Aos olhos da seara civilista, aquele (a) que vive sob a condição de amante está inserido (a) no chamado “concubinato”.
O Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/2002), em seu artigo 1.727, diz que “as relações não eventuais [as de amantes] entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”[1].
O concubinato adulterino é aquele em que “[…] um ou ambos os concubinos já são casados e mantêm uma relação concubinária simultânea à família maritalmente estabelecida […]” e é parte do chamado “concubinato impuro”. Ele não detém qualquer espécie de amparo legal.
O casal que venha a manter esse tipo de relacionamento está ciente da ilicitude da convivência, do ponto de vista legal. Não custa recordar também que, homem e mulher (ou homem e homem, ou mulher e mulher), na qualidade de concubinos impuros e já casados ou em união estável[2], não podem firmar novos compromissos uma destas modalidades de constituição familiar.
Isso posto, questiona-se: um relacionamento entre amantes é capaz de gerar efeitos jurídicos no tangente à herança? Uma simples “relação de amantes” não enseja direito à herança. Segundo o doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira, isso ocorreria somente nos casos em que “[…] constituiu-se uma família paralela ao casamento/união estável, ou seja, se o relacionamento é uma união pública contínua e duradoura […]”[4].
Pereira, ainda, diferencia os conceitos de “relação extraconjugal” e “família simultânea”. Para ele, no primeiro, o “[…] relacionamento não caracteriza união estável por não instituir uma entidade familiar. Muitos desses relacionamentos, mesmo duradouros, não chegam a constituir uma família já que não é o tempo, por si só, o elemento determinante da constituição de uma entidade familiar”. Já o segundo, “[…] se constitui simultaneamente a outra família […] [e] a jurisprudência brasileira tem flexibilizado o princípio da monogamia ao ponderá‑lo com outros princípios norteadores do Direito de Família para atribuir direitos às famílias que se constituem paralelamente a um casamento ou a uma união estável”.
Veja também:
“Amante não pode ser beneficiária de seguro de vida instituído por homem casado”
Sobre o assunto da matéria acima e que, por óbvio, se correlaciona ao conteúdo deste artigo informativo, existem dois Temas de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF) que trazem compreensões importantes acerca das relações em regime de concubinato:
Tema 526 – Possibilidade de concubinato de longa duração gerar efeitos previdenciários.
Relator(a): Ministro Dias Toffoli
Leading Case: RE 883168
Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 201, V, e 226, § 3º, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada.
Tese: É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável.
Tema 529 – Possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte.
Relator: Ministro Alexandre de Moraes
Leading Case: RE 1045273
Descrição: Recurso extraordinário com agravo em que se discute, à luz dos artigos 1º, III; 3º, IV; 5º, I, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte.
Tese: A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
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[1] Embora o dispositivo legal fale em “homem e mulher” e em “casar”, existe a possibilidade de refletir acerca do suscitado pelo legislador. Isso porque, na prática, a norma em questão mostra-se ultrapassada, visto que ocorrem uniões estáveis homoafetivas no cotidiano. Ou seja, entre pessoas do mesmo sexo.
[2] Aqui, frisa-se, incluem-se, as pessoas que não estão separadas de fato.
[3] Se a pessoa for casada e, mesmo assim, casar novamente, ela incorre no crime de bigamia, delito tipificado no artigo 235, do Código Penal Brasileiro. Há algumas ressalvas feitas pelo referido dispositivo. O parágrafo 1° diz que “aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos”. Já, parágrafo 2°, expõe que, “anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime”.
[4] Nessa situação, incide um exemplo trazido por Pereira: “[…] quando o marido falecer podemos chegar às seguintes conclusões: o filho desse relacionamento extraconjugal terá direito à herança; caso não haja união estável, a amante não tem direito à herança; caso tenha existido a união estável, a companheira tem direito à meação (parte do patrimônio que cabe aos companheiros) e também direito à herança, mas somente no tocante aos bens adquiridos onerosamente (comprados) na constância desta união”.
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