Aposentadoria especial

Resumo: O presente artigo visa abordar os aspectos legais e controvertidos acerca da concessão da aposentadoria especial no âmbito previdenciário.


Sumário: 1. Aspectos legais da aposentadoria especial; 2. Perfil profissiográfico previdenciário; 3. Agentes nocivos; 3.1 Atividades insalubres; 3.2 Atividades penosas; 3.3 Atividades perigosas; 4. Carência; 5. Data de início do benefício; 6. Conversão de atividade especial em atividade comum; 7. Conversão de atividade especial; 8. Do retorno à atividade


1. Aspectos legais da aposentadoria especial


A aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição devida ao segurado que tiver laborado durante toda a jornada de trabalho, de forma não ocasional nem intermitente, em locais considerados nocivos à sua saúde ou à sua integridade física ou mental, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos.


Ensinam com maestria Saliba e Corrêa (2009, p. 201), que a aposentadoria especial visa a “compensar o trabalhador, que labora em condições que prejudiquem a sua saúde ou integridade física, conferindo-lhe a aposentadoria em menor tempo”.


A aposentadoria especial requer, além do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, a efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou à associação de agentes capazes de acarretar danos à sua saúde e à sua integridade física no ambiente de trabalho durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos.


Para ter direito à aposentadoria especial, o segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho (15, 20 ou 25 anos), a efetiva exposição aos agentes nocivos físicos, químicos, biológicos, bem como de qualquer associação de agentes prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física de acordo com o período exigido para a concessão do benefício.


Trata-se de um benefício social devido em razão da comprovação do exercício de trabalho pelo segurado de atividade considerada gravosa à sua saúde física ou mental. Quanto mais desgastante for o labor executado pelo segurado, menor será o tempo de serviço necessário para o mesmo se aposentar.


Segundo Martins (2009, p. 353), a aposentadoria especial é “um benefício de natureza extraordinária, tendo por objetivo compensar o trabalho do segurado que presta serviços em condições adversas à sua saúde ou que desempenha atividade com riscos superiores aos normais”.


Os beneficiários da aposentadoria especial são o segurado empregado, o trabalhador avulso e o contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado à cooperativa de trabalho ou de produção.


A regra acima consubstanciada representa flagrante violação ao princípio da isonomia por restringir a concessão da aposentadoria especial apenas a três categorias de segurados do regime geral de previdência social (RGPS). Ora, o art. 57, caput, da Lei nº. 8.213/91 não estabelece os tipos de segurados que terão direito ao benefício; ao contrário, discorre de forma generalizada acerca do direito ao benefício desde que o segurado labore em condições especiais.


Veja-se:


“A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante, quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme dispuser a lei.”


Certamente, há um vasto grupo de trabalhadores não subordinados que, devido à sua profissão, submetem-se ao trabalho sob condições especiais. Naturalmente, qualquer segurado que esteja em contato permanente com agentes prejudiciais ou nocivos à sua saúde deve receber a proteção legal lançada pelo art. 57, caput, da Lei nº. 8.213/91.


Assim, descreve Ledur (1998, p.91): “[…] o Direito é uma ciência normativa e social. Deve, em conseqüência, recolher na realidade social a fonte inspiradora para dar à dignidade da pessoa humana o conteúdo reclamado”.


A consubstancialização da dignidade humana no Direito Previdenciário sinaliza o reconhecimento de que todo segurado possui – o direito de ser incluído na condição de verdadeiro cidadão. Isto posto, é inconcebível a cidadania sem a extensão de forma plena do benefício de aposentadoria especial a todos os segurados do regime geral de previdência social (RGPS) que laboram em locais considerados nocivos à sua saúde ou à sua integridade física ou mental. Logo, sonegar direitos é diminuir o homem, o que significa restringir a sua verdadeira condição de postular uma vida satisfatória em toda a sua integralidade. Além disso, o Estado possui o importante papel de, ao positivar as normas jurídicas, estimular o bem-estar da população e o desenvolvimento social e humano.


