Decreto 848, de 11.10.1890, sendo que sua regulamentação também foi retratada em nossa primeira Constituição republicada de 1891 (artigos 56 e 59)[5], além de ser considerado como “órgão de cúpula que exerce o papel de tribunal constitucional, mas também o de solucionador de conflitos entre tribunais superiores ou unificador de jurisprudências em determinados casos (DALLARI, 2002, p. 112)”.  Além disso, nos últimos anos, apesar do número de juízes[6] que compõem o tribunal ser o mesmo desde o final do século passado até o presente momento, isto é, onze componentes, tem-se observado constantemente um aumento extraordinário de processos que chegam ao respectivo tribunal. Em face desse acontecimento, os membros do Supremo preferem uma solução mais eficiente que haja “criação de mecanismos processuais reduzindo a independência dos juízes e tribunais brasileiros. Com isso, pretende-se, entre outras coisas, diminuir a quantidade de decisões que possam ocasionar recursos ao Supremo (ibidem, p. 114)”. Observando essa explanação, tem-se presenciado que já está ocorrendo, em nosso cotidiano jurídico, a unificação de decisões, sendo que a grande maioria delas é prolatada pelos próprios ministros do Supremo através das Súmulas vinculantes, cujo enfoque é reduzir a autonomia dos demais tribunais inferiores brasileiros no que tange ao julgamento de suas causas.


Outro importante tribunal que ajudou no fortalecimento da estrutura judicial brasileira foi o Superior Tribunal de Justiça (STJ) [7]. Esse tribunal nasce com o advento da Constituição de 1988, tendo por finalidade suprir eventuais anormalidades e imperfeições de organização advindas desde a Constituição de 1946, logo é considerado como “órgão de cúpula da justiça comum”.  No que tange a sua competência, José Afonso da Silva (2004, p. 562) explica “o que dá característica própria ao STJ são suas atribuições de controle da inteireza positiva, da autoridade e da uniformidade de interpretação da lei federal (…)”. Observando essa opinião, coube a esse tribunal a tarefa de apreciar e julgar aqueles casos que contrariam os ditames da lei federal. Com isso, o STJ tem a possibilidade de rever aqueles julgamentos originários de tribunais federais e estaduais, decidindo até, em certas ocasiões, eventuais conflitos jurisdicionais de competência envolvendo esses tribunais. Destaco também que o federalismo é fator preponderante que determina o ingresso dos membros no STJ, cuja composição atual é de trinta e três ministros[8].


Em face das breves explanações acerca da origem e do papel desempenhado pelos tribunais brasileiros no funcionamento do judiciário brasileiro, não devemos esquecer que a legislação se constitui outro fator preponderante, haja vista que é utilizada por aqueles tribunais na apreciação e julgamento das causas sociais com a finalidade de dar respostas satisfatórias aos anseios da sociedade, muito embora haja, em certas ocasiões, um excesso de legalismo em algumas decisões proferidas por aqueles tribunais.   


3. A influência do legalismo no Judiciário brasileiro.


Inicialmente, verificamos que o termo “legalismo” se refere a uma ideologia jurídica, utilizando-se do dogma do monismo estatal, isto é, o Estado é considerado como a única fonte mediata do Direito, tendo não só o monopólio de realizar o poder jurisdicional, mas também o monopólio do direito de punir. Além disso, observamos que as normas legais são tidas como verdades absolutas, independentemente de quaisquer manifestações sociais que possam vir refutá-las. Assim sendo, Júlio da Silveira Moreira (2008) nos informa que:


“o legalismo é utilizado muitas vezes como uma estratégia autoritária, de impor uma ação estatal justificada apenas na necessidade de cumprimento “da lei”. É o argumento que se esconde na autoridade da lei estatal para ter validade, quando na verdade há interesses que não podem ser expostos, devido à ausência de consenso. Pressupõe-se que, se a tese está fundada numa lei, e as leis (conforme essa ideologia) são verdades absolutas, então a tese nela fundada também é uma verdade absoluta.”


