INTRODUÇÃO
Trata-se de um breve ensaio sobre a importância do advogado público ou privado e do Ministério Público para a tutela dos interesses dos titulares do direito material lesado.
Procurar-se-á a demonstrar as posições do STF, quanto à ausência de advogado no processo, e de inexistência de instrumento de mandato nos autos.
Será feita uma abordagem sucinta da teoria da argumentação jurídica como base do moderno contraditório, de modo a possibilitar a ampla participação no processo por ambas as partes, através de seus representantes judiciais qualificados para tanto; e munidos de conhecimentos técnico-jurídicos capazes de conduzir o juiz ao melhor resultado possível.
Visa-se, assim, demonstrar a importância dos legitimados para as funções essenciais à justiça, como garantidores da democracia e dos direitos fundamentais do titular do direito material.
A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA CAPACIDADE POSTULATÓRIA
A doutrina não tem dado muito destaque ao tema da capacidade postulatória. No entanto, é importante destacar o papel do advogado e do representante do Ministério Público na tutela dos direitos.
A capacidade postulatória, definida como a capacidade de postular em juízo, é importante para assegurar a tutela jurídica no âmbito do Poder Judiciário, por profissionais dotados de conhecimento técnico-jurídico, de modo a proporcionar a tutela judicial efetiva.
A Constituição Federal consagra a garantia da capacidade postulatória, no capítulo das Funções Essenciais à Justiça, como se depreende do Título IV, Capítulo IV: Ministério Público (arts127/130), Advocacia Pública (arts 131/132), advogado (art 133) e Defensoria Pública (arts 134/135). A postulação em juízo é prerrogativa de advogado, assim considerado o bacharel em direito com inscrição na OAB (art 133, da CF, e art 1º, da Lei 8.906/94).
De acordo com a Constituição Federal, portanto, todo aquele que não possuir capacidade postulatória (com exceção das causas dos juizados especiais cíveis, das ações trabalhistas, quando empregado, e do habeas corpus, na área penal) deve se servir do patrocínio de um advogado. Ressalte-se que, em se tratando de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos de natureza indisponível, releva-se o papel do Ministério Público na tutela desses direitos.
Assim sendo, a parte para ingressar com uma ação judicial deve celebrar um contrato de mandato judicial com um advogado. O mandato judicial é espécie de contrato do gênero mandato. De acordo com o direito civil, o contrato é um ato jurídico lato sensu[1]. Dentro do plano da formação do ato jurídico há que se distinguir a existência, a validade e a eficácia.
A inexistência impede a formação do ato jurídico. O ato inexistente é um não ato; não se formou e não ingressou no mundo jurídico. A validade, diferentemente, pressupõe um ato existente, no entanto, viciado na sua formação, sendo passível de anulação.
Dentro desse critério é importante observar que, o Supremo Tribunal Federal possui precedentes que consideram a ausência de representação judicial de advogado, como ato nulo, como se depreende da seguinte ementa:
“Ninguém, ordinariamente, pode postular em juízo sem a assistência de Advogado, a quem compete, nos termos da lei, o exercício do jus postulandi… . A exigência de capacidade postulatória constitui indeclinável pressuposto processual de natureza subjetiva, essencial à válida formação da relação processual.”
“São nulos de pleno direito os atos processuais, que, privativos de Advogado, venham a ser praticados por quem não dispõe de capacidade postulatória.”
“- O direito de petição qualifica-se como prerrogativa de extração constitucional assegurada à generalidade das pessoas pela Carta Política (art 5º, XXXIV, a). Traduz direito público subjetivo de índole essencialmente democrática. O direito de petição, contudo, não assegura, por si só, a possibilidade de o interessado – que não dispõe de capacidade postulatória – ingressar em juízo, para, independentemente de Advogado, litigar em nome próprio ou como representante de terceiros. Precedentes”[2].
Por outro lado, a jurisprudência do STF se firmou no sentido de considerar, o recurso judicial desprovido de procuração, um ato inexistente, posição esta com a qual aderimos plenamente. Nesse sentido, vale a transcrição das seguintes ementas de decisões do STF:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECURSO INTERPOSTO POR ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS. A jurisprudência deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que, nessa hipótese, o recurso é inexistente[3]”.
“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO SUBSCRITO POR ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. I – A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de considerar inexistente o recurso interposto por advogado sem procuração nos autos e de que não se aplica a regra do art 13 do CPC em Sede Extraordinária. II – Agravo Regimental improvido[4]
Assim sendo, a interposição de petição judicial sem a representação de advogado, com exceção das hipóteses acima mencionadas, ou a não propositura da ação ou da defesa por um dos legitimados do Capítulo das Funções Essenciais à Justiça leva à extinção do processo sem julgamento de mérito.
