Resumo: O objeto do estudo compreende a identificação e a análise crítica dos postulados teóricos da democracia na obra do autor português Boaventura de Souza Santos, um dos mais expoentes pensadores da política e da sociedade do nosso tempo. O trabalho procura não apenas reconhecer a permanente crise sofrida pelo conceito de democracia desde a sua origem na antiguidade até a emergência e consolidação do Estado liberal e do modelo de economia capitalista próprio das sociedades modernas ocidentais, como também compreender as transformações enfrentadas pelo Estado e pelo Direito na atualidade, em função do reconhecimento do déficit democrático e do potencial transformador da inclusão participativa dos múltiplos atores coexistentes na vida social contemporânea. [1]
Palavras-chave: Capitalismo; democracia; participação popular; diversidade; inclusão política.
Sumário: 1. Introdução; 2. A concepção liberal de democracia; 3. A crise de representatividade e participação política; 4. A teoria democrática contra-hegemônica de Boaventura de Sousa Santos; 5. Conclusão.
1. Introdução
As soluções não protagonizadas pelas promessas do sistema capitalista têm gerado algumas perplexidades no campo social e político nos tempos recentes. As flagrantes dicotomias presentes na estrutura social, tais como a gritante diferença de poder econômico entre classes ou o próprio “esquecimento” daqueles que à classe nenhuma pertencem, fazem-nos parar e refletir acerca dos caminhos que pretendemos seguir ou até que ponto tais caminhos ao final nos farão chegar, fazendo-nos reavaliar se os atalhos que aparentemente encurtam nosso trajeto valem mesmo a pena serem trilhados diante dos riscos de nos perdermos neles.
Não há maneira melhor de iniciarmos uma análise sobre a teoria de Boaventura de Sousa Santos senão com uma metáfora, marca presente em grande parte de seus escritos mais recentes. Nas linhas seguintes se pretenderá que esta metáfora inicial possa em verdade ser entendida segundo os desígnios do autor, notadamente naquilo que sua teoria pode contribuir sobre o tema da democracia. Obviamente aqui não se pretende afastar ou refutar as suas importantes idéias e conclusões. Pelo caminho inverso, busca-se apenas contribuir com um exame crítico acerca do conteúdo inovador de sua teoria democrática.
Visando atingir este objetivo sem incorrer em excessos desnecessários – atendo-se aos limites deste trabalho –, a presente pesquisa pretenderá identificar o conceito de democracia forjado ao longo do período moderno, procurando evidenciar o estreito relacionamento desse conceito com a emergência e consolidação do Estado liberal e do modelo de economia de mercado nas sociedades modernas ocidentais, como decorrência direta das Revoluções burguesas havidas no final do século XVIII e do desenvolvimento do modo de produção capitalista.
De fato, a partir desse marco revolucionário, a concepção liberal de democracia inegavelmente passou a ser adotada por grande maioria dos Estados nacionais ocidentais. Dentre as principais características desse sistema político encontra-se o atributo representativo, ou seja, o cidadão comum, por supostamente não ter capacidade ou interesse político, ou mesmo por não possuir condições e tempo suficientes para a vida pública, elege os seus mandatários a quem incumbe a tomada de decisões em seu lugar[2] [3].
No entanto, considerando a constatação feita por Marx[4] ainda na primeira metade do século passado, segundo a qual o modelo de Estado liberal, mesmo ao afirmar o elemento democrático como uma de suas bases estruturais, não proporcionaria formas de participação política pelos diferentes atores sociais tal como proclamavam os seus discursos, a pesquisa se debruçará, em um segundo momento, sobre a questão da crise de representatividade e participação política verificada no âmbito do modelo liberal de democracia, buscando responder se a democracia, tal como a conhecemos, realmente consiste em um sistema político que objetiva a participação efetiva dos diferentes grupos sociais nas tomadas de decisões sobre o futuro comum da sociedade à qual pertencem.
Não se desconsidera que o assunto analisado afigura-se bastante problemático. Porém, exatamente em razão da atual situação de transição, mostra-se de extrema importância a identificação dos motivos que originaram a crise de representatividade e legitimidade sofrida pelo modelo de democracia próprio do Estado-moderno[5]. Sobretudo, impende entender por que neste modelo ficam excluídos do debate político as minorias[6] e grupos com maiores dificuldades de ter seus direitos reconhecidos (mulheres, negros, idosos, índios, pobres, estrangeiros)[7].
Por fim, de posse de tais conceitos e informações, e com a finalidade de propor alternativas ao cânone democrático existente, principalmente considerando as constantes mutações sofridas pelas sociedades globalizadas no capitalismo internacional, buscar-se-á, na teoria política contemporânea do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, uma nova e pós-moderna concepção de democracia, com foco principal na prática democrática como pano de fundo de uma cultura política que realmente tenha por objetivo a efetiva participação no debate pelos diferentes grupos coexistentes no seio das sociedades capitalistas contemporâneas.
2. A concepção liberal de democracia
Embora haja quem considere que a democracia passou de uma aspiração revolucionária no século XIX para um slogan[8] adotado universalmente porém vazio de conteúdo no século seguinte, a emergência da democracia tem sido considerada o acontecimento mais importante do século XX[9]. Parece consenso, no meio científico, a constatação de que o tema democracia assumiu um lugar de destaque no campo político atual.
A origem do termo Democracia remonta ao mundo antigo, segundo a trilha traçada por Platão e Aristóteles (Grécia antiga, século V a.C.). Na origem, democracia significava “poder do demos”, que consistia numa comunidade territorial que se configura como uma unidade política, ou seja, “uma comunidade de homens livres”. As determinações básicas desse conceito são a idéia de comunidade e de liberdade. Os cidadãos decidem os destinos da pólis, na ágora, a praça pública.
Assim, na antiguidade, democracia significava a forma de governo baseada na soberania popular e na distribuição eqüitativa do poder, caracterizada pelo direito da população de participar das decisões sobre a administração pública, diretamente (democracia participativa) ou indiretamente, por meio de representantes eleitos livremente (democracia representativa).
Para Aristóteles, o valor dos valores em uma democracia é a liberdade, sendo este o princípio da política democrática. Outro princípio seria viver sob a autodeterminação, que é justamente o contrário do conceito de escravidão. Dessa forma, somente em uma democracia haveria plena liberdade e somente a igualdade absoluta (que não é econômica, mas social e política) permitiria a democracia.
O sistema idealizado por Aristóteles porém, entra em decadência com a derrota de Atenas na Guerra do Peloponeso (431 a.C.-404 a.C.). A partir de então, os ideais democráticos ficam “esquecidos” durante um longo período na história, só vindo a ressurgir com a Revolução Gloriosa, na Inglaterra, em 1688, momento no qual são estabelecidas as bases teóricas da divisão do poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). A teoria da democracia é reforçada no século XVIII, com o Iluminismo e com a Revolução Francesa, que amoldam o conceito moderno de democracia prevalecente na civilização ocidental. É claro que este conceito, no entanto, não é exatamente idêntico ao conceito original da Antiguidade, uma vez que foi essencialmente modificado pelo liberalismo político ao pretender restringir o poder do governo no interesse da liberdade do indivíduo[10]. A partir de então, como ressalta Jean Roche:
“todas as declarações, todos os preâmbulos, todos os artigos constitucionais consagrados aos direitos e liberdades nos regimes oficialmente democráticos ou liberais, que vão se suceder de 1789 ao fim da primeira guerra mundial, ou mesmo depois, reafirmarão os direitos e os princípios proclamados em 1789, alargando a lista algumas vezes”[11].
