Resumo: Trata-se da evolução experimentada no Brasil a partir da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, abordando pontos representativos de melhorias, bem como materializadores de decréscimos no patrimônio jurídico dos consumidores, sempre conjugando doutrina e jurisprudência pertinentes. A proposta do trabalho, portanto, é apresentar alguns avanços e retrocessos proporcionados pela aplicação da novel legislação em nosso ordenamento e a forma como os operadores do direito em geral têm contribuído para o amadurecimento dos institutos integrantes da seara jurídica consumerista.[1]
Palavras chave: Consumidor; progressos; retrogradação.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Construção do Conceito de Consumidor. 3. O Aprimoramento da Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. 4. Efetividade na Repressão de Práticas Comerciais Abusivas. 5. Súmula 381 do STJ: Afronta ao Sistema Protetivo do CDC? 6. A Legalidade da Interrupção de Serviços Essenciais em Decorrência de Inadimplemento: Ofensa aos Direitos Básicos do Consumidor? 7. Considerações Finais. Referências Bibliográficas e Fontes Consultadas
1- INTRODUÇÃO
Em setembro deste ano, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) completou 20 anos. Desde sua entrada em vigor, jurisprudência e doutrina têm contribuído de forma positiva para a efetivação da inovadora normatização proposta, sendo tal diploma legal considerado um dos mais avançados na matéria.
Com a evolução deste ramo das ciências jurídicas, firmaram-se importantes institutos que deram novo colorido às relações instauradas entre consumidor e fornecedores, proteção esta que garantiu um tratamento mais adequado ao polo vulnerável da relação contratual.
Nessa ótica, o nascedouro da norma protetiva trouxe à baila questões de destaque, as quais vêm sendo abordadas desde a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, algumas podendo ser encaradas como avanços e outras como retrocessos. Passemos à análise de parte destas.
2 – A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE CONSUMIDOR
Para que se possa postular a aplicação dos institutos da legislação do consumidor, há que se vislumbrar certos elementos que permitam a constatação de relação consumerista ao revés de mera relação civil.
Assim, exige-se a existência da dita relação de consumo, integralizada entre consumidor e fornecedores por meio de um vínculo jurídico obrigacional, instrumentalizado, por vezes, por intermédio de um contrato.
No intuito de evitar dúvidas quanto à aplicabilidade da norma, entendeu o legislador pela necessidade de definir os conceitos de fornecedor e consumidor. Entretanto, no que pese o detalhamento legislativo, restou incompleta parte da definição capitulada no art. 2° do CDC, o qual traz uma das espécies de consumidor.
Pode-se atribuir tal incompletude da norma ao fato de a técnica legislativa perfilhada para produção do texto do Código de Defesa do Consumidor primar pela utilização de conceitos jurídicos indeterminados, os quais, apesar de não possuírem significado no próprio corpo legal, permitem aos aplicadores do Direito adequar as disposições normativas à evolução social, evitando-se, deste modo, que a lei torne-se facilmente obsoleta com o transcorrer dos anos.
À luz da legislação de regência, conclui-se pela existência de duas categorias de consumidor: standard ou padrão e bystandard ou por equiparação.
A primeira classe, standard, recebeu maior atenção de estudiosos e operadores do direito em razão da necessidade de se precisar melhor seu campo de incidência, ao passo que o segundo grupo prescinde maiores cuidados, porquanto o legislador não deixou lacunas a exigirem maiores discussões nestas classes de consumidores, conforme se visualiza nos artigos 2°, parágrafo único, 17 e 29 do CDC[2]. Portanto, as reflexões a seguir retratadas limitar-se-ão ao artigo 2°, caput, do citado corpo legislativo.
Pois bem. Nos termos do artigo 2°, caput, do CDC:
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Da leitura do comando supradito, as principais indagações que se levantam são: o que vem a ser o conceito jurídico indeterminado “destinatário final”? Quais seriam seus elementos caracterizadores?
Instaurada tal cizânia, doutrina e jurisprudência desenvolveram diversas teorias tendentes a estabelecer o conceito padrão de consumidor, quais sejam, maximalista, finalista e finalista temperada.
