Sumário: 1. Os alimentos sob a ótica civil-constitucional; 2. A questão dos alimentos gravídicos e a tutela civil do nascituro; 3. Aspectos materiais e processuais dos alimentos gravídicos: 3.1. Legitimidade; 3.2. O momento de fixação dos alimentos gravídicos, termo inicial da obrigação e demais peculiaridades processuais. 3.3. Da duração, conversão dos alimentos e responsabilidade civil. 4. Conclusão; 5. Referências.
1.Os alimentos sob a ótica civil-constitucional.
A contemporaneidade do Direito Civil conduz-nos a buscar um ponto de partida para melhor compreensão de sua evolução que, inexoravelmente, tem seu marco mais importante no estudo dos princípios e valores que emanam do texto da Carta Política de 1988.
Com efeito, constata-se que a partir da concepção dos valores sociais do final do século XIX e toda sua reestruturação após a primeira metade do século XX, evidenciada pelas duas guerras mundiais, os velhos paradigmas deram lugar a novas concepções como a igualdade, a liberdade, o tratamento fraternal e, com destaque, o respeito à dignidade do ser humano.[1]
Encerrada a segunda guerra mundial surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a qual serviu de mola propulsora para uma adequação legislativa que garantisse o ser humano em sua essência.
Com esse espírito mais humano, em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, considerada por muitos como a “Constituição Cidadã”, vez que trouxe novos valores às realidades cada vez mais freqüentes no cotidiano brasileiro, mas também serviu de fonte principiológica de suma importância na elaboração do acervo legislativo nacional.
Nesse contexto foi que emergiu a atual codificação civil, inegavelmente balizada na concepção de novos princípios e valores que abriram novas perspectivas aos operadores jurídicos, ao deixar de lado as rígidas previsibilidades das relações civis do vetusto estatuto civil para, com base neles – novos vetores de interpretação como: eticidade, socialidade, boa-fé e operabilidade – permitir que o Direito seja aplicado ao caso concreto mediante uma exegese que mais se aproxime dos comandos constitucionais em face das mais diversas realidades sociais.[2]
Este fenômeno, conhecido como a repersonalização do Direito Civil, estendeu-se aos demais ramos das relações privadas e encontrou ambiente dos mais férteis para a construção e o desenvolvimento de novas teorias na seara do Direito das Famílias.
A idéia de família passou a ser não mais vista como uma instituição voltada apenas para a obtenção de riquezas e a manutenção de patrimônio por um grupo fechado de pessoas, mas, sim, como instrumento para promover a dignidade humana e a felicidade dos membros que compõem o núcleo familiar, com base no respeito e na solidariedade social.
É justamente a partir da compreensão de valores como a dignidade humana e a solidariedade, foi que emergiram os fundamentos para uma nova concepção dos direitos dos que necessitam dos alimentos para ter uma sobrevivência mínima digna, bem como dos deveres daqueles que têm a obrigação de prestá-los dentro de suas possibilidades, exatamente rompendo com os paradigmas até então mais restritos emanados da velha codificação civil, adaptando-se à nova realidade social que ganhou corpo desde o avento da Carta Política de 1988.
Constata-se, então, que a partir da noção de direito fundamental à vida foi que o direito aos alimentos passaram a ser compreendidos como importante mecanismo capaz de efetivar a manutenção de uma subsistência digna para o alimentando, possibilitando, aos que deles necessitam, as condições mínimas para manter-se e sobreviver dignamente.
José Carlos Teixeira Giorgis[3] é preciso ao afirmar que “a constituição celular do ser humano exige o consumo de energia para o desempenho das atividades com que supre as necessidades inerentes a sua natureza; daí as relações intercambiáveis com o meio, de onde retira a matéria que precisa para sobreviver”.
Como o objetivo é levar o leitor a uma reflexão sobre a possibilidade de se exigir alimentos ainda na fase da gestação do filho – alimentando em potencial – no ventre materno, necessária seja feita uma breve digressão acerca das concepções existentes sobre o início da personalidade civil da pessoa humana, que ganha relevo para uma melhor compreensão das nossas proposições sobre o tema.
2.A questão dos alimentos gravídicos e a tutela civil do nascituro.