Talvez o principal teórico da democracia no período Revolucionário francês tenha sido o genebrino Jean-Jacques Rousseau, para quem o termo reassume em parte o sentido que tinha na Antiguidade, quando as assembléias de cidadãos eram convocadas para adotar medidas de nítido caráter governamental. Democracia, para Rousseau, é a forma de governo pela qual o soberano (entendido como ser coletivo, como exercício da vontade geral) pode confiar o governo “a todo o povo ou à maior parte dele, de modo que haja mais cidadãos magistrados do que cidadãos simples particulares”[12]. Os homens, impossibilitados de subsistirem por seus próprios meios no estado de natureza, isto é, como simples indivíduos, entre si contratam uma transformação na maneira de viver, unindo-se numa “forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes” [13].
Importante notar já em Rousseau o reconhecimento de que “não há forma de governo tão sujeita às guerras e às agitações intestinais quanto a forma democrática ou popular, porque não há outra que tenda tão forte e continuamente a mudar a forma, nem que exija mais vigilância e coragem para se mantida na forma original”. Talvez por esta razão tenha ele chegado a afirmar que democracia verdadeira nunca existiu e nunca poderá existir, pois “é contra a ordem natural governar o grande número e ser o menor governado”[14].
A partir desta reflexão é que as teorias liberais do início do século XIX defenderão a democracia representativa como única forma compatível com o Estado liberal, definido como aquele que reconhece e garante alguns direitos fundamentais, dentre eles a liberdade civil e política, identificando a democracia como a liberdade do indivíduo de escolher livremente seus representantes. No decorrer daquele século, quase todos os países monárquicos da Europa Ocidental se tornam democracias liberais ao instituir uma legislação representativa, onde os cidadãos, ao invés de participar pessoalmente das assembléias, elegem quem vai representá-los e decidir por eles nas reuniões[15].
Nota-se, com isso, que os direitos e liberdades nascidos com a Revolução – ou pelo menos tratados com maior ênfase após ela – podem, em geral, ser sumariados como de caráter universal e metafísico, com princípios eternos e gerais, reconhecendo e declarando regras fundamentais válidas para todas as sociedades. Com caráter também individualista, que reconhece preponderantemente os direitos dos indivíduos considerados isoladamente, deixa aparente o seu gênio burguês, revelado principalmente pela proteção à propriedade privada.
Jürgen Habermas descreve a consciência revolucionária como o “berço de uma nova mentalidade, a qual é cunhada através de uma nova consciência do tempo, de um novo conceito de prática política e de uma nova idéia de legitimação”[16]. Segundo o autor, alguns conceitos são característicos dessa nova consciência instituída a partir da revolução, tais como: o rompimento com o tradicionalismo; a prática política pela autodeterminação e pela auto-realização, com a convicção de que todos os indivíduos são autores de seus próprios destinos (individualismo)[17]; e a confiança em um discurso racional que passa a legitimar o próprio poder político[18]. Está, desde então, definida uma nova etapa da história da cultura, chamada por muitos de modernidade[19].
Assim, toda a estrutura está posta para proteger a liberdade individual, com a sociedade fundada no contrato social e na autoridade da lei. A partir da Revolução, ressalta Habermas, também vem a liberação dos cidadãos dos antigos vínculos estamentais-corporativos e há o nascimento do Estado-nação, que abre um livre caminho rumo ao desenvolvimento do sistema econômico capitalista:
“Esta formação estatal assegurou condições propícias ao desenvolvimento, em escala mundial, do sistema econômico capitalista. O Estado nacional configurou a infra-estrutura para uma administração disciplinada pelo direito, além de oferecer a garantia para um espaço de ação individual e coletiva, livre do Estado”[20].
A difusão rápida desse modelo de Estado-nação tratou de dar fisionomia ao Estado Democrático de Direito, no qual a democracia[21] e os direitos passaram a formar o seu núcleo universalista fundamental, como bases do constitucionalismo moderno e marcos iniciais do Direito Constitucional. Por ser racional e válido universalmente, o direito é concentrado em um único centro de produção jurídica, qual seja, o Estado. Essa figura abstrata tem a capacidade de pensar, criar e aplicar o direito válido e aceito por toda a sociedade. Tais fatos permitem que seja criado um monopólio jurídico no Estado.
Com o maior desenvolvimento das sociedades capitalistas no final do século XIX, o conceito originário de democracia é transmutado pela prática constante da democracia liberal[22], o que transforma os três conceitos originários de democracia (comunidade, liberdade e igualdade) da seguinte forma: (i) a comunidade não é mais definida pela medida comum (liberdade) e passa a ser definida como comunidade nacional; (ii) a liberdade se define pela propriedade (1ª fase da democracia liberal é caracterizada pela qualificação da vontade e do representante por sua renda, com a exclusão dos dependentes), e (iii) a igualdade se define pela cidadania, determinada pela lei (determinando homens mais iguais, fazendo com que discriminações econômicas, de raça e de sexo não sejam incompatíveis com a igualdade). Segundo Moore:
“Os elementos-chave na ordem da sociedade liberal e burguesa são o direito de votar, a representação numa legislatura que faz as leis e, portanto, é mais do que uma chancela para o executivo, um sistema de leis objetivo que, pelo menos em teoria, não confere privilégios especiais em virtude do nascimento ou de uma situação herdada, segurança para os direitos de propriedade e eliminação das barreiras herdadas do passado no seu uso, tolerância religiosa, liberdade de palavra e direito a reuniões pacíficas. Mesmo que, na prática, falhem, são estes os marcos reconhecidos de uma sociedade liberal moderna”[23].
Portanto, na sociedade burguesa, o conceito de democracia se transforma passando de modo de existência social a estatuto de regime político. A condição para haver democracia no modo de produção capitalista é sua redução de forma global das relações sociais à de sistema político de governo. Isso acontece no momento em que o conceito de igualdade fica subordinado ao de segurança para o contrato no mercado de compra e venda da força de trabalho e o de liberdade ao de liberdade de opinião e de voto. Esta é a forma representativa do poder que legitima o Estado, mesmo separando-o da sociedade e sua apropriação pela classe dominante. Nesse sentido, Marilena Chauí adverte que:
“a democracia liberal não é, pois, a democracia, nem a não-democracia, mas o trabalho histórico de uma sociedade de classes na qual a separação entre relações de produções e relações políticas permite a uma formação social, que Aristóteles tranqüilamente classificaria de oligárquica-plutocrática, apresentar-se perante si mesma como politicamente democrática”[24].