O respectivo comentário anterior nos remete a fazermos uma análise acerca da influência do legalismo na estrutura judicial brasileira. Apesar de atualmente estarmos vivendo em um Estado democrático de direito, cuja democracia é representativa, todavia continuamos sendo vítimas, em nosso cotidiano jurídico, da prevalência do rigorosismo do arcaico legalismo, cuja manifestação trás como conseqüências a contradição de julgados e outros erros processuais presentes em sentenças e acórdãos dos tribunais, prejudicando, com isso, a resolução das questões judiciais. Dessa forma, a presença do legalismo chega a ser exagerada em alguns julgamentos realizados a tal ponto que se tem aumentado constantemente o número de recursos processuais nas prateleiras de nossos tribunais, refletindo a indignação da sociedade frente à atitude de descaso proporcionada pela manifestação do comportamento dos representantes do judiciário.


Por outro lado, a história do legalismo em nosso país remonta suas origens desde o período do Brasil – colônia quando a metrópole portuguesa teve a responsabilidade de impor sua ordem jurídica, a fim de que pudesse ser cumprida pela população nativa colonial. Isso pôde ser constatado através das Ordenações Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e Ordenações Filipinas (1603). Adentrando-se no período imperial, a presença do legalismo era evidente através do advento do Poder Moderador, uma espécie de quarto poder, superior aos demais poderes, que dava efetividade de comando e controle na figura do imperador. Com a proclamação do regime republicano, verificamos que o legalismo era instrumento de dominação das elites latifundiárias, isto é, o poder estatal refletia apenas os anseios da classe dominante através de uma legislação que mantinha o restante da população afastada da cidadania.      


Apesar da constatação da existência do legalismo nesses vários momentos de construção de nossa história, porém, José Eduardo Faria (2002, p. 61) nos informa que a partir dos anos 90 houve um crescimento de novas matérias reguladas por textos legais, as quais seus dispositivos passaram a fazer novas “cadeias normativas”, ingressando-as na estrutura judicial brasileira, como exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Execuções Penais, etc. O resultado desse acontecimento foi que o sistema jurídico do país ficou assoberbado de novas normas legais, muitas das quais acabaram sobrecarregando o trabalho do judiciário durante o desenvolvimento do trâmite processual. Para dar solução a esse problema, muitos juízes e tribunais socorreram-se na uniformização de seus julgamentos[9] com o objetivo de torná-los mais eficientes e desprovidos de eventuais prejuízos que possam prejudicar os interesses sociais. Destarte, podemos perceber que o legalismo do atual Brasil contemporâneo continua traduzindo na existência de muitas leis que, textualmente, aspiram aos anseios populares, não obstante a grande maioria continua não sendo aplicadas na prática.


Dentro dessa perspectiva de atuação do legalismo, verificamos que atualmente o Judiciário brasileiro vem vivendo momentos de crise, influenciando negativamente o cenário social por não proporcionar, na maior parte das vezes, a resolução dos conflitos que envolvam os interesses das maiorias carentes desprovidas de justiça e cidadania. Destarte, faremos a seguir breves considerações acerca do funcionamento do Judiciário brasileiro no atual cenário social, juntamente com os fatores responsáveis pelo advento de sua crise.   


4. Breves considerações acerca do funcionamento do Judiciário brasileiro no atual cenário social.


O atual cenário social tem presenciado, cotidianamente, a crise que vem fazendo parte do judiciário brasileiro, trazendo como conseqüência o mau funcionamento do aparelho judiciário verificado através do reduzido número de juízes e servidores, da falta de investimentos e modernização da infra-estrutura dos fóruns, delegacias, etc., enfim, através de tal situação degradante, percebemos que o Poder Judiciário continua funcionando desregulamente, embora esteja beneficiando apenas o sistema dominante (como sempre foi ao longo da história do Brasil), isto é, os interesses de uma minoria detentora do poder econômico e político, em contraposição a maioria excluída dos valores democráticos, infringindo, assim, os ditames da “regra da maioria” [10]. Além disso, conforme é ressaltado por Antônio Carlos Wolkmer em seu comentário a seguir acerca da atuação do Judiciário brasileiro:


“trata-se de uma instância de decisão não só submissa e dependente da estrutura do poder dominante, como, sobretudo, de um órgão burocrático do Estado, desatualizado e inerte, de perfil fortemente conservador e de pouca eficácia na solução rápida e global de questões emergenciais vinculadas, quer às reivindicações dos múltiplos movimentos sociais, quer aos interesses das maiorias carentes de justiça e da população privada de seus direitos.” (2001, p. 99).  