Um dos temas que sempre despertou acaloradas discussões doutrinárias diz respeito ao início da personalidade civil, dividindo-se os doutrinadores em natalistas (defendem que o início da personalidade só ocorre após o nascimento com vida) e concepcionistas (defendem que o início da personalidade ocorre desde a concepção).
Marcos Ehrhardt Jr. assevera que “o termo nascituro (nasciturus, aquele que está por nascer) deve, por conseguinte, ser empregado para designar o ser já concebido que se encontra em desenvolvimento no ventre de sua genitora (existência intra uterina)”.
Com clareza, Silmara Chinelato e Almeida[4] observa que “… a Constituição Federal assegura, no caput do art. 5º – que define, não exaustivamente, os direitos e garantias fundamentais –, a inviolabilidade do direito à vida, sem definir, no entanto, a partir de que momento se daria essa proteção…” e salienta que “… até o texto final da Constituição vigente a questão do início da vida foi objeto de inúmeras polemicas – se, a partir da concepção ou do nascimento…”.
Em que pese respeitáveis posicionamentos divergentes sobre o tema ora abordado, é necessário compreender que o Direito está sempre em evolução, motivo pelo qual o ordenamento deve encontrar uma adequação capaz de propiciar ao nascituro mecanismos que possam, de maneira eficaz, garantir-lhe o saudável desenvolvimento de seus órgãos vitais para que tenha a possibilidade de vir a gozar de uma vida plena e saudável após o nascimento com vida.
A proteção aos direitos do nascituro vem desde a codificação civil anterior, reforçada por sólida doutrina a respeito. A jurisprudência, por seu turno, vem se posicionando reiteradamente sobre a necessidade de se tutelar o nascituro como forma de preservar sua dignidade e propiciar meios para uma vida decente, devendo o Poder Público arcar com os custos que se fizerem necessários para a efetivação de seus direitos, como se extrai do seguinte julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
“Agravo de instrumento. Exame médico. Nascituro. Direito à saúde assegurado em Constituição. Considerando que a vida do nascituro é o bem tutelado, que a família não tem condições de arcar com os custos correspondentes ao exame médico necessário e que a saúde é direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196 e art. 241 da CE), não merece reforma a decisão que determina a indicação de local para a realização do exame, sob pena de retenção dos valores necessários para tanto. Negado provimento ao recurso, de plano. (TJRS; AI 70024004756; Novo Hamburgo; Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz; Julg. 24/04/2008; DOERS 29/04/2008; Pág. 39)”
Com vistas a tornar realidade a possibilidade de se estipular verba alimentícia em favor do nascituro o Congresso Nacional editou Lei nº 11.804/08, denominada de Lei dos Alimentos Gravídicos, exatamente com fundamento na proteção da dignidade da pessoa humana e na teoria da aquisição de personalidade do nascituro a partir da concepção.
Ante a dicotomia outrora mencionada acerca do início da personalidade, importante se faz ressaltar as palavras de Arnaldo Rizzardo[5] no sentido de que, “de acordo com a posição que melhor se adapta à realidade e justifica os direitos, a proteção deve partir desde a concepção (teoria concepcionista), pois somente desta forma se explicam inúmeros dispositivos da lei civil, que tratam da proteção a começar da concepção, ou têm em referência o nascituro”.
Na arguta observação de Rolf Madaleno[6], “venceu, portanto, a evidência do bom senso ao enumerar no art. 1694 do Código Civil uma nova modalidade alimentar, consistente no direito alimentar do nascituro, denominando alimentos gravídicos e disciplinado pela Lei nº 11.804/2008.”.
3.Aspectos materiais e processuais dos alimentos gravídicos.
Tratar de tema tão pulsante e tão dinâmico como este leva, necessariamente, a uma reflexão sobre seus aspectos civis e processuais civis num contexto integrado, sem a clássica divisão entre direito material e direito processual.
Dispõe o artigo 2º da Lei nº 11.804/08 que “os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.”.
De plano, pode-se afirmar tratar-se de rol meramente exemplificativo, vez que podem ser feitas recomendações outras para o melhor caminhar da gestação, desde que prescritos pelo médico que acompanha a gravidez da gestante.
O critério para a fixação da verba alimentícia pelo juiz em favor do nascituro, deve observar o binômio necessidade versus possibilidade, ou seja, aquilo que é necessário para o alimentando de acordo com as possibilidades financeiras do alimentante, sendo este o parâmetro que estabelece o parágrafo único do mencionado artigo 2º.
