Se formos pensar em nomenclatura de nosso Planeta, obviamente que este não deveria se chamar Terra. O nome mais apropriado seria Planeta Água, vez que 71% do mesmo se compõe de água.
Se formos pensar em termos de conservação deste mesmo Planeta, vamos constatar que, nós humanos ainda somos extremamente incipientes para tal tarefa. O homem atingiu um ápice no grau evolutivo tecnológico que se contrapõe e não possui o mesmo peso de sua evolução moral. Mas não podemos dizer que alguns homens não tentam mudar este quadro.
Dando um pequeno passeio numa história, não muito longínqua, vamos encontrar o marco institucional da sistematização da questão ambiental no mundo, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo, de 5 a 15 de junho de 1970, contando com a representação de 113 países, 250 organizações governamentais e mais a participação de organismos da ONU. Estava dado o primeiro grande passo para tentarmos dirimir os problemas ambientais que assolavam o mundo, visto o objetivo primordial desta Conferência ser o combate à poluição em todos os seus aspectos.
Ocorre que, no decorrer dos trabalhos preparatórios, o Brasil, fez ver que não se poderia desvincular o problema do desenvolvimento à proteção do meio ambiente, salientando que a degradação ambiental era principalmente efeito de países ricos, extremamente industrializados.
Formou-se, portanto, um confronto entre países desenvolvidos, que deixaram para trás destruição, devastação e a depredação do meio ambiente, incluso o marinho, com os países em desenvolvimento, que traziam uma bagagem enorme de miséria social, física e econômica, e que no momento questionavam as recomendações e imposições dos países detentores do poder, que fizeram um estrago irremediável e a curto prazo, em nosso Planeta.
Mas a Conferência de Estocolmo, como muitos a denominam, não foi em vão. Dela resultando a Declaração do Meio Ambiente, com princípios comportamentais para nortear as decisões envolvendo a área ambiental; um Plano de Ação para todos os países e Organismos da ONU e Organizações Internacionais, no sentido de colaborarem na busca de soluções da problemática ambiental; fixando-se como marco de uma nova era no plano do Direito Internacional, com ênfase para a utilização equilibrada da biosfera, em benefício do próprio homem.
E vale observar que, nos Princípios 2, 7 e 21, vamos encontrar, a importância da conservação dos recursos naturais globais, entre eles a água; a obrigação da prevenção dos Estados contra a poluição marinha e a obrigação de não causar prejuízo ao meio ambiente de outros Estados ou mesmo fora de sua jurisdição nacional.
Portanto, aqui já aparece um cuidado especial, com o mar, um dos pontos mais preocupantes para nossa população, visto pertencermos a uma cidade marítima – Rio Grande – berço de nossa colonização e único porto marítimo do Estado do Rio Grande do Sul, além de possuirmos um ecossistema costeiro muito especial e peculiar.
E voltando a falar em mar, cabe aqui salientar que durante todo este período onde questões ambientais eram discutidas e debatidas, sua gestão estava sob a égide dos Convênios firmados na Conferência de Genebra de 1958, que infelizmente, não contemplavam pontos essenciais para garantir a sobrevivência do meio marinho, em muitos aspectos.
Já em dezembro de 1973, em Caracas, reuniram-se 159 Estados, para participarem da III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, onde tentariam no decorrer dos trabalhos dirimir e atualizar os pontos incompletos da Convenção de Genebra, inserindo novas soluções à plêiade de problemas gerados pelo homem no mar , como também outros problemas, que ultrapassavam as questões do direito marítimo.
Somente nove anos depois, é que tais trabalhos foram concluídos, com esmagadora aprovação da Comunidade Internacional, propondo-se a resolver problemas inerentes à utilização dos recursos econômicos dos mares e particularmente, os referentes às seguintes questões:
1. defesa dos Países em desenvolvimento;
2. transferência de tecnologia;
3. conservação do meio ambiente;
4. desenvolvimento da ciência;
5. aproveitamento e desenvolvimento das fontes de energia marítima;
6. definição de um novo conceito de Zona Econômica Exclusiva de 200 milhas, em benefício dos Estados costeiros;
7. institucionalização de uma Autoridade Internacional do Mar, que constitua verdadeira administração supra nacional das riquezas minerais dos Fundos Marinhos Internacionais;
8. nova regulamentação dos Estados Arquipélagos;
9. criação de um Tribunal do Mar;
10.fixação de critérios de delimitação de fronteiras marítimas.
Ou seja, em resumo tal estudo, procurou regulamentar da melhor forma o uso dos oceanos, e de seu solo e subsolo, através do consenso e da concentração internacional .
Assinada em Montego Bay, na Jamaica em 10 de dezembro de 1982 e entrando em vigor a 16 de novembro de 1994, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, tornou-se o maior empreendimento histórico, quanto à normatização das relações internacionais, ao legislar sobre os usos de todos os espaços marinhos e oceânicos do Planeta Terra, definindo aos Estados e ao homem, obrigações, direitos, responsabilidades, como também a redistribuição de recursos do mar advindos.
Sendo hoje considerado, sem dúvida alguma, o maior instrumento internacional, que possuímos, para fortalecer o desenvolvimento, a paz e a proteção do meio marinho.