Analisando a opinião relatada anteriormente, não tenho dúvidas de que o Poder Judiciário ainda se comporta como um órgão conservador, manipulado pelo Estado, e que, em virtude disso, impõem-se obstáculos de acesso à justiça para aquelas pessoas desprovidas de recursos financeiros. Todavia, apesar da evidente crise, é importante frisar que atualmente o Poder Judiciário vem sendo “chamado à responsabilidade solidária do Executivo e Legislativo nos projetos de transformação das condições materiais de vida da comunidade” (ROCHA, 2009, p. 176). Isso significa dizer que o Poder Executivo e o Poder Legislativo não vêm respondendo satisfatoriamente, como deveria ser, aos interesses sociais através da realização de suas tarefas especificas estipuladas constitucionalmente. Por esse motivo, temos observado que o judiciário brasileiro acaba assumindo a responsabilidade de preencher as omissões de atividades deixadas por aqueles outros demais poderes em beneficio da sociedade. Assim sendo,


“diante da inoperância legislativa em realizar a modificação formal da norma para atendimento da dinamicidade inerente aos fatos sociais, que se abre espaço de ação do Judiciário na realização dos direitos fundamentais, entendidos como indeclináveis pelo Estado (ibidem, p. 177).”


Partindo da reflexão do comentário anterior, verifico a insistência de normas arcaicas, desatualizadas, que continuam convivendo com nosso ordenamento jurídico, prejudicando, assim, a operacionalização dos direitos fundamentais[11] em benefício dos interesses sociais. Isso é fruto do descaso, na maior parte das vezes, da atuação legislativa em realizar tais atualizações, de adaptar a norma jurídica infraconstitucional às situações do cotidiano, o que tem provocado constantes intervenções do judiciário brasileiro, a fim de tentar melhorar o panorama social.  


Por derradeiro, é importante lembrarmos que o desenvolvimento de uma satisfatória atuação do Poder Judiciário depende também do bom funcionamento de outros meios alternativos de resolução de litígios, quer seja na esfera judicial (presença dos juizados especiais), ou extrajudicial (presença dos institutos da mediação e da arbitragem), quer seja em outras instâncias judiciais a nível internacional (presença dos tribunais internacionais) [12]. Com isso, a parceria desses demais componentes ajuda no fortalecimento do Judiciário brasileiro, a partir do momento em se cria fontes alternativas de redistribuição da justiça, impulsionando o crescimento da democracia.   


Conclusão.


O Judiciário brasileiro, conforme apresentei no decorrer desse artigo, sempre esteve atrelado aos interesses dos detentores do poder dominante desse país. Não obstante estarmos convivendo em um regime de democracia participativa, contudo, ainda continuamos sendo vítimas do descaso, da morosidade e do corporativismo de nossa justiça que, de um modo geral, tem proporcionado a “inclinação da balança” apenas para um lado, deixando o outro desprovido dos valores da cidadania. Além disso, os constantes escândalos do judiciário brasileiro noticiados na mídia e demais meios de comunicação têm atrapalhado o funcionamento de toda estrutura jurídica brasileira, uma vez que, em alguns momentos, há o desvirtuamento da conduta de juízes, desembargadores e demais funcionários por se envolverem em práticas de estelionato, lavagem de dinheiro, jogos de azar, enfim, atos ilícitos que têm contrariado os fundamentos dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, entre outros[13].   