Ainda segundo Marilena Chauí[25], os traços característicos da Democracia liberal são: (i) legitimidade e necessidade de conflito; (ii) fundamenta-se na idéia de direitos e não de privilégios; (iii) não se confina no Estado, pois é ela que determina a forma das relações sociais e não o Estado; (iv) Na democracia, poder é diferente de governo – poder é dos cidadãos e o governo é de seus representantes; e (v) Tem um problema constante e necessário: a questão da participação.
O ideal da democracia liberal pode ser retratado no tipo democrático formulado por Schumpeter. Em resumo, o seu modelo de democracia a qualifica como um mecanismo para escolha e autorização de governos, a partir da competição entre grupos e partidos, cuja função dos votantes não é a de resolver os problemas políticos e sim de eleger representantes que o faça. Este modelo político está fundado no modelo do mercado econômico, na soberania do consumidor, na maximização racional dos ganhos, servindo o aparelho do Estado para estabilizar as demandas da vontade política. É clássica a definição procedimental de democracia de Schumpeter, para quem “o método democrático é aquele arranjo institucional para chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decidir por meio de uma luta competitiva pelo voto do povo”[26]. Percebe-se que se trata da concepção de democracia como um método de escolha, o que é veementemente criticado por Atílio A. Boron:
“Em todo o caso e sem entrar a considerar um tema que escaparia dos limites do presente trabalho, convém tomar nota das perniciosas implicações teóricas e político-ideológicas desse triunfo contundente das concepções schumpeterianas – que reduzem a democracia a uma questão de método, dissociado completamente dos fins, valores e interesses que animam a luta dos atores coletivos – a expensas das formulações clássicas, nas quais a democracia é tanto um método de governo quanto uma condição da sociedade civil”[27]. (grifos nossos)
Também em Weber, a democracia não tem, de forma alguma, um sentido amplo de soberania popular, sequer desempenhando um papel estrutural no Estado moderno, uma vez que a liderança deste seria prerrogativa de uma minoria qualificada. O Estado moderno, na concepção weberiana, apresenta uma tendência à burocratização, e a burocracia se apresenta antinômica à democracia, uma vez que “as provisões abstratas que garantam o próprio implemento do procedimento democrático implica o monopólio do funcionalismo burocrático.”[28] A democracia, assim, ensejaria um risco de dominação burocrática, passível de ser evitada apenas por uma liderança política qualificada.
Seguindo a linha de pensamento de Weber, que identifica no Estado racional-legal e burocrata o principal fator de desenvolvimento do capitalismo, a democracia desempenharia um mero papel de forma procedimental de escolha de representantes políticos. Uma vez escolhidos pelos representados, os representantes políticos estariam plenamente aptos a comandar o Estado.
A cultura político-jurídica do século XX também foi influenciada pelo pensamento dogmático e formalista de Hans Kelsen, para quem a democracia, no plano da idéia, assume a conotação de forma de Estado e de sociedade na qual a vontade geral é realizada por quem está submetido à ordem social, isto é, pelo povo, entendido como a pluralidade de indivíduos a constituir um corpo unitário que ele mesmo classifica como fictício[29]. Para o pensador alemão, a unidade do povo, essência da democracia, deve ser pensada no sentido normativo-jurídico e não no sentido da realidade sensível, na qual obviamente nem todos os que fazem parte do povo como indivíduos participam, de fato, do processo de criação das normas que regem a ordem estatal.
Diante disso, há autores que acreditam, inclusive, que a democracia jamais foi um objetivo da burguesia ou fundamento do Estado liberal, pois o que se visou foi apenas a garantia de uma igualdade formal e a liberdade de atuação econômica. As conquistas históricas em prol da participação política teriam sido, em verdade, decorrência direta da mobilização das massas, que acabavam forçando concessões da burguesia em nome uma estabilidade social, o que também é requisito para um bom desenvolvimento das relações capitalistas. Nesse sentido, leciona Atilio A. Boron:
“… o que faltava era um Estado capitalista, que fosse burguês e liberal, mas não necessariamente democrático. Sua progressiva democratização foi resultado de um longo e violento processo de extensão dos direitos civis, políticos e sociais, que assegurou as liberdades requeridas para o exercício pacífico da competição política. É preciso sublinhar, no entanto, que essa abertura não foi uma benévola concessão “de cima”, mas o resultado da mobilização política das classes subalternas que, com seu protesto e suas reivindicações, seus partidos e sindicatos, forçaram a democratização do Estado liberal.”[30]
Cumpre lembrar que nas duas das maiores potências mundiais da época, Inglaterra e França, as mulheres só alcançaram plena cidadania em 1946, após a Segunda Guerra Mundial. Os negros do sul dos Estados Unidos só se tornaram cidadãos nos anos 60 do século passado e, em países da América Latina sob a democracia liberal, os índios ficaram excluídos da cidadania e os negros da África do Sul votaram pela primeira vez em 1994. As lutas indígenas e africanas pelo reconhecimento e participação política continuam até os dias atuais.
Nesse ponto, chega-se a uma preocupante indagação: a democracia, ao longo da história, nunca se preocupou efetivamente em ser um modo pelo qual as pessoas, com seus diferentes anseios e ambições, ou os grupos, com seus diferentes objetivos e tradições, possam ordenadamente decidir sobre o futuro comum da sociedade da qual pertencem, em todas as esferas da vida social?
3. A crise de representatividade e participação política
Visando responder à indagação acima formulada, se faz preciso, ainda que superficialmente, retomarmos o curso da história da democracia. Isto se justifica porque não é de hoje que o problema da representatividade e participação política se faz presente nos foros e debates sobre a democracia. Desde o modelo ateniense já havia o privilégio de apenas seus cidadãos (homens livres, nascidos em Atenas e maiores de idade) com o direito de participar ativamente da Assembléia e também de fazer a magistratura. No caso dos estrangeiros, estes, além de não terem os mesmos direitos políticos, eram obrigados a pagar impostos e prestar serviços militares.
Na sociedade ateniense, além dos escravos, que por serem estrangeiros eram excluídos da cidadania, as mulheres, independentemente da sua classe social ou origem familiar, também se encontravam afastadas da vida política. A grande parte da população, dessa forma, não participava dos destinos públicos, estimando-se que os direitos de cidadania estavam à disposição, no máximo, de 30 a 40 mil homens, o que representava aproximadamente um décimo da população total da cidade, que, segundo as estimativas, dificilmente ultrapassava 400 mil habitantes durante o apogeu dos séculos V-IV a. C.
No passado de uma forma geral, muitas outras sociedades negaram a pessoas o direito de votar baseadas no grupo étnico. Exemplo disso é a exclusão de pessoas com ascendência africana das urnas, na era anterior à dos direitos civis, e, mais recentemente, na época do apartheid na África do Sul.