Estabelecidas essas premissas, necessário verificar quais os legitimados para figurarem nos pólos ativo e passivo da relação jurídica.
3.1.Legitimidade.
a) O(s) legitimado(s) ativo(s):
A partir de uma interpretação meramente gramatical do caput do artigo 2º da mencionada lei a genitora figura como legitimada para ajuizar a ação de alimentos grávidos e pleiteá-los com vistas a uma gestação digna.
No entanto, também está legitimado para ajuizá-la o próprio nascituro, por ela representado, sendo importante ressaltar as palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[7], no sentido de que “… reconhecidos diversos direitos ao nascituro – como, por exemplo, o direito à perfilhação (ECA, art. 27) e o direito à herança – percebe-se, sem dificuldade, que disso resulta a sua capacidade de ser parte, possuindo, destarte, legitimidade ativa para reclamar alimentos”.
Assim, entendemos ser possível não apenas a posição do nascituro como titular da ação de alimentos gravídicos, desde que representados por sua genitora.
Recusar este entendimento é criar obstáculos para o exercício pleno e eficaz do direito de acesso à justiça, que, nos dizeres de Carlos Simões Fonseca[8] “(…) está condicionado à existência de um ordenamento jurídico que incorpore integralmente os valores e princípios inerentes e decorrentes do Estado Democrático de Direito, além de garanti-los e assegurá-los.”.
Há de ressaltar, ainda, a possibilidade de formação de litisconsórcio[9] ativo entre o nascituro e a gestante, como já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
“Família. Investigação de paternidade e alimentos. Natureza personalíssima da ação. Legitimidade ativa. Direito do nascituro. São legitimados ativamente para a ação de investigação de paternidade e alimentos o investigante, o Ministério Público, e também o nascituro, representado pela mãe gestante. (TJMG; AC 1.0024.04.377309-2/001; Belo Horizonte; Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Duarte de Paula; Julg. 10/03/2005; DJMG 10/06/2005)”
Há ainda, a possibilidade de a ação de alimentos em benefício do nascituro ser exercitada pelo Ministério Público, na medida em que sua legitimidade ativa decorre do texto do artigo 201, III, do Estatuto da Criança e do Adolescent que prevê expressamente que “compete ao ministério público promover e acompanhar as ações de alimentos”.
Esta é a interpretação jurisprudencial, como se extrai dos seguintes arestos:
“Recurso de apelação cível. Ação de alimentos. Ministério público. Legitimidade ativa. Reconhecida. Art. 201, III, da Lei nº 8.069/1990. Recurso provido. 1. Dentre as atribuições impostas ao ministério público, encontra-se o dever de tutelar os direitos assegurados às crianças e adolescentes, inclusive o direito fundamental a alimentação, estando, portanto, autorizado aquele órgão ministerial, nos termos do art. 201, inc. III, da Lei n. 8.069/1990, a promover e acompanhar as ações de alimentos. 2. O fato de haver núcleo da defensoria pública instalado na Comarca de origem, não retira, e muito menos exclui, a legitimidade atribuída por Lei ao ministério público para propor ação alimento em favor de menor naquela unidade judiciária. (TJMT; APL 76860/2009; Colniza; Sexta Câmara Cível; Rel. Des. José Ferreira Leite; Julg. 02/09/2009; DJMT 14/09/2009; Pág. 20)”
“Direito civil e processual civil. Ação de execução de alimentos. Ministério público. Legitimidade ativa. É socialmente relevante e legítima a substituição processual extraordinária do Ministério Público, notadamente quando na defesa dos economicamente pobres, como também em virtude da precária ou inexistente assistência jurídica prestada pelas Defensorias Públicas. – Dado o caráter indisponível do direito a receber alimentos, em se tratando de criança ou adolescente, é legítima a atuação do Ministério Público como substituto processual em ação de execução de prestação alimentícia por descumprimento de acordo referendado pelo próprio Órgão Ministerial. – O tão-só descumprimento de acordo de alimentos evidencia violação a direito da criança, que se vê privada do atendimento de suas necessidades básicas. Recurso Especial provido. (STJ; REsp 510969; PR; Terceira Turma; Relª Minª Fátima Nancy Andrighi; Julg. 06/10/2005; DJU 06/03/2006; Pág. 372)”
b) o(s) legitimado(s) passivo(s):
No que tange à legitimidade passiva para a ação de alimentos gravídicos deverá figurar como réu o suposto pai, ou seja, aquele que à época da concepção manteve relações sexuais com a gestante responderá pela actio, como uma conseqüência lógica do principio da paternidade responsável.