Outro fator que ressalto e que certamente ajudará a democratizar o judiciário brasileiro é no que diz respeito à participação popular no procedimento de escolha dos representantes daquele Poder. Penso que deve haver uma democratização nessa forma de procedimento administrativo, isto é, a sociedade, de forma institucionalizada, também passaria a ser consultada no momento de proceder à escolha dos ministros dos tribunais do Poder Judiciário para ocupação dos respectivos cargos, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. Verificamos naquele país que há uma efetiva participação da sociedade civil na escolha dos futuros magistrados da Suprema Corte norte americana, onde se tem um espaço institucional reservado para entidades de classes poderem participar das audiências públicas com os senadores, na qual são feitas críticas ou elogios a respeito das características profissionais, culturais e ideológicas do jurista indicado.


Infelizmente, tal tipo de política norte-americana ainda não serviu de modelo de inspiração para o nosso ordenamento jurídico (e não sabemos se um dia servirá), haja vista que, ao longo de sua história, o povo brasileiro, principalmente o setor de baixa renda, sempre funcionou como uma espécie de “fantoche” de manipulação e controle do poder público, tendo este último operado negativamente não apenas nas classes subalternas como em toda estrutura do próprio Poder Judiciário, trazendo como conseqüência a postergação da resolução das causas sociais e prejuízos na concretização dos valores democráticos.   


Portanto, reafirmo que é preciso urgentemente modernizar o Judiciário brasileiro, ou seja, construí-lo de um modo neutro e eficiente, composto de juízes comprometidos com a democracia e que devam ter consciência de seu papel político e institucional que a Constituição lhes atribuiu, respeitando os princípios constitucionais e os direitos e deveres fundamentais da pessoa humana. Além disso, o Judiciário brasileiro que a sociedade almeja é aquele que deve executar sua atividade jurisdicional com agilidade, qualidade e efetividade, combatendo todas as formas de impunidade, para que, assim, seja oportunizado o acesso à justiça a todos, independente de seu status social e de sua condição sócio-econômica, afinal, não queremos continuar sendo reconhecido apenas, perante a comunidade internacional, como o “país do futebol, samba e carnaval”, mas sim como uma nação que honra e priva pelo cumprimento da justiça social. 


 


Bibliografia.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

CELSO NETO, João. História do judiciário no Brasil (Supremo). Jus Navigandi, 19 set. 2003. Disponível em: <http://forum.jus.uol.com.br/17758/historia-do-judiciario-no-brasil-supremo>. Acesso em: 19.07.2009.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 1. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: Lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. IV. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000.

MOREIRA, Júlio da Silveira. Legalidade e legitimidade – a busca do direito justo. Revista Jus Vigilantibus, 01 set. 2008. Disponível em: < http://jusvi.com/artigos/35755>. Acesso em: 17.07.2009.

ROCHA, Luiz Alberto G. S. Novo perfil do Poder Judiciário brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, a. 17, n. 67, abr.-jun./ 2009, p. 162-213.

WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito. 3. ed. São Paulo: Alfa Omega, 2001.


Notas:

[1] A composição do respectivo tribunal era de dez desembargadores, todos letrados, ou seja, um chanceler, três desembargadores de Agravos, um Ouvidor-geral do Cível e Crime, um juiz dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco, um provedor de defuntos e resíduos, dois desembargadores extravagantes, e o Governador-geral, que teria assento no tribunal como governador da relação.

[2] A composição do tribunal era composta de dez desembargadores, presididos pelo Governador da capitania do Rio de Janeiro, além do que seus membros poderiam atuar como juízes de primeira instância em determinados casos, como conhecer feitos por ação nova, ou em segundo grau conhecendo apelações e agravos.

[3] O ensino jurídico ministrado nas primeiras universidades era extraído e elaborado a partir da base da legislação portuguesa, completamente distanciado das práticas jurídicas comunitárias da sociedade. Era um ensino de cunho elitista. 

[4] A composição desse tribunal está presente na regra do art. 163, da Constituição de 1824, que assim estabelece em sua redação original: “Na Capital do Imperio, além da relação, que deve existir, assim como nas demais Provincias, haverá tambem um Tribunal com a denominação de – Supremo Tribunal de Justiça – composto de Juizes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Titulo do Conselho. Na primeira organisação poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir”.

