Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar se é possível e pertinente com o ordenamento jurídico do Brasil, o instituto do casamento, em Direito de Família, ser estendido aos casais homossexuais. Para isso, é discutido se as normas constitucionais insculpidas no artigo 226, §1º e §3º cumprem esse papel.
Palavras-chave: União estável homoafetiva; Casamento homoafetivo; Plano da Existência.
Abstract: This article intends to analyze if marriage, in Family Law, with the juridical ordinance of Brazil, can be extended to the homosexual couples. For this, the article discusses if the constitutional rules, insculped in the article 226, §1º, §3º, fulfill this role.
Keywords: homoaffectionate stable union; homoaffectionate marriage; existential plan.
Sumário: 1- Considerações Iniciais; 2- O plano da Existência; 2.1- Autoridade Competente; 2.2 – Declaração de Vontade ou Consentimento Manifestado na Forma da Lei pelos Noivos; 2.3- Diversidade de Sexos dos Nubentes; 3- Casamento Homoafetivo: Conversão a partir da União Estável; 4- Conversão da União Estável em Casamento combinada com a Norma do artigo 226, §1º da Carta Magna; 5- Eficácia do Casamento Homoafetivo: a Luta pela Realização; 6- Considerações Finais; 7- Referências.
1 – Considerações Iniciais
Desde a promulgação da Carta Magna Brasileira de 1988, há a preocupação com a igualdade, cidadania e dignidade de todos os indivíduos. Para isso, existe a primazia para que se construa uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Entretanto, quando se trata dos direitos dos homossexuais, parece que esses princípios muitas vezes não são observados. Exemplo disso, ocorre com os institutos da união estável e do casamento, no ramo do Direito de Família. Ao que tudo indica, parece que a legislação não abarca os casais homossexuais nos referidos institutos familiares, devendo eles, sempre recorrerem ao judiciário, na esperança de serem acolhidos por tais.
Entretanto, o presente artigo pretende jogar uma luz sobre o Direito de Família, especialmente ao que tange à união estável e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para isso, este artigo, baseia-se em uma parte do livro “A possibilidade jurídica do casamento homoafetivo no Brasil”. O trabalho, apresenta, portanto, uma nova teoria e discussão que se pode imprimir ao Direito de Família, bem como aos direitos reivindicados pelos homossexuais. Assim, neste artigo não somente será discutida a união estável homoafetiva, mas também, será apontada uma possibilidade para que o casamento entre homossexuais possa ser realizado no Brasil. Para isso, no primeiro item, é discutido se um fato, quando ingressa no Mundo Jurídico, necessariamente precisa passar pelo plano da Existência, ao que tange ao instituto do casamento no Direito de Família. Analisa-se, assim, se cada um dos pressupostos (autoridade competente, consentimento dos noivos e diversidade de sexo dos nubentes) apontados pela doutrina necessitam configurar no plano da Existência, ou podem ser discutidos no plano da Validade.
No item seguinte, é apresentada uma das maneiras que o casamento homoafetivo pode ser realizado no Brasil. Tal modo provém da conversão da união estável entre pessoas do mesmo sexo, em casamento, partindo da analogia com a união estável heteroafetiva. Já o segundo modo do casamento homossexual ser realizado no Brasil é apresentado e discutido no quarto item desse artigo. Verifica-se isso através da conversão da união estável em casamento combinada com a norma exposta no artigo 226, §1º da Constituição.
Nesse sentido, no quinto item, é discutida a eficácia da norma matrimonial ao que toca aos casais homossexuais, procurando jogar uma luz para que essas pessoas possam ser acolhidas pelo direito.
2 – O Plano da Existência
Como se sabe, no Direito, há três planos por onde um fato que ocorre no Mundo dos Fatos deve passar para ingressar no Mundo Jurídico. Tais planos são conhecidos por Existência, Validade e Eficácia. Esse fato, teoricamente, necessita ser analisado dentro de cada um desses planos, na ordem em que eles se apresentam. Assim, se um fato ocorrido no Mundo dos Fatos não preencher os requisitos do plano da Existência, nem poderá ser discutido no plano da Validade e depois no da Eficácia.
Entretanto, para este artigo, será somente tratado acerca do plano da Existência, pois, segundo a doutrina majoritária, bem como para alguns juristas, é onde há o “problema”, a “proibição” para o casamento homoafetivo. Frente a isso, nesse item, verificar-se-á se realmente existe, na lei, alguma “proibição” para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dessa forma, cabe verificar quais são os requisitos para um casamento ter sua existência reconhecida no Mundo Jurídico.
Por questões doutrinárias, a maioria dos autores aponta três requisitos para o matrimônio existir juridicamente. São eles: a celebração perante autoridade legalmente investida de poderes para tal, ou seja, a autoridade competente; o consentimento manifestado na forma da lei pelos noivos e a diferença de sexo dos nubentes. Nesse sentido, para discutir se realmente há empecilho para o matrimônio homoafetivo no Brasil, é pertinente analisar cada um desses pressupostos, pois, é através deles que se poderá responder a seguinte indagação: casamento homoafetivo é possível perante o atual ordenamento jurídico brasileiro? Desse modo, passa-se à análise dos referidos pressupostos.
2.1 – Autoridade Competente
De acordo com Dias (2005, p. 257-258), “o casamento é celebrado por pessoa a quem as leis estaduais de organização judiciária atribui competência.” Dessa maneira, se a lei estadual atribuir competência de celebrar o matrimônio a um ministro da religião da qual os nubentes façam parte, por exemplo, ele passa a ser a autoridade competente para realizar aquele ato. Assim, “também a autoridade consular tem competência para celebrar casamento de brasileiros no estrangeiro (art. 1544/CC). Em se tratando de casamento nuncupativo (art. 1540/CC), o casamento é realizado por qualquer pessoa.” (DIAS, 2005, p. 258).
Verifica-se que, o matrimônio é permeado de formalidades, visando colher apenas o consentimento dos nubentes. No momento em que isso acontece, eles passam a ostentar o estado de casados. Assim, “o ato de celebração representa o elemento formal do casamento, emprestando-lhe efeito constitutivo” (DIAS, 2005, p. 258).
Tomando por base que, no Direito de Família do Brasil, é o ato da celebração do casamento que faz com que o matrimônio tenha efeito, então, pode-se mencionar que, mesmo que o casamento tenha sido feito por autoridade incompetente, aconteceu o ato, bem como houve o consentimento livre dos noivos, devendo reconhecer que aconteceu o casamento. Pode-se afirmar isso, pois, após a celebração, mesmo que seja realizada por autoridade incompetente, o novo casal ostenta, perante os outros, a condição de casados. Percebe-se, neste requisito, que nada tem a ver com o sexo dos nubentes, podendo, até, nesse momento, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ser existente.
Como se está discutindo o plano da Existência no Direito de Família, mais especificamente, em relação ao casamento, parece que há certo equívoco quando a doutrina majoritária classifica a autoridade competente como requisito para a existência de um matrimônio. Afinal, é necessário, antes de prosseguir na discussão, tomar por base o conceito de casamento. O que é um casamento?