Caso a gestante tenha mantido relações sexuais com mais de uma pessoa, entendemos não ser possível a formação de litisconsórcio passivo, vez que tal conduta representará incerteza acerca da condição de suposto pai do nascituro, o que prejudicará a existência de indícios consistentes de paternidade.
Em tais casos, comungamos do entendimento de que poderá haver argüição da exceptio plurium concubentium, que acarretará na improcedência do pedido inicial e, conseqüentemente, na extinção do feito nos termos do artigo 269, I, do CPC.
Apenas em casos de violência sexual praticada contra a mulher por dois ou mais homens é que vislumbramos a possibilidade de formação de litisconsórcio passivo, devendo cada um dos infratores arcar proporcionalmente com os custos da gestação.
Ocorre que, a partir do principio da solidariedade, vemos com bons olhos a possibilidade de o encargo ser transferido aos supostos avós paternos quando houver alegação por parte do suposto pai de incapacidade financeira, o que refletiria numa aplicação mais contundente do princípio da paternidade responsável, e dessa forma, por aplicação da regra insculpida no artigo 1.698 do Código Civil tem-se a possibilidade dos alimentos gravídicos avoengos.
Nesse sentido já se posicionou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“Alimentos gravídicos. A inexistência de comprovação ab initio de que os supostos genitores não têm capacidade financeira a suportar os alimentos é circunstância relacionada ao mérito da demanda. Legitimidade passiva dos avós. Recurso provido. (TJSP; AI 994.09.332008-5; Ac. 4374499; Quatá; Nona Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Piva Rodrigues; Julg. 26/01/2010; DJESP 05/04/2010)”
3.2.O momento de fixação dos alimentos gravídicos, termo inicial da obrigação e demais peculiaridades processuais.
Uma vez ajuizada a ação e recebida a petição inicial pelo juiz, este fixará imediatamente o valor da pensão de que necessita o alimentando.
Acontece que, ao contrário das demais formas de fixação de alimentos, para que seja determinado o pagamento do montante alimentício, basta que a parte autora apresente meros indícios de paternidade, não sendo exigido, portanto, provas contundentes acerca da perfilhação[10] como já foi decidido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“Alimentos gravídicos. Indícios suficientes da paternidade. Arbitramento compatível com o disposto no art. 2º, da Lei nº 11804/2008 (15% dos vencimentos líquidos). Não provimento. (TJSP; AI 994.09.290371-9; Ac. 4294022; Jundiaí; Quarta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani; Julg. 13/01/2010; DJESP 16/03/2010)”[11]
Por se tratar de situação que demonstra urgência na sua concessão, os alimentos gravídicos são tidos por urgentes, motivo pelo qual o momento de sua fixação não poderia ser outro, senão quando do início da demanda.
Portanto, pode-se afirmar que a decisão que estipula os alimentos gravídicos intio litis constitui uma das denominadas tutelas de urgência, que, como é consabido, são pronunciamentos judiciais de cunho decisório diferenciados, no que diz respeito ao momento de sua concessão.
No contexto da dialética processual, as chamadas tutelas de urgência, como forma diferenciada de prestação jurisdicional, constituem meio eficiente e eficaz de preservação do bem da vida em litígio – o direito material em si que é o escopo primordial da nova concepção constitucional de processo justo – de modo que se afiguram como mecanismos capazes de garantir a efetividade das decisões judiciais.
Das diversas modalidades de tutela de urgência existentes a que mais se adéqua ao caso dos alimentos gravídicos é a denominada de Tutela Interinal Satisfativa, isto é, aquele pronunciamento jurisdicional que, uma vez concedido, satisfaz integral e antecipadamente o mérito da quaestio levada à apreciação do Estado-juiz.
Fixados, então, os alimentos gravídicos initio litis, estes passam a serem devidos não a partir da citação do suposto pai, mas, sim, com efeitos retroativos à data da concepção, levando-se em conta que o objetivo da nova lei é o de evitar que o réu, escudando-se em eventual morosidade do aparelho judicial, possa aproveitar-se disso para causar prejuízos à parte autora. É o que se extrai de interpretação da norma contida no artigo 13, § 2º da Lei 5.478/68 – Lei de Alimentos, aplicada subsidiariamente neste caso.