A primeira corrente, maximalista, defende a interpretação objetiva e ampla do termo “destinatário final”, buscando, deste modo, atingir o maior número possível de relações no mercado, deixando-se, por consequência, de ponderar outros requisitos, como, e.g., o fato de o adquirente do produto ou serviço busca-lo com intuito de lucro. Desse modo, para a formalização da relação de consumo bastaria que alguém, pessoa física ou jurídica, retirasse do mercado o bem ou serviço desejado.
Em sentido oposto, defende a segunda vertente – finalista – que consumidor será aquele que retira o produto ou serviço de circulação do mercado com definitividade. Por esse motivo, consumidor seria apenas a pessoa física ou jurídica que adquire bens ou serviços para satisfação de necessidades próprias, restando afastadas, nessa sistemática, a materialização de relação de consumo quando houvesse o intuito de auferir lucro pelo sujeito adquirente.
A seu turno, o terceiro segmento – finalista temperado/mitigado – preceitua que consumidor é aquele que retira o bem ou serviço do mercado para uso próprio. Entretanto, poder-se-ia em determinados casos, ainda que presente o intuito de lucro do sujeito envolvido, aplicar-se ao caso concreto a norma protetiva, desde que vislumbrada a vulnerabilidade do sujeito. Nesta ótica, a aplicação ou não do Código dependerá da demonstração de vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor, conforme abaliza a doutrina.
Feito um panorama da problemática, percebe-se, à luz da jurisprudência hodierna, a prevalência em nosso ordenamento do segmento finalista temperado, sendo este adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em diversos julgados (v.g., REsp n. 716.877, REsp n. 1.010.834 e REsp n. 914.384).
A preponderância de tal corrente tem sua razão de ser, segundo pondera a doutrina, no fato de o Código Civil de 2002 estabelecer institutos que se prestam à manutenção da equidade nas relações contratuais em geral. Deste modo, somente em casos especiais justificar-se-ia a aplicação das normas protetivas do código, resguardando-se, assim, somente “aquele que necessita da proteção do Estado por estar em situação de “desigualdade” com o fornecedor”.
Logo, denota-se que a evolução do conceito de consumidor buscou limitar a incidência do CDC sem tornar inócuas as normas do código: configurar-se-á ou não a relação de consumo a depender do caso concreto e, principalmente, a partir da constatação da vulnerabilidade de parte dos envolvidos na relação obrigacional, o que evita a aplicação generalizada dos institutos previstos no CDC.
3 – O APRIMORAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
A sistemática proposta pelo CDC no campo da responsabilidade civil representou considerável melhora no tratamento da matéria.
Até a entrada em vigor do Código do Consumidor, prevalecia em nosso sistema jurídico a dita responsabilidade jurídica subjetiva, segundo os moldes traçados pelo Código Civil de 1916[3].
Segundo tal sistema, para que se verifique a responsabilidade torna-se indispensável a comprovação da ocorrência de ato ilícito, da culpa, do nexo entre os anteriores e do dano, requisitos que tornavam sobremaneira dificultosa a defesa do consumidor frente ao poderio econômico dos fornecedores.
Contudo, antes mesmo da entrada em vigor do atual Código Civil – o qual, posto que dividido por um sistema misto, privilegia a responsabilidade objetiva – a legislação consumerista, em notória demonstração de seu caráter vanguardista, institui os postulados da responsabilidade civil objetiva nas relações de consumo de forma majoritária.
Por isto, entendeu por bem o legislador em ordenar tal matéria em duas perspectivas distintas: responsabilidade por fato do produto ou serviço (arts. 12 a 17 do CDC) e responsabilidade por vício do produto e do serviço (arts. 18 a 25 do CDC).
De acordo com o que preleciona autorizada doutrina, o sistema de responsabilidade inaugurado pelo código consumerista, concebido à luz tanto do sistema norte-americano quanto do sistema utilizado pela Comunidade Econômica Europeia, deriva da dita teoria da qualidade, consoante a qual estabelece-se para o fornecedor um dever anexo, bem como legal, de garantia de segurança razoável do bem ou serviço adquirido.