Casamento, no Mundo Jurídico, pode ser entendido que é o ato (o momento da celebração) e o que vier depois desse momento, ou seja, o momento em que os nubentes ostentam para terceiros que estão casados. Diante disso, é possível afirmar que, se há requisito para o casamento no plano da Existência, estes deveriam ser: a pessoa que irá realizar o casamento não importando para o plano da Existência se a pessoa é ou não competente para realizar aquele ato, e o casal de nubentes. Somente isso. Caso não tenha um desses indivíduos, poder-se-ia falar em casamento inexistente. Com essa lógica, tudo o que fugir disso, necessita ser tratado no plano da Validade.
Tem-se, como exemplo, a já mencionada autoridade competente. Supõe-se que quem venha a celebrar o casamento seja um indivíduo que não tenha poderes delegados pela lei para isso. Os noivos dizem “sim” um para o outro e esta pessoa que celebrou o matrimônio os declara casados. O que acontece? Para a maioria dos doutrinadores, seria casamento inexistente. No entanto, parece ser uma idéia um tanto equivocada, pois o ato em si ocorreu. Houve uma celebração. E, se houve o ato, a celebração, aconteceu o casamento e, portanto, não se poderia falar em inexistência do matrimônio por autoridade incompetente, mas sim em invalidade do matrimônio por autoridade incompetente. Afinal, como afirma Dias (2005, p. 258):
“O princípio de presunção do casamento permite contornar a invalidade do ato de celebração por ilegitimidade do celebrante, não se podendo falar em inexistência do casamento. De qualquer forma, ainda que a doutrina insista em considerar a competência do celebrante como pressuposto à existência do casamento, o legislador considera somente anulável o matrimônio celebrado por autoridade incompetente (art. 1550, VI/ CC). Mais. Celebrado por quem se apresentava publicamente como autoridade para esse ofício, se o ato foi registrado, o casamento subsiste (art. 1554/CC). Percebe-se aí que a autoridade incompetente não pode tornar o casamento inexistente, mas sim inválido.”
Além disso, se há invalidade no casamento por causa da autoridade incompetente, não é a igualdade de sexo do casal que tornará o casamento inexistente ou inválido neste caso. Desse modo, passa-se à análise do próximo pressuposto que a maioria dos doutrinadores consideram relevante para a existência do casamento.
2.2 – Declaração de Vontade ou Consentimento Manifestado na Forma da Lei pelos Noivos
No entendimento de Dias (2005, p. 258-259),
“Este requisito de refere às hipóteses em que um dos noivos disse “não”, ficou em silêncio ou outra pessoa respondeu por ele, sem que o celebrante tenha percebido. Quedando-se silente o noivo, deixando de, imediatamente, buscar a desconstituição do casamento, não há como questionar a existência do ato. Descabe falar em casamento inexistente. A falta de manifestação de vontade configura, no máximo, vício de vontade, sob a forma de coação, a permitir a sua anulação” (art. 1559/CC).
Nesse fragmento, Dias (2005) é bastante clara ao falar que a não manifestação de vontade dos cônjuges não enseja inexistência do matrimônio. Afinal, como já foi dito, se houve a celebração, se teve o ato, houve casamento. O fato de alguém não ter manifestado sua vontade deverá ser discutido no plano da Validade, não no plano da Existência. Verifica-se, assim, que, neste requisito, não é o fato de haver dois homens ou duas mulheres que estão interessados em contrair núpcias que vai deixar de existir ou invalidar o ato, mas sim, se algum deles não pode manifestar, de forma livre, sua vontade de casar. Cabe assim, partir agora, para a análise do último requisito apontado pela grande maioria dos doutrinadores para o casamento existir. Esse seria a diversidade de sexos dos nubentes.
2.3 – Diversidade de Sexos dos Nubentes
Alega a doutrina majoritária que a lei, no artigo 1514 do Código Civil, quando afirma que “o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”, proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mesma ideia é expressa por Brandão (2002, p. 62-71), quando diz que o casamento
“É a sociedade do homem e da mulher que se unem para perpetuar sua espécie, para se ajudar, por assistência mútua, a suportar o peso da vida e para compartilhar do mesmo destino. No direito brasileiro, […] “casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexos diferentes se unem, […] sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida.” […] Mais recentemente somam-se aos conceitos de Silvio Rodrigues, Caio Mário da Silva Pereira e Maria Helena Diniz, respectivamente: “o casamento é o contrato de Direito de Família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência.” O casamento é a união de duas pessoas de sexo diferente, realizando uma integração fisiopsíquica permanente. “É o vínculo jurídico entre homem e mulher que visa ao auxílio mútuo e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família legítima.” […] A doutrina ensina que para haver casamento é preciso que haja a diversidade de sexos, a celebração solene e a manifestação do consentimento dos nubentes. […] Assim, a análise da teoria da inexistência se impõe.”
No entanto, equivocados estão esses doutrinadores quando realizam esse entendimento sobre o artigo 1514 do Código Civil, pois, primeiro, que a lei não proíbe o casamento entre homossexuais. Segundo, que ela, teoricamente, também não menciona o sexo dos noivos. E isto vale para o Código Civil, bem como para a Carta Magna. Além do mais, verifica-se que nem mesmo a teologia cristã menciona qual o sexo que os nubentes devem ter ao contrair casamento, pois, a “Constituição Gaudium et Spes, de 1965, diz expressamente: “o matrimônio, […] não foi instituído apenas para o fim da procriação” (GS 50). E acentua que […] consiste na expressão de um amor: esta afeição se exprime e realiza de maneira singular pelo ato próprio do matrimônio. Por isso, os atos pelos quais os cônjuges se unem íntima e castamente são honestos e dignos. (LOPES, 2003, p. 26)
Além do mais, para Barbero (2005, p. 43) a complementariedade de sexos (homem e mulher) de que Brandão (2002) fala é apenas cultural, posto que “as categorias de homem e mulher ou de feminino e masculino, que poderiam entrar ‘em relação’ não são realmente complementárias.” Assim, a regra de que “opostos se atraem” é somente uma simbologia, uma criação da sociedade, já que,
“As formas de sexualidade se revelam fundamentalmente aquém das oposições homo/hetero […] feminino/masculino […] afinal, […] em nível inconsciente não temos um ou dois sexos; o que temos são n sexos [até porque, sob,] este ponto de vista, o desejo é sempre extraterritorial, desterritorializado, desterritorializante, ele passa por cima e por baixo de todas as barreiras” (OLIVEIRA, 1998, p. 361).
No entanto, muitas pessoas ainda acham que a única forma de amor válida é aquela que acontece entre o homem e a mulher e, por tais motivos, é que “qualquer tentativa de reconhecimento das uniões homoafetivas, no âmbito do direito das famílias, sempre encontrou severa resistência” (DIAS, 2005, p. 257), até porque, para Barbero (2005) é muito difícil realizar mudanças nos costumes de um povo, posto que qualquer uma que se tente fazer, sempre vem seguida por alguma oposição. Mas, embora isso aconteça, alguns países como, por exemplo, Holanda, Bélgica, Espanha, Argentina, entre outros, já autorizam o casamento homossexual, fazendo com que a diferença de sexos do casal como algo essencial ao matrimônio desapareça. Embora a maioria dos doutrinadores brasileiros afirma que, no Brasil, a diversidade de sexo dos noivos é algo essencial para o casamento, é bem possível deixar de lado essa ideia e, mencionar, respondendo a indagação exposta no inicio deste artigo, que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é cabível no ordenamento jurídico do Brasil. Para se chegar a essa conclusão, far-se-á a demonstração de duas maneiras: a primeira será por meio da conversão da união estável em casamento, e a segunda, por meio da norma do artigo 226, §1º da Carta Magna.
