Brasil e Índia frente ao sistema eletrônico de votação

Como se sabe, em 02/10/2009 foi aprovada a Lei 12034/2009, que acopla ao processo eletrônico de votação, regras para auditoria do resultado eleitoral de forma independente de software das urnas eletrônicas.

A regra vai valer a partir de 2014, dando tempo para a Justiça Eleitoral somar à tecnologia empregada, a impressão do voto e recontagem obrigatória em 2% das urnas, escolhidas aleatoriamente após as eleições, em todo o pais.

Este instrumento legislativo de auditoria colocou o Brasil, no caminho percorrido pelas demais Nações desenvolvidas do mundo, que a similaridade adotam o voto eletrônico para a escolha de seus agentes políticos.

No que concerne à função auditoria, a partir de 2014, os entes abrigados no artigo 14 da Constituição de 1988 – eleitores e candidatos, em querendo confirmar a eficácia de seu voto (dado e recebido) terão que desenvolver duas ações básicas:

– recolher os boletins de urnas nas seções de votação- conferindo-os com o resultado divulgado pelo TSE na internet;

– participar da auditoria independente do software recontando os votos de 2% das urnas.

Estas ações podem ser executadas de forma simples e barata por qualquer do povo, pertencente a partido ou não, com ou sem recursos financeiros e independente de grau de instrução.

Contrapondo custos e simplificação, até a edição da Lei 12.034/2009, com efeitos a partir de 2014, o modelo atual torna a tarefa dos agentes protegidos pelo artigo 14 da Constituição por demais onerosa material e financeiramente, sem garantir a certeza dos resultados.

Todas as ações permitidas pelo TSE somente são executáveis por advogados e técnicos especializados em tecnologia da informação tais como:

1. Acompanhar por 180 dias o desenvolvimento dos sistemas no TSE

2. Assinar digitalmente os sistemas ao final de 6 meses, no TSE

3. Acompanhar a cerimônia de geração das mídias nos 27 TREs

4. Acompanhar a carga das urnas em mais de 3500 zonas eleitorais

5. Acompanhar a votação paralela nos 27 TREs

6. Fiscalizar a votação nas quase 400 mil seções eleitorais do pais

7. Recolher os boletins de urna impressos nas seções de todo pais

8. Solicitar os arquivos (RDV, BU, LOG, Correspondências) disponibilizados pela Justiça Eleitoral no TSE, TREs e Zonas eleitorais, antes, durante e depois da eleição.

Nessas condições impeditivas, nenhum eleitor e dois partidos apenas conseguiram esboçar tentativas de fiscalizar o processo eleitoral eletrônico brasileiro mas, sem êxito, fomentaram a proposta que deu origem à Lei 12.034/2009.

Certo também que mais de 50 nações manifestaram interesse em estudar o sistema eletrônico de votação do Brasil e vieram ao TSE para conhecê-lo. Entre elas figuram: Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Espanha, Turquia, Estados Unidos da América, Índia, Japão, Coréia, Indonésia, Angola, Moçambique, Argentina, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela, México, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, República Dominicana, Porto Rico, El Salvador e Honduras.

Algumas dessas Nações tomaram por empréstimo as urnas brasileiras para testes: Argentina • Equador • México • Paraguai • República Dominicana .

Do conhecimento adveio a rejeição por todos que aqui estiveram, ante a falta de segurança dada por instrumentos de rastreabilidade material de auditoria posterior – auditoria independente do software através da impressão do voto.

Breve comentário deve ser dispensado à ÍNDIA que possui um sistema de voto eletrônico similar ao brasileiro. Nele também não há previsão de auditoria independente de software ou a impressão do voto. Segundo o TSE a Índia teria adaptado o nosso modelo às suas eleições.

No entanto, conhecido o potencial tecnológico da Índia, com profissionais altamente capacitados e nível intelectual impar no mundo, perscruta-se a quem coube fazer a adaptação.

Ao que se sabe a Índia passou a desenvolver sistema eletrônico de votação em 1982. Em 1998 houve experimentação gradual do sistema, para em 2004 generalizar a utilização.

O modelo é simples visto o alto índice de analfabetismo do pais, acopla bateria pela continua falta de energia elétrica, é robusto para atender às distantes regiões do pais, composta na sua maioria por áreas rurais e não permite auditoria, mas os responsáveis garantem sua segurança.

Essas características, até a edição da lei 12.034/2009, eram as mesmas nos dois países, e permitem afirmar que houve sim uma adaptação.

Mas a adequação somente se amolda com facilidade ao modelo indiano onde ocorrem muitos conflitos violentos e até roubos de várias urnas durante as eleições, alto índice de analfabetos, pobreza e falta de energia elétrica que assolam a maioria da população.

No mais, mesmo Gandi e Senhor do Bonfim garantindo a segurança do processo, injustificável a ausência de instrumentos eficazes de auditoria do processo adotado.