Nessa ordem de ideias, sedimentou-se em nosso ordenamento a responsabilidade objetiva e solidária entre fabricante, produtor, construtor e importador pelo fato do produto (artigo 12 do CDC), ao passo que a responsabilidade pelo fato do serviço restou caracterizada por solidária e objetiva entre os fornecedores de serviços (art. 14, CDC), excetuados os casos de profissionais liberais, os quais foram prestigiados pelo legislador com a aferição subjetivas de suas responsabilidades (art. 14, §4°, CDC). Ademais, quanto à responsabilidade do comerciante, doutrina e jurisprudênciamajoritárias, com fulcro no artigo 13 do CDC, defendem a existência, apenas, de responsabilidade subsidiária daquele.
Ainda, ao tratar da responsabilidade por vício na qualidade do produto, estabeleceu o Código do Consumidor a responsabilidade objetiva entre todos os participantes da cadeia produtiva (art. 18), não havendo exclusão, sequer, do comerciante. Por fim, entendeu o legislador por caracterizar a responsabilidade por vício na qualidade do serviço por objetiva entre seus fornecedores, nos termos do artigo 20 do CDC.
Esquadrinhando o quadro supracitado, é perceptível a grande importância dada pelo legislador ao instituto da responsabilidade na seara consumerista. Buscou-se trazer maior efetividade e proteção àqueles tidos por mais frágeis, abandonando-se, regra geral, a discussão da culpa, possibilitando-se a inversão do ônus probatório etc, tudo com vistas ao efetivo cumprimento da norma insculpida no artigo 6°, inciso IV, do Código do Consumidor[4].
Tal espírito protetivo tem incentivado, no dia a dia das problemáticas de consumo, iniciativas inovadoras por parte dos operadores do direito, ainda que existente certa lacuna legislativa. Exemplo disto é a recente condenação[5] de sociedade empresária atuante no ramo televisivo e de apresentadora vinculada a tal grupo por suposta publicidade enganosa que levou consumidor a realizar negócio que posteriormente lhe traria prejuízos.
Ao decidir o caso, o julgador convenceu-se da responsabilidade da personalidade condutora do programa televisivo, porquanto sua participação imprimiu maior seriedade à proposta formulada, o que permitiria a responsabilização da celebridade participante de ação publicitária, tema ainda novo no circuito jurídico nacional.
4- EFETIVIDADE NA REPRESSÃO DE PRÀTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS
No desenrolar das relações negociais contemporâneas, facilmente se identificam diversas condutas efetuadas por fornecedores e demais participantes da cadeia produtiva que visam a ludibriar o consumidor na efetivação de negócios jurídicos. Diante disto, e considerando a tutela da parte vulnerável como principal fim do CDC, a vedação às práticas comerciais abusivas torna-se indispensável à plena proteção dos consumidores pois, segundo precisa lição doutrinária:
“[…] O equilíbrio e a harmonização certamente não são alcançados sem que seja imposto ao consumidor um disciplinamento de sua relação no mercado de consumo, pois ele, em geral, não tem conhecimento do processo tecnológico e, na maior parte das vezes, realiza relações de consumo absolutamente necessárias, de maneira que, impelido por essa necessidade, torna-se frágil e acaba por ceder às práticas comerciais abusivas impostas por fornecedores despedidos de comportamento ético, mas ávidos em obter lucros de sua atuação no mercado de consumo.”
Neste sentido é que o legislador, ao se ocupar da questão sub oculi, definiu exemplificativamente certas condutas que vão de encontro à boa-fé contratual, arrolando-as no artigo 39 do CDC.
Ainda que de forma não exaustiva, teceu o legislador considerações minuciosas exemplificadoras de tais práticas vedadas: venda casada de produtos, limitação desarrazoada da quantidade de produtos disponíveis para aquisição, colocação no mercado de produtos ou serviços impróprios ao consumo dentre outras.