Como bem assevera Marques (2007, p. 25):


“A condição de trabalho reflete o seu ambiente, que pode condicionar a capacidade produtiva da pessoa humana, com violação ou não da sua integridade, em decorrência dos fatores que interferem na execução da atividade de labor, tais como agentes químicos, físicos, biológicos, entre tantos outros.”


Acerca da atividade habitual ou permanente, a mesma compreende a atividade exercida de forma não ocasional nem intermitente. É aquela em que a exposição ao agente agressivo não é desvinculada da produção do bem ou da prestação do serviço.


Segundo Ibrahim (2009, p. 554):


“O tempo de exposição será importante para observar o grau de nocividade do agente – a identificação da atividade como nociva dependerá da relação de intensidade do agente com o tempo total de exposição – quanto maior a concentração do agente nocivo, menor o tempo necessário de exposição, e vice versa.”


Como bem aponta Martins (2009, p. 356), na atividade habitual ou permanente, “o segurado deve ficar diariamente exposto a agentes nocivos, físicos, químicos e biológicos ou associação de agentes”.


Em conformidade com o mesmo autor, verifica-se também que o trabalho não ocasional nem intermitente é aquele em que não houve interrupção ou suspensão do exercício de atividade com exposição aos agentes nocivos, e não foi exercida, de forma alternada, atividade comum e especial.


Em razão disso, observa Ibrahim (2009, p. 557) que:


“Devido a esta comprovação, aliada à necessidade de atividade permanente, é que, apesar de inexistir restrição legal expressa, o benefício aposentadoria especial acaba restrito a empregados e, eventualmente, a avulsos. A concepção adotada pelo INSS de atividade permanente infere a necessidade de a atividade desempenhada demandar algum grau de subordinação, inerente à determinada atividade, que configure razoável de grau de risco, no que diz respeito à exposição aos agentes nocivos. Os fatores de risco são vistos como algo inerente ao processo produtivo.”


No caso específico do contribuinte individual, este somente quando filiado à cooperativa de trabalho ou de produção, será preciso fazer prova da atividade especial, contratando profissional habilitado para a confecção do laudo técnico, ou, se preferir, poderá requerer junto ao INSS, por intermédio do médico perito, a elaboração do laudo, para fins de comprovação do exercício do labor em atividade considerada especial.


A aposentadoria especial está regulamentada no art. 201, § 1, da CF/88; art. 57 e 58 da Lei nº. 8.213/91 e art. 64 a 70 do regulamento da previdência social (Decreto nº. 3.048/99) e não pode ser acumulada com nenhum outro benefício previdenciário do regime geral de previdência social (RGPS), especialmente com o auxílio acidente e com a aposentadoria, pois o art. 124, inciso II da Lei nº. 8.213/91 proíbe a acumulação de mais de uma aposentadoria. E o seu pagamento consiste numa renda mensal equivalente a 100% do salário de benefício, conforme preceitua o art. 57, § 1, da Lei nº. 8.213/91.


A aposentadoria especial não se submete ao fator previdenciário. O fator previdenciário aplica-se tão somente à aposentadoria por idade e à aposentadoria por tempo de contribuição.


2. Perfil profissiográfico previdenciário


A partir de 1/1/2004, a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física deve ser feita mediante o preenchimento, pela empresa, de formulário próprio, denominado perfil profissiográfico previdenciário – PPP.


Consoante ensina Martinez (2006, p. 76):


“Perfil profissiográfico consiste em mapeamento atualizado das circunstâncias laborais e ambientais, com fiel descrição das diferentes funções do empregado, em face dos agentes nocivos, relato da presença, identificação e intensidade dos riscos, referência à periodicidade da execução do trabalho, enfim, relatório eficiente do cenário de trabalho, concebido para fins previdenciários.”


O perfil profissiográfico previdenciário deve ser elaborado pela empresa, tendo-se como base o laudo técnico de condições ambientais do trabalho – LTCAT, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos termos da legislação trabalhista. No laudo técnico, deverão constar todas as informações necessárias sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre sua adoção pelo estabelecimento respectivo.