Na medida em que as sociedades políticas foram sofrendo um aumento populacional por conta da extensão das suas bases geográficas, tornou-se indispensável levar para junto do poder as reivindicações de interesses do governados, o que se passou a fazer por meio de representantes. Isso começou a ocorrer na Idade Média, porém de uma maneira um tanto quanto autoritária, pois a concepção política medieval de representação estava por demais ligada aos aspectos da teologia cristã. Assim, representar significava ser autorizado a ter poderes pela fonte originária de todo poder: o próprio Deus. A representação assume o sentido de assunção da responsabilidade de praticar atos em nome do próprio Ser supremo, uma vez que o representante é visto como a pessoa escolhida para encarna-lo na Terra.
Não obstante esta representação divina, existia ainda na Idade Média uma outra face da representação, cuja origem é mais econômica e social do que religiosa. Trata-se da defesa dos interesses e dos direitos dos três estamentos sociais da época (clero, nobreza e povo), que passaram a ter seus representantes nas Cortes de Portugal, na Espanha, nos Estados Gerais da França, e no Parlamento na Inglaterra, vindo a desempenhar funções consultivas e deliberativas sobre tributos, marcação do valor da moeda, observância das leis fundamentais do reino etc.
Porém, segundo os historiadores, o tema da representação somente entra para o campo político a partir de Hobbes, no século XVII, com a inserção da idéia de representação como autorização concedida pelos súditos para que o seu representante possa agir e falar por eles. Para Hobbes, é essencial que a autorização parta do consentimento voluntário dos cidadãos, pois, nesse caso, a autoridade do representante passa a ser irrevogável. Ao contrário da teoria teológica, representar agora passa a ser estar no lugar de alguém, agindo e falando em seu nome, em razão de estar plenamente autorizado a fazê-lo.
Com a queda do absolutismo, surge a concepção liberal da representação que combina elementos da representação medieval com aspectos da representação soberana de Hobbes. Segundo a concepção liberal, o representante não representa mandatários ou eleitores, mais sim a própria razão universal, a vontade geral, a verdade e o bem comum, sendo certo que os representantes eleitos são meros executores dessa prática. Seguindo esta ótica, a política só poderia ser exercida por especialistas, pois somente eles teriam a capacidade de enxergar esse bem comum e essa razão universal, o que, obviamente, exclui a atuação do povo da vida política.
Contudo, devido aos movimentos operários e populares do século XIX, e com a organização partidária das classes trabalhadoras, a concepção liberal de representação não pôde mais ser sustentada da forma como vinha sendo defendida, pois fica evidente que o representante não representa um poder geral, mas sim reivindica os direitos próprios de uma classe ou de um grupo. A teoria liberal de representação percebe, com isso, a necessidade de uma modificação em suas estruturas, e transmuta-se para uma nova concepção de representação a partir da idéia de partidos políticos, como canais institucionais reconhecidos pelo Estado como representantes dos interesses dos diferentes grupos sociais.
Justamente nesse momento que a democracia representativa demonstra a sua ineficiência. Ela não funciona porque a atuação dos representantes, organizados ou não em partidos políticos, geralmente não atende aos interesses dos representados, os quais são desprovidos de meios institucionais para exigir o devido cumprimento do mandato, além de não lhes ser possível revogá-lo, acarretando em constantes e persistentes decepções nos representados. Somente os poderosos economicamente conseguem apoio no sistema representativo, e isto, devido a grande desigualdade social e até jurídica provocada pela alavancada do capitalismo liberal no início do século XX, torna o sistema de governo absolutamente autoritário, ainda que travestido de democrático:
“[…] as idéias de representação como suporte da igualdade política encontra o limite de sua eficácia prática e ideológica. Partidos e parlamentos não representam interesses conflitantes igualmente representados; no máximo, sancionam um jogo sócio-econômico que lhes escapa. […] Quando hoje se reafirma que a igualdade democrática é política e não social e econômica, ainda assim a noção de representação não pode mais satisfazer ao quesito da igualdade, pois para que a desigualdade social e econômica pudesse democraticamente manifestar-se como igualdade política, seria preciso que as diferenças de classe e de grupos interferissem diretamente nas decisões, o que supõe, pelo menos, igualdade de participação e não de representação”[31]. (Os grifos são nossos)
Esta condição de democracia formal, ao tempo em que esvazia quase por completamente a efetiva participação dos cidadãos, deixando o debate concentrado no âmbito de partidos políticos financiados pelo capital, transforma os políticos (representantes) em técnicos e o Estado passa a ocupar posição de verdadeiro comitê burocrático da burguesia, sempre tomado pelo poder econômico, mesmo que algumas medidas de reforma sejam promovidas pelo sistema dando a ele um caráter mais popular (exemplos são a social-democracia, os direitos sociais, ou as políticas keynesianas). Segundo salienta Pedro Vidal Neto, “o embate do princípio liberal individualista com a realidade logo mostrará suas limitações e deficiências”[32]. Nesse momento, nos Estados ocidentais de modo geral, há uma verdadeira transição de uma democracia política (meramente) para uma democracia que podemos chamar de social.
Acompanhando a transformação da democracia política em democracia social, o Estado Liberal de Direito transforma-se em Estado Social. Fica claro que a extensão do sufrágio universal, conjuntamente ao desenvolvimento dos direitos econômicos e sociais, tem por objetivo tornar efetivas as possibilidades de acesso aos meios materiais e espirituais necessários à plena participação na vida política. Apesar disso, não se vislumbra uma alteração no modelo democrático vigente no que tange ao critério de representação.
A crise de representatividade e participação política na esfera pública é detectada em muitos teóricos como um grave problema de difícil solução, próprio das democracias liberais. Basta lembrarmos Bobbio (ao enfatizar a presença da legitimidade negativa), McPherson (ao identificar o colapso das democracias representativas e o antidemocratismo das elites dirigentes) e Hanna Arendt (ao afirmar que a “crise da república” seria o sinal para a reconstrução democrática que não seja uma “farsa cruel”)[33].
O próprio Foucault já anunciava o excesso de controle social produzido pelo poder disciplinar e pela normalização técnico-científica com que “a modernidade domestica os corpos e regula as populações de modo a maximizar a sua utilidade social e a reduzir o seu potencial político”[34]. Esta denúncia crítica à modernidade faz parte de uma reflexão teórica que vai desde a “lei de ferro” da racionalidade burocrática de Max Weber até à “sociedade administrada” de Adorno e à “colonização de mundo da vida” de Habermas[35]. Os movimentos para a dominação cultural e social não pararam de crescer desde o surgimento dos Estados nacionais e a ascensão do capitalismo global, encontrando na estrutura do poder administrativo o seu principal meio executor e difusor[36].
A forma da democracia representativa elitista propõe uma extensão para o resto do mundo do modelo de democracia liberal, ignorando as discussões oriundas dos países do Sul no debate democrático. O moderno é caracterizado como a verdade absoluta, valores absolutos, o que, por outra via, faz suprimir qualquer reconhecimento das diferenças culturais e dos particularismos. O mais relevante é notar que o próprio sistema político e a forma de governo adotada a partir das teorias liberais nascidas com a modernidade são a expressão mais evidente de que a sociedade evoluiu mais depressa do que os partidos e o sistema representativo. Com as novas tecnologias, com o neoliberalismo econômico e com a globalização, houve uma profunda alteração na estrutura política que, no essencial, ainda se rege por modelos herdados do século XIX. Há um evidente esvaziamento do campo político verificado sobretudo nas sociedades capitalistas modernas, com a mídia desempenhando importante papel nesse processo de absenteísmo político[37].