3 – Casamento Homoafetivo: Conversão a partir da União Estável
Como foi explicitado anteriormente, há duas maneiras do casamento homossexual acontecer no Brasil. Neste item será tratado sobre a primeira maneira, que é feita a partir da conversão da união estável em casamento. De tal modo, é sabido que ela pode ser convertida em casamento, pois, como dispõe o art. 226, §3º da Constituição, é isso que se entende: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
No entanto, cabe discutir se através do reconhecimento das uniões estáveis entre homossexuais, mesmo que somente no âmbito jurídico, pelas jurisprudências, podem ser convertidas em casamento. Antes de dar uma resposta é pertinente discutir a ideia de que, se a diversidade de sexos, que foi colocada na Carta Magna, é somente um rol exemplificativo de união estável, ou se é taxativo, daí não podendo utilizar-se da analogia para julgar as ações declaratórias de reconhecimento de união entre homossexuais e, como conseqüência, ser negado o casamento homoafetivo.
Dias (2003) principia expondo que o instituto da união estável pode ser aplicado para as uniões homoafetivas. Afirma-se isso, pois, na legislação, mesmo não havendo uma determinação expressa, também não há nada que proíba o reconhecimento de tais uniões. Sendo assim, cabe usar da analogia para interpretar uma norma. Essa analogia, de acordo com Dias (2003), ocorre porque a Constituição é uma unidade, ou seja, porque não se deve interpretar uma norma constitucional de maneira isolada, mas sim em um conjunto com as demais. Isso quer dizer que pelo
“Princípio da unidade da Constituição, que proíbe a aplicação isolada de uma norma constitucional e exige uma interpretação da norma em conexão com outras normas constitucionais de tal modo que as contradições com outras normas sejam evitadas. […] Obviamente, que em considerando o princípio da unidade da constituição, não seria possível fazer esta extensão se houvesse norma excluindo expressamente os casais homossexuais da união estável”. (LOPES, 2003, p. 128-129)
Significa dizer que quando se interpretar uma norma da Carta Magna, deve-se lê-la levando em conta as demais regras que a rodeiam. De tal forma, é que o art. 226, §3º da Lei Maior jamais está excluindo as uniões homoafetivas, posto que,
“Tal qual as relações heterossexuais, as uniões homossexuais são vínculos afetivos […] em que há comprometimento mútuo. A união estável configura um gênero que comporta mais de uma espécie: a união estável heterossexual e a união estável homossexual. […] Sobretudo, as regras da união estável heterossexual, por analogia, são perfeitamente aplicáveis às uniões homossexuais” (DIAS, 2004, p. 34).
Diante desse entendimento, o art. 226, §3º da Constituição não exclui as uniões homoafetivas. Percebe-se, portanto, que a diversidade de sexos deixa de ser requisito essencial à constituição de uma união estável. Tomando por base, essa mesma norma, verifica-se que ela possibilita a conversão da união estável em casamento. Desse modo, se é afastada a diversidade de sexos para a configuração de união estável, também, é deixada de lado, essa diferença para o casamento.
Ainda assim, se tomar como base os princípios constitucionais, bem como que a sociedade brasileira de acordo com a Carta Magna, quer ser livre, justa, fraterna, solidária, aberta, pluralista, igualitária, visando o combate de todas as formas de preconceito, faz-se necessário, acatar os direitos de todos os indivíduos que dela fazem parte, até porque, segundo Dias (2004),
“As normas constitucionais que consagram o direito à igualdade proíbem discriminar a conduta afetiva no que respeita a inclinação sexual. Portanto […] rejeitar a existência de uniões homossexuais é afastar o princípio insculpido no inciso IV do art. 3º da Constituição Federal: é dever do Estado promover o bem de todos, vedada qualquer discriminação, não importando de que ordem ou tipo” (DIAS, 2004, p. 47).
Desse modo, quando se fala em igualdade, também é necessário levar em consideração o direito a diferença. Para Fontanella (2006), uma diferença vai surgir a partir de uma condição natural que está presente no indivíduo, como, por exemplo, a orientação sexual. Por tal motivo, é que uma diferença deve ser protegida “pelo Estado de Direito como condição indispensável de promoção da dignidade da pessoa em todas as suas dimensões.” (FONTANELLA, 2006, p. 2). Isto é, a
“Orientação sexual de um indivíduo em nada desmerece seu valor ou caráter, devendo o Estado Democrático de Direito respeitar sua condição, garantir seus direitos e o pleno desenvolvimento em sociedade. […] Do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana decorre diretamente a proteção da orientação sexual, a ser respeitada a partir do reconhecimento da diversidade de indivíduos e pluralidade de expressões. No Estado Democrático de Direito, as diferenças devem ser respeitadas e as desigualdades sociais eliminadas, a fim de que as promessas formuladas como mandamento constitucional sejam efetivadas nos níveis normativos inferiores”. (FONTANELLA, 2006, p. 119).
Sendo assim, na tentativa de proteger os casais homossexuais, bem como o direito à diferença e à diversidade, muitas decisões judiciais já afirmaram que é possível, por meio da analogia com a união estável entre heterossexuais, estender o benefício e reconhecer essa entidade familiar para as uniões homoafetivas. Dessa forma, por meio do artigo 226, §3º da Carta Magna, se há o reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas, é possível convertê-las em casamento, da mesma forma como há para as uniões heteroafetivas. Sobre essa conversão da união estável em casamento, Serejo (2004, p. 84) aduz que o matrimônio continua prestigiado
“No texto constitucional, mesmo com a proteção que a Constituição deu à união estável. Prova desse prestigio é o fato do §3, do art. 226, apontar para a possibilidade de converter essa mesma união estável em casamento. Com essa posição, preocupou-se o constituinte com a formação de uma família, preferencialmente, assentada no casamento”.
E tal regra (a da conversão da união estável em casamento) não é afastável quando se trata acerca dos casais homossexuais, pois, como aduz Dias (2003, p. 123),
“O relacionamento homossexual entre dois homens ou duas mulheres encontra óbice no art. 226, §3º da Constituição Federal, na lei nº 8971, de 02.02.94, e na lei nº 9278, de 10.05.96, tanto para o reconhecimento de uma união estável como para a conversão em casamento”.
Diante disso, essa seria uma possibilidade de o casamento homossexual ser realizado no Brasil. Utilizando-se da norma do já mencionado artigo da Constituição Federal de 1988, e se é possível, mediante a analogia das uniões homoafetivas com as uniões heteroafetivas, estas últimas serem convertidas em casamento, então, é também possível falar em conversão ao matrimônio para os casais homossexuais.
No entanto, tal possibilidade somente pode ser realizada se atentar para o que diz a norma sobre casamento, propriamente dito. Ou seja, ver se essa norma é condizente com a possibilidade jurídica de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Pois não adiantaria ter uma norma que, ao fazer uso da analogia, permita a união homoafetiva nos moldes da união heteroafetiva, sendo até possível convertê-la em casamento se há outra norma que proíba, por exemplo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Cabe, então, adentrar nesta discussão.