Parece sedutora a tese da desnecessidade de advogado para postulação judicial, em razão do direito constitucional de petição (art 5º, XXXIV, a, da CF), bem como do direito constitucional de acesso à jurisdição (art 5º, XXXV), quando há o obstáculo econômico para a parte no tocante aos honorários advocatícios. O primeiro argumento não tem consistência, pois o dispositivo em apreço só tem aplicação no âmbito da via administrativa, sendo inviável quando se trata de processo judicial. O segundo argumento deve ser rechaçado de plano pela garantia constitucional da assistência judicial gratuita (art 5º, LXXIV, da CF).
Não obstante, além da prerrogativa do advogado e dos demais legitimados no Capítulo das Funções Essenciais à Justiça, deve-se levar em consideração que, para assegurar a justa realização dos direitos da parte, tanto autora, como ré, é necessário que haja uma clara exposição da causa de pedir e do pedido. Por mais que um leigo tenha conhecimento de seu direito, não dispõe de conhecimentos técnicos da ciência jurídica, de modo que poderia ser levado a perder a causa, caso lhe fosse deferido o direito de postular perante o Poder Judiciário, sem o patrocínio de um advogado.
A moderna concepção de processo, como meio de atingir a efetiva prestação jurisdicional dá ênfase na participação das partes, através de seus representantes judiciais, que munidos de provas e conhecimentos técnicos, têm o direito de influir na decisão do juiz. É o que se denomina “contraditório participativo”, nas palavras do professor LEONARDO GRECO[5].
É lição basilar da doutrina e da jurisprudência que, qualquer postulação judicial deve obedecer ao princípio constitucional do due processo of law (art 5º, LIV, da CF), permitindo a participação equânime das partes no processo, construindo um diálogo entre as partes. Desse modo, é imprescindível que, o autor peticione com clareza para o réu ter conhecimento dos fatos alegados contra si. O processo moderno não é um monólogo, e sim um diálogo que permite a troca de informações, de ações e de reações; um conflito de razões[6].
A petição inicial deve ser clara e objetiva, e o juiz só deve conceder medida restritiva de direitos quando possibilitar ao réu o pleno conhecimento dos fatos que estão sendo alegados, para viabilizar o contraditório pleno, e assegurar ao réu, não apenas o conhecimento dos fatos, mas também, a oportunidade de influir na decisão judicial. Nesse sentido, FREDIE DIDIER JR:
“(…) Há um aspecto que eu reputo essencial, denominado, de acordo com a doutrina alemã, de “poder de influência”. Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.”
“Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do Magistrado, interferir com argumentos, interferir com idéias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso, a garantia do contraditório estará ferida..[7]”.
A Lei 8952/94 deu um passo na efetivação da tutela judicial efetiva, com a previsão antecipação dos efeitos da tutela judicial (art 273, do CPC); da tutela antecipada das obrigações de quantia certa (art 273, do CPC), e das obrigações de fazer (art 461, § 3º, do CPC). Mais tarde, a Lei 10444/02 estendeu para as hipóteses de obrigação para entrega de coisa (art 461 A, do CPC).
Recentemente, a Lei 11.232/2005, dentro da sistemática constitucional da tutela jurisdicional efetiva (art 5º, XXXV, da CF), consagrou o cumprimento das sentenças decorrentes de obrigação por quantia certa, oriundas de título executivo judicial, concedendo a execução nos próprios autos, sem necessidade de processo autônomo de execução (art 475, J, do CPC).
A doutrina reconhece, entretanto, que para a concessão de antecipação de tutela do art 273, assim como para a tutela específica ou equivalente nas obrigações de fazer e de entrega de coisa, há necessidade de comprovação dos requisitos previstos no art 273, I, do CPC, concernentes ao fumus boni juris e ao periculum in mora[8] .