Portanto, o Estado, configurado para a política da inércia, limita-se ao papel da defesa das instituições, à burocracia, à aplicação das leis e à distribuição de uma assistência social precária. O sistema democrático, por seu turno, baseado em listas partidárias e num parlamento com crescente dificuldade em representar a pluralidade social, deixa de fora aqueles que não conseguem organizar-se politicamente e que vivem nas orlas da cidade e da sociedade, gerando uma enorme crise de representação[38] e o desinteresse pelo próprio processo democrático.
Portanto, como vimos, ainda quando a democracia foi “inventada” pelos atenienses, partiu-se do pressuposto da instituição de três direitos fundamentais que definiam o cidadão: igualdade, liberdade e participação no poder. Porém, apesar de Aristóteles afirmar que a primeira tarefa da justiça fosse igualar os desiguais, seja pela redistribuição da riqueza social, seja pela garantia de participação no governo, a cidadania ateniense nunca foi reconhecida a todos os habitantes de Atenas senão aos homens adultos e livres.
Se levarmos em conta que, após Atenas, o conceito de democracia apenas foi reutilizado com maior ênfase a partir da Revolução de 1789, quando são declarados os direitos universais do homem e do cidadão, podemos facilmente conceber que o que sempre existiu de verdade foi uma democracia formal, e não concreta, pois a sociedade moderna (fundada após as Revoluções burguesas) está estruturada de tal maneira que tais direitos ditos universais não podem existir concretamente para a maioria da população, senão àqueles detentores do capital que monopolizam o poder político em seu proveito.
Com efeito, se considerarmos que o efetivo acesso aos direitos civis e políticos fundamentais é que deve determinar quanto “espaço” está disponível para que os grupos excluídos construam suas próprias organizações representativas, é inegável que a democracia historicamente apareceu, através do Estado, como a “liberdade” concreta da classe dominante de exercer toda a ditadura sobre a classe dominada e assegurar sua exploração. O Estado foi (e não cessou de ser) o instrumento desta ditadura, desenvolvendo-se e aprimorando-se segundo o progresso material econômico e cultural das sociedades de classes.
Por isso, não falta quem a define como um engodo burocrático e anti-participativo que impede a tomada de decisão pelo próprio povo, pois o princípio da cidadania na teoria política liberal abrange exclusivamente a cidadania civil e política perante a autoridade do Estado, e o seu exercício reside exclusivamente no voto. Qualquer outra forma de participação política é excluída ou desencorajada.
4. A teoria democrática contra-hegemônica de Boaventura de Sousa Santos;
Inicialmente – à vista do contexto pretendido –, se mostra importante um reconhecimento sumário daquilo que podemos considerar como estruturas do pensamento de Boaventura Sousa Santos, notadamente em relação às suas contribuições no campo da teoria social e política à luz dos problemas surgidos no período de ascensão e solidificação do sistema capitalista (ocasionados por ele ou não) como modo de produção dominante, assim como do ideal democrático liberal como modelo a ser adotado universalmente pelos governos[39].
Num primeiro momento, nota-se que o autor identifica, no limiar do século XXI, a existência de uma transição entre paradigmas societais e epistemológicos que estavam presentes no projeto da modernidade. Os primeiros fazem referência aos diferentes modos de organizar e viver a vida em sociedade, enquanto que os segundos dizem respeito a passagem da ciência moderna para uma ciência pós-moderna. Segundo Boaventura, o paradigma cultural da modernidade, constituído antes de ter início a dominação capitalista[40], haverá de se extinguir antes mesmo do capitalismo deixar de ser dominante, pois algumas de suas promessas foram cumpridas em excesso, enquanto outras demonstram total impossibilidade de seu cumprimento. Tanto o excesso quanto falta seriam causas da atual situação de transição[41].
Para Boaventura, “a relação entre o moderno e o pós-moderno é uma relação contraditória. Não é de ruptura total como querem alguns, nem de linear continuidade como querem outros, é uma situação de transição em que há momentos de ruptura e momentos de continuidade”.[42]
Metaforicamente (traço marcantes em quase todas as suas obras), o autor identifica que o projeto sócio-cultural da modernidade é caracterizado, em sua matriz, por um equilíbrio entre regulação e emancipação, convertidos nos dois pilares sobre os quais se sustenta a sociedade moderna, distinguindo o “pilar da regulação” do “pilar da emancipação”. O primeiro (regulação) seria constituído pelo princípio do Estado (teoria de Hobbes), pelo princípio do mercado (incurso por Locke) e pelo princípio da comunidade (presente em Rousseau). Por sua vez, o pilar da emancipação (o segundo pilar) seria constituído por três “lógicas da racionalidade”, a saber: (1) a racionalidade estético-expressiva da arte de da literatura, que estaria ligada diretamente ao princípio da comunidade no pilar da regulação; (2) a racionalidade moral-prática da ética e do direito, que se articularia com o princípio do Estado; e (3) a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica, que seria ligada privilegiadamente com o princípio do mercado[43].
O problema da democracia para Boaventura estaria inserido no desequilíbrio que ocorreu no pilar da emancipação, que foi de certa forma quase anulado pelo pilar da regulação nas sociedades capitalistas. Segundo aponta o autor, tal desequilíbrio consistiu, globalmente, no desenvolvimento hipertrofiado do princípio do mercado em detrimento do princípio do Estado, e ambos em detrimento do princípio da comunidade. Diante da grande diversidade de situações na nova era política e do fracasso da teoria crítica moderna, que ao pretender a emancipação acabou favorecendo a regulação, Boaventura acredita que a tarefa da teoria crítica pós-moderna seria apontar novos caminhos, aproveitando os pontos positivos na experiência histórica e identificando tudo aquilo que é verdadeiramente novo. O esforço teórico deve, portanto, incluir uma nova teoria da democracia, a qual permita a reconstrução do conceito de cidadania.
Nesse sentido, a teoria democrática de Sousa Santos reconhece a tensão existente entre democracia e capitalismo. Para o autor, a concepção de democracia desenvolvida por Schumpeter – e pelos demais teóricos considerados liberais – seria uma concepção hegemônica de democracia, pois estaria baseada na representatividade[44], cujas características são apatia política, desenhos eleitorais frágeis e pluralismo partidário de elites, ou seja, a proposta da democracia liberal teria esvaziado o conceito de soberania popular na medida em que o processo democrático teria passado a ser um método político e institucional para tomada de decisões políticas cujos elementos de representação seriam incapazes de representar as diferenças.