Para a doutrina majoritária, não se poderia falar em casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois, esbarra no art. 1514 do Código Civil.[1] Então, por ele dizer “o homem e a mulher”, a doutrina traz, como exemplo de casamento inexistente, o casamento homossexual, por causa do preconceito que a sociedade tem frente às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Surgiu, portanto,
“A distinção entre atos jurídicos nulos e inexistentes tem um tratamento diferenciado nas questões matrimoniais. Assim justifica Clóvis Beviláqua: não se refere o Código aos casamentos inexistentes, porque não necessitaria de um debate judiciário para serem declarados tais. Aliás, para sustentar a existência de casamento inexistente, sempre se invoca como exemplo o casamento homossexual”. (DIAS, 2006, p. 87)
Enganam-se tais juristas, pois casamento inexistente, não existe. Essa ideia de matrimônio inexistente surgiu, pois,
“Como a lei não elenca algumas causas de nulidade do casamento (ausência de celebração, ausência de manifestação de vontade e diversidade de sexo dos nubentes), ficava o juiz desarmado, não havendo possibilidade de invalidar casamentos portadores de defeitos insanáveis por não encontrar texto expresso para fundar a ação anulatória. Assim, a afronta a tais pressupostos passou a ser considerada como ausência de elemento essencial à própria existência do casamento. A categoria da inexistência vem em socorro do intérprete em situações de extrema perplexidade, quando o sistema de nulidades não se amolda perfeitamente ao caso. Aí está a origem do casamento inexistente”. (DIAS, 2005, p. 256).
Somente cabe ressaltar que quando se exprime a ideia de inexistência de algo, entende-se que seja uma inexistência jurídica e não material. Em outras palavras: ela existe no Mundo dos Fatos, mas não existe no Mundo Jurídico, daí não podendo produzir nenhum efeito. Tal ideia de inexistência está correta, posto que aquilo que não tem existência no Mundo Jurídico não pode produzir efeitos jurídicos. No entanto, a ideia de atos inexistentes que são trazidos no ordenamento jurídico não serve, de modo algum, para o Direito de Família. Nesse campo do direito, principalmente para o casamento, o plano da Existência não tem como se configurar. Ele inexiste.
Explica-se: como foi dito, a falta de consentimento e a incompetência da autoridade devem ser discutidas no campo da Validade como coação e incompetência de autoridade, respectivamente. O mesmo vale para o sexo dos nubentes. Pois, como foi dito, a cerimônia em si, quando acontece, e acaba, o casamento existe. Portanto, não cabe falar em casamento inexistente. Se foi feito por coação, por autoridade incompetente ou se os noivos são do mesmo sexo ou de diferentes sexos, será discutido no plano da Validade. E, frisa-se, lá é somente o que a lei diz.
Nesse sentido, Matos (2004), aduz que o Código Civil somente faz referência aos atos de nulidade e anulabilidade, não mencionando os atos de inexistência ou existência de um negócio jurídico. Daí, “seguindo o mesmo caminho, no livro específico de Direito de Família não há menção a requisitos de existência do casamento” (MATOS, 2004, p. 22). Além do mais, já que também está se falando em nulidades e anulabilidades, o Código Civil, no livro IV, em que trata acerca do Direito de Família, também enumera
“Como hipótese de nulidade, o requisito de diversidade de sexo entre os nubentes […]. Portanto, […] definir o casamento como entidade familiar exclusivamente heterossexual não afasta a possibilidade de existência de outro modelo familiar […] ao instituto do matrimônio, ou seja, a união homoafetiva”. (MATOS, 2004, p. 23).
Frente a isso, vale ressaltar que os doutrinadores e mesmo quaisquer outras pessoas, “podem argumentar que casamento é, por definição, entre homem e mulher; e que é difícil contrapor-se a uma definição.” (SULLIVAN, 1996, apud MATOS, 2004, p. 64). Parece não perceberem que a raiz do contrato de casamento é o vinculo emocional, afetivo e psicológico entre os dois nubentes e que “nesse aspecto, héteros e homos são idênticos.” (SULLIVAN, 1996, apud MATOS, p. 65).
Assim, “a tentativa de transformar o casamento em um ato invisível, como pretende boa parte da doutrina, só serve para mostrar que não existe casamento inexistente” (DIAS, 2005, p. 259). Correta está Dias (2005), pois, como já foi dito, para existir o casamento, deve haver o ato e, se não existe o ato, é porque não houve casamento, podendo dizer que se trata
“De uma contradictio in adiectio, ou seja, uma contradição em si mesmo: se é ato, é porque existe, e se não tem existência, não é ato, brigando entre si as palavras mesmas. Não há como dizer que não existe, que não pode gerar quaisquer efeitos algo que existe materialmente no plano fático”. (DIAS, 2005, p. 259-260).
Nesse sentido, “nada existe, nada diz a lei sobre ato ou negócio inexistente e nem sobre casamento inexistente” (DIAS, 2005, p. 256). Brandão (2002) argumenta que a teoria do casamento inexistente não faz falta no ordenamento jurídico do Brasil e que basta, somente, a teoria das nulidades para se regrar o casamento. Essa autora ainda afirma que somente uma ação anulatória é capaz de dissolver um matrimônio eivado de nulidade, daí não importando se os nubentes são ou não do mesmo sexo, se houve ou se não houve consentimento livre dos noivos ou se a pessoa que realizou a celebração é ou deixa de ser competente para isso. Daí, se não se deve falar em casamento inexistente, então, o casamento entre homossexuais é possível de ser realizado no Brasil no atual estágio legislativo e histórico, como fala Venosa (2006), até porque,
“Nem a Constituição e nem o Código Civil impõe a diversidade de sexo dos noivos como condição para a celebração do casamento. Não há referência à diferença de sexo, nem no rol dos impedimentos para o casamento”. (DIAS, 2006, p. 87).
E, mesmo que fosse válida a teoria do casamento inexistente, estaria equivocado, na época atual, usar como exemplo de casamento inexistente o casamento entre homossexuais. Nesse sentido,
“Se esse exemplo, até há algum tempo, poderia servir, hoje, se tornou praticamente imprestável para tal fim. […] Se a divergência de sexo não está na lei, o casamento não mais tem a procriação como finalidade, talvez, […] haja um equívoco na base da formulação doutrinária e jurisprudencial acerca da diversidade de sexos como pressuposto do casamento”. (DIAS, 2006, p. 87).
Portanto,
“A ideia de inexistência é inconveniente e inútil e pode ser vantajosamente substituída pela noção de nulidade […]. Portanto, a necessidade de distinguir casamento nulo de casamento inexistente, no fundo, nada mais é do que uma forma de repúdio ao casamento de pessoas do mesmo sexo”. (DIAS, 2005, p. 260-261).
E, isto, o repúdio às uniões homossexuais, não pode acontecer sob pena de se estar afrontando direitos fundamentais, como a dignidade e a igualdade da pessoa humana. Dessa forma, será apresentada, no próximo item, a outra possibilidade que pode acontecer o casamento homossexual no Brasil.
4 – Conversão da União Estável em Casamento combinada com a Norma do Artigo 226, §1º da Carta Magna
Como foi explicitado nos itens anteriores, há duas maneiras de se realizar o casamento homoafetivo no Brasil. A primeira delas já foi vista. Assim, parte-se para a segunda forma que provém da conversão da união estável (art. 226, §3º/CF) combinada com o art. 226, §1º da Carta Magna. Para fornecer uma resposta a essa segunda maneira, é pertinente ter em vista o que expressa o art. 226, §1º da Constituição: “O casamento é civil e gratuita a celebração.”