A similaridade dos modelos de votação eletrônica da Índia e do Brasil se acentua quando se analisa relatório da Comissão de Eleições da Índia, de 08 de agosto de 2009, disponível http://eci.nic.in/press/current/pn080809.

Nele há o relato de que a Comissão ofereceu 100 urnas para serem testadas em 5 dias, mas ninguém aceitou realizar os testes. Para os membros da Comissão, teria assim havido prova irrefutável da segurança do sistema eleitoral eletrônico indiano.

Aqui, através da petição 1896/2006, dois partidos políticos – o PT e o PDT pediram para realizar testes independentes nas urnas, para comprovar as vulnerabilidades já reveladas por todos os países que rejeitaram nosso modelo eleitoral.

Em 2007, o TSE esboçou uma resolução admitindo os testes, prevendo Comissão de Controle com participação deliberativa de representantes de partidos. Por estarem em menor número, os dois partidos exigiram que a indicação dos membros da comissão de controle fosse independente do TSE, sob pena de entenderem rejeitado o pedido já naquela ocasião (2007).

Até 2009 nada mais se deliberou. Mas na iminência de ver aprovado na Câmara o projeto de lei que incluía a auditoria independente do processo eleitoral, o TSE buscou inspiração na Índia, para deferir a realização do que intitulou “testes de segurança”.

Através da Resolução TSE nº 23090/2009, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski decidiu que os testes vão ser controlados, além do Ministro Lewandowski, por duas Comissões: a Disciplinadora composta exclusivamente por servidores do TSE e a Avaliadora composta exclusivamente por indicados pelo TSE.

O que já era ruim e inadmissível em 2007 ficou pior em 2009: chegando à exclusão total dos partidos da posição deliberativa durante os testes, com uma concentração absoluta de poderes nas mãos dos agentes próprios ou indicados pela Justiça Eleitoral.

Sem alternativa, os dois partidos RENUNCIARAM ao PEDIDO, ao que o MP assumiu seus lugares. Esse ente, assim como a OAB, desde 2003 tem se abstido de cumprir a função descrita no artigo 66 da Lei 9.504/97 fiscalizando efetivamente o processo eleitoral eletrônico.

Dada a origem da inspiração, não importa se haverão ou não testadores, pois o resultado já pode ser previsto, qual seja: a “comprovação” da segurança irrefutável do processo eleitoral.

Some-se a isso declaração feita à imprensa pelo Ministro Ricardo Lewandowski, na audiência Pública realizada em 11.09.2009 em

http://agencia.tse.gov.br/sadAdmAgencia/arquivoSearch.do?acao=searchSimple&arqTipoArquivoId=5&arqBancoDeImagem=&toAction=ARQ_PAGE_LIST&tipoOrigemMateriaId=&menu=entrevista&livre=&dataIniString=11%2F09%2F2009&dataFimString=11%2F09%2F2009

“(…) posteriormente é importante que se diga, por razões diversas , os partidos desistiram dos teste, certamente entendendo serem os testes desnecessários porque as urnas se mostraram, através dos tempos muito seguras (…)”

E ainda:

 “que os testes são experiência única, inédita, eu diria em termos mundiais, em que a administração pública, o poder judiciário abre seus sistemas (…) para verificar se seus sistemas (…)”

Ora, se foi dele a relatoria do processo onde, desde 2007 os partidos exerceram o direito de renunciar por cerceados e controlados em seus atos e o teste proposto é quase cópia exata de mesma medida tomada pelo colega Administrador Eleitoral na Índia, não pode haver dúvidas quanto a idêntica solução.

Atente-se também para o imenso desagrado do administrador eleitoral em ver auditado seu trabalho. Os inúmeros comentários e as campanhas dele advindos sugerem duas hipóteses: eleições inauditáveis são absolutamente seguras para quem as administra ou há incapacidade técnica dessa Instituição em desenvolver um sistema capaz de enfrentar auditoria sem maculação.

A primeira hipótese deve ser resolvida pela lei 12.034/2009. A segunda pode ser perfeitamente contornada, com uma visita aos mais de 50 países que aqui estiveram para conhecer nosso modelo, aceitando as suas orientações.

Corrobora essa assertiva a injustificada resistência de operacionalização do voto em trânsito, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei 12.034/2009, ao argumento de facilitar fraudes, já que as urnas destinadas a esse fim teriam que ser conectadas a rede e cadastramento prévio para permitir a identificação do eleitor.

Solução simples seria o uso de urnas para captar não somente os votos, mas também os dados dos eleitores em trânsito que seriam submetidos a batimento para verificar a unicidade da votação, após o pleito. Esse procedimento permite inclusive o uso de urna com recurso de identificação por biometria.

Por certo é muito fácil administrar eleições inauditáveis, mas a capacitação técnica deve se sobrepor a resistência imotivada às inovações e ao final, deve ser produzido o mesmo resultado com submissão a auditoria.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Maria Aparecida Cortiz

 

Advogada em SP – Especialista em auditoria processo eleitoral

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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