Nota-se, mais uma vez, em tal amparo legislativo a ampla preocupação em se resguardar os direitos daqueles que por não possuírem as informações necessárias acerca dos bens ou serviços contratados, não poderem fazer frente ao poder econômico dos fornecedores ou ainda por não dominarem os conhecimentos jurídicos que lhes permitam coibir a má-fé da outra parte contratante acabam por ser vitimados na execução contratual.
5 – SÚMULA 381 DO STJ: AFRONTA AO SISTEMA PROTETIVO DO CDC?
Consoante se verificou até então, a promulgação do Código de Defesa do Consumidor representou grande avanço em nosso ordenamento, buscando proteger o lado fraco da relação negocial de consumo em diversas perspectivas.
Entretanto, apesar dos inúmeros avanços, a evolução da matéria consumerista também deu lugar a alguns retrocessos, os quais representam, segundo a ferrenha crítica da doutrina, uma mitigação do próprio sistema delineado pelo Código. Exemplo de tal recuo é o enunciado de súmula da jurisprudência dominante n. 381 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), redigida nos seguintes termos:
“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”
A referida súmula vai de encontro à sistemática até então proposta pelo CDC em razão de impedir que o magistrado se pronuncie, sem que haja manifestação da parte, acerca da abusividade de dada cláusula avençada em contratos bancários.
Como é cediço, não há qualquer dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor as relações instauradas entre consumidores e instituições financeiras[6]. Ademais, o próprio CDC permite o conhecimento ex officio de cláusulas abusivas, pois, nos termos de seu art. 51, caput, estas são nulas de pleno de direito, razão pela qual o magistrado deve se manifestar sobre elas, ainda que ausente pedido das partes, conforme acertada lição doutrinária:
“O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidades de proteção, do Ministério Público e mesmo, incidentalmente, ex officio. A vontade das partes manifestada livremente no contrato não é mais o fator decisivo para o direito, pois as normas do Código instituem valores superiores, como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo.” (p. 693)
Ora, se o próprio Código Civil[7] determina ao julgador que conheça de plano as nulidades que chegarem a seu conhecimento, por que afastar tal dever num campo em que as abusividades se multiplicam de forma vertiginosa? Melhor era a orientação anteriormente defendida pelo referido tribunal superior[8], a qual, contando com o amadurecimento da discussão e a contribuição crítica da doutrina, pode voltar a vigorar em alguns anos.
6 – A LEGALIDADE DA INTERRUPÇÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS EM DECORRÊNCIA DE INDADIMPLEMENTO: OFENSA AOS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR?
Noutro norte, mas ainda sob a perspectiva dos recuos experimentados na seara consumerista, surge a discussão relativa à possibilidade de suspensão de serviços públicos essenciais em resposta ao não pagamento da contraprestação devida pelo consumidor: ter-se-ia por escorreita a posição atual firmada na jurisprudência dos tribunais superiores ou há falar em afronta ao patrimônio jurídico dos vulneráveis?
A resposta não é simples, nem mesmo se restringe à ótica do direito do consumidor, visto que o debate percorre também as asserções delineadas pela doutrina constitucionalista, bem como administrativista.
A hodierna jurisprudência do Colendo STJ pretende sedimentar a discussão – ao menos naquela corte – ao decidir, reiteradamente, pela possibilidade de suspensão do fornecimento de tais serviços no caso de inadimplemento do consumidor (AgRg no REsp 1046236 / PA, AgRg no Ag 962237 / RS, AgRg na SS 1764 / PB, AgRg nos EDcl no REsp 1078096 / MG e REsp 1076485 / RS).
Todavia, o tema permite uma análise diferenciada da resposta dada pelo STJ à problemática, senão vejamos.
Conforme se extrai das decisões oriundas do supracitado tribunal, haveria regularidade na interrupção de serviços essenciais em razão de a legislação reguladora dos regimes de concessão e permissão de serviços públicos autorizar tal ato. O citado corpo legal assim dispõe:
“Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. […]
§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: […]
II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.”
Ocorre que, entretanto, é necessário esquadrinhar tal ponto sob uma perspectiva constitucionalista, mais precisamente dos direitos e garantias fundamentais.