A discussão que se faz, é querer saber se é possível o casamento homoafetivo no Brasil sob o ponto de vista jurídico. Afirma-se isso, pois a Carta Magna está acima do Código Civil. E, se a Constituição não menciona o sexo dos noivos, não se pode se ater no diploma cível, já que é hierarquicamente inferior à Lei Maior. Então, se esta deu proteção ao Direito de Família e preferiu não mencionar o sexo dos nubentes quando tratou do casamento, permite assim, que homossexuais se casem no Brasil. Ainda, tal ideia encontra defesa na maneira de como se interpreta uma norma da Constituição. Tal defesa, na visão de Moraes (2005, p. 5-6), ocorre
“Através da conjugação da letra do texto com as características históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sociopolitico-econômica e almejando sua plena eficácia. Canotilho, ainda, enumera diversos princípios interpretativos das normas constitucionais:
– Da unidade da Constituição: a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas;
– Do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social, bem como ao reforço da unidade política;
– Da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda;
– Da justeza ou da conformidade funcional: ao órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário;
– Da concordância prática ou da harmonização: exigem-se a coordenação e a combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação a outros;
– Da força normativa da Constituição: dentre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.”
Frente a isso, observa-se que uma norma constitucional deve ser aplicada levando-se em consideração o momento social, político, ideológico em que se vive. Olhando por esse prisma, não haveria nenhum problema para não se realizar, juridicamente, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa ideia pode ser usada frente à norma do art. 226, §1º/CF, por causa da unidade da Constituição, em um primeiro momento. Ela, de acordo com Moraes (2005), deve ter uma interpretação única, ou seja, uma norma não pode entrar em contradição com outra. Por este motivo, o seu efeito é integrador.
Este mesmo entendimento é abarcado por Schäfer (2005) para que os direitos fundamentais tenham a maior eficácia possível. Além disso, segundo Moraes (2005), a interpretação de uma norma não pode alterar o que foi estabelecido pelo legislador. Fazendo-se uma reflexão sobre isso, a norma do art. 226, §1º/CF, quando somente serve para o casamento entre heterossexuais, está alterando aquilo que o legislador quis dizer, pois ele também, ao preferir silenciar sobre o sexo dos nubentes, está admitindo o casamento entre homossexuais.
Portanto, se somente realizar o matrimônio entre os casais heteroafetivos e não estender o benefício aos casais homoafetivos, estar-se-á alterando o significado do texto constitucional, bem como a sua harmonização, e a Carta Magna carecerá de força normativa. Isso, para o autor, quer dizer que “os preceitos constitucionais deverão ser interpretados explicitamente quanto implicitamente, a fim de colher-se seu verdadeiro significado” (MORAES, 2006, p. 11), isto é, uma norma da Carta Magna deve ser interpretada buscando sempre manter uma harmonia com o texto constitucional, adequando-se cada vez mais à realidade social.
Para continuar a discussão e, verificar se realmente o casamento entre homossexuais é possível, é preciso refletir um pouco sobre a norma do art. 226, §1º da Constituição, frente aos princípios fundamentais que constam na Carta Magna, já que quando o Direito de Família ganhou status “constitucional representou uma garantia de que os princípios asseguradores das relações familiares estão mais bem resguardados e, por conseguinte, mais fortes para se tornarem eficazes” (SEREJO, 2004, p. 4). Nesse viés, Spengler (2003, p. 52), ao falar sobre regras e princípios, aduz que “as normas de direitos fundamentais se distinguem em normas do tipo princípios e normas do tipo regras”. Isso quer dizer que os princípios se diferenciam das regras de forma qualitativa. Então, se Spengler (2003) entende que um princípio é mais importante que uma regra e que, se tal regra vai de encontro a um princípio, este deve prevalecer. Ou seja, para ela, parece que um princípio é superior a outra regra qualquer da Constituição.
Diante dessas palavras, quer-se dizer que, se há uma norma, como, por exemplo, o art. 226, §1º/CF ou 1514/CC ou mesmo o art. 226, §3º/CF que, aparentemente “vedam” as uniões homoafetivas e de outro lado há princípios como, por exemplo, a igualdade, a dignidade, que mandam incluir os homossexuais no âmbito do casamento e da união estável, então deve prevalecer o princípio constitucional e não a norma. Isso quer dizer que os princípios são superiores às regras e, portanto, quando se está diante da norma do art. 1514/CC, mesmo que ele mencione que para haver o casamento são necessários “o homem e a mulher”, tal regra deve ser afastada quando se invoca um princípio. Portanto, este é mais um motivo para que o casamento entre homossexuais deva ser realizado no Brasil. Retira-se que,
“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. […] É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo um sistema, subversão dos seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” (MELLO, 2003, p. 53).
Verifica-se que quando se negam direitos, como o matrimônio para os casais homoafetivos, está-se indo contra os princípios fundamentais, bem como contra o próprio sistema jurídico do país e, até mesmo, contra a Carta Magna, pois foram eles que trouxeram, para o ordenamento jurídico do Brasil, novos princípios para o Direito de Família, tendo como objetivo afastar leis ordinárias que são contrárias a esses novos princípios. Quando se está falando em normas e princípios constitucionais, ainda, para discutir se é possível o casamento homoafetivo no Brasil, também se pode falar em direito fundamentais. Por direitos fundamentais, no entendimento de Moraes (2005, p. 21), é
“O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais”.
Ainda assim, também se podem definir direitos humanos fundamentais como aqueles que correspondem à própria natureza do ser humano, ou seja, a sua essência, que pode ser corpórea, social e espiritual e que tais devem ser respeitados pelas normas jurídicas, cedendo aos clamores do bem comum. Além disso, tais direitos humanos fundamentais apresentam algumas características. Entre elas, está a universalidade, que é a “abrangência desses direitos engloba todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica” (MORAES, 2005, p. 23); e a complementariedade, na qual, “os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte” (MORAES, 2005, p. 23). Fontanella (2006, p.1-2) esclarece que,
“Os valores que o Estado de direito deve satisfazer encontram sua tradução normativa nos direitos fundamentais, entendidos […] como todos aqueles direitos subjetivos que correspondem universalmente a “todos” os seres humanos enquanto dotados do status de pessoas, de cidadãos, ou de pessoas com capacidade de fato. Tais direitos têm como característica, além de sua inalienabilidade e indisponibilidade […] o fato de serem inclusivos. Isto quer dizer que, ao contrário dos direitos patrimoniais, que se exercem com exclusão das outras pessoas, ninguém pode desfrutá-los se os demais simultaneamente não os exercerem. Daí a vocação expansiva de tais direitos: eles apresentam forte tendência universalizante, visando estender-se a toda a sociedade, iluminando relações e situações de exclusão e micro-poderes selvagens que até então permaneciam na penumbra. Nesse passo, é importante ressaltar o caráter anti-utilitarista dos direitos fundamentais: não pode a maioria, por mais qualificada que seja, solapar direitos fundamentais de qualquer dos membros da sociedade”.