Assim também ensina Ibrahim (2009, p. 559):


“[…] a perícia médica do INSS deverá analisar o formulário elaborado pela empresa e o laudo técnico, podendo, se necessário, inspecionar o local de trabalho do segurado para confirmar as informações contidas nos referidos documentos.”


No caso específico do associado de cooperativa de trabalho, o perfil profissiográfico previdenciário deverá ser elaborado pela própria cooperativa.


Ainda conforme magistério de Ibrahim (2009, p. 554),


“O objetivo do PPP é propiciar, indiretamente, a melhoria das condições de trabalho dos obreiros, pois o PPP que demonstre a negligência com a medicina e segurança do trabalho poderá gerar a responsabilidade civil e penal do empregador. Este documento será utilizado pelo segurado para fazer prova frente ao INSS da exposição aos agentes nocivos.”


O perfil profissiográfico previdenciário é um documento histórico-laboral que descreve a vida laboral do trabalhador e que visa a reunir dados administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica, entre outras informações, durante todo o período em que o segurado exerceu as suas atividades.


Esclarece Ibrahim (2009, p. 555) que


“[…] a idéia é que em futuro próximo a empresa tenha de elaborar o PPP para todos os trabalhadores, funcionando o mesmo como um histórico laboral completo, permitindo ao INSS mapear as condições de trabalho dos segurados em geral.”


Convém salientar que o fornecimento de equipamento de proteção individual ou coletiva (EPI/EPC) não exclui a hipótese de exposição do segurado aos agentes nocivos prejudiciais à sua saúde. Apenas será extinta a situação de reconhecimento de atividade especial, quando os equipamentos de proteção individual ou coletiva eliminar, de forma absoluta, a intensidade da exposição do segurado aos agentes prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física.


Nesse enleio, é preciso que seja constatada, durante o preenchimento de formulário próprio, a possível existência, ou não, de equipamento de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade da exposição do segurado aos agentes prejudiciais à sua saúde. E é quando da rescisão do contrato de trabalho ou da desfiliação da cooperativa (contribuinte individual filiado à cooperativa de trabalho ou de produção), que deverá ser fornecida cópia autenticada do perfil profissiográfico previdenciário sob pena de multa administrativa.


Apenas no caso específico de exposição a ruído o uso de equipamento individual, mesmo eliminando a insalubridade, não irá descaracterizar o tempo de serviço prestado pelo segurado como especial, ainda que tal equipamento seja devidamente utilizado. A exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização, ou não, de EPI ou de menção, em laudo pericial, acerca da neutralização de seus efeitos nocivos.


Martinez (2006, p. 69) ressalta, ainda, que “o simples fato de o nível dos ruídos ficarem aquém dos limites de tolerância fixados na legislação não significa que ocorram os sinistros a serem evitados”.


É imprescindível que a empresa mantenha atualizado o perfil profissiográfico previdenciário e descreva as atividades que são desenvolvidas pelo trabalhador no ambiente laborativo. Além disso, a empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à multa variável, descrita no art. 133 da Lei nº. 8.213/91. Convém ressaltar que as informações falsas lançadas no perfil profissiográfico previdenciário constituirão crime de falsidade ideológica nos termos do artigo 297 do Código Penal.


Cabe, ainda, às cooperativas de produção ou de trabalho a demonstração do exercício da atividade em condições especiais. O perfil profissiográfico previdenciário também deverá ser emitido e atualizado pela cooperativa de trabalho ou de produção, no caso de cooperado filiado; pelo órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO), no caso de trabalhador avulso portuário; e pelo sindicato da categoria, no caso de trabalhador avulso não portuário. O sindicato da categoria ou o OGMO estão autorizados a emitir o PPP somente para trabalhadores avulsos a eles vinculados.


É dever do empregador verificar o uso correto do equipamento de proteção individual no ambiente laboral. O art. 158, parágrafo único da CLT, estipula a possibilidade de aplicação da penalidade máxima ao empregado – justa causa – pela não utilização do equipamento de proteção individual. Tal prerrogativa decorre do poder disciplinar do empregador.