Como há a proposição de uma revisão radical do paradigma epistemológico da modernidade, levanta-se a suspeita (evidência) de que o próprio objeto de revisão está mudado, ou seja, de que o processo histórico de descontextualização das identidades e de universalização das práticas sociais não pode ser mais visto como homogêneo e nem tão inequívoco como antes se pensou, pois hoje estariam concorrendo com ele velhos e novos processos de recontextualização e de particularização das identidades e das práticas. Os próprios fatores tradicionalmente tidos como motores da secularização, como por exemplo o liberalismo e a democracia, seriam hoje vistos mais como um certo tipo de fundamentalismo religioso ou algo parecido, perdendo certa credibilidade em razão da irracionalidade de que estariam revestidos.
Some-se a isso o fato do próprio Estado-nação ter entrado em crise, decorrência da mundialização do capital, com este criando um novo suporte institucional diverso do Estado e fora dele (transnacional)[45], constituído pelas agências financeiras e monetárias internacionais etc. Assim, o mercado estaria aparentemente desregulado devido a “ausência” do Estado nacional. No entanto, Boaventura identifica que na verdade a regulação é total e transnacional pois a aparência de desregulação seria a “miragem essencial do neoliberalismo”. Toda esta situação ofereceria condições propícias para que a democracia liberal possa ser imposta como “condição política” da ajuda internacional dos países centrais aos países de terceiro mundo, ao mesmo tempo em que são eliminadas as condições econômicas e sociais mínimas de uma vivência efetivamente democrática.
A concepção hegemônica da democracia é caracterizada pelo autor como aquela que está centrada em três elementos principais: 1- identificação da democracia com regras do processo eleitoral (relação entre procedimento e forma), com a redução do procedimentalismo a um processo de eleição de elites; 2- indispensabilidade de uma forte burocracia; e 3- representatividade como única solução possível nas democracias de grande escala. Surge aí o problema da dificuldade de representação de identidades minoritárias específicas, que não têm a expressão adequada no parlamento e por isso têm grande dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de ter seus direitos reconhecidos.
Por outro lado, a nova teoria democrática proposta por Boaventura – que ele próprio denomina de concepção contra-hegemônica de democracia –, teria como pressuposto a alteração do critério de participação política, deixando ele de ser o simples ato de votar, para se tornar uma articulação entre democracia representativa e democracia participativa. Para tanto, seria preciso haver a “repolitização global da prática social”, abrindo-se o campo político de maneira a permitir a “desocultação das formas de opressão e dominação”, permitindo, com isso, a emergência de novas formas de democracia e de cidadania.
O professor Celso Campilongo identifica em Boaventura as premissas teóricas da democracia denominada contra-hegemônica, a saber: o “esforço pela ‘democratização radical do direito e do Estado’; a ‘criação incessante da cidadania’, associada à ‘democracia sem fim’; e o ‘aclaramento’ da verdadeira dimensão do déficit de democracia nas sociedades capitalistas”.[46]
Dentro das teorias contra-hegemônicas de democracia, Boaventura identifica a teoria Habermasiana como a primeira a abrir espaço para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como prática societária e não como método de constituição de governos, com dois elementos básicos: (i) uma condição de publicidade (esfera pública) capaz de gerar uma gramática societária (reconhecendo a pluralidade das formas de vida existentes nas sociedades contemporâneas); e (ii) o papel de movimentos societários na institucionalização da diversidade cultural.
As concepções não hegemônicas de democracia, dentre elas a desenvolvidas por Habermas, caracterizariam-se por negar as concepções substantivas de razão e as formas homogeneizadoras de organização da sociedade, reconhecendo a pluralidade humana por meio de uma nova gramática social e cultural e pela procura de uma nova institucionalidade da democracia. Haveria, com isso, o reconhecimento de que a democracia é uma forma social e histórica e não determinada por leis naturais, significando rupturas constantes com as tradições, novas determinações, novas normas, novas leis.
Boaventura considera que Habermas foi quem melhor mostrou as antinomias do projeto da modernidade no terceiro período do capitalismo. No entanto, enquanto Habermas acredita que o projeto da modernidade é apenas um projeto incompleto, podendo ser completado com recurso aos instrumentos analíticos, políticos e culturais desenvolvidos pela modernidade, Boaventura acredita que:
“o que quer que falte concluir da modernidade não pode ser concluído em termos modernos sob pena de nos mantermos prisioneiros da mega-armadilha que a modernidade nos preparou: a transformação incessante das energias emancipatórias em energias regulatórias. Daí a necessidade de se pensar em descontinuidades, em mudanças paradigmáticas e não meramente subparadigmáticas”[47].
Nesse sentido, Boaventura observa que na medida em que se ampliam os atores envolvidos na política, com esta passando a envolver uma disputa sobre um conjunto de significações culturais refletida no aumento da participação de diferentes grupos étnicos e culturais, o argumento de que toda assembléia seria capaz de representar as tendências dominantes do eleitorado (até então presente nas idéias modernas de Stuart Mill, dentre muitos outros) perde credibilidade, pois os grupos mais vulneráveis socialmente e as etnias e grupos minoritários, ou mesmo aqueles com menor poder econômico ou desprivilegiados, não conseguem que seus interesses sejam representados.
Considerando este problema em face da grande extensão democrática iniciada em 1970 nos países centrais (Europa) e 1980 nos países do Sul, Boaventura acredita que as mais promissoras formas de democracia seriam aquelas que conseguissem a relativização da representatividade, articulando-a com a participação, sendo, portanto, a democracia participativa um dos grandes campos onde se estaria a reinventar a emancipação social no início do século XXI.
É relevante notar que Boaventura não ignora completamente a concepção liberal de democracia mas, por outro lado, a considera um avanço histórico importante, de onde devemos partir para novos aprofundamentos no exercício democrático, mediante o aprofundamento de novas articulações entre democracia participativa e democracia representativa, com ênfase no pluralismo jurídico, no minimalismo legal e nas lutas micro-revolucioinárias pelo direito. Portanto, a expansão do critério das maiorias, combinada com a proteção das minorias e todas as demais regras do jogo político liberal, integram a concepção de democracia de Boaventura de Sousa Santos[48].
Isto porque o autor considera a democracia participativa uma verdadeira conquista das classes trabalhadoras (mesmo que no capitalismo socialmente se apresente como uma concessão das classes dominantes) e, por ser positiva nesse sentido, deve ser apropriada pelo campo social da emancipação:
“O capitalismo não é criticável por não ser democrático, mas por não ser suficientemente democrático. (…) A complementação ou o aprofundamento da democracia representativa através de outras formas mais complexas de democracia pode conduzir à elasticização e aumento do máximo de consciência possível, caso em que o capitalismo encontrará um modo de convivência com a nova configuração democrática, ou pode conduzir, perante a regidificação desse máximo, a uma ruptura, ou melhor, a uma sucessão histórica de micro-rupturas que apontem para um ordem social pós-capitalista”[49].