Portanto, “os Direitos Fundamentais previstos na Constituição devem ser sempre observados, a fim de garantir à sociedade o respeito às diversas identidades e pluralidades de expressões.” (FONTANELLA, 2006, p. 28). Por isso, um direito fundamental é “a palavra mestre, de onde todos os demais pensamentos deveriam e se subordinam” (FONTANELLA, 2006, p. 41). Eles são os princípios. E tais “constituem-se, portanto, no fundo de outras normas; são as normas das normas” (FONTANELLA, 2006, p. 41). Frente a isso, quer-se saber se, perante aos direitos fundamentais, todos os interesses sociais deveriam ser protegidos, entre eles, o casamento e as uniões homoafetivas, posto que esses direitos, na visão de Moraes (2005, p. 2), devem ser uma previsão necessária em todas as Cartas Magnas dos países, pois são eles que têm por fim “consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação do poder e visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana.” Tomando por base as reflexões até então acerca do princípios, direitos fundamentais e normas, percebe-se que os primeiros prevalecem sobre as normas. Portanto, é possível dizer que o art. 226, §1º da Carta Magna pode ser usado para consagrar o casamento homoafetivo, assim como o heteroafetivo.
Aduz-se isso, pois se tomar como base o art. 226, §1º/CF, mesmo que pareça somente falar em celebração do casamento, se verificado mais a fundo, esse artigo menciona, mesmo que implicitamente, o já falado plano da Existência. Como foi colocado, não existe casamento inexistente. E, como essa suposição jurídica de casamento que tenha plano da existência não tem fundamento, cabe verificar, na realidade, a possibilidade jurídica do casamento entre pessoas do mesmo sexo, posto que, conforme expressa Dias (2006, p. 155),
“O Direito deve acompanhar o momento social. Assim como a sociedade não é estática, estando em constante transformação, o Direito não pode ficar à espera da lei. As sociedades modernas são dinâmicas […]. É necessário pensar e repensar o direito acima de conceitos estigmatizados e moralizantes que servem de instrumento de expropriação da cidadania”.
Sendo assim, cabe mencionar que há hierarquia entre as leis, sendo a Carta Magna o ápice e, abaixo dela, estão as outras leis, como o Código Civil, por exemplo. Dessa forma, analisando-se a Constituição, em seu art. 226, §1º, que fala sobre o casamento, vê-se que, embora o mencionado artigo disponha acerca da celebração do matrimônio, não afirma que, para existir esse ato (o casamento), os nubentes devem ser de sexos diferentes. Ela simplesmente silencia. E, em seu silêncio ela aduz ser possível o casamento entre pessoas de sexos diversos bem como o matrimônio de pessoas do mesmo sexo.
Assim, por bem, fez a Carta Magna de 1988, quando ao falar em casamento, não mencionou o sexo dos noivos. Mesmo que o Código Civil diga que essa celebração ocorra entre homem e mulher, é ele quem diz, não a Constituição Federal, que é hierarquicamente superior do Código, até porque, segundo Rios (2003), a razão de um casamento ou de uma união estável existir, hoje em dia, é por causa do sentimento, do afeto que há entre o casal. Daí, portanto, pode-se falar que as normas jurídicas que tratam do Direito de Família não podem ser fechadas, ou seja, devem atentar para a realidade social que as cercam.
Com a chegada da Carta Magna de 1988, tornou-se frágil a linha que divide o direito público e o direito privado como dois planos fechados e sem comunicação entre si. Dessa forma, pode-se afirmar que “o direito civil publicizou-se […] quando deslocou valores encerrados no Código Civil para a Constituição, assumindo, assim, uma natureza de ordem pública.” (GIRARDI, 2005, p. 36).
Percebe-se que o Código Civil não é a única fonte do direito privado e, nesses termos, do Direito de Família. Tem-se também a Constituição Federal e, nessa ótica, se a Carta Magna prefere silenciar sobre o sexo dos nubentes, para a celebração do casamento, nada pode o Código Civil interferir, posto que, o direito privado cada vez mais está se tornando público.
Nesse sentido, Girardi (2005) aduz que frente à Carta Magna, já que ela é superior ao Código Civil, o direito privado, regulado por ele, publicizou-se no momento em que a Constituição normalizou leis referentes à este direito privado. Para a referida autora, faz-se “necessária e obrigatória a iniciativa de um novo processo interpretativo do direito” (GIRARDI, 2005, p. 53).
Verifica-se, portanto, que uma norma, lei, regra, não deve ser interpretada pelo seu aspecto formal, mas sim, sob um aspecto real, que somente frente à influencia da Constituição é possível acontecer. Diga-se isso, pois a Lei Maior foi capaz de dotar os “conceitos infraconstitucionais de novos significados, visando a atender de maneira mais eficiente aos anseios da sociedade brasileira contemporânea” (GIRARDI, 2005, p. 159). Isso quer dizer, no entendimento de Matos (2004, p. 147), que o Código Civil precisa de uma “’releitura’, sob o prisma constitucional”, ou seja, ele necessita ser interpretado e adequar-se de acordo com a Carta Magna. Nesse viés, Fernandes (2004, p. 46), informa que:
“Alguns temas tratados no Código adquiram status constitucional, portanto, com novo conteúdo axiológico, […]. Ao aplicar o Código Civil, estando o assunto previsto na Constituição, a postura do operador jurídico tem de ser diferente, porque precisa dar à norma infraconstitucional uma interpretação conforme o Texto Magno, priorizando o comando que se encontra na Lei Maior”.
Significa dizer que as normas que tratam acerca do casamento no Código Civil, devem ser interpretadas conforme as regras que tratam sobre o matrimônio na Constituição, tomando como base os princípios fundamentais. Olhando-se por esse lado, é possível falar em casamento homoafetivo, posto que, mesmo o art. 1514 do Código Civil, que é responsável por regrar o casamento, afirma que o casamento se realiza entre “o homem e a mulher”, ele não diz que homem deve se casar com a mulher e esta com o homem.
Verifica-se também que esta ideia é proveniente da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da qual o Brasil é signatário. O art. XVI, número 1, afirma que “os homens e mulheres de maioridade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família”.
Isso quer dizer que qualquer indivíduo que esteja apto a se casar pode contrair núpcias e aí não diz que o homem deve se casar com a mulher e esta com aquele. Diz apenas que “homens e mulheres” podem se casar, significando que estes e estas podem contrair casamento com quem desejarem, não importando se é com indivíduo do sexo oposto ou do mesmo sexo ao seu. Frente a isso, Dias (2004, p. 100) esclarece que “segundo o conceito dos especialistas da ONU: casamento é qualquer grupo de pessoas que convivam sob o mesmo teto, sejam ou não do mesmo sexo”.
Mesmo raciocínio está exposto na Convenção Americana de Direitos Humanos (o Pacto de San José da Costa Rica de 1969), que foi retificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992. Ali, no art. 17, sob a proteção da família, é reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de constituírem uma família. Mas, o direito de casar é destinado ao homem, não importando de é com outro homem que ele irá se casar, bem como para a mulher, não levando em conta também se é com outra mulher que ela irá se casar.
O mesmo vale para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que data de 1966. Em seu art. 23, número 1, a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. O direito de se casar e fundar uma família são reconhecidos ao homem e à mulher a partir da idade núbil.
Verifica-se, assim, que o direito de casamento é dado a todos os indivíduos. E que tais podem se casar com quem desejar, posto que não há proibição na lei para que homossexuais não possam contrair casamento e nem que a diversidade se sexos seja essencial para tal ato.
O mesmo está expresso no art. 1517 do Código Civil que, embora fale sobre a idade núbil para o casamento, ele não diz que o homem deve se casar com a mulher e esta com o homem. O artigo apenas menciona que o homem e mulher podem se casar a partir do 16 anos, mas jamais diz que a diversidade de sexo é essencial para o casamento.