O poder disciplinar compreende a faculdade que é atribuída ao empregador, destinada à aplicação de penalidades disciplinares aos empregados, em situações de descumprimento de regras contidas no contrato de trabalho, no regulamento da empresa, na norma coletiva e na Lei. O direito disciplinar se manifesta pela possibilidade de execução de sanções ou faltas disciplinares aos trabalhadores cujo comportamento se revele incompatível com os seus deveres profissionais.


Ensina Barros (2005, p. 1006) que


“Quando o empregado é admitido pelo empregador, leva consigo uma série de bens jurídicos (vida, saúde, capacidade de trabalho, etc.), os quais deverão ser protegidos por este último, com adoção de medidas de higiene e segurança para prevenir doenças profissionais e acidentes no trabalho”.


Toda empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamentos de proteção individual adequados ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.


Mas não basta apenas o fornecimento de tais equipamentos. Deve, a empresa, orientar e treinar os trabalhadores sobre o uso correto, sobre a guarda e a conservação dos equipamentos de proteção individual, bem como substituí-los imediatamente, quando da sua danificação ou extravio, responsabilizando-se pela sua higienização e manutenção periódica.


Deve-se, destacar, também, o estabelecido na Súmula nº. 289 do TST:


“O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade, cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, dentre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado.”


3. Agentes nocivos


Os agentes nocivos compreendem a situação combinada, ou não, de substâncias e de demais fatores de risco capazes de ocasionar danos à saúde ou à integridade física em função de sua natureza, sua concentração e sua intensidade ou da exposição do segurado aos mesmos.


A relação dos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou a associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física do segurado que ensejam a concessão da aposentadoria especial consta no Anexo IV do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº. 3.048/99).


Os agentes nocivos consubstanciados no Anexo IV do Regulamento da Previdência Social são meramente ilustrativos. Desse modo, caso seja constatada a efetiva exposição do segurado a um determinado agente nocivo não previsto no respectivo regulamento, o segurado, ainda assim, terá direito à contagem do tempo de serviço especial.


Podem ser caracterizados como nocivos à saúde ou à integridade física do segurado nos ambientes de trabalho, em razão de características supra mencionadas, de acordo com sua natureza ou com suas propriedades, agentes: físicos, químicos e biológicos.


a) Agentes Físicos


Segundo Júnior (2009, p. 255), os agentes físicos “são as diversas formas de energia a que possam estar expostos os trabalhadores […]”.


Os agentes físicos compreendem: ruídos, vibrações, calor, pressões anormais, radiações ionizantes ou não ionizantes, eletricidade, eletromagnetismo, umidade, temperaturas anormais, iluminação, etc.


b) Agentes Químicos


Ainda pela lição de Júnior (2009, p. 258), os agentes químicos representam “substâncias, compostos ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória ou que, pela natureza da atividade de exposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou por ingestão”.


Os agentes químicos compreendem assim: poeiras, gases, vapores, névoas, neblinas, fumos, óleos contendo hidrocarbonetos, etc.


c) Agentes Biológicos


Os agentes biológicos são os “microorganismos”, como: bactérias, fungos, bacilos, vírus, vermes, parasitas, etc.


Também consoante ensina Júnior (2009, p. 259):


“Os trabalhadores que geralmente têm contato com agentes nocivos biológicos são os da área médica, de enfermagem, funcionários de laboratório de análise biológica, lixeiros, açougueiros, lavradores, tratadores de gado, de curtume e de estação de tratamento de esgoto, dentre outros.”


Existindo mais de um agente nocivo no ambiente de trabalho, deverá ser considerado, para a concessão da aposentadoria especial, aquele que conferir o direito à aposentadoria especial com menor espaço de tempo.


Os períodos de descanso em que o segurado não esteja efetivamente exposto ao agente nocivo são considerados como tempo especial. Nesse sentido, podem-se considerar períodos de descanso: férias; afastamentos decorrentes de gozos de benefícios acidentários por auxílio doença ou aposentadoria por invalidez; licença médica derivada da presença de agentes nocivos; bem como a percepção de salário maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado esteja exercendo atividade considerada especial.


