Comentários acerca dos institutos da hipoteca e alienação fiduciária

Resumo: Tendo em vista o vertiginoso crescimento no mercado imobiliário brasileiro, o presente texto tem como objetivo tecer comentários sobre os dois principais direitos reais de garantia que proporcionaram tal crescimento.


Palavras-chave: Mercado imobiliário. Direitos reais de garantia. Hipoteca. Alienação fiduciária.


Sumário: 1. Introdução. 2. Alienação fiduciária. 2.1. Pontos positivos da alienação fiduciária. 2.2. Pontos negativos da alienação fiduciária. 3. Hipoteca. 3.1. Pontos positivos da hipoteca, 3.2. Pontos negativos da hipoteca. 4. Conclusão. Referências bibliográficas


1. INTRODUÇÃO


Inicialmente, cumpre destacar que no presente trabalho trataremos de forma direta os direitos reais de garantia. Nesse passo, para Orlando Gomes, direito real de garantia nada mais é aquele que “confere ao credor a pretensão de obter o pagamento da dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação”. (GOMES, 2004 apud GONÇALVES, 2008, p. 494).


Conforme é disposto no Código Civil de 2002, são elencados quatro direitos reais de garantia, sendo penhor, anticrese, hipoteca e propriedade fiduciária.


Ato contínuo, no presente trabalho analisaremos de forma específica os institutos da hipoteca e da alienação fiduciária, tecendo comentários favoráveis e desfavoráveis no que tange a ambos os institutos.


2.  ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA:


Dentro os institutos citados, cabe ressaltar que a alienação fiduciária não se trata de um direito real de garantia antigo como os demais, no entanto, atualmente, este tem sido muito utilizado no mercado, sendo aplicado principalmente em aquisições de veículos, máquinas e imóveis.


A opção pela propriedade fiduciária se dá pelo motivo de ser muito mais vantajosa para aos credores, pois celebrada por intermédio de contratos unilaterais, sem que a parte contratante tenha oportunidade de negociar as cláusulas contratuais.


Destaca-se que a propriedade fiduciária é regida por lei específica, Lei 9.514/97, sendo possível aplicação de tal instituto aos bens imóveis. Ocorre que com as alterações trazidas naquela lei pela Lei 10.931/04, passou-se a permitir a alienação fiduciária de bens fungíveis e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas e títulos de crédito. Por conseguinte, a aplicação do Código Civil somente ocorrerá naquilo que não for incompatível com a legislação especial.


De acordo com o disposto no art. 22 da Lei 9.514, resta consignado que a alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.


No mesmo passo, o art. 1.361 do Código Civil, menciona que considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.


2.1 PONTOS POSITIVOS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA:


Naquilo que concerne às vantagens da alienação fiduciária, pode-se citar que em caso de inadimplência por parte do devedor fiduciário, o credor fiduciário converte-se automaticamente em proprietário do bem, tendo no valor do bem dado em garantia o suposto importe para se satisfazer. 


Embora ocorra a situação abordada, o credor fiduciário é obrigado a levar o imóvel para leilão público, dentro do prazo de trinta dias após a transferência da propriedade em seu nome, de acordo com aquilo que encontramos no art. 27, caput, da Lei 9.514, in fine:


“Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.”


Com a leitura do artigo supra, resta bem evidente que a simples conversão da propriedade para o credor fiduciário não significa quitação da dívida, faz necessário realizar o leilão para obtenção de recursos com a finalidade de satisfazer o crédito.


Realizando-se o leilão, caso seja apurado que o valor do maior lance é inferior ao valor do imóvel, far-se-á necessária a realização de um segundo leilão nos 15 (quinze) dias seguintes (art. 27, § 1º). Já no segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais (art. 27, § 2º).


Após análise de todo teor do art. 27, verifica-se que se no segundo leilão não se atingir o valor pretendido para a satisfação do crédito devido, a obrigação extinguirá através da consolidação do bem na pessoa do credor, como forma de pagamento.


Outro ponto que torna a propriedade fiduciária muito positiva está localizado no fato de que o credor fiduciário, no caso de falência ou recuperação judicial do devedor, não correrá risco de perder o imóvel que garante o contrato. Tal é o que dispõe o §3º do art. 49 da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária:


Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. (…)


§3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis… seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.”


Assim sendo, segundo a previsão da Lei de Falências e Recuperação judicial de empresas, em caso de falência ou recuperação judicial do devedor, o imóvel dado em garantia não integrará a massa falida.


Vale ressaltar que para constituição da alienação fiduciária não será necessário o recolhimento do ITBI, muito menos de laudêmio, em caso de imóvel enfitêutico, na medida em que viola o art. 156, II da Constituição Federal, pois em casos de alienação fiduciária a propriedade do imóvel já é do credor fiduciário. Somente será necessário o recolhimento no caso da propriedade plena do imóvel.


2.2 PONTOS NEGATIVOS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA:


Embora a alienação fiduciária possa se apresentar como um direito real de garantia muito mais protetor e favorável ao credor, podemos citar um grande aspecto que lhe torna desfavorável.


Nesse passo, devemos considerar como ponto negativo a eventualidade de no segundo leilão não se conseguir arrecadar o valor pretendido para satisfazer o crédito. Dessa forma, a obrigação será considerada extinta por intermédio da consolidação da propriedade na pessoa do credor, que deixará de receber a dívida em sua integralidade, conforme disposto no art. 27, § 5º, da Lei 9.514.


Ademais, diferentemente da hipoteca, o devedor fudiciante somente poderá alienar fiduciariamente o mesmo bem uma única vez.