Por outro lado, também é possível afirmar, no que tange à sua teoria da democracia, que Boaventura resgatou Rousseau naquilo que ele era mais contrário ao liberalismo clássico, ou seja, na afirmação de que a vontade geral tem de ser constituída como participação efetiva dos cidadãos, de modo autônomo e solidário, sendo para isso necessário uma igualdade substantiva (crítica da propriedade privada) e não meramente formal. A sua teoria pretende ampliar o cânone democrático para além da concepção hegemônica de democracia liberal, contestando-a na sua pretensão de universalidade e exclusividade, abrindo assim espaço para concepções e práticas democráticas contra-hegemônicas.
O autor nota que o projeto da modernidade ocasionou a polarização e descontextualização das identidades, uma vez que prevalece uma subjetividade individual e abstrata em detrimento de uma subjetividade coletiva e contextual. Isso seria decorrência do princípio do mercado e do Estado liberal operados pela versão hegemônica, liberal, da modernidade.
Segundo ele, a conversão do modelo liberal em modelo único e universal implicaria na perda da demodiversidade[50], o que seria extremamente negativo por dois fatores: (i) primeiro porque há uma distinção entre democracia como um ideal (hegemônico) e democracia como prática; e (ii) segundo porque, crendo que o valor da democracia é intrínseco e não meramente uma utilidade instrumental, “esse valor não pode assumir-se como universal”, pois estaria inscrito em uma determinada cultura, a da modernidade ocidental. Essa cultura, por coexistir em um mundo que agora se reconhece como multicultural, não poderia reivindicar universalidade de seus valores, pois impor qualquer universalidade seria uma prática imperial que infelizmente hoje é promovida pelas instituições que em seu nome impõem a adoção da democracia liberal (ONU, UNESCO, por exemplo). Para o autor, a convergência entre concepções postuladas por diferentes culturas deve ser, no máximo, um ponto de chegada de um “diálogo intercultural”[51].
O processo de pluralização cultural e de reconhecimento de novas identidades tem como conseqüências diretas profundas redefinições da prática democrática, redefinições que estão além do processo de agregação característica da democracia representativa. Para Boaventura: “Pensar em democracia como ruptura positiva da trajetória de uma sociedade implica abordar os elementos culturais dessa mesma sociedade”[52]. A relevância da cultura residiria no fato de ela ser, na época do capitalismo global, o espaço de articulação e reprodução das relações sociais capitalistas e da contraposição a elas[53].
Por essa razão, ao invés de pensarmos as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. Elas são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo “unificadas” apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural. Entretanto, as identidades nacionais continuam a ser representadas como unificadas, sendo certo que a principal forma de unificação tem sido a de representá-las como a expressão da cultura subjacente de “um único povo”.
A proposta é de que a fragmentação em mini-racionalidades locais, em contraposição ao universalismo irracional, passe realmente a ser adequadas às necessidades locais dos grupos, na medida em que forem democraticamente formuladas pelas comunidades interpretativas. Assim, Boaventura nos mostra que o processo de democratização revela a possibilidade de inovação, entendida esta como participação ampliada de atores sociais de diversos tipos em processo de tomada de decisões. O processo de democratização onde haja ampliação da diversidade cultural implica a redefinição de identidades e pertenças e o aumento da participação política ao nível local, além da inclusão de temáticas antes nunca tratadas no sistema político.
Nesse sentido, para fortalecer a democracia participativa, são propostas três ações: (i) o fortalecimento da demodiversidade em razão da diversidade cultural; (ii) o apoio de atores democráticos transnacionais onde a democracia é fraca, sempre do plano local para o plano global; e (iii) a ampliação do experimentalismo democrático, necessário para a pluralização cultural, racial e distributiva da democracia.
De acordo com a esta teoria democrática, os monopólios do conhecimento (alta cultura) produzidos pelo paradigma sócio-cultural da modernidade, não devem ser desmantelados por meio de renúncias à interpretação (abstencionismo) como se tem verificado, mas, por outro lado, deve-se criar mil comunidades interpretativas à volta de discursos argumentativos estruturados por topois retóricos (ou seja, condensação de costumes e experiências do quotidiano) originadores de uma verdadeira retórica democrática, que seria muito melhor do que o apodismo imprudente e autoritário do projeto da modernidade. Nas condições atuais de transição, a atenção deve ser voltada para a capacidade de ver o formal no informal e o informal no formal.
Como podemos perceber, fica evidente que sua proposta é de demonstrar que não é possível chegarmos a soluções universais, pois as práticas democráticas devem ocorrer em contextos específicos para dar respostas a problemas concretos[54]. Contudo, neste momento surge a seguinte questão: Na atual situação do que autor denomina de globalização hegemônica, como conceber democracia enquanto forma de organização político-jurídica do Estado e como forma de organização também das instituições infra-estatais e transnacionais?
A resposta do autor não poderia ser mais coerente. Diante de toda esta problemática, ele sugere uma ampla revisão na teoria jurídica e na teoria do Estado, sendo que suas principais preocupações científicas englobam: 1- crítica do monopólio estatal do direito; 2 – reelaboração teórica da diferenciação interna do próprio direito estatal; 3 – descanonização do direito estatal e a socialização dos direitos dos cidadãos e das comunidades; 4 – fim do fetichismo jurídico; 5 – crítica ao conceito de territorialidade enquanto unidade básica do Estado e do direito[55], deixando evidente que um dos principais assuntos ou temas de sua pesquisa é o pluralismo jurídico, segundo o qual as formas básicas de direito seriam encontradas nos principais espaços onde o poder político é, de fato, produzido, quais sejam: o espaço do trabalho, o espaço doméstico, o espaço da produção, o espaço da troca, o espaço da comunidade, o espaço da cidadania o espaço mundial[56]. Tais espaços são considerados pelo autor como “os conjuntos mais elementares e mais sedimentados de relações sociais nas sociedades capitalistas contemporâneas”[57].
Por esse motivo, Boaventura aponta a necessidade de se reconceitualizar a escala espacial das lutas democráticas que são travadas nos espaços nacionais, supranacionais e subnacionais em que o capitalismo opera. Para analisar a globalização que ele chama de contra-hegemônica, lança mão de duas categorias adicionais, as categorias de cosmopolitismo e de herança comum da humanidade. Por cosmopolitismo ele entende a atividade dos grupos subordinados no interior da globalização “estados-nação, regiões, classes ou grupos sociais e seus aliados de organizar-se transnacionalmente em defesa de interesses comuns e utilizar, para o seu próprio benefício, as potencialidades de interação transnacional criadas pelo sistema mundial”. Tal organização tem a intenção de “contrarrestar efeitos perversos das formas hegemônicas de globalização e surge da percepção de novas oportunidades para a criatividade e a solidariedade internacional criadas pela intensificação da interação global”[58].
Haveria assim a necessidade de se articular comunidades políticas territorialmente delimitadas com agências, associais e organizações-chave do sistema internacional, de tal maneira que este último torne-se parte de um processo democrático. A globalização hegemônica se expressaria como lex mercadoria ao passo que a contra-globalização não hegemônica teria expressão na herança comum ou no assim chamado jus humanitatis. Esse último é definido como “a expressão da aspiração a uma forma de governança dos recursos naturais e culturais que devem ser considerados como possuídos globalmente e geridos no interesse da humanidade como um todo tanto no presente quanto no futuro”[59].