3.1. Atividades insalubres


Atividades ou operações insalubres são aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à sua saúde acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos, tais como: ruído de impacto, exposição a calor e a radiações ionizantes, etc. A norma regulamentadora 15 da Portaria nº. 3.214/78 descreve os agentes químicos, físicos ou biológicos que caracterizam a exposição do segurado às atividades consideradas insalubres.


Os agentes insalubres também são classificados, de acordo com sua natureza ou com suas propriedades, em agentes físicos, químicos, biológicos e agentes associados.


Como regra, todos os trabalhadores submetidos a condições insalubres estão amparados pela proteção legal da aposentadoria especial. O Anexo IV do Decreto 3.048/99 só capitula os agentes insalubres como agentes nocivos para fins de reconhecimento de aposentadoria especial.


Segundo Júnior (2009, p. 255), a exceção a essa regra geral compreende “o caso da iluminação deficiente que gera o pagamento do adicional, mas que não conta como tempo especial”.


Todavia, não é razoável prosperar tal exceção no universo jurídico, pois a proteção jurídica à saúde representa um direito humano fundamental.


O próprio autor em referência enfatiza que “a pouca iluminação pode causar gravame à saúde do trabalhador, como a redução da acuidade visual” (JÚNIOR, 2009, p. 258).


No acórdão de 15/12/1996, proferido na Apelação Cível nº. 95.03.48.222-4 pela 1ª Turma do TFR da 3ª Região, tendo como Relator o Juiz Sinval Antunes, ainda se deve atentar para o estabelecido na súmula nº. 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita no Regulamento”.


3.2. Atividades penosas


O pagamento de adicional pelo trabalho em atividade penosa, embora previsto no inciso XXIII do art. 7 da Constituição Federal de 1988, que assegura ao trabalhador “adicional de remuneração para as atividades penosas”, até o presente não foi regulamentado no âmbito trabalhista, para fins de pagamento do adicional; bem como no âmbito previdenciário, para fins de concessão de aposentadoria especial. Trata-se de uma norma de aplicabilidade mediata e eficácia limitada, cujos preceitos normativos necessitam da atuação legislativa posterior para que possam gerar plenamente todos os direitos e todas as obrigações nela contidos.


Trabalho penoso é um tipo de atividade que acarreta desgaste físico ou mental ao trabalhador, além dos padrões normais de trabalho desenvolvidos no seu dia-a-dia laboral, provocando-lhe uma sobrecarga física e/ou psíquica. Trata-se de um labor árduo e degradante, que agride a saúde, a integridade física e, por conseguinte, a dignidade humana do trabalhador. Como exemplo, é possível citar a atividade desenvolvida pelo cortador de cana no horário da tarde, que labora exposto ao Sol sob altas temperaturas.


Conforme ensina Marques (2007, p. 64), o conceito de trabalho penoso está relacionado


“[…] à exaustão, ao incômodo, à dor, ao desgaste, à concentração excessiva e à imutabilidade das tarefas desempenhadas que aniquilam o interesse, que leva o trabalhador ao exaurimento de suas energias, extinguindo-lhe o prazer entre a vida laboral e as atividades a serem executadas gerando sofrimento, que pode ser revelado pelos dois grandes sintomas: insatisfação e a ansiedade.”


Na lição da Marques (2007, p. 98),


“[…] a atividade laboral penosa traz consigo a constituição e a manifestação do desgaste mental e/ou físico. O ritmo de trabalho acelerado, a ausência de pausas para descanso, a concessão incorreta de folgas e as condições ambientais no local de trabalho acarretam desgaste, porque não há repouso físico e mental adequado […].”