Frente a isso, resta afastada a diversidade de sexos para o casamento, podendo-se, então, homossexuais se casarem no Brasil bem como constituírem união estável e formar família, até porque privar os homossexuais de firmar uma união estável bem como um casamento configura discriminação, o que é vedado pela Constituição. Como bem preconiza Dias (2005, p. 257),
“Nem a Constituição Federal e nem o Código Civil impõem a diversidade de sexo dos noivos como condição para a celebração do casamento. Assim, para sustentar a existência de casamento inexistente, invoca-se como exemplo o casamento homossexual. Ora, se esse exemplo, até há algum tempo, poderia servir, hoje se tornou praticamente imprestável para tal fim”.
Dessa forma, frisa-se que é possível falar em casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, posto que, plano da Existência não cabe ser discutido no Direito de Família. Ele não existe nesse campo jurídico. Qualquer dúvida que se tenha deve ser sanada no plano da Validade. No entanto, lá somente pode se tornar inválido um casamento que a lei mencionar nulo ou anulável, ou seja, para tornar inválido um casamento, deve seguir tal qual o que a lei afirma, já que lá o rol de impedimentos é taxativo e não exemplificativo. E, como a lei, no plano da Validade, não faz nenhuma menção ao sexo dos nubentes, não realiza nenhuma proibição que homossexuais não podem ou não devem se casar, então, é perfeitamente possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo, caso contrário, recairia no preconceito, conforme expõe Dias (2005).
E quando se fala nessa questão, talvez, deva-se dizer pré-conceito, afinal as pessoas fazem um conceito antecipado daquilo que não conhecem, do que ouvem falar sobre determinadas pessoas. Para Fernandes (2004, p. 69), quem faz esse conceito antecipado não está “atento para os vários princípios e normas constitucionais que se aplicam ao tema, desde o da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da não discriminação em razão do sexo e outros”. Frente a isso, se é somente o preconceito que impede o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo e não a legislação, então, é bem possível falar em casamento homoafetivo, posto que conceito antecipado que algumas pessoas fazem sobre os homossexuais não deve se sobrepor ao ordenamento jurídico. Até porque Filho (2007, p. 62) diz que o casamento
“No sistema social mais moderno, que não se sustenta em uma pirâmide social legitimadora da base da família, é privilegiada uma ordem privada fundada na livre escolha e no amor, que legitimam as relações familiares. O casamento perde sua destinação transpessoal em favor da realização intima do casal, concedendo a seus integrantes um espaço à liberdade e realização pessoal. Se na família contemporânea observa-se uma forte tendência na satisfação dos interesses próprios e particulares de cada um de seus membros […] baseada na busca do próprio interesse e benefício. Não é mais o indivíduo que existe para a família e o casamento, mas sim a família e o casamento que existem para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, em busca de sua aspiração à felicidade”.
Isso quer dizer que as normas acerca do Direito de Família, principalmente as que regram a união estável e o casamento, devem se moldar à realidade em que o indivíduo está inserido e não a pessoa se moldar à norma. Com isso, quer-se dizer que não vai ser o indivíduo homossexual que vai mudar para se adequar a uma lei, que vai deixar de buscar e lutar por seus direitos. Mas sim é a lei que deve se adequar a essas pessoas, já que ideia contrária a esta, como querem muitos doutrinadores, constitui um preconceito e não algo justo.
Ainda assim, pode-se dizer que o casamento não passa de um contrato do Direito de Família. Nesse viés, Pinheiro (2002, p. 50), afirma que o matrimônio é um ato de vontade, dependente da ação humana:
“Em se tratando de relações jurídicas familiares […] o pacto antenupcial, casamento, reconhecimento da paternidade, adoção, separação judicial, divórcio, integram a classe dos fatos jurídicos que dependem da ação e da vontade humana”.
Dessa maneira, se um casamento é um contrato que provém da vontade e das relações humanas, por que não estender esse tipo de contrato para os casais homoafetivos se essas relações, da mesma maneira como os casais heteroafetivos, também estão baseadas no afeto e na confiança? Percebe-se, por meio das palavras da autora, que o casamento é, em verdade, um mero contrato, como qualquer outro. As únicas diferenças ente o contrato, que é regulado pelo Direito de Família e o contrato que é regulado pelo Direito das Obrigações, é que, no primeiro ele é mais solene, mais pomposo do que no segundo e que também é o afeto, o desejo, o amor que leva a formá-lo, enquanto no segundo, o afeto e o amor não existem.
Então, o que se pode dizer é que quando um casal heterossexual se casa, ele está formando, assinando um contrato que vai regular o seu patrimônio, mas que a origem desse contrato é o amor. Portanto, se o amor existe entre pessoas do mesmo sexo, por que lhes é negado formar esse contrato? Só pelo fato de um simples artigo do Código Civil mencionar “o homem e a mulher”? Está se falando em um contrato que até poderia ser tratado no campo de Direito das Obrigações e dos Contratos (daí, valendo, tanto para as uniões entre homossexuais, quanto para as uniões entre heterossexuais), mas verifica-se que não foi essa a intenção da legislação quando tratou sobre o casamento. Preferiu ela, já que o matrimônio é um contrato que se baseia no afeto, trazer para o campo de Direito de Família. E, se analisar por este prisma, que é o amor, então não tem porque negar aos homossexuais esse contrato, que é o casamento. Ou seja, se está se afirmando que a origem do contrato de matrimônio é o afeto, então os casais homoafetivos bem podem utilizar-se deste instrumento para se unirem. Nesse sentido, com total certeza que:
“O casamento é ‘um contrato de família, solene e especial, entre duas pessoas, que visam a uma comunhão de vidas […]. É contrato de família, porque nasce com a vontade das partes de construírem uma família, exigindo tal consentimento. […] Veja-se que o elemento acidental, de sexo diverso, não importa à definição, posto que a natureza especial do contrato vinculada a relação nos termos da lei […] não pode exigir a diversidade de sexos dos nubentes”. (CASTRO, 2002, p. 98)
Sendo assim, já que casamento é um mero contrato, de ordem afetiva, não mais se concebe, então, “conviver com a exclusão e com o preconceito” (DIAS, 2004, p. 64). Portanto, frente ao ordenamento jurídico brasileiro, os vínculos homoafetivos encontram total proteção, afinal, se hodiernamente se vive em uma sociedade que preza pela dignidade da pessoa humana, pelo respeito e direitos a todos os cidadãos, então negar o
“Casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma questão de discriminação pública formal […]. Negá-lo aos homossexuais é a maior afronta pública possível à sua igualdade pública. O cerne do contrato público é um vínculo emocional, financeiro e psicológico; nesse aspecto, heteros e homos são idênticos” (TALAVERA, 2004, p. 37).
Verifica-se, diante disso, que o problema do matrimônio e mesmo da união estável ser estendidos aos homossexuais não se encontra na legislação, afinal, a lei permite, mesmo que implicitamente, tais relacionamentos. Mas, o problema se encontra justamente na eficácia de tal norma para essa parte da população. E isso será verificado no próximo item.
5 – Eficácia do Casamento Homoafetivo: a Luta pela Realização
Como foi explicitado ao final do item anterior, é possível o casamento homoafetivo ser realizado no Brasil, mas que, para tanto, é preciso que a lei possua eficácia, isto é, seja aplicada para estes indivíduos. Assim, neste item não se falará da eficácia (referente ao plano da Eficácia), mas sim a eficácia de fazer valer a norma. De a norma do art. 226, § 1º da Carta Magna adquirir força de lei para os casais homossexuais. E isso, ao que parece, seria mais fácil do que fazer com que os cidadãos entendam que o art. 226, § 1º da Constituição pode ser aplicado para realizar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo.