Então, uma vez com importante documento internacional pronto e em nossas mãos, parece-me que nossos mares e nosso ecossistema estaria garantido. E eu lhes pergunto: Realmente estaria?
Indo um pouco mais além, vamos chegar a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, em 1992. Conhecida por todos como a Rio 92.
Desta Conferência, restou-nos a Agenda 21.
Documento refletindo um consenso mundial e um compromisso político no nível mais alto que diz respeito a desenvolvimento e cooperação ambiental. E no que concerne ao mar, a Agenda 21 foi extremamente minuciosa e criativa, contemplando no Capítulo 17 a proteção dos oceanos; de todos os tipos de mares; das regiões costeiras, além da proteção, do uso racional e do desenvolvimento dos recursos vivos que nele habitam, definindo assim um programa de preservação e desenvolvimento para o meio marinho:
1. gerenciamento integrado e desenvolvimento sustentável das zonas costeiras, inclusive Zonas Econômicas Exclusivas;
2. proteção do meio ambiente marinho;
3. uso sustentável e conservação dos recursos marinhos vivos do alto mar;
4. uso sustentável e conservação dos recursos marinhos vivos sob jurisdição nacional;
5. análise das incertezas críticas para o manejo do meio ambiente e mudança do clima;
6. fortalecimento da cooperação e da coordenação no plano internacional, inclusive regional;
7. desenvolvimento de pequenas ilhas.
Então, como se pode constatar neste breve estudo, alguns homens, alguns Estados, algumas Organizações, se preocuparam e continuam se preocupando com os problemas que enfrentamos no meio marinho, tentando soluções e novas abordagens de ação.
Observa-se que cada Convenção apresentada vem somando-se a outra anterior, aperfeiçoando e aprimorando aquilo que já está estabelecido.
Portanto, obviamente parece-me que podemos ficar tranqüilos em relação aos nossos mares e mais especificamente ao ecossistema costeiro de nossa região. Mas realmente, até o presente momento, ainda penso que não.
Não, porque tivemos agora, por último, a Rio +10, realizada em Joanesburgo, na África do Sul, que em termos de expectativa para um futuro do nosso meio ambiente, me deixou bastante apreensiva.
Parece-me que o palco de gladiadores, quadro descrito em 1970, quando da primeira tentativa de sistematização de ações de conservação de nosso ecossistema mundial repetiu-se de forma bem mais afrontosa.
Novamente países detentores de poder e de alta tecnologia querem impor ao mundo suas decisões unilaterais.
Novamente estes mesmos países se abstêm de decisões primordiais e substanciais para um desenvolvimento sustentável.
Novamente estes países querem continuar tratando o resto do mundo e consequentemente o mar como o quintal da casa deles, e um quintal, diga-se de passagem, não muito limpo.
Novamente estes países, querem através do poder econômico ditarem regras comportamentais, onde somente eles seriam os beneficiados.
Mas felizmente, que alguns países souberam levantaram bandeira contra tais arbitrariedades. E nosso Brasil foi um deles.
Somos países soberanos, e como tais devemos agir.
Tomara que consigamos fazer frente a tanta pressão e compressão.
Tomara que o efeito estufa não abafe nossas vozes e não prejudique nossas ações em prol do desenvolvimento sustentável e contrárias a interesses de poderosos.
Sabemos se o quisermos, seremos fortes. Podemos o ser.
Temos que deixar que os interesses econômicos sejam mais imaginários que os reais.
Temos que ter a percepção geral da importância da conservação do meio ambiente marinho.
Temos que ter a vontade e a força política para tratar destas questões sem medos e dúvidas.
Sabemos que é uma tarefa árdua. E que obviamente não existe um modelo único de ação.
Teremos primeiro que perceber como tudo funciona nos mares, como tudo interage e qual o papel do mar no sistema de apoio da vida, assim como seu valor, não só para indivíduos, como para toda a humanidade, co-partícipe de todo este processo.
Em última análise, teremos que ter, exigir mesmo, de nossos governantes e de nós mesmos, uma nova visão do Planeta, que abarque terra, mar, atmosfera e as sociedades humanas na totalidade de suas interações, para podermos enfim agirmos com total segurança e sabedoria.
Desde Grocius, a liberdade dos mares é apregoada. Quero para mim e para todos, o poder desfrutar desta total liberdade. Mas de uma liberdade consciente das responsabilidades que dela advém.
Aí sim, poderei ficar mais tranqüila quanto aos nossos mares e primordialmente ao ecossistema marinho ao qual pertenço.
E ao olhar este lindo horizonte do mar de minha cidade natal, saberei por certo, que ele estará ali hoje e sempre ,intacto, íntegro e majestoso, para que nós e gerações vindouras, possamos além de desfrutar de forma coesa de suas riquezas e encantos, banhar-mo-nos em águas límpidas, puras e essencialmente soberanas .
Professora de Direito Internacional e de Direito do Mar da FURG-RS. Especialista em Educação e Direito. Doutora em Direito Internacional, área Direito do Mar pela Facultad de Derecho y Ciencia Sociales de la Universidad de Buenos Aires, Argentina.
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