3. HIPOTÉCA:


Para que possamos tecer comentários sobre a hipoteca, um importantíssimo direito real de garantia, Silvio Rodrigues assevera que tal instituto “tem por objeto bens imóveis, navio ou avião pertencentes ao devedor ou a terceiro e que, embora não entregues ao credor, asseguram-lhe, preferencialmente, o recebimento de seu crédito”. (RODRIGUES, 2002 apud GONÇALVES, 2008, p. 559).


3.1 PONTOS POSITIVOS DA HIPOTECA:


Muito embora a hipoteca não seja considerada como o direito real de garantia mais vantajoso, a mesma possui alguns argumentos positivos que devem ser levados em consideração. 


Diante dos pontos favoráveis, devemos ressaltar que a hipoteca convencional pode ser prorrogada por até 30 anos após a assinatura do contrato, mediante averbação requerida por ambas as partes, conforme art. 1.485 do Código Civil.


“Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir.”


Tal prazo refere-se apenas às hipotecas convencionais. No que tange às hipotecas legais, estas perduram indefinidamente.


Outro ponto interessante está localizado naquilo que tange ao valor arrecadado com a venda do imóvel. Caso não seja suficiente para quitar a dívida, o credor hipotecário pode prosseguir com a execução até que o crédito seja integralmente quitado, diferentemente da alienação fiduciária, como anteriormente exposto.


Vale ressaltar que o direito de garantia da hipoteca produz efeitos erga omnes, ou seja, o credor tem o direito de perseguir o imóvel nas mãos de quem o possui. Ato contínuo, poderá o devedor hipotecário gravar outros ônus reais sobre o bem hipotecado, citando como exemplo a servidão e o usufruto.


Valioso ressaltar que no art. 1.476 está contido que o dono do imóvel hipotecado poderá, mediante novo título, constituir outras hipotecas, em favor do mesmo credor, ou até mesmo de outros credores. GERVÁSIO (2010) entende ser isso positivo, “na medida em que um bem de alto valor poderia servir para cobrir mais de um débito, possibilitando-se a satisfação de dívidas de múltiplos credores, o que não é possível na alienação fiduciária”.                                                                               
Na mesma linha de raciocínio, GERVÁSIO (2010) lembra que na hipoteca o ônus poderá ser repartido na possibilidade do imóvel ser loteado ou houver a constituição de um condomínio edilício, gravando-se cada unidade proporcionalmente ao seu valor, o que facilitará a venda na hipótese de inadimplemento da obrigação.


Por fim, assim como consignado como um ponto negativo da alienação fiduciária, na hipoteca o devedor poderá constituir mais de uma hipoteca sobre o mesmo imóvel, questão essa que se apresenta muito benéfica.


3.2 PONTOS NEGATIVOS DA HIPOTECA:


Levando em consideração que a hipoteca foi criada com o objetivo de aquecer o mercado imobiliário, a mesma está cada vez mais em desuso, frente aos seus pontos negativos, que lhe afastam cada vez mais das relações econômicas.


Diante dos pontos negativos, ressalta-se que a hipoteca é uma restrição sobre o valor da coisa onerada, sendo que o direito do credor hipotecário mantém-se suspenso até o prazo prefixado para o adimplemento da obrigação principal. Neste interregno, o devedor hipotecário permanece com todos os atributos dominiais, podendo usar, gozar e dispor do imóvel hipotecado, sendo-lhe vedado apenas praticar atos que possam degradar a coisa dada em garantia. Nos casos em que a coisa hipotecada venha a perder valor diante da negligência do devedor em sua conservação, ocorrerá o vencimento antecipado da dívida se, depois de intimado, o devedor não substituir ou reparar a coisa hipotecada, conforme estabelecido no art. 1.425, I, do Código Civil.


Menciona-se como outro ponto negativo o fato de que enquanto não quitada a dívida, o devedor poderá explorar economicamente o imóvel, podendo até mesmo oferecê-lo a terceiros, para que esses possam usufruir do bem.


Quando tratamos de hipoteca, no caso de inadimplência, far-se-á necessário o ingresso de medida judicial (execução hipotecária), com a posterior penhora do bem, para depois levantá-lo em hasta pública, o que leva um longo tempo para recuperação do crédito. Nesse sentido, podemos considerar como ponto negativo para o devedor o fato de que se no leilão não for apurado valor suficiente para quitar a dívida, deverá o mesmo realizar o pagamento desse valor complementar.


Ainda como ponto negativo, nos casos de falência, o bem hipotecado poderá integrar a massa falida, podendo frustrar o recebimento do crédito do credor hipotecário, conforme o art. 1.483 do Código Civil.


Por fim, não poderá ser hipotecado o bem de família, uma vez que o direito à moradia é direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988.


4. CONCLUSÃO


Por fim, conclui-se que embora a hipoteca possua grandes argumentos favoráveis, esta vem sendo cada vez mais enfraquecida, porquanto que traz mais prejuízos aos credores que a alienação fiduciária. No mesmo ponto, como a maioria dos contratos celebrados na atualidade são contratos de adesão, os credores preferem uma situação que lhes proporcionem o menor risco possível no negócio entabulado.


 


Referências bibliográficas:

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>.

BRASIL. Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9514.htm>. Acesso em out.2010.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em out.2010.

BRASIL. Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2005/lei/L11101.htm>. Acesso em out.2010.


GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume V : direito das coisas. 3ª ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2008.

Informações Sobre o Autor

Rodolpho Pandolfi Damico

Advogado e Pós-graduando em Direito Tributário


Equipe Âmbito Jurídico

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