Para que isso ocorra, é necessário pressupor que haja alguma lei em que se possa entender que seja possível, juridicamente, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Pelo que foi exposto, pode-se verificar que o art. 226, §1º, da Constituição Federal realiza esse papel. Há lei que, na verdade, permite o casamento entre homossexuais, mas tal norma somente possui eficácia quanto ao matrimônio entre pessoas de sexos diversos. Sendo assim, parece que o maior empecilho para a realização do casamento homoafetivo seja a falta de eficácia da legislação por causa do preconceito. Diga-se isso, pois, de acordo com Fontanella (2006), sob o ponto de do garantismo jurídico, que realiza uma releitura dos conceitos de validade, uma norma quando editada perante um processo legislativo, é considerada vigente ou, então, possui uma validade formal se estiver em conformidade com uma norma superior, isto é, quando a norma inferior não afrontar a norma que está hierarquicamente acima. E tal norma será eficaz quando for observada e seguida pela sociedade, por seus destinatários, bem como pelos tribunais.
Nesse caso, faz-se necessário realizar o casamento homoafetivo no Brasil, pois somente assim, a norma do art. 226, §1º da Constituição possuirá total eficácia. Afirma-se isso, até porque, se o matrimônio não for celebrado, está-se, negando esses direitos aos homossexuais. E isso, para Rios (2003, p. 22), faz com que
“Se propague a visão negativa dos homossexuais. A negação de direito, os discursos que publicamente afirmam que não se pode condenar os homossexuais, mas que também não se deve estimulá-los, têm como resultados o estímulo contrário, isto é, o estímulo às violências físicas e morais contra eles. Já que não podem ter direitos iguais, a mensagem enviada pelos juristas que assim se pronunciam, é de reforço dos preconceitos e idéias pseudo-científicas divulgadas aqui e ali. É uma mensagem de desigualdade. A descrição dos insultos e da violência de que são vítimas os homossexuais mostra que são uma violação de seus direitos fundamentais. Não é difícil perceber que o tratamento dispensado socialmente aos homossexuais […] constitui tratamento degradante, vedado pelo art. 5º, III da Constituição Federal”.
Isso aponta para uma discriminação contra os homossexuais, mesmo que “o ordenamento constitucional oferece aportes suficientes para os efeitos jurídicos da união [e casamento] homoafetivo” (MATOS, 2004, p. 148). Então, a legislação oferece a possibilidade de casamento para os casais homossexuais por causa dos princípios e de outros direitos fundamentais. A norma do art. 226, §1º da Carta Magna carece de eficácia para as relações homoafetivas. Diga-se isso, pois, no Brasil, somente é celebrado o casamento entre heterossexuais.
No entanto, tal atitude não deve prevalecer, pois se um relacionamento, um casamento, uma união, se baseia no afeto e se tanto héteros quanto homossexuais são capazes de amar, então, não há porque não promover a eficácia da norma constitucional, que trata sobre o casamento para os homossexuais. Afinal, todos os indivíduos tem liberdade para amar quem desejar de todas as maneiras quanto forem possíveis desde que respeitem a integridade moral bem como física das outras pessoas.
6 – Considerações Finais
Esse artigo procurou mostrar que é possível o casamento homoafetivo ser realizado no Brasil. Para isso, foi demonstrado que o plano da Existência, no que tange ao instituto do casamento no Direito de Família, pode, perfeitamente, ser afastado. Afirma-se isso, pois os requisitos tidos, até o momento, por muitos doutrinadores, para a existência do matrimônio (diversidade de sexos, autoridade competente e consentimento dos noivos), necessitam ser discutidos no plano da Validade.
Dessa forma, verifica-se, no que toca ao requisito da “autoridade competente”, pode ser anulado (e daí a discussão de ser tratado no plano da Validade), afinal, o legislador considera somente anulável o casamento celebrado por autoridade incompetente, de acordo com o art. 1550, VI do Código Civil. Percebe-se, portanto, que a autoridade incompetente não pode tornar o casamento inexistente, mas sim inválido.
Quanto ao requisito “consentimento dos noivos”, cabe frisar que na hipótese de falta de manifestação de vontade, ou negação de se casar por um dos noivos, não torna o casamento inexistente. Pelo contrário, isso configura vício de vontade, de acordo com o art. 1559 do Código Civil que trata sobre a coação. Desse modo, tal requisito, deve ser tratado no plano da Validade, ensejando, assim, anulação do casamento e não, inexistência.
No que tange ao requisito “diferença de sexos dos nubentes”, percebe-se que ele é afastável. Afirma-se isso, pois apresenta-se duas maneiras para o casamento homoafetivo ser realizado no Brasil.
A primeira resulta da conversão da união estável em casamento, uma vez que a união estável homoafetiva é reconhecida através do uso da analogia, então, ela pode ser convertida em casamento, se não existir no ordenamento jurídico alguma norma que proíba essa união ou até mesmo o casamento.
A segunda hipótese é proveniente da norma do art. 226, §1º da Constituição Federal, afinal, o casamento é a celebração, o ato e o estado de fato que vem após essa celebração. Então, qualquer celebração de matrimônio que se faça, o ato sempre terá existência. Dessa forma, não cabe discutir o plano da Existência no Direito de Família, para tentar proibir o matrimônio homossexual, pois demonstra uma contradição em si mesmo (contradictio in adiectio); isto é, se houve o ato é porque existe o casamento. Caso contrário, se não tem existência, não pode ser considerado ato. Assim, as palavras acabam se conflitando. Daí se afirmar que “não há como dizer que não existe, que não pode gerar quaisquer efeitos algo que existe materialmente no plano fático.” (DIAS, 2005, p. 259-260).
Percebe-se, assim, que casamento inexistente nunca existirá no ordenamento jurídico do Brasil. Dizer que a diferença de sexo dos nubentes é requisito essencial para o matrimônio parece que não passa de uma ideia sem fundamento, ou melhor, se encontrar fundamento, é somente no preconceito. Aduz-se isso, pois tanto a Carta Magna, quanto o Código Civil não impõem a diferença de sexos dos nubentes como condição para o matrimônio ser celebrado. Em outras palavras, também se pode dizer que, em momento algum, diz que o homem deve se casar com a mulher e esta com aquele. Apenas refere que homem e mulher podem se casar, não dizendo se é com indivíduo do mesmo sexo ou se com indivíduo de sexo diferente. Por tais motivos é que se pode falar que o casamento homoafetivo é possível, de acordo com o ordenamento jurídico do Brasil.
Desse modo, no ultimo item do artigo foi demonstrado que o único empecilho para o casamento não ser celebrado é a falta de eficácia da lei matrimonial para os homossexuais. Assim, necessita-se refletir e promover a realização do matrimônio homoafetivo no Brasil, posto que, todas as pessoas tem direito de buscar sua felicidade.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria – RS (FADISMA); Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria – RS; Especializanda em Direito de Família e Sucessões pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA- Santa Maria). Integrante do Grupo de Estudos em Afetividade e Moralidade – AFETOS MORAIS na Universidade Federal de Santa Maria – RS
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