[5] Art 56 – “O Supremo Tribunal Federal compor-se-á de quinze Juízes, nomeados na forma do art. 48, nº 12, dentre os cidadãos de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado”. 

Art 59 – “Ao Supremo Tribunal Federal compete: I – processar e julgar originária e privativamente: a) o Presidente da República nos crimes comuns, e os Ministros de Estado nos casos do art. 52; b) os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade; c) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros; d) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados; e) os conflitos dos Juízes ou Tribunais Federais entre si, ou entre estes e os dos Estados, assim como os dos Juízes e Tribunais de um Estado com Juízes e Tribunais de outro Estado. II – julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos Juízes e Tribunais Federais, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o art. 60; III – rever os processos, findos, nos termos do art. 81”.

[6] Essa composição de onze ministros data desde 1891, apesar de ter havido num curto prazo de nossa história, precisamente durante o regime militar pós-64, um acréscimo daquele número de componentes de ministros, ou seja, a Constituição de 1967 estabelecia uma composição de dezesseis ministros, porém volta-se novamente aos onze ministros com a Emenda Constitucional de 1969.

[7] O STJ é descendente direto de uma outra instituição que surgiu com a Constituição de 1946: o Tribunal Federal de Recursos (TFR).

[8] Regra do art. 104 e parágrafo único da Constituição de 1988, sendo que escolha dos ministros que compõem esse tribunal é considerada como um dos mais complexos atos administrativos inseridos em nossa Constituição, envolvendo o trabalho de atuação dos três poderes.

[9] Podemos citar como exemplo o posicionamento favorável do STJ que propõe a criação de mecanismo de uniformização de jurisprudência nos casos em que houver decisões divergentes entre turmas recursais dos Juizados Especiais estaduais (PLC- Projeto de Lei da Câmara, nº 16 de 2007). Informações extraídas no sítio do Senado Federal em: < http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=80250>. Acesso em: 18.07.2009.

[10] Celso Fernandes Campilongo (2000, p. 41-42), em sua obra “Direito e Democracia”, nos explica que é uma prática social compartilhadas pelas pessoas de um mesmo grupo, da mesma região, ou da mesma cidadania, além de respeitarem também os valores democráticos da liberdade e igualdade. Dessa forma, trata-se de um “produto social”, cujas decisões são tomadas pela participação da sociedade como um todo.

[11] Jorge Miranda (2000, p. 8) nos chama atenção para o fato de que “não há verdadeiros direitos fundamentais sem que as pessoas estejam em relação imediata com o poder, beneficiando de um estatuto comum e não separadas em razão dos grupos ou das condições a que pertençam (…)”.   

[12] A atual Constituição brasileira de 1988 ressalta a atuação dos tribunais internacionais na esfera judicial brasileira, a exemplo do Tribunal Penal Internacional, presente na regra do art. 5º, § 4º: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

[13] Fato curioso observado no município de Olímpia/SP em que o ex-juiz Júlio César Afonso Cuginotti foi condenado a devolver tudo o que gastou, já que seu combustível e moradia eram bancados pela prefeitura local. A decisão é da 1ª Vara de Olímpia, que condenou Cuginotti por improbidade administrativa em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público paulista. O réu recorreu ao STJ, porém a decisão do respectivo tribunal foi mantida. O teor da decisão do STJ está presente na jurisprudência: (STJ – 6ª. Turma – Resp. nº. 956.854 /SP – Rel. Ministro Nilson Naves, Diário da Justiça, Seção I, 23/09/2008, p. 01-04).

Informações Sobre o Autor

Ariolino Neres Sousa Junior

Licenciado Pleno em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará- UEPA; Especialista em Metodologia da Educação Superior pela UEPA; Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia- UNAMA; Advogado; Mestrando em Direito das Relações Sociais pela UNAMA; Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pan-Amazônica- FAPAN


Equipe Âmbito Jurídico

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