Mas, a aplicação de astreintes, prevista nos arts 461 e 461 A, do CPC não pode se dar sem o parâmetro da razoabilidade. Nesse sentido, o advogado ou o representante do Ministério Público, como integrantes das carreiras que constituem as funções essenciais à justiça, devem conduzir o juiz de modo a decidir com a razoabilidade. Assim, o autor, através do seu representante judicial, deve levar ao conhecimento do magistrado as razões que justificam a aplicação de astreintes, fazendo prevalecer o princípio de que a execução é feita no interesse do credor (art 612, do CPC). O advogado do réu, por outro lado, deve sustentar a não admissibilidade de astreintes, ou se for o caso, uma medida menos gravosa, com base no princípio de que a execução deve se dar de modo menos oneroso ao devedor (art 620, do CPC). Ao juiz compete, como intérprete e criador da norma para o caso concreto, o importante papel de, através de um juízo de ponderação, valorar os argumentos de ambas as partes e decidir pela procedência ou improcedência da demanda.
Observa-se a importância do papel do advogado, como agente propulsor da defesa dos direitos das partes em juízo, pois através de seus argumentos conduz à atividade cognitiva do magistrado, influindo na decisão, de modo a conferir a efetiva tutela jurisdicional, para assegurar o melhor resultado possível.
Para tanto, é necessário se valer de métodos de justificação da decisão judicial, que tenham aceitação pelas partes da demanda, bem como pela sociedade. O art 93, IX, da CF, deve ser compreendido como a legitimidade do Poder Judiciário para a restrição de direitos individuais, pois do contrário, as decisões levam ao subjetivismo sem controle[9]. Em um Estado Democrático de Direito, o povo deve conhecer os parâmetros utilizados em uma decisão para se pautar conforme os ditames legais dos atos normativos infraconstitucionais, decorrentes do Poder Legislativo, que espelha, ou melhor, deve sempre espelhar a vontade popular. Do contrário tal órgão não terá legitimidade para a elaboração de leis, e muito menos o Poder Judiciário poderá adentrar na esfera de direitos da outra parte.
Dentro desta perspectiva de processo como o meio de acesso à tutela judicial efetiva, merece relevo a argumentação jurídica. Segundo CHAÏM PERELMAN, o filósofo deve ser o porta-voz dos anseios da comunidade, e levar para o “auditório universal de sábios”, as argumentações racionais, fundadas em juízos humanitários aceitos pela sociedade[10]. Ao substituir a figura do filósofo para o detentor da função essencial à justiça, pode-se afirmar que, os advogados públicos ou privados e os membros do Ministério Público, como legítimos representantes judiciais, na dicção dos artigos 127 a 135, da CF, possuem a importante missão de levar ao conhecimento do juiz os melhores argumentos possíveis para satisfazer a pretensão do titular do direito material.
Verifica-se que, a argumentação jurídica é correspondente à idéia de democracia participativa, à medida que proporciona aos interessados a manifestação de seus argumentos, os quais devem ser apreciados pelo juiz, através da fundamentação da decisão (art 93, IX, da CF)
Justamente por possuir conhecimentos técnicos, a Constituição privilegia a exigência da capacidade postulatória como requisito, em regra, para a postulação de demandas judiciais.
Espera-se que, a sociedade tenha conhecimento do seu verdadeiro papel de único detentor do poder (parágrafo único, do art 1º, da CF). E nessa perspectiva, o papel do advogado, do Ministério Público, dos Advogados Públicos e dos Defensores Públicos é salutar para a manutenção da democracia, e para a garantia dos direitos fundamentais, especificamente, o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional[11] (art 5º, XXXV, da CF).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A capacidade postulatória é uma garantia constitucional prevista no Título IV, do Capítulo IV da Constituição Federal, referente às Funções Essenciais à Justiça.
De acordo com o entendimento do STF, a propositura de um recurso sem o instrumento do mandado judicial torna a relação processual inexistente.
A exigência de capacidade postulatória não fere o direito de petição, nem encontra barreira na dificuldade econômica das partes, porque o primeiro só se refere aos processos administrativos, e a gratuidade da justiça está assegurada constitucionalmente, através da assistência judiciária gratuita, cujos patronos são defensores públicos, também contemplados na Constituição como detentores de função essencial à justiça.
O patrocínio da demanda por advogados públicos ou privados, ou membros do Ministério Público garante à efetiva tutela judicial, posto que, por possuírem conhecimentos técnicos, podem demonstrar ao juiz argumentos relevantes, aptos à concretização dos interesses dos detentores do direito material.
Considerando que, a tutela judicial efetiva é um direito fundamental, os titulares da capacidade postulatória são defensores da democracia e dos direitos fundamentais à medida que são os porta-vozes do direito material dos sujeitos lesados.
Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ; Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Membro do IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; Professora de Direito Constitucional; Autora do Livro “As Imunidades Tributárias na Jurisprudência do STF”, Editora Baraúna; Colunista da Revista Jurídica NETLEGIS
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