Desde que devidamente citado, o réu (alimentante) terá o prazo de cinco dias para apresentar contestação, o que afasta a aplicação subsidiária artigo 5º, § 1º da Lei 5.478/68 – Lei de Alimentos.
Quanto ao foro competente para processar e julgar a ação fundada em alimentos gravídicos será o do domicílio da gestante, mas de acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[12] “convém ressaltar a incidência da Súmula 383 do Superior Tribunal de Justiça, aplicável ao caso pela extensão da proteção da criança e do adolescente ao nascituro, vazada em termos claros: a competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda”.
3.3.Da duração, conversão dos alimentos e responsabilidade civil.
Por objetivar o garantir ao nascituro uma adequada formação de seus órgãos vitais, os alimentos gravídicos são devidos até seu nascimento, tendo, portanto, prazo certo.
Após o nascimento com vida, os alimentos até então denominados de gravídicos serão convertidos em pensão alimentícia em favor do agora infante, até o momento em que uma das partes requeira sua revisão ou exoneração, como determina o Parágrafo único do artigo 6º da Lei dos Alimentos Gravídicos. Caso seja natimorto, os alimentos são extintos automaticamente.
Pois bem. Mas o que fazer se após o nascimento da criança o então suposto pai (alimentante) desejar ajuizar ação negatória da paternidade? Caso não seja o pai da criança poderá ele ajuizar ação de indenização por danos morais e ainda requerer a repetição dos valores pagos?
Duas considerações devem ser feitas. A primeira diz respeito à possibilidade ou não de se ajuizar ação de indenização por eventuais danos morais sofridos.
O artigo 9º da lei, que recebeu veto, continha em seu texto previsão que foi tida como limitadora do princípio do acesso à justiça, ao estabelecer que “em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu”.
Entretanto, em que pese o veto sobre a redação do mencionado dispositivo, entendemos que, nos casos em que o réu tenha sido lesado, aplica-se a teoria da civil subjetiva preconizada no texto do artigo 186 do Código Civil, devendo a parte que alegar ter sido lesada demonstrar não apenas a culpa ou dolo daquele que lhe moveu a ação de alimentos gravídicos, bem como sua má-fé.
No que diz respeito à possibilidade de repetição dos valores pagos, aplica-se nestes casos o princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Nada obsta, todavia, que o lesado busque do verdadeiro pai a restituição dos valores pagos como alimentos gravídicos.
4.Conclusão.
Ante o exposto nestas singelas linhas, pudemos observar que o princípio da dignidade humana modificou toda a estrutura do ordenamento jurídico brasileiro, obrigado uma releitura dos institutos civis e, em especial, de todo o Direito das Famílias.
Garantir à gestante que esta tenha todo o período de sua gestação amparada pelo auxilio financeiro do suposto pai do nascituro não é reflexo apenas dos princípios da paternidade responsável e da solidariedade, mas sim garantir ao feto que este possa vir a ter respeito o direito maior tutelado pelo Estado brasileiro: a vida.
O legislador deve buscar sempre mecanismos para uma aplicação de todos os direitos garantidos pelo texto constitucional e também pelo Código Civil para propiciar a existência digna do ser humano em qualquer estágio de vida em que se encontre.
Não admitir a plena eficácia da Lei dos Alimentos Gravídicos é corroborar a irresponsabilidade de pessoas que não possuem noções mínimas de solidariedade e de paternidade. Sabemos que muitas são as dificuldades no campo prático e que este estudo não esgota toda a discussão acerca do tema.
Faz-se necessário, portanto, uma reflexão constante de questões tão umbilicalmente ligadas ao ser humano e ao mínimo necessário para sua subsistência.
Advogado no ES; Mestre e Doutorando em Direito Civil pela PUC/SP; Professor de Direito Civil da Univix – Faculdade Brasileira – Vitória (ES); Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Civil do JusPODIVM – Salvador (BA); Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Civil (Famílias e Sucessões) em Natal/RN e Aracajú/SE; Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família; Diretor do Conselho Científico da Diretoria do IBDFAM/ES.
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