Expressamente prevê a Constituição da República a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos[9]. Mais à frente, prevê a Carta Magna o direito à vida entre os direitos e garantias fundamentais[10].
A seu turno, a norma plasmada no artigo 6°, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor é peremptória:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.”
Ora, conjugando as premissas constitucionais aos postulados traçados na legislação protetora dos direitos dos consumidores, vislumbra-se como dever do Estado zelar pela prestação daqueles serviços básicos que garantem a estruturação da sociedade e a sobrevivência digna dos indivíduos. Como cogitar a proteção do direito à vida sem a efetiva prestação de serviços básicos que permitem o alcance de direitos outros complementares àquele, como, por exemplo, a saúde?
Não por acaso, é que, trilhando esta exegese, já decidiu o STJ:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 22 E 42 DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR). ENTENDIMENTO DO RELATOR. ACOMPANHAMENTO DA POSIÇÃO DA 1ª SEÇÃO DO STJ. PRECEDENTES. […]
3. Não resulta em se reconhecer como legítimo o ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção de seus serviços, em face de ausência de pagamento de fatura vencida. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção.
4. O art. 22 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor assevera que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. O seu parágrafo único expõe que, “nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código”. Já o art. 42 do mesmo diploma legal não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Tais dispositivos aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público”. […] (STJ in REsp 841786 / RS, 1ª Turma, Relator Ministro José Delgado. Julgamento em 29.06.2006, DJ em 17.08.2006).
Dessarte, parece mais acertado defender que os serviços essenciais (v.g., água, energia elétrica etc), enquanto garantidores de direitos básicos dos consumidores, e, numa análise ampla, da própria dignidade humana, não podem ser suspensos pela mera inadimplência do consumidor, haja vista a existência de meios executórios hábeis em prol dos prestadores daqueles.
Imaginar, na sociedade cosmopolita e complexa na qual nos inserimos, na dispensabilidade de tais serviços é advogar uma postura mais preocupada com o capital do que com o individuo, o que, ao menos numa análise perfunctória, aparenta colidir com o apregoado pela Constituição da República e pelo próprio CDC.
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A promulgação de uma legislação precipuamente destinada à regulamentação das relações de consumo – CDC – inexoravelmente, representou a efetivação das normas insculpidas no bojo da Constituição da República de 1988[11].
Houve a preocupação em estabelecer um diploma legal fluido, por meio do qual foram abordadas as questões em voga ao tempo de sua promulgação sem que se fosse gerado óbice à sua aplicação nos anos vindouros de sua vigência, o que evitou, por consequência, que os princípios instaurados pelo código caíssem em esquecimento ou no desuso.
Conforme bem assevera um dos idealizadores do anteprojeto da lei do consumidor:
“[…] o Código de Defesa do Consumidor continua tão atual quanto há 20 anos atrás, porquanto aqui se cuida muito mais de uma lei principiológica, inter e multidisciplinar; recentes modificações foram meramente cosméticas e inócuas, não estando a demandar, portanto, qualquer modificação”.
Reiterando os termos alhures referidos, imperioso reconhecer o Código de Defesa do Consumidor como uma das mais modernas legislações a se ocupar da matéria, não havendo falar na necessidade de modificações em seu texto com a finalidade de aprimoramento do sistema nele previsto. Tem-se um sistema coeso e robusto, o qual, regra geral, tendo sido bem aplicado.
Todavia, para que a norma não seja burlada, ou mesmo tornada inócua, deve ser continuamente buscada sua adequação à realidade pós-moderna em que nos inserimos de forma cautelosa, fazendo com que a dogmática consumerista evolua na mesma velocidade em que a sociedade se transforma, sem que se abandone as propostas sociais trazidas pela Constituição da República.
Houve avanços incontáveis, e, talvez, alguns retrocessos. Mas, inegavelmente, instaurou-se um sistema de tutela ímpar, o qual deve ser objeto de intensa defesa por todas as esferas da sociedade para que se propicie a efetiva proteção ao vulnerável da relação negocial: o consumidor.
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