A ilustre autora, ainda em seu brilhante estudo sobre a proteção ao trabalho penoso, cita, de forma exemplificativa, algumas profissões consideradas penosas, a saber: “motorista e cobrador de ônibus; motorista de táxi; bancário; telefonista, operador de telemarketing e digitador; metroviário; trabalhador em jornada de turno ininterrupto de revezamento; piloto de avião de caça; alto executivo; trabalhador que opera na bolsa de valores; professor, etc.” (MARQUES, 2007, p. 86).


Segundo Martins (2009, p. 354): “evidencia-se a penosidade, quando o trabalho é desgastante, tanto física como mentalmente”.


Em sentido semelhante, está o magistério de Júnior (2009, p. 259): “a atividade penosa pode ser entendida como atividade que exija mais atenção e estado de alerta constante durante a sua execução, causando maior desgaste físico ou mental ao trabalhador […]”.


Martinez (2007, p. 24) ensina que atividade penosa é “todo esforço físico produtor de desgaste no organismo, de ordem orgânica ou psicológica, em razão da repetição de gestos, condições agravantes, pressões ou tensões próximas do indivíduo”.


Essas atividades não estão previstas no Anexo IV do Decreto 3.048/99. Tal omissão, contudo, não pode representar óbice ao reconhecimento da prestação de serviços nociva à saúde e à integridade física do segurado para efeito de concessão da aposentadoria especial.


A atividade laboral penosa pode acarretar inúmeras consequências físicas e mentais aos trabalhadores, tais como: automação, desgaste mental e/ou físico, Síndrome Loco Neurótica (SLN), Síndrome de Burn-out, estresse e fadiga. (MARQUES, 2007, p. 98).


Como bem destaca Martins (2009, p. 355): “provando o segurado que trabalha em condições perigosas, insalubres ou penosas, terá direito ao benefício”.


Nesse sentido, é preciso reconhecer a atividade considerada penosa para efeito de concessão da aposentadoria especial como forma de proteção à dignidade da pessoa humana do segurado que dedicou parte de sua vida profissional a tal tipo de labor.


A dignidade da pessoa humana deve ser considerada como ponto de partida principal para as interpretações levadas a efeito pelo intérprete e aplicador do Direito. É preciso dar exegese construtiva e valorativa às normas fundamentais no âmbito previdenciário, para que se aperfeiçoem os fins teleológicos deste ramo do Direito, pois a norma contida no art. 5 da Lei de Introdução ao Código Civil refere-se à interpretação finalística utilizada pelo intérprete-aplicador na aplicação justa da lei. Conforme se depreende da leitura de seu texto: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.


Assim, enquanto não existir uma regulamentação legal do trabalho penoso, tanto no âmbito trabalhista, quanto no previdenciário, ficará a cargo do intérprete e aplicador do Direito decidir o caso de acordo com a analogia, com os costumes e com os princípios gerais do Direito.


Conforme enfatiza Melo (2009, p. 254), “o direito é feito para o homem e não contra ele, pelo que é a experiência humana que deve guiar o criador, o intérprete e o aplicador do Direito”.


E, ainda, como bem assevera Simm (2005, p. 121):


“O pleno exercício da cidadania reclama o também pleno gozo dos direitos fundamentais da pessoa humana, dentre os quais os direitos sociais, especialmente aqueles que protegem o indivíduo das vicissitudes da vida. O ser humano só se aperfeiçoa como tal, só se completa como gente, só se realiza como cidadão, quando tem reconhecidos, respeitados e concretizados os seus direitos fundamentais, que são inerentes a ele como obra máxima da criação e que são mesmo anteriores e superiores ao próprio Direito e ao Estado. Sem acesso aos direitos fundamentais, seja de forma natural e espontânea, seja pela atuação judicial, não há cidadania.”


3.3. Atividades perigosas


Atividades ou operações perigosas são aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado. A norma regulamentadora 16 da Portaria nº. 3.214/78 define quais são as situações que irão caracterizar o contato e as condições perigosas do segurado nas atividades consideradas perigosas.


As atividades perigosas não são consideradas especiais para efeito de concessão de aposentadoria especial. Convém ressaltar que o trabalho perigoso pode acarretar efetiva nocividade ao meio ambiente de trabalho do segurado, acarretando-lhe sérios prejuízos à sua integridade física e/ou mental. Se ficar evidenciada tal condição, a aposentadoria especial deve ser concedida.