Uma vez que a maior parte destas lutas tem origem local (como a ambiental, a feminista, a dos sem terra), a sua eficácia e legitimação dependem de alianças translocais e globais, capazes de permitir a articulação de lutas conduzidas a partir de experiências distintas. A esse tipo de integração das lutas com a preservação da autonomia de cada uma individualmente, o autor empresta o nome de teoria da tradução:
“Diferentemente de uma teoria geral da ação transformadora, a teoria da tradução mantém intacta a autonomia das lutas em questão como condição para a tradução, dado que só o que é diferente pode ser traduzido. Tornar mutuamente inteligível significa identificar o que une e é comum a entidades que estão separadas pelas suas diferenças recíprocas. A teoria da tradução permite a identificação comum em uma luta indígena, uma luta feminista, uma luta ecológica etc., sem fazer desaparecer em nenhuma delas a autonomia e a diferença que as sustenta”[60].
Com a teoria da tradução, a defesa da diferença cultural, da identidade coletiva, da autonomia ou da auto-determinação podem assumir a forma de luta pela igualdade de direitos e de acesso através do reconhecimento e exercício de direitos de cidadania. Assim, a tradução pode assumir a defesa e promoção de quadros normativos alternativos, mediante a proliferação de esferas públicas locais capazes de articulação translocal, a favor ou contra os Estados-nacionais, como formas de globalização contra-hegemônica.
Portanto, verifica-se, de forma clara, que a proposta de Boaventura é a de uma solução a nível local, resolvendo o problema por meio de racionalidades formuladas democraticamente também localmente para, partindo de um conjunto de soluções locais atingir-se o global, rechaçando qualquer pretensão de solucionar os problemas do globo por meio de superestruturas universais de valores (dentre os quais, como vimos, está contida a própria concepção liberal de democracia). O valor universal da democracia aparece para o autor como meio de que desfrutam os países centrais (desenvolvidos) para impor o seu modelo de desenvolvimento econômico e social à todas as outras sociedades do globo, que passam a ser-lhes subordinadas e integradas pela mercantilização da vida social, política e cultural.
Exemplo concreto dessa prática é o que acontece com os povos indígenas no Brasil, que estão sujeitos a conceitos eurocêntricos de “terras indígenas” e ao “direito” de propriedade. A adoção de modelos políticos e jurídicos eurocêntricos, supostamente de validade universal, como a ordem econômica neoliberal e a democracia representativa, é baseada em formas de dominação fundadas em diferenças de classe, de etnia, de território, de raça ou de sexo, e na negação de identidades e direitos coletivos, considerados incompatíveis com as definições eurocêntricas de uma ordem social “moderna”. No Brasil, as propostas incursas pela FUNAI retratam bem este problema[61].
5. Conclusão
Como vimos, com o passar dos anos e na medida em que as bases territoriais e geográficas do Estado-nacional vão sofrendo larga expansão, promovendo maior domínio sobre os diferentes grupos sociais ali instalados, fica claro que o modelo de democracia representativa, com a atuação dos representantes organizados ou não em partidos políticos, não é capaz de atender aos interesses de todos os “representados” pertencentes àquele “corpo” social tão diversificado. Na verdade, o sistema democrático representativo sempre deixou de fora do debate político as minorias (ou muitas vezes maiorias) e grupos com maiores dificuldades de ter seus direitos reconhecidos, evidenciando que a representatividade do modelo democrático liberal não é capaz de alcançar as aspirações e necessidades específicas desses grupos.
Obviamente, uma democratização radical da vida social ainda pressupõe uma iniciativa dos Estados nacionais e dos organismos internacionais, pois ainda continua sendo de grande importância a presença de uma forte soberania nacional que garanta os direitos coletivos dos povos. Porém, como alerta Boaventura de Sousa Santos, se faz preciso ir além das barreiras impostas pelo espaço da cidadania próprio dos Estado-nacionais, do direito estatal e da teoria política liberal. Segundo a sua teoria, fica claro que para haver uma completa democratização social e política é necessário democratizar os demais espaços componentes da vida social, tais como o espaço do trabalho[62], o espaço doméstico, o espaço da produção, o espaço da troca, o espaço da comunidade e o espaço mundial[63].
Ainda mais, sob o perigo de haver um reconhecimento subordinado aos interesses do capital – e não dos povos –, a iniciativa deve partir de “baixo para cima”, ou seja, a partir lutas micro-revolucionárias pelo direito; da prática democrática fragmentada em mini-racionalidades locais; do aumento da demodiversidade; da ampliação das experiências democráticas; e da organização em escala global dos grupos sociais diferenciados, tendo como pressuposto o desenvolvimento do critério de participação política a fim de que haja uma constante articulação entre democracia representativa e democracia participativa[64], sempre lembrando que a democracia, antes de ser uma idéia pronta ou um valor universal imutável, deve ser resultado de uma prática social e histórica em constante transformação,
É evidente que a visão de Boaventura procura, de todo modo, uma ampliação do experimentalismo democrático nos diversos ambientes que compõem a vida social. Entretanto, considerando que muitos países do sul – como o Brasil – nem ao menos estiveram dentro do campo democrático na lógica hegemônica, mostra-se preciso questionar a validade de seus postulados em face das particularidades e da própria insuficiência democrática da cultura política local.
De fato, o Brasil é uma sociedade com longa tradição de política autoritária, com a predominância de um modelo de dominação oligárquico, patrimonialista e burocrático, resultando na formação de um Estado, de um sistema político e de uma cultura marcados pela marginalização política e social das classes populares, com enormes obstáculos para a construção da cidadania e dos direitos à participação popular autônoma.
Por esse motivo, na medida em que a teoria democrática proposta deixa transparecer a necessidade de uma articulação organizada por uma rede interconectada de lutas democráticas locais e globais, a fim de criar uma aliança transnacional em defesa de interesses comuns, com a utilização das potencialidades de interação mundial para promover aquilo que o autor denomina de globalização contra-hegemênica, a aplicabilidade das propostas de Boaventura ao caso brasileiro fica, a primeira vista, prejudicada.
Isto ocorre não só porque a eficácia e legitimação das lutas democráticas dependem de alianças translocais e globais, capazes de permitir a articulação de lutas conduzidas a partir de experiências distintas – o que exige uma cultura política democrática forte e madura –, mas também por contar com meios de interação que, especialmente no caso brasileiro, ainda não foram apropriados (e não tão cedo o serão) pelos atores sociais diretamente envolvidos na luta por uma participação política mais ampla.
Destas conclusões não decorre a desconsideração da teoria apresentada em relação ao sistema político-social brasileiro. A crítica apenas demonstra que o caminho a ser percorrido talvez seja mais longo e difícil do que em princípio possa parecer. Ainda assim, na teoria democrática contra-hegemônica, a distância entre o possível e o utópico parece ser reduzida na medida proporcional da ampliação e da articulação das lutas organizadas por uma realidade social mais inclusiva e democrática.
Mestrando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado em São Paulo
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