A cláusula compromissória fundamenta-se no pacto de submeter ao juízo arbitral a solução dos conflitos que porventura venham a surgir em decorrência do contrato firmado entre as partes. O Estado-juiz é afastado pela vontade das partes, quando estas buscam a tutela pretendida e sua resolução no âmbito da arbitragem.
A aceitação da cláusula compromissória opera-se, via de regra, pelo consentimento expresso das partes. Mas o silêncio de uma das partes pode ser reputado como anuência à convenção de arbitragem. Esse, aliás, foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao proferir sua primeira homologação de sentença estrangeira (1) em que litigavam L’ Aiglon S.A x Têxtil União S.A.
Em breve relato, o leading case dizia respeito a um contrato de compra e venda internacional de algodão, onde figurava uma cláusula compromissória pela qual, na eventualidade de um conflito, este seria dirimido pela London Cotton Association (LCA), entidade pioneira e respeitada no mercado mundial de algodão. Tendo ocorrido o descumprimento do contrato pela empresa brasileira, a arbitragem foi instaurada e decidiu-se em favor da empresa suíça, obrigando aquela ao pagamento de parcelas inadimplidas. Descontente com o resultado, a Têxtil União S.A. não se conformou com a decisão proferida em sede arbitral e interpôs recurso, alegando, em suas razões, não ter expressamente aceito a cláusula compromissória, inclusive justificando tal atitude por meio do silêncio em que permaneceu à época da instauração do procedimento arbitral, quando fora instada a se manifestar pelas diversas notificações perpetradas.
Na prática comercial internacional, é possível trilhar a linha de entendimento de que a cláusula compromissória não exige aceitação expressa das partes. Tanto é assim que a Lei nº 9.307/96, ao tratar do tema, nada dispôs, assim como a Convenção de Nova York de 1958. Portanto, ainda que não tendo havido uma aceitação expressa, se a parte manifesta inequívoco interesse em nomear árbitro e alegar suas razões de mérito na arbitragem, em face da confiança gerada entre as partes consubstanciada na troca de correspondências, não se pode afastar a ocorrência da aceitação da cláusula compromissória em tais situações.
Ainda estando o silêncio, desde os tempos mais remotos, ligado à ausência de exteriorização de ato volitivo, não se nega, sobretudo na seara comercial, onde a rapidez dos negócios exige respostas rápidas, que o silêncio de uma parte possa ser reputado como consentimento. Esse foi o entendimento adotado pelo Código Civil, em seu artigo 111:
“O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.
O dispositivo legal corrobora o entendimento de que os usos e costumes representam fundamental importância na constituição dos casos de eficácia do silêncio como manifestação de vontade, e, via de conseqüência, gerador de obrigações (2). Em outras palavras, o silêncio pode ser reputado como consentimento, desde que as circunstâncias legitimem tal atitude(3).
Nessa esteira de raciocínio, a ementa da decisão (4) do caso Aiglon S.A x Têxtil União S.A é paradigmática:
“1. Tem-se como satisfeito o requisito da aceitação da convenção de arbitragem quando a parte requerida, de acordo com a prova dos autos, manifestou defesa no juízo arbitral, sem impugnar em nenhum momento a existência da cláusula compromissória (…)”.
Há que se levar em consideração a confiança e expectativa geradas entre as partes, norteadas pela boa-fé objetiva e o dever de lealdade negocial que incide tanto em fase pré-contratual como contratual. A lealdade negocial exige um comportamento que leve em consideração os interesses da outra parte contratante, o alter, deflagrando um cristalino traço colaborativo na relação contratual, polarizado na consecução das disposições previamente pactuadas (5).
Portanto, aceitar as estipulações contratuais e, posteriormente, negar o que fora avençado representa comportamento incongruente (venire contra factum proprium) com os cânones da boa-fé objetiva (6). No caso em comentário, a confiança gerada entre as partes, conjugada com a observância ao dever de lealdade negocial que baliza a conduta das partes, revestiu o silêncio de força capaz de manifestar vontade no liame obrigacional.
A decisão do STJ exaltou, portanto, a preocupação em fazer prevalecer o princípio da boa-fé objetiva e os deveres acessórios no cumprimento contratual, em detrimento do formalismo intransigente, que não se coaduna com o ritmo em que as relações comerciais internacionais se desenvolvem na atualidade.
Notas:
(1) O caso abordado foi o primeiro homologado pelo STJ, após a Emenda Constitucional nº 45/2004.
(2) OWSIA, Parviz. Silence: Efficacy in contract formation. A comparative review of French and English Law. In: International and Comparative Law Quarterly. v.40, part.4, October, 1991. p. 784-806. Nesse mesmo sentido é a dicção do art. 18 (3) da Convenção de Viena (1980) e o art. 2.11 dos princípios Unidroit. Ver também KESSEDJIAN, Catherine. Un exercice de rénovation des sources du droit des contrats du commerce international: Les principes proposés par l’Unidroit. In: Revue Critique de Droit International Privé, (84) (4) octobre-décembre, 1995. págs.641-670.
(3)FRADERA, Véra Jacob de. O Valor do Silêncio no Novo Código Civil in: Aspectos Controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, págs. 569-582.
(4)STJ, Corte Especial, SEC 856-EX, publicado no DJ de 27.06.2005, rel. Carlos Alberto Menezes Direito.
(5) MAYER, Pierre. Le Principe de Bonne Foi devant les Arbitres du Commerce International, in: Festschrift Pierre Lalive, Basel, Frankfurt. 1993. págs. 543-556.
(6) GAILLARD, Emmanuel. L’Interdiction de se Contredire au Détriment d’Autrui comme Principe Général du Droit du Commerce International, Revue de l’Arbitrage, 1985.
Integrante de Trigueiro Fontes – Advogados, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Pesquisador na Área de Arbitragem Internacional.
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