É preciso destacar que o Direito Previdenciário funciona como um importante instrumento de valorização e de promoção da pessoa humana, com o objetivo principal de assegurar segurança e bem estar aos que necessitam da sua proteção social.


Como bem assevera Marques (2007, p. 21),


“Se a vida é o bem jurídico mais importante do ser humano e o trabalho é vital à pessoa humana, deve-se respeitar a integridade do trabalhador em seu cotidiano, pois atos adversos vão, por conseqüência, atingir a dignidade da pessoa humana.”


Por isso, não se pode ignorar a realidade social e os valores que investiriam a atividade judicial e jurisdicional de maior justiça e solidez. A solução contida na lei não é plena, sendo forçoso recorrer a outras fontes e perseguir o chamado direito justo. A interpretação, como adequação da norma ao fato concreto, pode mudar de forma significativa a realidade social pela prevalência dos Direitos Humanos sociais no âmbito previdenciário.


Assim, descreve Silva (2007, p. 289),


“[…] os direitos sociais valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.”


4.Carência


Para os segurados inscritos a partir de 25/07/91, a carência corresponde a 180 (cento e oitenta) contribuições mensais. Os segurados inscritos antes dessa data devem obedecer à Tabela Progressiva de Carência apresentada abaixo e constante no art. 142 da Lei nº. 8.213/91.


Veja-se:


 


5.Data de início do benefício


A data de início da aposentadoria especial é fixada:


I – ao segurado empregado,


a) a partir da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou


b) a partir da data do requerimento, quando for requerida após 90 (noventa) dias do desligamento ou quando não houver desligamento.


II – para os demais segurados,


a) a partir da data de entrada do requerimento.


6. Conversão de atividade especial em atividade comum


É vedada a conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum. Mas é possível a conversão de qualquer tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum, para fins de concessão de aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição.


A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplica-se ao trabalho prestado em qualquer período.


Assim, a conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a tabela seguinte.


Veja-se:



7. Conversão de atividade especial


Caso o segurado tenha exercido, sucessivamente, duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física sem completar em qualquer delas o prazo mínimo exigido para a concessão da aposentadoria especial, os respectivos períodos serão somados após a conversão, conforme a tabela de conversão a seguir, considerada a atividade preponderante do segurado.


Veja-se:


 


8. Do retorno à atividade


Nos termos do art. 57, § 8 da Lei nº. 8.213/91, o aposentado especial que retornar à atividade sujeita aos agentes nocivos prejudiciais à sua saúde terá seu benefício suspenso.


O retorno ao trabalho do aposentado especial somente é possível em outra atividade não enquadrada como especial. Nesse sentido, a aposentadoria especial será suspensa, caso o segurado volte a trabalhar em atividade considerada especial. O aposentado especial somente poderá voltar a trabalhar em atividade considerada comum.


Destaca Martins (2009, p. 360) que


“A medida é acertada, pois, se o segurado foi aposentado por trabalhar em condições especiais que lhe prejudicavam a saúde, não se justifica se aposentar e continuar a exercer a mesma atividade prejudicial à saúde”.


Por fim, a aposentadoria especial compreende um direito irreversível e irrenunciável e, por isso, cessa apenas com a morte do segurado.


É importante ressaltar que os únicos benefícios e serviços previdenciários que são garantidos ao aposentado por tempo de contribuição, especial ou idade pelo Regime Geral de Previdência Social que permanece ou retorna à atividade sujeita a este regime são, respectivamente, salário família, salário maternidade e reabilitação profissional.


 


Referência bibliográfica

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2007.

Informações Sobre o Autor

Rúbia Zanotelli de Alvarenga

Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense e membro pesquisadora do Instituto Cesarino Junior. Integrante do grupo de pesquisa da UFF – Direito, Estado, Cidadania e Políticas Públicas. Advogada.


Equipe Âmbito Jurídico

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